quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Uma foguista do diabo

Ensaio


baitasar

As quenturas daquelas noites não eram do ar mormacento que aflige a todos logo após o almoço, afinal já quase chegavam as horas da madrugada. O sol era apenas uma lembrança na escuridão. O ventilador empoeirado estava quebrado. O suor se aproveitava das hélices paradas para escapar grosso e opaco daqueles dois corpos deitados, lado a lado — O general ta brigado com a sua foguista?
—        Por quê? — o general nunca respondia de imediato, lançava outra pergunta por cima, como resposta, como técnica amena de interrogador: ganhar tempo no pensamento do interrogado
—        O general não me olha mais com os olhos da torcida do Flamengo.
—        Não consigo, mocinha...
—        Tenta meu flamenguista.
—        ... pelo menos até resolver alguns assuntos.
Meia-noite - a metade da noite se foi: a luz não se importa com a escuridão - a lâmpada do abajur queimada — Vamos casar?
—        Casar é coisa pra louco! E já tenho casamento com o fardamento. — o mormaço do almoço continuava pela madrugada, o perfume não se importa com a flor, o abajur não se importa com a lâmpada, e Olalla não se importa com o abajur
—        Assim está melhor, amorzinho. — o desejo não se importa com o amor, o meu general ainda não perfumou o bigode.
Aquela era minha menina, não havia tentativa perdida, educada até perto da sabedoria, não se perdia da paciência, remexia delicadamente e o aroma subia da cintura aos furos do nariz — O meu general não vai perfumar os fios? — e aquele olhar de torcedor do Flamengo lhe voltava na prorrogação, enquanto o juiz não apita o fim: o golo tava valendo. O Calçacurta pediu mudança de posição, queria jogar de centroavante rompedor, estilo aipim, fincado na zona do agrião. O polegar e o indicador da mão esquerda ajeitavam o bigode, os fios alinhados do meio para as pontas, prontos para o combate - esse jogo havia virado uma guerra: corpo a corpo - baionetas, línguas, sangue, gozo
—        Adoro essa língua nos cabelos do fogo — a menina brincava com o general, brincava com o fogo da tentação, brinque com os pelos meu foguista pervertido.
O carvão do lápis apagado da brasa marcava a brancura angelical do púbis da foguista. As cinzas ainda quentes e o sono enervado do general. Olalla abraçava Calçacurta com força, usava sua vontade para encher de vontade o general, precisava do conforto de um corpo com vida, acalorado — Fala filha-da-puta, se a cabritinha não fala: vai piorar.  Caminha de um lado a outro da pequena cela, os gritos não saem, ficam engolidos dentro da preta, se a moça fala mando parar com tudo isso, nada, nenhum músculo se mexe — O que se faz, general?
—        Enfia os fios por baixo e não sai do pau-de-arara até gemer, acorda querido, acorda general, Olalla tinha vontade para os dois — Não para foguista, não para.
Ela era o cavaleiro do cavalgadura, enquanto a lâmpada do abajur continuava queimada — General, acho que essa preta não aguenta mais nada, o que se faz? — já estava feito — Some com tudo!
O amor é sublime porque não precisa do corpo: compartilha da memória os agrados, esquece os desagradecimentos. Olalla ergueu os braços e levou as mãos aos cabelos, empurrou-os para trás, apertava a sela com os joelhos e o animal fazia caretas — O que foi, general? — sabia o que fez, estava lhe educando para contentar, para controlar, para acalmar — Não para foguista, não para — sabia como se faz, não para, não para, era tudo que o filho do homem conseguia dizer, um beija-flor embriagado com perfume da foguista
—        A foguista também gosta, o general perguntava durante o galope, mas não esperava resposta, mais rápido, mais rápido
—        O meu general parece um beija-flor. — a menina Olalla conhecia as lições da casa: a mentira não se importa com a verdade. O general lhe agarrava a enseada da ancoragem, estava entalhado até o fundo, empurra e puxa, empurra e puxa — Isso, minha foguista, leve como uma beija-flor.
As curvaturas agitavam, os galopes atingiam Olalla, os fios entravam por baixo, e no centro da terra as entranhas da lava incandescente, o pau-de-arara firme e forte, Olalla balançava e os fios entrando e saindo por baixo, o sangue caindo em gotas, a bacia de alumínio toda amassada aparava a goteira humana — Quero os seus dedos, general! — desmontava da sela em movimento, não morreu dos fios entrando, não morreu dos socos, Olalla se oferece para o bigode e as mãos do Calçacurta, o general me deixou esse mau costume com seus dedos. A lava incandescente ameaçando transbordar, Olalla sente que o vulcão se prepara para despejar pelos céus da sua boca — A foguista não tem vergonha na cara. — os fios do bigode nos pelos do fogo, o seu céu na boca do vulcão se preparando, tossindo para explodir, limpa uma, duas, três vezes a garganta, a foguista sente a lava derretida derramando, até que a grande explosão sobe ao céu — O general não tem vergonha na cara! — a foguista enfia o dedo do meio no fim do intestino do Calçacurta. Outra explosão, mais fogo, não para, não para, tu és uma foguista do diabo — Cada um escolhe o que vai fazer nesta vida, general.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Ingrid Bergman


Minha primeira paixão abnegada...


30 anos sem Ingrid Bergman


Do G1
Ela atuou em filmes como 'Casablanca', 'Interlúdio' e 'Sonata de outono'. Atriz morreu em Londres no dia de seu aniversário de 67 anos em 1982.
Ela foi a Ilsa Lund de "Casablanca", a loira de Hitchcock, a apaixonada amante e esposa de Roberto Rossellini e, finalmente, filmou com o outro Bergman, Ingmar, no crepúsculo de sua carreira: Ingrid Bergman, uma das melhores atrizes da história do cinema, morreu no dia de seu 67º aniversário há três décadas.
Humphrey Bogart e Ingrid Bergman em 'Casablanca' (Foto: Divulgação/Warner Bros.)
Humphrey Bogart e Ingrid Bergman em 'Casablanca'
(Foto: Divulgação/Warner Bros.)
No cinema, foi a inspiração para a célebre frase "Nós sempre teremos Paris", com a qual Humphrey Bogart deixava aberta a história de amor mais clássica da telona. Na vida, escreveu a Roberto Rossellini outra não menos célebre: "Só sei dizer uma coisa em italiano: Ti amo".
A maior descoberta sueca de Hollywood após a aposentadoria da "divina" Greta Garbo fora uma autêntica loira de Hitchcock também fora das telas. Um vulcão gélido que, apesar de ter representado a candura em produções como "À meia luz" (1944) - o primeiro de seus três Oscar - e "Spellbound: Quando fala o coração" (1945), sempre foi ruidosa.
"Era o ser humano mais tímido jamais criado, mas tinha um leão dentro de si que não se calaria", resumiu depois em sua autobiografia, que foi um sucesso de vendas e na qual expôs ao mundo uma fidelidade a si mesma muito adiantada para o seu tempo.
Em pleno Hollywood da Caça às Bruxas e do código Hays de moral e censura, Ingrid Bergman abandonara seu marido e fugira à Itália com Roberto Rossellini. Só precisou assistir a "Roma, cidade aberta" (1945) para apaixonar-se por ele, com quem se casou e teve três filhos.
Ao lado de Liv Ullmann, Ingrid Bergman aparece em cena de 'Sonata de outono' (Foto: Divulgação/Criterion)

