segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Auto-ajuda: O Evangelho

José Saramago

Segundo Jesus Cristo


"... qué lindo escándalo sería,
qué venturosa, espléndida, imposible,
prodigiosa blasfemia." Mario Benedetti

(p279)A mulher reapareceu com um pequeno boião e vinha a sorrir como se alguém, dentro de casa, lhe tivesse contado uma história divertida. Jesus vi-a aproximar-se, mas, se os olhos o não estavam enganando, ela vinha muito devagar, como acontece às vezes nos sonhos, a túnica movia-se, ondulava, modelando ao andar o balanço rítmico das coxas, e os cabelos pretos da mulher, soltos, dançavam-lhe sobre os ombros, como o vento faz às espigas da seara. Não havia dúvida, a túnica, mesmo para um leigo, era de prostituta, o corpo de bailarina, o riso de mulher leviana. Jesus, em aflição, pediu à sua memória que o socorresse com algumas apropriadas máximas do seu célebre homónimo e autor, Jesus, filho de Sira, e a memória serviu-o bem, murmurando-lhe discretamente, do lado de dentro do ouvido, Foge do encontro duma mulher leviana, para não caíres nas suas ciladas, e logo, Não andes muito com uma bailarina, não suceda que pereças por causa dos seus encantos, e finalmente, Nunca te entregues às prostitutas, para que não te percas a ti e aos teus haveres

(p280)Como te chamas, Jesus, foi o que respondeu, e não disse de Nazaré, porque já antes o tinha declarado, como ela, por ser aqui que vivia, não disse de Magdala, quando, ao perguntar-lhe ele por sua vez o nome, respondeu que Maria. Com tantos movimentos e observações, acabou Maria de Magdala de fazer o penso ao dorido pé de Jesus, rematando-o com uma sólida e pertinente atadura, Aí tens, disse ela, Como te devo agradecer, perguntou Jesus, e pela primeira vez os seus olhos tocaram os olhos dela, negros, brilhantes como carvões de pedra

(p280)A mulher sentou-se junto dele, passou-lhe suavemente a mão pela cabeça, tocou-lhe na boca com a ponta dos dedos, Se queres agradecer-me, fica este dia comigo

(p281)Jesus calou-se e voltou a cara para o lado, Que é, então. Jesus calou-se e voltou a cara para o lado. Ela não o ajudou, podia ter-lhe perguntado, És virgem, mas deixou-se ficar calada, à espera.

(p281)A mulher sorriu de novo, mas não falou. Então Jesus voltou lentamente o rosto para ela e disse, Não conheço mulher. Maria segurou-lhe as mãos, Assim temos de começar todos, homens que não conheciam mulher, mulheres que não conheciam homem, um dia o que sabia ensinou, o que não sabia aprendeu, Queres tu ensinar-me, Para que tenhas de agradecer-me outra vez, Dessa maneira, nunca acabarei de agradecer-te, E eu nunca acabarei de ensinar-te

(p282)Maria de Magdala conduziu Jesus até junto do forno, onde o chão era de ladrilhos de tijolo, e ali, recusando o auxílio dele, por suas mãos o despiu e lavou, às vezes tocando-lhe o corpo, aqui e aqui, e aqui, com as pontas dos dedos, beijando-o de leve no peito e nas ancas, de um lado e do outro. Estes roces delicados faziam estremecer Jesus, as unhas da mulher arrepiavam-no quando lhe percorriam a pele, Não tenhas medo, disse Maria de Magdala.

(p282)e Maria de Magdala apareceu, nua. Nu estava também Jesus, como ela o deixara, o rapaz pensou que assim é que devia estar certo, tapar o corpo que ela descobrira teria sido como uma ofensa. Maria parou ao lado da cama, olhou-o com uma expressão que era, ao mesmo tempo, ardente e suave, e disse, És belo, mas para seres perfeito, tens de abrir os olhos.

(p282)e, enquanto isso fazia, ia dizendo em voz baixa, quase num sussurro, Aprende, aprende o meu corpo. Jesus olhava as suas próprias mãos, que Maria segurava, e desejava tê-las soltas para que pudesse ir buscar, livres, cada uma daquelas partes, mas ela continuava, uma vez mais, outra ainda, e dizia, Aprende o meu corpo, aprende o meu corpo

(p283)Agora Maria de Magdala ensinara-lhe, Aprende o meu corpo, e repetia, mas doutra maneira, mudando-lhe uma palavra, Aprende o teu corpo, e ele aí o tinha, o seu corpo, tenso, duro, erecto, e sobre ele estava, nua e magnífica, Maria de Magadala, que dizia, Calma, não te preocupes, não te movas, deixa que eu trate de ti, então sentiu que uma parte do seu corpo, essa, sumiu no corpo dela, que um anel de fogo o rodeava, indo e vindo, que um estremecimento o sacudia por dentro







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Mais Auto-ajuda:

Auto-ajuda: Para Amar Alguém, Nina Simone

Poema Para Todas as Mulheres

100 Anos: Vinicius de Moraes



No teu branco seio eu choro.
Minhas lágrimas descem pelo teu ventre
E se embebedam do perfume do teu sexo.
Mulher, que máquina és, que só me tens desesperado
Confuso, criança para te conter!
Oh, não feches os teus braços sobre a minha tristeza, não!
Ah, não abandones a tua boca à minha ausência, não!
Homem sou belo
Macho sou forte, poeta sou altíssimo
E só a pureza me ama e ela é em mim uma cidade e tem mil e                                                                                uma portas.
Ai, teus cabelos recendem à flor da murta
Melhor seria morrer ou ver-te morta
E nunca, nunca poder te tocar!
Mas, fauno, sinto o vento do mar roçar-me os braços
Anjo, sinto o calor do vento nas espumas
Passarinho, sinto o ninho nos teus pelos...
Correi, correi, ó lágrimas saudosas
Afogai-me, tirai-me deste tempo
Levai-me para o campo das estrelas
Entregai-me depressa à lua cheia
Dai-me o poder vagaroso do soneto, dai-me a iluminação das                                              odes, dai-me o cântico dos cânticos
Que eu não posso mais, ai!
Que esta mulher me devora!
Que eu quero fugir, quero a minha mãezinha, quero o colo de                                                                          Nossa Senhora!