Ao lado de Liv Ullmann, Ingrid Bergman aparece em cena de 'Sonata de outono' (Foto: Divulgação/Criterion)

"Acho que ninguém tem o direito de intrometer-se na sua intimidade, mas as pessoas fazem isso. Eu gostaria que as pessoas separassem a atriz da mulher", disse quando as crônicas sociais encheram páginas e mais páginas com sua história de amor.
Após demonstrar em "Por quem os sinos dobram" (1943) e "Joana d'Arc" (1948) que era a perfeita heroína do imaculado cinema americano, se tornou musa do neo-realismo em obras convulsas como "Stromboli" (1950), "Europa 51" (1952) e "Viagem pela Itália" (1954).
Embora tenha rejeitado o magnata Howard Hughes, já tinha protagonizado romances com personalidades como o fotógrafo Robert Capa durante as filmagens de "Interlúdio" (1946). Hitchcock chegou a reconhecer que se baseou em sua história de amor para conceber o roteiro de "Janela indiscreta" (1954).
Ingrid Bergman, nascida em 29 de agosto de 1915 em Estocolmo e falecida em Londres no mesmo dia em 1982, chegara a Hollywood marcada por sua beleza um pouco campestre, sua voz grave e sua estatura excessiva (1,75m), que fez com que Humphrey Bogart em "Casablanca" (1942) e Claude Rains em "Interlúdio" tivessem que usar saltos ao seu lado.
Em pouco tempo conquistou o público com um talento dramático fora de série, até o ponto em que "traiu" essa imagem - que ficara marcada por sua elogiada atuação em "Os sinos de Santa Maria" (1945) - e deixou Hollywood órfão de seu talento, dando a "volta por cima" em 1956 com um segundo Oscar, desta vez por "Anastácia, a princesa esquecida".

Ingrid Bergman e Cary Grant em 'Interlúdio' (Foto: Divulgação/MPTV Images)

Ingrid Bergman e Cary Grant em 'Interlúdio' (Foto: Divulgação/MPTV Images)

Eram outros tempos, e Ingrid Bergman começou a ser uma atriz madura poucos anos depois, ganhando elegância e presença com a idade. "Envelhecer não me preocupa. Se eu fosse a única, me preocuparia, mas todos estamos no mesmo barco e todos meus amigos vêm comigo. Todos rumo à velhice", disse certa vez.
E no final de sua carreira seguiu luzindo um gênio dramático que se traduziu em um terceiro Oscar, por "Assassinato no expresso do oriente" (1974), e, sobretudo, em "Sonata de outono" (1978), de Ingmar Bergman, em que interpretou uma mãe castradora e no qual voltou a apresentar uma de suas habilidades: tocar piano.
Corria o ano de 1979 e voltou a ser indicada ao Oscar, mas não pôde comparecer à cerimônia desse ano porque começava a lutar contra um câncer de mama. "Se me impedir de atuar, deixarei de respirar", disse.
Por fim, não deixou de atuar, mas migrou para a televisão, com um aclamado telefilme que coroou sua trajetória com um Emmy póstumo. Já ganhara um por "A volta do parafuso", de Henry James, em 1960, mas "Uma mulher chamada Golda", em que interpretou a primeira-ministra israelense Golda Meir, foi seu magistral canto do cisne.
O prêmio foi recebido por sua primeira filha, Pia, de seu primeiro casamento, com o médico sueco Petter Lindström. "Tive diferentes maridos e famílias, e me orgulho de todos eles, visito todos. Mas no mais profundo do meu ser sinto que pertenço de verdade ao mundo do espetáculo", confessou em uma ocasião.

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Poder da criação

João Nogueira e Paulo César Pinheiro





Poder da Criação
João Nogueira


Não, ninguem faz samba só porque prefere
Força nenhuma no mundo interfere
Sobre o poder da criação
Não, não precisa se estar nem feliz nem aflito
Nem se refugiar em lugar mais bonito
Em busca da inspiração
Não, ela é uma luz que chega de repente
Com a rapidez de uma estrela cadente
Que acende a mente e o coração
É faz pensar que existe uma força maior que nos guia
Que está no ar
Bem no meio da noite ou no claro do dia
Chega a nos angustiar
E o poeta se deixa levar por essa magia
E o verso vem vindo e vem vindo uma melodia
E o povo começa a cantar, lá laia laiá
Lá lá laía laiá


Minha MissãoJoão Nogueira


Quando eu canto
É para aliviar meu pranto
E o pranto de quem já
Tanto sofreu
Quando eu canto
Estou sentindo a luz de um santo
Estou ajoelhando
Aos pés de Deus
Canto para anunciar o dia
Canto para amenizar a noite
Canto pra denunciar o açoite
Canto também contra a tirania
Canto porque numa melodia
Acendo no coração do povo
A esperança de um mundo novo
E a luta para se viver em paz!

Do poder da criação
Sou continuação
E quero agradecer
Foi ouvida minha súplica
Mensageiro sou da música
O meu canto é uma missão
Tem força de oração
E eu cumpro o meu dever
Aos que vivem a chorar
Eu vivo pra cantar
E canto pra viver

Quando eu canto, a morte me percorre
E eu solto um canto da garganta
Que a cigarra quando canta morre
E a madeira quando morre, canta!

Os Amantes

Luiz Ayrão





Os Amantes
Luiz Ayrão


Qualquer dia, qualquer hora
A gente se encontra
Seja aonde for, prá falar de amor (Bis)

Prá matar a saudade,
Da felicidade
Dos instantes que juntos passamos
E promessas juramos
Reviver os momentos
De sonho e de paixão
Das palavras loucas
Vindas do coração

Meu amor
Ah se eu pudesse te abraçar agora
Poder parar o tempo nessa hora
Prá nunca mais eu ver você partir (Meu amor) (Bis)

domingo, 26 de agosto de 2012

The Monkees

Hey, Hey



Theme From The Monkees
Here we come
Walking down the street
We get the funniest looks from
Everyone we meet.

Hey, hey we're the Monkees,
and people say we monkey around.
But we're too busy singing,
to put anybody down.

We're just trying to be friendly,
Come watch us sing and play.
We're the young generation,
And we got something to say.

Hey, hey we're the Monkees,
You never know where we'll be found.
So you'd better get ready,
We may be comin to your town.