Carta do Ausente





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Aqui tem mais Vinicius:
O Poeta e a Lua
Epitáfio

domingo, 27 de outubro de 2013

Auto-ajuda: Para Amar Alguém, Nina Simone

Love Me Or Leave Me


A manchete precisa ser lida além das letras grandes, impressas inscritas gravadas, uma armadilha não desvenda o que está escondido, você precisa assumir o risco com a carne e suor e dentes, desmontar a armadilha. Precisa ler o texto, pensar as palavras, estender o escrito sobre os lençóis da cama e sonhar de novo, sentir o gosto das letrinhas, o cheiro do papel. Desnudar a manchete. Desarrumar a cama. Olhar nos olhos, encostar os lábios... beijar as palavras. Eu sei, encontrar a convicção enrolada em manchetes é doloroso. Você não é o único pateta com opinião. Dos outros. O Cordeiro que pensa que tira os pecados do mundo vive de comum acordo com os boatos. Os dentes arreganhados, a carne retesada. Assinante de jornais revistas televisivos. Um tempo perdido (esqueci o palavrão obsceno indecoroso que deveria estar aqui) de assinaturas. A democracia da informação... baboseira, democracia racial... bacanal dos brancos. Essas horas perdidas vividas como não vividas matam, deixam as entranhas da tua floresta desalegre. É preciso descavar a terra para escapar da morte dos golpes do ouro tolo, doidivanas levianos asneiristas também têm os corações excitados, um certo tipo de luz que não seja vida. Cuidado! Não vá se esconder! É preciso acampar os sonhos na volta da vida, ó livro não me abandone não me abandone, não me deixe afastar a vida desencantado, ó livro não me abandone não me abandone um homem que não consegue ver, só vive e respira, ó livro não me abandone não me abandone, sussurre em meus olhos, cante os seus versos, assopre a fantasia em meus olhos, cochiche às entrelinhas: para amar alguém é preciso ler o vazio fértil do intervalo, não ter medo dos parênteses, assoviar palavras do coração e voar como um beija-flor no jardim ou um bem-te-vi na luz de sua mão e de repente do amor não se fez drama


Ne Me Quitte Pas




Não Me Abandone

Não me abandone, é preciso esquecer,
Tudo pode ser esquecido, o que já ficou pra trás.
Esquecer o tempo dos mal-entendidos
E o tempo perdido tentando saber como.
Esquecer as horas que as vezes matam a golpes de porques
O coração feliz
Não me abandone
Não me abandone
Não me abandone

Eu te oferecerei, pérolas de chuva vindas de países
Onde nunca chove
Eu escavarei a terra, eu escaparei da morte
Para cobrir teu corpo de ouro e de luz
Criarei um país onde o amor será rei
Onde o amor será lei e você será a rainha.
Não me abandone
Não me abandone

Não me abandone, eu te inventarei
Palavras absurdas que você compreenderá
Te falarei daqueles amantes
Que viram de novo seus corações excitados
Eu te contarei a história daquele rei
Que morreu porque não pôde te reencontrar
Não me abandone
Não me abandone
Não me abandone

A gente sempre viu reacender o fogo
Daquele velho vulcão
Que julgávamos parecer velho demais
Terras queimadas produziram mais trigo que no melhor abril
E quando a tarde cai, para que o céu se inflame
O vermelho e o negro não se misturam
Não me abandone
Não me abandone
Não me abandone
Não me abandone
Não me abandone, 

Eu não vou mais chorar
Não vou mais falar, Me esconderei aqui
Só para te ver dançar e sorrir
E para te ouvir cantar e depois rir
Me deixa me tornar a sombra da tua sombra
A sombra da tua mão, A sombra do teu cão
Não me abandone
Não me abandone
Não me abandone
Não me abandone




NINA SIMONE on JANIS JOPLIN ,Wonderful!! , live at Montreux,1976











To Love Somebody




Amar Alguém

Há uma luz
Um certo tipo de luz
Que nunca brilhou em mim
Quero que minha vida seja
Vivida com você
Vivida com você

Há um modo
Todo mundo diz
Para lidar com o mínimo detalhe
Mas do que isso adianta
Se eu não tenho você, não tenho você, amor


(Refrão)

Você não sabe o que é
Amor, você não sabe o que é
Amar alguém
Amar alguém
Do jeito que eu te amo

Em minha mente
Vejo seu rosto outra vez
Sei muito bem como me sinto
Você não tem que ser tão cega
Estou cego, tão, tão, tão cego
Eu sou um homem, você não consegue ver
O que sou?
Eu vivo e respiro por você
Mas o que há de bom nisso?
Se eu não tenho você, não tenho você, amor

(Refrão).






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Auto-ajuda: A tua boca 

Auto-ajuda: O Evangelho

O Poeta e a Lua

100 anos: Vinicius de Moraes




Em meio a um cristal de ecos
O poeta vai pela rua
Seus olhos verdes de éter
Abrem cavernas na lua.
A lua volta de flanco
Eriçada de luxúria
O poeta, aloucado e branco
Palpa as nádegas da lua.
Entre as esferas nitentes
Tremeluzem pelos fulvos
O poeta, de olhar dormente
Entreabre o pente da lua.
Em frouxos de luz e água
Palpita a ferida crua
O poeta todo se lava
De palidez e doçura.
Ardente e desesperada
A lua vira em decúbito
A vinda lenta do espasmo
Aguça as pontas da lua.
O poeta afaga-lhe os braços
E o ventre que se menstrua
A lua se curva em arco
Num delírio de volúpia.
O gozo aumenta de súbito
Em frêmitos que perduram
A lua vira o outro quarto
E fica de frente, nua.
O orgasmo desce do espaço
Desfeito em estrelas e nuvens
Nos ventos do mar perpassa
Um salso cheiro de lua
E a lua, no êxtase, cresce
Se dilata e alteia e estua
O poeta se deixa em prece
Ante a beleza da lua.
Depois a lua adormece
E míngua e se apazigua...
O poeta desaparece
Envolto em cantos e plumas
Enquanto a noite enlouquece
No seu claustro de ciúmes.