O que não é ensinado


Ensaio
baitasar

Alisava com o polegar e o indicador da mão esquerda os fios do bigode. Enquanto remexia delicadamente – sempre do mesmo jeito: do meio para as pontas – o aroma da Olalla, rolos da memória lhe subiam nos dois furos do nariz, como o fumacê da combustão enchia os dutos de saída da churrascada — Comi uma deliciosa ovelha! — estava pronto para as demais tarefas do dia. Antes, cumpria um breve cumprimento — Até breve! E não me perca a foguista. — Olalla tinha cabelos da cor fogo, longos e ondulados, lábios avermelhados, carnudos, úmidos, olhos azulados, mas era o couro aveludado, eriçado nas mãos do general, que enlouquecia o homem. Nas despedidas, ele inclinava o queixo levemente, acenava com a mão direita, a mão esquerda não lhe descia do bigode, e se aproximava para cochicho de reverência — A sua casa oferece influentes incentivos para o dia a dia do homem. — agradecia e lhe oferecia minha mão que ele levava aos lábios, delicadamente. Homem educado e fino.
Abri minha própria casa quando cheguei nestas terras de capões e corvos. Não foi difícil encontrar meninas prontas para uma vida melhor. Todas lindas. Terras de fartura e beleza, mas sem regras, me aprenderam o que mostrar e esconder, como fazer preço da quantia adequada, oferecer desconto, e provocar encarecimento — Meninas, isso são apenas negócios!
Acho que é por isso que me chamam mulher que é homem, penso como os homens, tenho a autoridade dos homens. Aprendi. Tudo se aprende quando se quer. Conto histórias como um homem. Gosto dos homens. Gosto das mulheres. Adoro gatos selvagens... domesticar, deixar gatoso. Animal de luxo e recreação. Angorá. Siamês. Cruzar até encontrar a mutação doméstica. O vira-lata que ronrona satisfeito, adornado com laços de fita, lavado com xampu, penteado e escovado. Adorava escorregar os dedos nas listras pardas do seu pelo enquanto me sugeria fazer o que eu queria fazer pensava que era mais imortal que eu... — Meu filho...
—        Sim, mamãe.
—        Preciso de um cigarro.
—        Cigarro não, mamãe.
—        Vai à merda! Quero um cigarro...
—        O médico...
—        Esse vai se fudê, o que vocês querem comigo? Acabou! — meus filhos vocês perderam de me conhecer no melhor da beleza e alegria. Caminhava flutuando, nunca fiz barulhos com meus passos, nem deixei pegadas por onde passei. Aprendi en la Montaña esse jeito de ir e vir, me escondendo. Aparecendo e desaparecendo.
Criei estes sete como se fossem das minhas entranhas
—        O meu cigarro! — em dezembro plantamos ervilha, na época da chuva
—        Meu menino, tudo vem com a chuva. — eu não quero que minhas filhas sejam como mi papá y mi hermana, sofreriam muito trabalhando en la Montaña, que elas cresçam como eu... não, eu não quero — Sou bêbada, puta... não, minhas filhas não. — esse ano a chuva foi boa. As plantações cresceram bem, mas muita chuva trás minhoca, então precisam colher antes. Foi um bom ano de chuva, tivemos suficiente para comer e vender, é preciso fazer uma pequena oração, conversar com os espíritos antigos
—        Quando chove e o plantio é bom, fico feliz, fico em paz. — a freguesia aumenta, a alegria fica barulhenta, fico nessa vida até vocês crescerem. Não, não é por vocês, gosto do meu jeito de fazer as coisas. Gosto de mandar. Gosto de ser chefe. E na minha casa eu mando. Gosto de ser convencida com educação.
Espero que tudo dê certo para os meus filhos estudarem, serem melhor do que eu... às vezes, me canso dos turistas, penso em me livrar da carga que mal aguento, com o passar do tempo fiquei envelhecida, frouxa e feia, por isso, a trilha das doenças está me atacando, me sinto subindo la Montaña com um saco nas costas e outro na mão
—        Mi niños y niñas são meus tesouros... — Eu sei, mamãe. — peço que se cale, esse guri ta sempre querendo me agradar, mas não larga da vontade de conhecer a mãe de natureza. Eu lhe dei comida, mas quer saber quem lhe deu esse seu olho azulado e cabelo avermelhado. Respondo metade da verdade — Não sei por onde vive a sua mãe. — por prudência nunca procurei saber, prometi segredo a menina e não quis viver a tentação de contar, quem não sabe não tem o que mentir
—        Sentem, vou contar tudo, como eu vivi la vida. O meu cigarro...
—        Mamãe... — não havia o que fazer, lhe estendi o cigarro. Olhou como se estivesse me olhando, se despedia da única intimidade que lhe restou no fim. Fechou os olhos e parou de tentar respirar. Começava assim, a lenda
—        Meu querido, se fosse fazer filho escolhia época da chuva, quando plantamos milho. — digo que esse ano a chuva foi boa. As plantações cresceram bem, mas muita chuva trouxe muita minhoca, então precisam colher antes — Um bom ano de chuva. Vamos ter clientes suficientes para vender as meninas. Quando chove o plantio é bom, fico feliz, fico em paz.
—        Descanse em paz.... — faz muito que a casa perdeu o seu comércio habitual e refinado. Depois da morte do general Calçacurta as coisas não foram mais as mesmas — Vamos sentir falta dele. O homem sabia controlar o descontrole. — mamãe nunca esqueceu, e as escondidas, do seu jeito, rezava pelo homem. Foi a sua viúva perpétua.
Sete filhos criados por essa mulher, ainda quentinha da vida, mas já morta, esfriando, se misturando a poeira cósmica dos espíritos antigos. Cumprida da vida. Sete irmãos e irmãs de mães diferentes e pais desconhecidos. Clientes — Trabalhem, meninas... que a Preta cuida de tudo. — e cuidou das suas meninas
—        O que a mocinha quer fazer?  Nunca deixou de ouvir o interesse das interessadas, não achava justo tomar decisão que não era sua, nem fazer fingimento que não tinha nenhuma influência nos ânimos da freguesia
—        Quero tirar... — sentia um aperto de molestamento, mas ela decidia dessas coisas com as meninas quando era pedida sua consideração. Mamãe cuidava o seu negócio como um negócio, queria que a tristeza não fosse escondida por alegria dourada
—        Não quero gente triste, fingindo contentamento. — não entendia mamãe, viveu do fingimento daqueles homens e mulheres, e nunca esqueceu de perguntar — O que a mocinha quer fazer?
—        Quero deixar... — os olhos se alegravam — Se a mocinha quiser faço criação da criança. — não diziam que sim, nem que não — Eu sou... — Não diga nada, minha filha...  não repita essa palavra feia. — levou os dedos levemente aos lábios da mocinha sementeira, não queria lhe impedir de falar, mas não queria lhe deixar escapar aquela palavra de uso do homem mal educado, escravizado pelo costume de mau jeito das mulheres — Mocinha, a má educação se trás de casa... — a mocinha Olalla sabia que ensinamentos esperavam dela, enquanto a barriga sementeira não arredondasse o jeito era seguir na lida com a lição da casa.
Voltaram com a conversa quando não havia mais disfarce que pudesse esconder que a mocinha estava cheia de vida — Está bem, mocinha. Até sua volta aos atendimentos fica com os cuidados de limpeza da casa. — todas às vezes ela conseguira solução. Não queria a criança olhando a mãe, ano após ano, trabalhando com acusação de desapreço. Depois do nascimento, a menina decidia se partia com o filho ou renunciava a criação — Vai doer?
—        Sempre... para sempre, mocinha. — cuidava dos preparativos, cuidava dos cuidados. Mamãe sabia o que elas precisavam, também sabia o que eles queriam ouvir, mas isso não é ensinado vem do nascimento
—        Adoro quando um homem me convence e pensa que me acalma... esquece que somente a morte é mais forte que a vida — mas isso não é ensinado.



sexta-feira, 24 de agosto de 2012

O Suicídio e El Suicida

El Suicida - Poema de Borges




El suicida

No quedará en la noche una estrella.
No quedará la noche.
Moriré y conmigo la suma
del intolerable universo.
Borraré las pirámides, las medallas,
los continentes y las caras.
Borraré la acumulación del pasado.
Haré polvo la historia, polvo el polvo.
Estoy mirando el último poniente.
Oigo el último pájaro.
Lego la nada a nadie.


O Suicídio - Carta Testamento
Getúlio Vargas




A  Carta Testamento do Presidente Getúlio Vargas!


    "Mais uma vez, a forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.

    Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.

    Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.

    Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.

    Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.

    E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História." (Rio de Janeiro, 23/08/54 - Getúlio Vargas)

Troco por fumo e cachaça

Becos sem saída - Cegante ignorância!



II
baitasar
Num primeiro combate com o temporal a timbaúva se mantivera em pé. O revestido de botas nos pés gira e se sai. Tem uma decisão a tomar. Coitada da vida apressada que deveria ser melhor. Segue o caminho para casa em passadas sem urgência. Mesmo trajeto, mesmo horário, talvez a mesma intensidade e mesmas casas, mesmas caras. Tudo normal até aqui, mais um dia sem surpresas na ilha. Cruza por Dora e sua carroça. Eis aí, uma profissão que não pára de crescer nesta ilha: catadora de lixo, carroceira, cavalo de carga. É carregada para o abismo — Não vou pular!
—        Não é preciso.
O tempo não se passou. As histórias têm a mesma aparência. Os negros ficavam lado a lado, encadeados pelo pescoço. Depois de percorrerem todo o caminho, uma trilha de mais ou menos quatro quilômetros, os escravos chegavam ao mercado de vendas e trocas, daí eles seguiam para lugares completamente desconhecidos. Por isso, o lugar passou a ser conhecido como o último ponto, o ponto de não retorno. Um lugar de onde os escravos eram examinados e comprados, não tinha feição de humanidade — Olhem para os dentes, perfeitos.
—        Estou procurando domésticos.
—        Esse parece abatido.
—        Acabam de chegar... a viagem nos negreiros é longa, mas logo estarão cantando e dançando.
—        Esse parece distraído.
—        Eu quero negro pras minas! Não quero pro canto ou pra a dança, tenho precisão pro trabalho das minas. — desviam atenção para um vozerio na praça
—        O que está acontecendo por lá?
—        Uma surra de chicote. Vai ficar com as costas sem pele e humilhado solenemente no pelourinho, assim conhece de perto todo o peso da palavra fuga. — outro coitado que fica deitado com a salmoura nas costas, não perde a imaginação para fugir. Lembrando-se da dor e dos castigos esse não vacila. Descobre logo os seus únicos direitos: pão, pano e paulada
—        Tem nome esse?
—        Negro Canalho! — o negro apanha sem um gemido
—        Eu quero pra uso na plantação! Ele tem alegria no coração? — o traficante dos escravos retorna ao seu discurso vendedor
—        Têm braços fortes.
—        Preciso uma preta pros meus confortos...
—        Veja por si mesmo, essa carrega bagagem na cabeça. — o civilizado barbudo e desdentado, cheirando gordura de toucinho, mascava fumo enquanto combinava negócio. Deu um passo na direção da carga pretendida e lhe agarrou os peitos, depois as coxas e enfiava a cara bem perto, pra lhe sentir o cheiro enquanto enfiava a mão bem fundo — Por quanto este lote de pretos?
—        Faça uma oferta...
—        Troco por fumo e cachaça!
—        Faça uma oferta mais forte, ao homem ousado a fortuna estende a mão.
Cada um é para o que nasce e faz o que pode...
—        Cegante ignorância vos ilude, ó miseráveis mortais, abri os olhos míopes!
Manualdo acorda deitado sobre um colchão, continua nu e encapuzado. É a sua vez de ser trocado por fumo ou cachaça. A cuia e o chimarrão não estão por perto, lhe chegam com os devaneios desesperados. Tem os braços e pés amarrados, presos ao pescoço. Entre os dedos do pé sente que lhe colocaram pequenos panos. Ouve seus torturadores combinando as próximas tarefas
—        Vamos testar essa chinesa.
—        Isso eu quero ver...
—        Vem e me ajuda. — molham o corpo do bugre por diversas vezes, para que a descarga elétrica tenha mais efeito. Os choques se sucedem
—        Esse fica louco ou cura a epilepsia. — não sabe mais quando é dia ou noite. Decide contar seu tempo de cativeiro. Os dias serão aqueles destinados ao maior tempo de suplício. Percebe que as noites são muito breves, pelo menos seu corpo assim reclama. Dias longos com noites resumidas. Num dia qualquer, daqueles destinados as surras e sevícias, algo diferente acontece. Pela primeira vez, alguém lhe dirige a palavra
—        Meu Deus, quantos sofrimentos aplicaram neste pobre homem.
—        Quem é o senhor? — o Manualdo rompe a barreira do próprio silêncio, sente vontade de ceder a tentação: talvez ele possa ajudar, tentar pelo menos — Por favor, o que eles querem?
—        Os nomes e os endereços de todos os envolvidos no negócio.
—        Mas que negócio?
—        Você sabe...
—        Não sei! — o desconhecido avisa: se ele continua agindo assim não pode ajudar, aliás, nem deus pode ajudar
—        Por amor de Deus, o que vocês querem? — o sujeito tem a voz doce e cheiro de café
—        Os nomes e os endereços... — ele se esfacela, não tem como responder, não tem nome, não tem endereço, não tem o que dizer
—        Então, não posso fazer nada.
—        Por favor, não vá!
—        Esse já está pronto. — o barulho seco da porta fechando e a absoluta escuridão e silêncio trás o terror aos pensamentos de Manualdo. Chora por ele e pela esposa — Minha preta, ainda estou aqui, vivo... por favor, fique viva...
Pouco a pouco, vai esquecendo-se de si mesmo e dirige suas preces à mulher, aos filhos. Sente uma imensa e insuperável saudade. Está em uma daquelas missões jesuíticas, aprendendo os cristãos, interrompido de dançar e cantar para alcançar a liberdade. Ela - a sua Cariciosa - está em um daqueles navios negreiros, expulsa da sua terra, arrancada da sua gente, desmembrada de seus sonhos. Acorrentada, sem nenhuma saída. Viaja pra cá, afim de encontrá-lo. É sina, atravessar aquela imensidão de água para casar com o Manualdo, incivilizado da terra.
O dia recomeça. Os inquisidores chegam alegres e falantes — Hoje, ele vai para o pau-de-arara. — atravessam uma barra de ferro entre os punhos amarrados e a dobra dos joelhos do Manualdo. Os homens colocam-no suspenso entre duas mesas, ficando seu corpo torturado pendurado alguns centímetros do chão. Lúcido. O sangue circulando. O primeiro eletro-choque é dado por um telefone de campanha do exército que possui dois fios longos. Um terminal é ligado ao pênis e o outro num dedo do seu pé. Recebe descargas sucessivas até perder os sentidos. A vida sumindo. Um médico é chamado e faz a assistência ao preso. O reanima e atesta que o vivo a ser morto está pronto. Um dos torturadores, já impaciente com a demora e tantos cuidados, trás um tubo de borracha e o introduz na boca do Manualdo. Passa a lançar água pelo tubo. Nesse mesmo momento, uma nova descarga elétrica entra pelo cu e sai pelo pau, obriga Manualdo a respirar. O afogamento é inevitável. O médico se aproxima — Deixem-me examiná-lo...
—        Ele ainda está vivo? — Podemos continuar?
—        Acho que sim...
—        Vamos descobrir do que esse é feito por dentro. — enfiam os dois fios desencapados dentro do bugre — Agora vai ser só pelo cu!
—        Hahahahahaha!!!!!! — o seu próprio sangue é o que pode derramar. As lágrimas já sumiram evaporadas
—        Minha preta, longe de ti me falha todos os pedaços, sou feliz quando estamos junto, tu faz falta no fim da tarde e no amanhecer. — a noite vem, ou será que é dia que já chegou? Não importa. Cerra os dentes e fica calado, nunca saberão daquelas belas tardes: que tardes belas tenho de ti, que cheiros de amor esfrego em mim, as tuas cores róseas, as umidades, e a paixão toda entregue por tua taça, derramando as borbulhas do gozo, que tardes belas carrego em mim.
 Esquece que pode gritar.
O seu ódio está vestido pelo silêncio.
Antes de saírem para descansar... cada um dos torturadores chuta sua cabeça.