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Poema Para Todas as Mulheres

"Ler é encantar-se"


Por que ler?



27 de outubro de 2013


Fiz esta crônica para ler na abertura da Feira do livro de Camaquã, no Rio Grande do Sul, onde fui, cheio de honra e de alegria, patrono.

*

Resolvo pagar mico. Pode ser estimulante sair da zona de conforto sem sair do bairro. Dou um passeio. Interpelo pessoas e faço uma pergunta simples: por que ler? Tem sol. Faz mais de 20 graus. É primavera. Uma leve brisa empurra as folhas de árvores frondosas. Porto Alegre está linda. Alguns me reconhecem. Outros me olham desconfiados. Uma senhora claudicante puxa a filha, uma moça loura sorridente, pelo braço e “sussurra” alto:

– Só pode ser golpe.

Afastam-se apressadas torcendo o pescoço para ver se não as estou seguindo ou se tem alguém caindo no meu conto. Sim, é um conto. O que estou contando? Uma pequena história da leitura. Quem conta um conto aumenta um ponto. Posso perder alguns. Mas eu estou contando a verdade. O que é a verdade? O que as pessoas contam.

– Por que ler?

– Para se instruir – responde um homem de gravata.

Será culpa da gravata? Temo os homens que nunca se separam das suas gravatas. São seres estrangulados. Podem, um dia, cortarem o nó. Será a gravata que faz o homem de quem estou falando, por volta dos 40 anos, tão sisudo, tão utilitarista, tão preocupado com o resultado? Ele não está errado nem conta mentira. Ler instrui.

– Para me instruir eu estudo – diz uma guria.

– Estudar é ler – persevera o homem.

– É e não é – insiste a guria.

– É ou não é? – empertiga-se o homem da gravata vermelha.

– Ler quer dizer mais do que estudar. A gente lê para sonhar, viajar, fantasiar, ter prazer – explica a moça.

Está de saia vermelha. Comparo a saia dela com a gravata do homem. A blusa dela é branca e com um generoso decote. Valeria escrever uma crônica sobre o abismo que se insinua em direção a territórios encobertos do seu corpo esguio. Não sou um escritor erótico. A minha preocupação é a leitura. Conto só o que se deve contar.

– Leio para viver – é o que me diz uma dama toda de branco cuja idade não pode ser inferior aos 90 anos.

Examino sua figura frágil e vergada. Ele me sorri um sorriso cheio de leituras dos tempos da Editora Globo. Pelos seus olhos passa a mulher de 30 anos de Balzac, passa também uma Odete de Marcel Proust e, se não me engano, se não forço o conto, passa Madame Bovary. Ela vê o que eu vejo nos seus olhos e me olha com “olhos de ressaca”, não a ressaca da Capitu, mas a doce ressaca dos belos anos, que desconheço, mas imagino e já admiro.

– Leio para reviver – ela se corrige.

E se vai. Ainda me olha antes de dobrar a esquina. Penso que viveu, no que poderíamos ter vivido, no que leu. Passa uma gata. Anda na cadência da serpente que dança de Baudelaire, “belle d’abandon”. Penso em abordá-la. Hesito. Ela vai achar que sou um chato, um tarado, um golpista ou um cantador barato. Eu sou apenas um contador vira-lata latino-americano que lê por paixão. Arrisco:

– Por que ler?

– Para iluminar o mundo – ela me responde.

Paro de escrever. Tudo isso eu inventei para ler. Quem conta um conto cai no seu canto. Ler é encantar-se.

sábado, 26 de outubro de 2013

Auto-ajuda: A tua boca

Zélia Duncan


Queria viver milhares de vidas na boca, sugando as borboletas e a água da boca. Que vontade de grudar. Por isso eu corro demais em desatino. As bocas me sorrindo. Quem tem medo de borboletas? Você pode cantar cantar cantar com os pés sobrevoando o chão sem desatino. E às vezes, você anda devagar com a borboleta ao seu lado, a boca grudando. Todo mundo tem boca. Sempre quis uma boca, a boca é que quando não me quis se distraiu de mim. Fiquei sem boca para provar. Tive que roubar um beijo e o desejo me devorou até grudar de novo. Fiz as juras secretas com água na boca.
























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Auto-ajuda: "Summer of 42"

Auto-ajuda: Para Amar Alguém, Nina Simone

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

A poesia da sobrevivência

Teatro Pedagógico 01
baitasar
Já passaram seis horas de algumas tentativas solitárias e muitas frustrações. O sinal já espalhou de maneira impressionante sua voz estridente, desatou pequenos e alegres passos pelo portão, outros caminhares se dirigem resignados à geladeira, cafeteira, quadro de avisos. São grandes e desalegres. Olho o relógio pela quinta vez em trinta minutos. O tempo se arrasta. A vida fica a reboque do portão para dentro. Sinto-me insuportavelmente vazia, mais uma terça-feira, mais uma reunião me espera. Antes, cafezinhos, chás, bolos e chimarrão. Procuro por um olhar que nasce deste mesmo parto de querer mudar. O olhar da esperança de fazer diferente em uma única vez. Desaninhar.
Passo pelo pequeno briquitar do corredor em cima da fórmica verde. O tempo dos tamancos e bolsas, para mim, é o momento de fumar. Acendo um cigarro. Dou uma espiada, ao centro o nada, apenas as fatias de interesses para muita conversa. As palavras doces e vazias pulam e repenicam, não se fazem na discussão, não se alimentam, não têm fome. Futebol ou bonecas. Sigo perdida entre a bola e o verniz. Duas mortes. Tragédia.
Não sou nem pela metade o que fui.
Minha vontade é reencontrar o olhar que parece soltar um grito ferido, além do caminho coberto pelo apertado das compras, um lugar alheio às confidências perdidas, esforço estéril de falar e ninguém escutar além das queixas descontentes. Conversamos sobre livros, trocamos ideias e olhares, as coisas da vida, os alunos. Viajo em suas palavras tentando vislumbrar segredos, penetrar no seu mundo escondido, uma caverna de sonhos ou medos, quem sabe apesar dos pesares um buraco de paixões.
Não o encontro.
Termino meu cigarro e entro no abrigo. Queixumes, silêncios, folhinhas (quase sempre as mesmas) bancárias. Encontro o Marko, sua voz vem de longe, envolve meus pensamentos, desacata certezas acomodadas. Ele se lança pacientemente na tentativa de discutir o mundo. Não consigo me colocar na discussão, fico alheia. Tenho mais de vinte anos pensando educação a partir de diferentes espaços: sala de aula, sindicato, partido político, diretório acadêmico e dirigente institucional, certamente, poderia contribuir, como muitas vezes o faço, mas me sinto insuportavelmente vazia, insurgentemente trágica.
Saio para refumar.
Finalmente, o vejo. Abraço seu sorriso, o repertório da sua ternura, suas reticências. O chamam recluso casmurro. Senta em uma pedra e me oferece um chimarrão, agradeço
—        A qual destino deveria me entregar, Anita? — não respondo, não quero responder, quero ser o alimento, a comida, a sede, bebida aos goles por essas mãos em minhas coxas lisas, me salvando de toda essa confusão que é viver consertando à vida. Quero a recordação das mãos, boca, cheiro, tudo nosso — Minha tentação é fugir, escapar de fininho.
Respondo que a fuga é uma chance fugaz, um apetite morno que é possível resistir. Resisto ao desejo de ficar pendurada em seu pescoço. Quero a infinitude do abraço manso e descansado. Mudo o rumo da minha voz para impor silêncio, decretar uma distância razoável, depois pergunto
—        Como será que me veem? Patrão ou joão? Senhoria ou maria?
—        Com benevolência. — me responde.
Outro sorriso e me oferece o chimarrão.
A benevolência, clemência e compaixão situam a nossa tristeza humana, mas não bastam. Termino meu cigarro. Não, ele é que termina comigo. Censuro-me. Cedo às obrigações do cotidiano que me abraça e sufoca. Termino o chimarrão, Já volto, e entro no abrigo. O confidente do corredor é o meu desejo da alma, a negação do meu estado de viver só, magoada por não viver inteira.
Encontro a Camila, cabelos curtos e cacheados, ás vezes, loira, outras nem tanto, quando esquece a tintura e o branco na raiz aparece fingindo que é branco, o rosto magro, o olhar suave e alegre, a esperança conformada com o tempo que passa
—        Não concorda, Anita?
—        Com o quê?
—        Vivemos no país das bolsas e das cotas, fazem filhos e depois querem uma ajudinha. Não pensam, não se planejam, têm mais é que se danar!
Não tenho tempo para responder, mas a Ofélia não se constrange de continuar com o tiroteio, atira em nossas caras
—        Os pais deveriam voltar a sofrer na fila das matrículas, as palavras brotam enérgicas da sua raiva, só assim para valorizarem a chance do filho estudar.
—        Ofélia, pensa assim, pelo menos na fila não estão fazendo filhos. – essa é Acemira, mais conhecida entre os subalternos da corporação, como “bruxa, mas gostosa”. É desenhada na maioria das teias imaginárias, faz a personagem da mulher invisível e nua.
Não consegui abrir a boca, não quis
—        Acho que poderíamos fazer uma campanha séria sobre o tema: A Paternidade e a Maternidade com Responsabilidade. — a Camila é do bem, mas não tem força, e o bem que não tem coragem fica apenas na teoria, olha em torno de si, tem a intenção, mas falha no entusiasmo para avançar sem a aprovação explícita do baixo clero, não luta de lança firme na mão
—        Não é mais fácil esterilizar? — a Acemira consegue com poucas e más palavras provocar a ira e o sorriso, mas jamais a indiferença, Filha da puta! Pelo silêncio no abrigo e os olhos fixados em mim, o pensamento saltou da garganta
—        Acemira, isso é a solução final. — a inócua Camila, abelha pequenina, permite que lhe tirem impunemente o mel, o cheiro fétido das fossas escondidas espalha-se, sufoca. Peço socorro ao Marko, o pai da educação socialista que não sabemos e nem temos, não está no abrigo, sinto falta da sua calma indestrutível
—        Querida, nascem nessas vilas de papelão e lata só para sobreviver... não tem solução amorosa. E o desfecho é o nosso colo, com café, almoço e muita bagunça. Isso aqui não é restaurante. A pobreza precisa controle. — a imbecil da Ofélia não quer respostas, tem a convicção do diagnóstico e a receita é servida com indiferença
—        Não acredito no que estou ouvindo, a embasbacada Camila balança a cabeça como se fosse preciso mostrar que não concorda, a única saída para os pobres é a morte?
—        Camila, essa gentinha brota como musgo na pedra. — a iníqua Acemira continua batendo, a adversária cambaleia nas cordas, o nocaute está iminente. Ela está pronta ter o seu braço erguido como a absoluta vitoriosa daquela discussão tola e cruel, mas que marca os espaços do imobilismo daquele cotidiano amarrado nos punhos e pés. Sinto pena por reconhecer a minha indiferença como uma fuga amornada da vontade de brigar
—        Mas não são apenas as meninas pobres que estão engravidando...
Isso dito assim, fui eu, mas Acemira não se intimida
—        Tudo bem, mas essas meninas têm pais que dão um jeito.
—        Fazem a filha abortar? — Camila voltou à discussão
—        Claro que não! — a doente de imbecilidade Ofélia acredita que tem muito mais para dizer em nome de algum deus brigalhão — Criam todos juntos.
Eu não consigo enxergar as coisas assim, a maneira das ofélias, como se o destino das pessoas já estivesse traçado e não restasse outra coisa que vivê-lo
—        Pensar em esterilizar mulher pobre parece campanha do canil da cidade. — a pobreza atrapalha a escola, estorva as ruas, atravanca os cinemas, perturba a cama, restaurantes se desembaraçam dos restos, os lixos ficam revirados
—        Qual a solução, pergunta desafiadora, Acemira, ela deixa escapar um tênue sorriso, imperfeito, quase invisível, como uma cilada na espreita
—        Não tem uma solução apenas, mas uma delas passa aqui, por todos, a dormideira Camila avança, quer subir no cavalo encilhado, tem medo do bicho xucro, fica com as frases prontas da retórica sem veemência, panfletária, precisamos discutir o inchaço das cidades pela concentração da posse e uso das terras, por exemplo.
—        Isso é ingenuidade! — todos se voltam para o Samuel, o futuro na vida dessas pessoas é hoje, não apostam no amanhã, não podem, colhem o que lhes for possível pelo caminho, sem freios ou arreios.