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36 - Quando o esquecimento é vergonha! 

38 - Ordens são ordens

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Mil Faces De Um Homem Leal

Racionais MC's - Marighella





Quando o esquecimento é vergonha!

Becos sem saída - Cegante ignorância!

I
baitasar
O dormente está revestido de botas nos pés, não para invadir ou destruir com as suas passadas e pisadas a vida brotada por todos os lados, mas para protegê-lo nas suas incursões pelos capões da ilha. Seguia comigo em uma das mãos e a água da térmica em uma sacola às costas, percorria o mato atrás de uma timbaúva: árvore que se presta para a fabricação de canoa. Perseguia pista mencionada por um caboclo pardo de estrada
—        Está tombada lá... por forte temporal!
Encontrada a árvore e feita a canoa pudemos seguir viagem pela hidrografia extraordinária da ilha. Sabe que sonha, tem consciência que não está acordado, viaja sobre as águas da ilha de mato e corvo. Plasma que circula por seu coração, artérias, vasos e capilares. Mantém-se acompanhando de olhos fechados seu corpo parado. Dormindo. Reconhece seu hálito, ele também é uma ilha de capões e corvos. Espanta-se com o som rouco que se espalha da sua boca produzindo estrondos regulares, Então é verdade, pensa, enquanto dá ouvido para si mesmo — Eu ronco! Pareço-me com uma bexiga cheia de ar que tem estrondos toda vez que o ar lhe escapa. — ri e caçoa de si mesmo, reconhecendo a maneira ruidosa e arrogante do seu sono.
Embaraçado, conforta-se com o inevitável. Maravilha-se com a enormidade de seu tamanho e com a sua pouca beleza, nenhuma boniteza... se fosse mais duro e cru consigo — Como consegui sobreviver?
Ao mesmo tempo, Manualdo leva as mãos em oração de afeto aos cabelos adormecidos. Experimenta a sensação física de acariciar os pêlos da cabeça, cortados bem longos. Mantidos invioláveis na sua negritude, como uma marca posta na aferição do seu tempo ordinário de vida — Sou grande, feio e o meu tempo escorre entre as lágrimas e os gemidos do não vivido, tenho menos tempo de vida que o já vivido. — tenho ganas de lhe gritar que se quase tudo foi vivido pela metade e o vivido inteiro ficou fora do lugar no tempo: nada de extraordinário porque outras gentes têm desvivido em outros tempos e lugares. Grande porcaria a vida se extinguindo aos poucos, com medo.
Roça brandamente a própria face adormecida como se estivesse enxugando um pequeno pingo, um tudo e nada, vindo lá do olho. Sente falta de olhar em seus próprios olhos. Um brilhante, como uma estrela pela limpeza e energia, o outro apagado, nadando em lágrimas, parecendo refletir melhor a sua tristeza: todos têm um olho-estrela. Ou um corvo manco e adulador, ou vozes hipócritas, mas nem todos fazem viagens de barco - cunhado na timbaúva, árvore tombada pelo forte temporal - em águas vivas e brilhantes. Os homens e as mulheres também tombam por fortes temporais, mas têm o desejo que vem depois do vendaval. Então, precisam decidir se continuam tombadas até serem cunhadas para sempre ou se indignadas levantam a mão para discordar.
Manualdo até tentou, mas ele não sabe se irá demorar-se inclinado até deitar ao chão ou indignado permanecerá erguido, com a mão no alto. Tantas coisas que não sabe - tem medo de saber? - sinto impulsos de avisar: — Corra! Você é veloz, Manualdo!
Todos têm que apertar o freio da pressa e domesticar o medo. Correr riscos e amansar a vida aos poucos.
—        Cegante ignorância vos ilude, ó miseráveis mortais... abri os olhos, estais enganados!
Um senhor feudal é o chefe administrativo daquela gente ilhada que parece nunca se livrou de construir quartos de dormir, deveriam erguer bibliotecas além de morar, irem além da pensão. Um pequeno hotel especializado em deliciosos bolinhos de arroz, banhados no óleo fervente dos enfermos, jogados dentro da enorme bacia de uso comum dos banhos de assento da proprietária. Senhora gostosa que ao passar dos anos se tornara pesada e mal nutrida. Ao sentar no bacio, afundava todas as partes impudicas que permaneciam cobertas, desde muito tempo, cobertas de medo. Grávidas de pecados. E só nessa hora de lavagem se mostravam em nudez completa. Mas, enfim, aquilo que os olhos não vêem, o coração não sente e a barriga se enche satisfeita. A bacia dos banhos de assento acertava no gosto a fritura dos bolinhos. A nossa gula é insaciável. Faz parte das lendas que onde existiram capões e mato, o piadístico popular sobre seus governantes era repetido de geração para geração — Que mau cheiro... — exclama com nojo o barbeiro