A poesia da vila, na beirada do córrego, os mosquitos, as moscas, doenças, cheiros do desamor, cedeu seu lugar à sobrevivência.

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Teatro Pedagógico 02 - Iogurte na mesa

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

100 anos de Vinicius de Moraes

Samba da Bênção

Auto-ajuda: A arte do encontro com o amor dói, rasga o coração, mas a vida só se dá pra quem se deu. A vida com fantasia e paixão existe, deixa o corpo morto de tanto prazer. Que maravilha!





É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração

Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
É preciso um bocado de tristeza
Senão, não se faz um samba não

Senão é como amar uma mulher só linda
E daí? Uma mulher tem que ter
Qualquer coisa além de beleza
Qualquer coisa de triste
Qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Um molejo de amor machucado
Uma beleza que vem da tristeza
De se saber mulher
Feita apenas para amar
Para sofrer pelo seu amor
E pra ser só perdão

Fazer samba não é contar piada
E quem faz samba assim não é de nada
O bom samba é uma forma de oração

Porque o samba é a tristeza que balança
E a tristeza tem sempre uma esperança
A tristeza tem sempre uma esperança
De um dia não ser mais triste não

Feito essa gente que anda por aí
Brincando com a vida
Cuidado, companheiro!
A vida é pra valer
E não se engane não, tem uma só
Duas mesmo que é bom
Ninguém vai me dizer que tem
Sem provar muito bem provado
Com certidão passada em cartório do céu
E assinado embaixo: Deus
E com firma reconhecida!
A vida não é brincadeira, amigo
A vida é arte do encontro
Embora haja tanto desencontro pela vida
Há sempre uma mulher à sua espera
Com os olhos cheios de carinho
E as mãos cheias de perdão
Ponha um pouco de amor na sua vida
Como no seu samba

Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba, não

Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração

Eu, por exemplo, o capitão do mato
Vinicius de Moraes
Poeta e diplomata
O branco mais preto do Brasil
Na linha direta de Xangô, saravá!
A bênção, Senhora
A maior ialorixá da Bahia
Terra de Caymmi e João Gilberto
A bênção, Pixinguinha
Tu que choraste na flauta
Todas as minhas mágoas de amor
A bênção, Sinhô, a benção, Cartola
A bênção, Ismael Silva
Sua bênção, Heitor dos Prazeres
A bênção, Nelson Cavaquinho
A bênção, Geraldo Pereira
A bênção, meu bom Cyro Monteiro
Você, sobrinho de Nonô
A bênção, Noel, sua bênção, Ary
A bênção, todos os grandes
Sambistas do Brasil
Branco, preto, mulato
Lindo como a pele macia de Oxum
A bênção, maestro Antonio Carlos Jobim
Parceiro e amigo querido
Que já viajaste tantas canções comigo
E ainda há tantas por viajar
A bênção, Carlinhos Lyra
Parceiro cem por cento
Você que une a ação ao sentimento
E ao pensamento
A bênção, a bênção, Baden Powell
Amigo novo, parceiro novo
Que fizeste este samba comigo
A bênção, amigo
A bênção, maestro Moacir Santos
Não és um só, és tantos como
O meu Brasil de todos os santos
Inclusive meu São Sebastião
Saravá! A bênção, que eu vou partir
Eu vou ter que dizer adeus

Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba, não

Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração


















sábado, 19 de outubro de 2013

Auto-ajuda: "Summer of 42"

Michel Legrand

¿Y si Dios fuera mujer?
E quando ela se mostrou criou o homem do menino
As lembranças de um verão e a jovem senhora triste, ela partiu, mas continua esplêndida, magnífica, com seus abismos de eternidades no universo, firme, suavizada por seu olhar curioso, impossível não desejar uma mulher a criar homens com suas entranhas, que lindo escândalo seria os homens criados a imagem e semelhança da mulher
E se deus fora mulher, continuava mulher, não teria porque deixar de ser mulher, encantadora de homens frágeis, domadora de homens brutos, amansando homens selvagens, uma senhora nua de lábios carnudos de beijar, vermelhos, volumosos, agressivos, não seriam de gesso, mas poderosos como convém a um deus que pode se chamar mulher
E se deus-mulher se mostrar com lábios delicados e finos, não importam as palavras dos homens, não importam os homens e seus os olhos pequenos, adoradores que comem a sua carne e bebem o seu sangue, e a cada mordida ressuscita mais jovem, mais atraente, mais decidida a ser um deus não de anjos, mas do amor que não mais se reprime nem se esconde
Ah! que lindo escândalo seria rezar para um deus mulher e rogar para não esquecer mesmo depois de partir

Uma mulher de todas as cores, com cheiros de ervas finas, delicados sabores doces

O deus mulher da blasfêmia seria um escândalo lindo










Summer of '42 1971 theatrical trailer




Theme




Ela partiu para sempre



Mario Benedetti




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Auto-ajuda: Verte desnuda

Auto-ajuda: A tua boca

Um pouco de pintura e fotografia


Edward Hopper e os preâmbulos do fim do mundo










Diário Gauche

Obras do pintor estadunidense Edward Hopper (1882-1967). Foi o pintor que soube colher no traço, na cor e na iluminação, com as quais compõem as suas obras, a forma humana da solidão, da incomunicabilidade, e do silêncio ao redor.