—        O quê? — pergunta o senhor feudal
—        O senhor ta sentindo esse cheiro?
—        Só por dentro...
A gente simplória não resistiu e como qualquer senhora muito pesada foi comida com pequenas mordidas ou empurrões de desamor até o estrangulamento. Asfixiadas com as mãos e os dedos que se uniam em prece, descoradas como garras que se oferecem para proteger. As manitas do giz ignoram suas mortes, engolidas pelo currículo o suicídio pedagógico foi sua resposta. Não existiu colheita além do uso que deram à senhora gorda e ilha farta. O ânus de uma ventou com força, enquanto a outra soltou com alarde pela boca o ar do estômago. Ninguém se atreveu ficar próximo nem ficar de longe
—        É o fim, senhor prefeito...
—        Nunca termina, Mormaço.
—        Cus-de-galinha.
A vida nos torturados é instintual e é solitária. Quero gritar para aqueles dois que usem os seus instintos para sobreviver a esse pavor. Precisam resistir mais que os torturadores. Sabotar a desumanidade cruenta, perversa e domesticada. Humanidade caolha. Os torturadores carregam a carga em procissão de fé até a beirada do despenhadeiro. Provocam as desesperanças até que os mais fracos pulam ao abismo. Finalmente, usam a marreta na cabeça dos resistentes e jogam as cinzas espalhando. Estão escondidos sob as ordens, embaixo dos sapatos daqueles velhacos infames, estes que olham ao pobre não como gente, mas como gado que se engorda e mata para o próprio sustento. Tudo muito bem camuflado e dito sob uma oratória esperta e cansada. A promiscuidade misturada de maneira desordenada e confusa - rezar e comungar nas missas dominicais, O Corpo de Cristo... Amém - não precisam nenhum perdão querem um álibi. Os filhos juram que os seus paris carinhosos não socam ninguém até quebrar e rachar
—        Cegante ignorância vos ilude, ó miseráveis mortais... abri os olhos!
Homens treinados: ensinados para machucar. Domesticados. Selvagens até que o corpo quebrado relaxa: falta luz para os choques — Lá isso é hora pra faltar luz... — alguém grita para enfiar no pau de arara — Se não morreu ainda... — ainda bem, os choques já tinham sido muitos, em qualquer parte, os fios atados no pé, na mão, no ouvido, na orelha, no mamilo, no ânus — Agora é no cu! — são as palavras brutais que incomodam, elas provocam mais dor que os tampões das mãos nas orelhas — A luz... por onde anda? — o farol reacende e mais choques. Quase morrendo — Chama o doutor! — cuidados para resistir, para apanhar mais, a torturada não tem como desistir! Nunca é suficiente até esquecer quem se é — Ela se aguenta mais um pouco. — a Memória apaga, se torna clandestina até ser refeita das próprias cinzas: chega o dia em que o esquecimento é vergonha!

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35 - Comunistas desgraçados! 

37 - Troco por fumo e cachaça

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Brasil Mulato

Martinho da Vila





Brasil Mulato
Martinho da Vila

Pretinha, procure um branco
Porque é hora de completa integração
Branquinha, namore um preto
Faça com ele a sua miscigenação
Neguinho, vá pra escola
Ame esta terra
Esqueça a guerra
E abrace o samba

Que será lindo o meu Brasil de amanhã
Mulato forte, pulso firme e mente sã

Quero ver madame na escola de samba sambando
Quero ver fraternidade
Todo mundo se ajudando
Não quero ninguém parado
Todo mundo trabalhando
Que ninguém vá a macumba fazer feitiçaria
Vá rezando minha gente a oração de todo dia
Mentalidade vai mudar de fato
O meu Brasil então será mulato

Zumbido

Paulinho da Viola



Zumbido

Zumbido, com suas negrices
Vem há tempo provocando discussão
Tirou um samba e cantou
Lá na casa da Dirce outro dia
Deixando muita gente de queixo no chão
E logo correu que ele havia enlouquecido
Falando de coisas que o mundo sabia
Mas ninguém queria meter a colher
O samba falava que nego tem é que brigar
Do jeito que der pra se libertar
E ter o direito de ser o que é
Moleque vivido e sofrido
Não tem mais ilusão
Anda muito visado
Por não aceitar esta situação
Guarda com todo cuidado
E pode mostrar a vocês
As marcas deixadas no peito
Que o tempo não quis remover
Zumbido é negro de fato
Abriu seu espaço
Não foi desacato a troco de nada
Só disse a verdade sem anda temer

O Negro em Versos

Antologia da Poesia Negra Brasileira


Antologia da poesia negra brasileira : o negro em versos / organização e apresentação de Luiz Carlos dos Santos. - 1. ed. - São Paulo: Moderna. 2005 - (Lendo & relendo)





















Comunistas desgraçados!