As figuras humanas de Hopper parece que sofrem um mal-estar suave, mas definitivo, irrecorrível e infinito.

Ele brigou com os vanguardistas da pintura abstrata como Jackson Pollock ( 1912-1956), por exemplo, porque via nesta expressão artística uma forma de esconder a opressão humana de nosso tempo. Para Hopper, abstrato é o sentimento (a solidão, por exemplo), e não a sua arte pictórica.

O tratamento que Hopper dá à luz é belo, único e intrigante, ele consegue imagens que quase sugerem o final dos tempos, a luz que precede a hecatombe, a luz que antecede ao cessar definitivo do sol. Arrisco a afirmar que Hopper é um pintor escatológico.

Já a fotografia da grande Dorothea Langer (1895-1965), outra forma de expressão artística, vai também na mesma direção, agora estimulada pela Grande Depressão da década de 1930, nos Estados Unidos. A inspiração é a mesma, mas com linguagens técnicas distintas.








sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Auto-ajuda: Verte desnuda

Federico García Lorca


À terra voltar para viver de novo, aflorar a febre nas raízes do ventre da tua nudez escancarada que ninguém nem vê. O touro derrama-se em sangue, o poeta derrama-se em versos e você derrama na sua nudez as violetas do amor e dos lábios da agonia... outro abismo e a mesma eternidade. Tua pele lisa me faz compreender a ânsia da vida e da terra, a liberdade e a dor profunda da luta, tua pele lisa me ensina o medo da morte e da espada. Tua pele lisa me ensina que lírios são espadas.



Casida de la mujer tendida




Verte desnuda es recordar la tierra.
La tierra lisa, limpia de caballos.
La tierra sin un junco, forma pura
cerrada al porvenir: confín de plata.

Verte desnuda es comprender el ansia
de la lluvia que busca débil talle,
o la fiebre del mar de inmenso rostro
sin encontrar la luz de su mejilla.

La sangre sonará por las alcobas
y vendrá con espada fulgurante,
pero tú no sabrás dónde se ocultan
el corazón de sapo o la violeta.

Tu vientre es una lucha de raíces,
tus labios son un alba sin contorno,
bajo las rosas tibias de la cama
los muertos gimen esperando turno.



Lamento per Ignacio Sánchez Mejías





La Casada Infiel




LA CASADA INFIEL
*Federico García Lorca*

Voz: Issar Ramón Aguilera

Y que yo me la llevé al río
creyendo que era mozuela,
pero tenía marido.
Fue la noche de Santiago
y casi por compromiso.
Se apagaron los faroles
y se encendieron los grillos.
En las últimas esquinas
toqué sus pechos dormidos,
y se me abrieron de pronto
como ramos de jacintos.
El almidón de su enagua
me sonaba en el oído,
como una pieza de seda
rasgada por diez cuchillos.
Sin luz de plata en sus copas
los árboles han crecido
y un horizonte de perros
ladra muy lejos del río.

Pasadas las zarzamoras,
los juncos y los espinos,
bajo su mata de pelo
hice un hoyo sobre el limo.
Yo me quité la corbata.
Ella se quitó el vestido.
Yo el cinturón con revólver.
Ella sus cuatro corpiños.
Ni nardos ni caracolas
tienen el cutis tan fino,
ni los cristales con luna
relumbran con ese brillo.
Sus muslos se me escapaban
como peces sorprendidos,
la mitad llenos de lumbre,
la mitad llenos de frío.
Aquella noche corrí
el mejor de los caminos,
montado en potra de nácar
sin bridas y sin estribos.
No quiero decir, por hombre,
las cosas que ella me dijo.
La luz del entendimiento
me hace ser muy comedido.
Sucia de besos y arena
yo me la llevé del río.
Con el aire se batían
las espadas de los lirios.

Me porté como quién soy.
Como un gitano legítimo.
La regalé un costurero
grande, de raso pajizo,
y no quise enamorarme
porque teniendo marido
me dijo que era mozuela
cuando la llevaba al río.


Romance sonámbulo





Cancion Otoñal





La Internacional




"Tierra y Libertad" (Ken Loach)





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quinta-feira, 17 de outubro de 2013