Becos sem saída - Cala a boca!
II
baitasar


Manualdo sai aos assobios, dando pistas que o seu apetite vai voltar logo
—        O meu apetite está em casa. — repete para si mesmo, o olhar sorri com a trama de surpresa se preparando para sua Cariciosa. Monta na bicicleta e pedala. Vai com a andadura do apressamento, as pernas giram as hélices dos pedais, é um barco veloz que salta sobre as ondas. O tempo é apertado para chegar na hora marcada, se não chega no tempo fica sem o presente. Põe mais rapidez na bicicleta, agora precisa de aceleração por razão do seu esquecimento. Ainda mais que tinha dado sinal de intenção do negócio, não podia perder essa arrumação depois de tudo arranjado. O índio jaguara pedala pensando que o rapaz vendedor parece muito precisado do dinheiro, pois a compra lhe tinha saído quase de graça, se comparado com o preço do magazine. Aliás, foi tudo rápido e estranho. Lembra-se de comentar com o Pimentel a sua vontade de comprar uma bicicleta pra mulher. Na saída dos empilhamentos já tinha um camarada oferecendo o maquinário —  Tu é o Manualdo?
—        Quem quer saber?
—        Tenho uma bicicleta pra vender...
—        É essa?
—        É... ta interessado? — ali mesmo fizeram o negócio que não podia deixar escapar oportunidade de preço tão bom de barato. Encomendou as cadeirinhas pras crianças que não tinha graça sair de passeio com a sua preta e deixar as crianças em casa. Já lhe bastava viver longe da sua gente nas horas do trabalho, nas oportunidades do turismo ficavam todos juntos — Quero levar as crianças nos passeios.
—        A gente dá um jeito, mas leva um pouco mais de tempo...
—        Então, deixamos tudo para o outro sábado.
—        Combinado. — o bugre gosta de negócio rápido, sem demora de decisão.
Não sabe como foi esquecer do encontro para retirar a mercadoria. Apressa o que já é frenético. Quando chega ao local combinado o outro continua na espera — Finalmente, pensei que o senhor tinha desistido.
—        É essa?
—        Como a gente combinou, com cadeirinha de bebê...
—        E a outra cadeirinha?
—        Aqui no embrulho. — abriu o seu sorriso de contentamento enquanto o suor lhe corria da testa até a ponta do nariz e molhava o chão que pisavam — Tudo bem, negócio fechado.
—        Gostei, meu camarada.
—        Até outro dia qualquer, meu senhor. — os dois se afastam. Seguem seus caminhos diferentes. Manualdo vem pedalando. Experimenta a bicicleta recém-comprada no troco de quase nada, reboca a sua e pensa com seus botões — Coitado... me sinto mal com esse negócio tão bom, esse estava muito necessitado pra vender por tão pouco.
Quando chega, passa pela Avó que lhe faz um aceno de nenhum entusiasmo. A sogra por estes tempos tem ficado a manter silêncio de conversa. As crianças falam de lamentação caindo dos olhos. Manualdo se mantém desconfiado que a Avó se meteu a saborear bebida mais encorpada que água. O aroma é de vinho, mas em fim, o tempo se mostra em cada um. Outro dia tentou iniciar conversa com a Cariciosa — Minha preta, a tua mãe anda com uns silêncios esquisitos.
—        Eu também tenho tomado nota.
—        O que está errado?
—        Não sei, tem ficado mais em silêncio que o costume. — ainda tem na memória o olhar preocupado da filha com a mãe. Depois destes comentários com a esposa, eles recuaram do assunto. Agora, na passagem pela tristeza da mulher fica com convencimento que algo acontece com a Avó. A língua não está toda enrolada, mas o aroma lhe sai todo perfumado das uvas — Índio bão, esse que minha filha tem...
—        Obrigado, Avó. — não para, não tem necessidade de criar constrangimento na Avó. Na chegada aos fundos, dá um forte assovio — Minha preta!
—        O que é?
—        Vem até aqui fora!
—        Agora, não posso. — o bugre não desiste da sua insistência — Por favor, minha preta... — caídos alguns minutos do tempo de espera, a Cariciosa aparece toda séria, enrolada em avental branco molhado da lavação de prato: secando as mãos num dos seus cantos
—        Feliz aniversário! — o bugre sabe que acertou na escolha do presente, sente que a sua preta está contente e desgovernada com as águas dos olhos, faz força de preocupação — A gente não pode com esses gastos.
—        Minha preta, agora já podemos sair a passear com os gêmeos, cada um em uma gaiola. — a jovem segura o guidom enquanto examina a compra. Pensa em fazer olhar de desagrado com a comprada, mas não consegue, adora ser mimada na surpresa... adora ser amada, não consegue se controlar – Adorei!
—        Minha preta, foi preço de ocasião, podemos passear pela ilha...
—        Te amo, te amo, te amo! — acomoda a cadeirinha em sua bicicleta. A Cariciosa entra na casa tirando o avental da lavação. Depois de tudo assegurado e averiguado e apertado, colocam as crianças nas gaiolas de passageiro e saem para o passeio inaugural. O menino Abelaira vai com o pai e a menina Futuro passeia com a mãe. Manualdo fica um pouco atrás. Na saída do cercado, ouvem as recomendações da Avó  — Cuidado com as minhas crianças!
—        Não se preocupe, mamã! — o cheiro das uvas está mais forte.
O entardecer da luz descolorindo naquele arco-íris é acontecimento para aquele passeio. Sem vento, apenas com aquelas cores tão fortes do outono. O calor azulado ia diminuindo e amaralecendo, até envolver o sol em uma imensa bola de trapo vermelha, deixando o firmamento que se põe enfeitiçado. O calor do dia vai diminuindo na medida em que o sol se esconde atrás da vermelhidão do céu. Manualdo tem certeza que os céus se avermelham porque se envergonham das safadezas que pretende com a sua Cariciosa. Aquela que aniversaria olha para trás: procura o marido. Ele pensa que tem vezes que é até bom não ler o pensamento um do outro — Que vermelho é esse na cara, Manualdo?
—        É o coração correndo na frente das pernas! — o marido olhando as carnes da mulher abocanharem o selim, bem do jeito que adora se fazer de desaparecido, a chicha bem esticada e toda dentro... sumida do próprio corpo pela ganância dos dois. Sente os arrepios de vontade da mulher — Eta, mulher gostosona. — resmunga entre dentes, avisa aos ouvidos: o formigamento das virilhas que lhe sobe até a língua. O bugre ta se achando um tarado, se bem que controlado, mas de qualquer jeito um comilão anormal na profissão de marido. Ninguém sacramentado de esposo sai por ai querendo manducar a própria mulher toda hora de maneira desavergonhada, isso é uma aberração. Não existe. Ninguém há de acreditar nessa contação.
Os quatro saem da vila, se vão pelas ruas de pouco uso, até chegar na praça dos pedalinhos. O lugar está acobertado de pessoas. Dão algumas voltas na volta do lago e seguem pelas ruas do outro lado. O caminho dos abonados. Cariciosa pedala com seu sorriso de agradecimento — É tudo que sempre pedi a Deus e ao padre Santo. — retornam já no escurecer. Manualdo já sonha com a sua noite de amor e desaparecimentos. Cariciosa prepara o jantar para os quatro. Comida simples. Arroz e feijão. Uma carne assada como reforço e uma salada de agrião. Servem às crianças q-suco de laranja e abrem uma garrafa de cerveja - gelada para o almoço de domingo - mas que a sede os convida para brindarem naquela noite de sábado.
Depois do jantar tem a lavação dos pratos e dos talheres, as crianças já dormem. Começam os preparativos para as promessas da noite, quando a luz das lâmpadas se apagará e a escuridão da noite chegará no galope. A luz da energia do poste apaga. Ficam nas escuras. Precisam acender o lampião escondido embaixo da pia para essas emergências de desalento. Os dois se abaixam e procuram pela lamparina de querosene — Achei...
—        Minha preta, estou procurando s fósforos.
—        Deixei em cima do fogão.
—        Encontrei. — o Manualdo risca um fósforo e uma claridade instantânea descobre um para o outro. Cariciosa ergue o vidro e o marido acende a chama do pavio encharcado de petróleo — Socorro... — ouvem gritos abafados. Pensam nas crianças
—        Socorro! — os chamados parecem vir da Avó e assustam pelo desespero — Por favor, não!
Saem correndo. A lanterna de destilado de petróleo fica esquecida na mesa dos pratos lavados. O aniversário na luz do lampião. Manualdo vai à frente e na sua perseguição vem Cariciosa, mas não têm tempo de maiores correrias, caem depois de cruzarem com um sarrafo posto a frente de sua porta. Enquanto rolam pelo chão sentem mãos graúdas que os imobilizam. A jovem faz intenção de gritar, não consegue. A mão de um dos agressores a deixa muda com a violência do tapa que recebe. Os dois são agarrados pelos cabelos e arrastados por sombras imensas até a casa da frente. Entram aos empurrões, rolando pela escuridão. Lanternas de pilhas brilham empurradas aos seus olhos. Cegam. Ogum é agredido, leva um pau arrebatado. Socos, cuteladas, encontrões, a cabeça soqueada contra a parede. Pegam Maria Memória pelos cabelos e a obrigam tirar toda a roupa. Cariciosa agradece a escuridão, menos uma humilhação para sua mamã — Por que vocês estão fazendo isso?
—        Cala a boca!
—        Cada um colhe conforme semeia... — havia um cardume de homens dentro da casa. Levam a mais velha para um dos carros e a jogam deitada nua... no chão do veículo. Ali, tem na memória, pelo sangue que derrama, todo o sofrimento que viveram seus negros escravizados. As cores em preto e branco daqueles choros de submissão às correntes não tinham desaparecido. O coração lhe diz que está sendo jogada em um navio negreiro e não irá voltar. Não sabe como ficaram suas crianças, precisa dar atenção de despedida. Não há mais tempo. Fazem o mesmo com Ogum em outro carro. Saem com os dois. Na casa da frente ficam Cariciosa e Manualdo. Algemam os dois e rasgam suas roupas — Macaco vestido é sempre macaco!
Silêncio. Não sabem o que dizer.
Os donos dos porretes não falam.
Duas lamparinas foram acessas e mostram com sua cor amarelo esverdeada e trêmula o sangue e o desespero que escorre chão adentro quando entram com os gêmeos. Cariciosa grita o seu desespero. Enfiam em suas bocas buchas de jornal. Sentem o gosto da tinta que lhes escorre pela garganta. O ar entra e sai descontrolado, mas sempre pouco. Afogado. A mãe mais se parece com um canhão prestes a explodir em ódio. O menino Abelaira ainda não abriu bem os olhinhos, mas a menina Futuro já vem aos berros. Os dois são amontoados junto da tia Destino. Todos choram juntos a própria angústia e sofrimento, em cada um e em todos.
Os gêmeos da Memória estão escondidos no galinheiro. Agarrados um ao outro. Ali, do cárcere de chão batido ouvem os pedidos de súplica do cunhado e da irmã. As crianças choram, foram empurradas para um canto da sala da televisão. Não entendem. Ninguém compreende. Nem os animais compreendem. Os bichos do galinheiro fazem silêncio enquanto os bichos do andar de cima gritam ameaças. Os guris lembram-se das histórias do lobo mau para acalmar as bichanas. Quando os miúdos terminam sua historieta os lobos ruins são castigados e todos vivem felizes para sempre.
Cariciosa e Manualdo são empurrados frente a frente. As suas bocas e aquelas buchas de jornal ensanguentadas. Trazem uma bacia com água. Enfiam os pés dos dois acorrentados naquela água fria. Com pedaços de fios ligados em um aparelhamento, passam a aplicar choques — Filha de peixe, peixinho é...
—        Cabelo ruim e bandido é sempre assim... ta na cadeia ou anda armado. — um dos homens pegou a menina Futuro pelos pés e a levou até a janela. A filha daqueles dois amarrados e amordaçados fica de cabeça para baixo, segura pelas canelas fininhas, aos gritos — Mamã, mamã! — estendia os bracinhos para Cariciosa. O filho-da-puta do galo-enfeitado, indiferente aos choros, grita para aquela mãe e aquele pai — Olhem para cá!
Os dois olham em desespero para Maria Futuro e cravam a vista nas mãos que empunham sua filhinha — Vocês vão dar um passeio com a gente, se, escutem bem, se não contarem direitinho tudo que sabem, a gente volta aqui, nessa espelunca e solta a menina.
Outro que parece gostar da escuridão, pois não aparece na luz das estrelas, diz com uma voz que parece querer disfarçar — Mãezinha, não se preocupem se cair... do chão não passa. — nem bem termina o desaforo e o segurador larga a menina na direção do chão de concreto da Maria Memória. Os olhos gritavam com a força da alma, enquanto a garganta recheada de pano mandava urros perdidos. Não se ouvem mais os choros. Aquele silêncio despedaça suas vontades de resistir. Mais um choque pelos fios. A menina reaparece nos braços de outro polícia. O homem entra na casa com o seu sorriso hiena. Óculos escuros com armação dourada e um palito entre os dentes. Coloca a menina Futuro com Abelaira e Destino
—        Na próxima vez, talvez, a garotinha não tenha tanta sorte... — na cena de horror seguinte, levam os dois, encapuzados, nus e aos empurrões, até um carro. Depois de muito rodarem são deixados em um quarto sem luz, escuro de qualquer vida. Continuam amordaçados e amarrados pelas mãos. Uma pequena trégua dos gritos, tapas e choques. Manualdo chora, ele sabe que precisa da voz para suplicar ajuda. Assim, amordaçados e escondidos no escuro, não serão achados pelo Deus-nos-acuda.
O silêncio é rompido pela algazarra de muitas vozes. Alegres. Parecem participarem de um mocotó de quermese. Pelo sopro de ar sabem que alguma porta se abriu. São arrastados até uma mesa. Manualdo é colocado deitado sobre a mesa de metal fria. Sente calafrios. Cariciosa é colocada deitada sobre ele. E, assim, ficam. O tempo inventado deixa de existir. Só existem pelas lágrimas que lhes escorrem e se confundem. Continuam misturados. Vivos, por enquanto — Chega de namoro!
Cariciosa é puxada para o chão. Cai de barriga, a cabeça lhe sangra por mais um corte, é arrastada para outra sala de tormentos desumanos. No corredor passa por outras portas. Num desses momentos de lucidez, reconhece uma voz resmungando — Comunistas desgraçados!
Sabia que ela e sua mãe nunca mais se veriam.

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34 - Memórias que só existem em mim 

36 - Quando o esquecimento é vergonha!