O amô qui se carrega nos bolso

Ensaio 24B
baitasar
O siô Menino avançava pela rua da Praia, os passo aumentava sem tê conta disso, é sempre assim, quando se tá indo pelo prazê de tá indo, o caminho é mais comprido, fica mais crescido e a vontade de chegá é maió  qui a decisão de caminhá. O amô se derrama a cada passo, o coração acelera. E o amô é o coração. A saudade súbita do espírito faz da estrada uma longa estrada. O siô queria sê o vento nas árvore derrubando as folha, era preciso sê mais rápido qui os passo pra encurtá o tempo e diminui a distância.
O assovio avivava, ia antes dos passô do siô.
Enfiava e desenfiava as mão nos bolso das calça. Pensô se devia deixá um bigode se alargá embaixo do nariz, resmungo qui teria onde colocá os dedo pra desviá atenção do nervosismo das mão, acomodaria uns carinho nele mesmo, mudaria as máscara. Tinha os motivo pra tê o bigode, mais não era o tempo de decidí. Aumentô os passo e diminuiu o assovio. O decisório sobre o bigode deixava pra depois, não se toma por decidido no caminho de tanta agitação, resolvê tê bigode é decisório sério, muda té os feitio de conversá. Isso é depois, agora é outra trama.
Deixô o faro desembuchá, seguia na frente das vista, quase juntinho do assovio, o tino do nariz alargava a trilha. Foi quando pressentiu os perigo da obra santa, diminuiu os passo, parô o assovio, levô a mão direita té a testa, a esquerda ficô trancada no bolso, depois a direita foi no peito, ombro esquerdo, por fim de todo aquele respeito, no direito, Em nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Atravessô a frente da obra protegido, acreditava qui tava apadrinhado, Afinal, o amparo do custeio que a obra recebe, um bom pedaço é do meu ajutório, está certo que um bocadinho carrego de volta, mas o que fica deve ter algum valor na confiabilidade do céu.
Malandro agoniza, mais não morre.
Voltô a apressá a caminhadura, fungô as venta e aguçô as ferramenta dos ouvido, tinha puxado o aroma do bom lugá, era farejadô de moça muito bem treinado, O gato mia, o boi muge, o leão ruge, o Menino assovia, não tenho cadeias nos tornozelos e nas mãos, sinhá puta Maria Cobra, dona das moças mais tenras e animadas da Vila, o arrendador está chegando, mal terminô de se anunciá pra ele mesmo, dobrô na rua Sete Pecados, largada atravessada entre a rua da Praia e a rua Formosa, sentiu qui tava em casa. Começô brotá os pensamento mais desaforado qui lhe cabia cismá, como fosse da missa a reza e o ofertório, O entusiasmo da vida e as confusões da mentira se vive com atrevimento desavergonhado, sem pena de não ser mais um cordeiro da carnificina, mas é preciso rezar pedindo para ficar sem remorso e sem pecado, amém.
Esfregô as mão e entrô sem batê, nunca deixô sê anunciado na casa, gostava de chegá desavisado, o maravilhamento da intimidade sem-pudor, o portal da sem-vergonhice, a nudez de atrevimento das moça
—        Meninas, chegô o conde Humaitá! — mais o anúncio da Maria Cobra colocava a casa em alvoroço, gostava de usá a titulação da nobreza, dava mais respeito pros negócio, depois recomendava — Ele precisa sê cuidado com mais atenção, afinal, é da nobreza.
O conde fazia o divertimento do gracejo parecê lhe incomodá, mais se parecia com a cadela vira-lata Poesia, atirada no chão, as patinha erguida, esperando agrado de meiguice na barriga, vez qui outra recebia o agrado e mijava no ladrilho de terra, latia, mais não mordia
—        A dona moça sempre de exagero.
Maria Cobra fez jeito de seriedade, té pareceu incomodada, como se fosse fazê discurso na tribuna dos representante, gingô o corpo de um lado pra outro, pareceu qui ia montá o conde, falô devagá, aveludô a voz
—        Tudo pra lhe deixá com o contentamento adocicado.
O conde tava como a cadela Poesia, deitado de costa, as patinha erguida, a língua de fora e os olhinho fechado, louco qui as mão das moça desabotoasse suas calça, doido pra se mijá
—        A dona moça me exagera com seus mimos.
Entregou-se
—        O conde Humaitá merece o gosto do doce na boca.
Maria Cobra ofereceu uma tábua de cortá carne com pedaço da rapadura do melado, junto ofereceu o decote do vestido qui male-male cobria os biquinho dos peito
—        Pra comecá lhe tirar o azedume da rua e prepará para os quitutes da casa.
O conde pediu o melhó dos vinho qui tinha na casa, sem desgrudá as vista dos peito derramando pra fora do vestido, não queria elogiá antes das mão tocá nem queria perdê das vista.  
O Raposa chegô com o vinho, vinha tocando sua gaita de boca, colocô o garrafão na mão do siô. O conde olhô o vidro, depois fez gesto de cheirá o vinho, pareceu aprová o gosto do cheiro, té qui virô no copo da Maria Cobra e na sua caneca, entregô o vinho pro Raposa e ordenô qui todos fosse servido — Abra esse, também! — tirô do bolso na casaca o vinho da degola na Irmandade — Minha pequena contribuição para o nosso recomeço.
A casa tava cheia
—        Quando terminarem pode abrir outro.
As menina tinha gosto de brincá com o conde, fazê festa das boas-vinda
—        O conde chegou! O conde chegou!
O siô Menino olhô no redó e reparô qui a movimentação tava grande, o entra e sai dos quarto não deixava as menina pará. Maria Cobra parecia tê reunido os homem de importância da Vila na sua casa de pecado. Ela usava os cliente pra não tê incomodação, tinha menina qui fazia o serviço de atendimento na casa do freguês, Se a montanha não sai do lugá, o jeito é caminhá até a montanha
—        Boas noite, sinhô conde...
—        Boas noite, delegado! — precisava lembrá de investigá como o delegado degoladô lhe tomou a frente, Não vou perder tempo com investigação do delegado, por hora, que tenho afazeres dos mais apetitosos para apreciar.
Ele dormia vez qui outra com a dona do seu título, dizia, no bem da verdade, na maioria das vez, teve gosto de deitá com siá Casta, Mas lhe falta uns desatino das puta, no fim e ao cabo de tudo, todo mundo perdia e ganhava, umas tinha e outras não tinha o tal dos desatino, umas tinha e outras não tinha o brio da fidalguia, não se pode ter tudo em tudo.
As mão do conde fervia, o coração acelerava, tava impacientado, as vista ia e vinha nas menina, era o desassossego das vontade, a siá Casta havia de lhe perdoá. Maria Cobra pediu qui o preto Raposa tocasse mais alto e pulô no colo do conde, grudô a boca na boca do conde
—        O que o conde procura?
O conde agarrô suas anca, as duas mão prendeu com força um lado e outro da Maria Cobra, sentiu os dedo enfiado nas carne da mulhé, viu qui os biquinho se arrepiavam junto com os pelo do braço, Isso não tem preço, pensô e quase qui viu os brio lhe dando umas piscadela
—        O conde não faz ideia de quantas vezes agarram o meu traseiro...
—        Lhe agarram assim?
—        Às vezes, mas o conde não tá atrás do meu traseiro.
Pronto, chegô a hora de dizê a razão da vontade de tê vindo
—        Não vi a pretinha nem a alemoinha... tão de atendimento, suponho... é uma pena...
A mulhé lhe acariciava o rosto com os biquinho
—        Não, conde... elas foram pro resguardo.
—        Adoeceram? — as vista do siô entristeceram de verdade, tinha muito causo de alegria com as menina, gostava de sê servido pela preta e a branca, apreciava serví a preta e a branca
—        Não! — a Maria Cobra bateu com os nó dos dedo na madeira e cuspiu no chão, procurava fazê o espanto do azá da palavra mal falada do conde, toc toc toc — Esconjura o satanás!
Fez o sinal da sorte por três vez, repetia qui não era supersticiosa, mais qui precisava revertê os acontecimento negativo. O mau agouro não pode deixá de sê eliminado, jogado pra fora. Não gosta de desafiá o destino
—        É coisa mais simples. Quando chegô o noticiário que o conde andava nas rua da Vila, elas foram se guardá pra sua visitação.
A condessa das puta levantô
—        Na dúvida, se o sinhô Menino aparecia ou não aparecia, acharam melhó ficá guardadas: paciência e fé.
O conde Menino abriu o sorriso escancarado da satisfação, esse pensamento cuidadoso merecia uma recompensa — Amanhã, ordeno que o escravo Josino traga algumas estampas de tecido, as meninas escolhem no seu gosto.
O amô do conde não se derrama em verso, não lembra o qui pensa antes de abrí as vista do sono, faz um tempo danado qui não tem sonho, ele carrega o amô nos bolso

—        Vai mandar as meninas?
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Leia também:

Ensaio 23B - Uma garrafa de vinho

Ensaio 25B - O Poesia

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Auto-ajuda: Vira vira pelados... que se dane o agourento namorado

Mamonas Assassinas


Pau da barraca torto deixa a barraca torta. Mão na bunda and has not eaten anyone...
O corpão violão como um doce de coco deixa o coração legauzão. Pra que se casar? Engraçada, quer compartilhar o docinho de coco, mas não gostou da minha calça do Paraguai, minha tara erótica. A morena simpática monamour é um paradoxo do pretérito imperfeito. E a loira? Não tá fácil esquecer aquela loira forte de escort... morenas e loiras são as areias do destino. Diga sim diga sim, ah minha preta, você é o meu xuxuzinho.
Você me deixa doidão, is very good...


Pelados em Santos




Robocop Gay




Vira-Vira




Money




Lá Vem o Alemão








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Mais Auto-ajuda:

Auto-ajuda: O desassossego de viver e não saber ter vida

Auto-ajuda: Verte desnuda

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Literatura: Teatro

Qorpo-Santo


Qorpo-Santo, Teatro Completo.
           São Paulo: Iluminuras, 2001.
















sábado, 12 de outubro de 2013

Auto-ajuda: O desassossego de viver e não saber ter vida

Fernando Pessoa


Uns governam o mundo, outros são o mundo.







Nasci em um tempo em que a maioria dos jovens haviam perdido a crença em Deus, pela mesma razão que os seus maiores a haviam tido - sem saber porquê.


Haja ou não deuses, deles somos servos.


Dormimos a vida.







Tinha-me levantado cedo e tardava em preparar-me para existir.





O coração, se pudesse pensar, pararia.

A quem vivendo não sabe ter vida.

Tenho que escolher o que detesto - ou o sonho, que a minha inteligência odeia, ou a acção, que a minha sensibilidade repugna; ou a acção, para que não nasci, ou o sonho, para que ninguém nasceu.

... e o meu sossego é feito de resignação.

... uma alma mais cansada do que os olhos.

Pedi tão pouco à vida e esse mesmo pouco a vida me negou.

Nós nunca nos realizamos.
Somos dois abismos - um poço fitando o céu.

Nestas impressões sem nexo, nem desejo de nexo, narro indiferentemente a minha autobiografia sem factos, a minha história sem vida.

Reconheço, não sei se com tristeza, a secura humana do meu coração.

Mas às vezes sou diferente, e tenho lágrimas, lágrimas das quentes dos que não têm nem tiveram mãe; e meus olhos que ardem dessas lágrimas mortas ardem dentro do meu coração.

O criador do espelho envenenou a alma humana.

À força de viver de imaginar, gasta-se o poder de imaginar, sobretudo o de imaginar o real. Vivendo mentalmente do que não há nem pode haver, acabamos por não poder cismar o que pode haver.

Sofro de não sofrer. Vivo ou finjo que vivo? Durmo ou estou desperto? Uma vaga aragem que sai fresca do calor do dia, faz-me esquecer tudo. Pesam-me as pálpebras agradavelmente....

Toda a paisagem não está em nenhuma parte.

Entrei no barbeiro no modo do costume, com o prazer de me ser fácil entrar sem constrangimento nas casas conhecidas. A minha sensibilidade do novo é angustiante: tenho calma só onde já tenho estado.

Será Deus uma criança muito grande? O universo inteiro não parece uma brincadeira, uma partida de criança travessa?

Acordo para saber que existo...

As misérias de um homem que sente o tédio da vida do terraço da sua vila rica são uma coisa; são outra coisa as misérias de quem, como eu, tem que contemplar a paisagem do meu quarto num 4º andar da Baixa, e sem poder esquecer que é ajudante de guarda-livros.

Tive sempre uma repugnância quase física pelas coisas secretas - intrigas, diplomacia, sociedades secretas, ocultismo. Sobretudo me incomodaram sempre estas duas últimas coisas - a pretensão que têm certos homens, de que, por entendimento com Deuses ou Mestres ou Demiurgos, sabem - lá entre eles, exclusos todos nós outros - os grandes segredos que são os caboucos do mundo.

Ofende-me o entendimento que um homem seja capaz de dominar o diabo e não seja capaz de dominar a língua portuguesa. Por que há o comércio com os demônios de ser mais fácil que o comércio com a gramática?

Como todos os apaixonados, gosto da delícia da perda de mim, em que o gozo da entrega se sofre inteiramente.

Só uma vez fui verdadeiramente amado. Simpatias, tive-as sempre, e de todos. Nem ao mais casual tem sido fácil ser grosseiro, ou ser brusco, ou ser até frio para comigo. Algumas simpatias tive que, com auxílio meu, poderia - pelo menos talvez - ter convertido em amor ou afecto. Nunca tive paciência ou atenção do espírito para sequer desejar empregar esse esforço.









Este livro é a biografia de alguém que nunca teve vida...







Não vejo, sem pensar.

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Mais Auto-ajuda:

Auto-ajuda: Mafalda

Auto-ajuda: Vira vira pelados... que se dane o agourento namorado