quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Paco de Lucía (España)

Entre dos Aguas

Violão Flamenco









Paco de Lucía, John McLaughlin, Al di Meola








John McLaughlin y Paco De Lucia







 

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

E se o outro fosse ocê? O que ocê faria?

What would you do?









"Não é uma questão de sentimentalismo. E um bom coração também não é a questão de sair por aí num tipo de euforia de falso amor, negando o sofrimento e dizendo que tudo é benção e alegria. Não é assim. Um coração genuinamente bom é um coração que é aberto e é ávido por compreensão. Ele ouve as tristezas do mundo. Nossa sociedade está errada ao pensar que a felicidade depende da satisfação dos nossos próprios desejos e vontades. Por isso nossa sociedade está tão miserável. Somos uma sociedade de indivíduos, todos obsessivos com o esforço por nossa própria felicidade. Estamos desconectados do nosso sentimento de interconexão com os outros, estamos desligados da realidade. Porque na realidade estamos todos interconectados." Jetsunma Tenzin Palmo





Canto Das Três Raças
CLARA NUNES






Canto Das Três Raças
Clara Nunes


Ninguém ouviu
Um soluçar de dor
No canto do Brasil

Um lamento triste
Sempre ecoou
Desde que o índio guerreiro
Foi pro cativeiro
E de lá cantou

Negro entoou
Um canto de revolta pelos ares
No Quilombo dos Palmares
Onde se refugiou

Fora a luta dos Inconfidentes
Pela quebra das correntes
Nada adiantou

E de guerra em paz
De paz em guerra
Todo o povo dessa terra
Quando pode cantar
Canta de dor

ô, ô, ô, ô, ô, ô
ô, ô, ô, ô, ô, ô

ô, ô, ô, ô, ô, ô
ô, ô, ô, ô, ô, ô

E ecoa noite e dia
É ensurdecedor
Ai, mas que agonia
O canto do trabalhador

Esse canto que devia
Ser um canto de alegria
Soa apenas
Como um soluçar de dor



Composição: Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro





Iansã cadê Ogum?
CLARA NUNES





A Deusa dos Orixás
Clara Nunes


Yansã, cadê Ogum? Foi pro mar
Mas Yansã, cadê Ogum? Foi pro mar
(3X)

Yansã penteia os seus cabelos macios
Quando a luz da lua cheia clareia as águas do rio
Ogum sonhava com a filha de Nanã
E pensava que as estrelas eram os olhos de Yansã

Mas Yansã, cadê Ogum? Foi pro mar
Mas Yansã, cadê Ogum? Foi pro mar
Yansã, cadê Ogum? Foi pro mar
Yansã, cadê Ogum? Foi pro mar

Na terra dos orixás, o amor se dividia
Entre um deus que era de paz
E outro deus que combatia
Como a luta só termina quando existe um vencedor
Yansã virou rainha da coroa de Xangô

Mas Yansã, cadê Ogum? Foi pro mar
Yansã, cadê Ogum? Foi pro mar
mas Yansã, cadê Ogum? Foi pro mar
Yansã, cadê Ogum? Foi pro mar
Yansã, cadê Ogum? Foi pro mar
mas Yansã, cadê Ogum? Foi pro mar



Composição: Romildo/Toninho



Morena De Angola
CLARA NUNES





Morena de Angola
Clara Nunes


Morena de Angola
Que leva o chocalho
Amarrado na canela
Será que ela mexe o chocalho
Ou chocalho é que mexe com ela?

Será que a morena cochila
Escutando o cochicho do chocalho?
Será que desperta gingando
E já sai chocalhando pro trabalho?

Morena de Angola
Que leva o chocalho
Amarrado na canela
Será que ela mexe o chocalho
Ou chocalho é que mexe com ela?

Será que ela tá na cozinha
Guisando a galinha à cabidela?
Será que esqueceu da galinha
E ficou batucando na panela?
Será que no meio da mata
Na moita, morena ainda chocalha?
Será que ela não fica afoita
Pra dançar na chama da batalha?
Morena de Angola que leva
O chocalho amarrado na canela
Passando pelo regimento ela faz requebrar a sentinela

Morena de Angola
Que leva o chocalho
Amarrado na canela
Será que ela mexe o chocalho
Ou chocalho é que mexe com ela?

Será que quando vai pra cama
Morena se esquece dos chocalhos?
Será que namora fazendo bochincho
Com seus penduricalhos?

Morena de Angola
Que leva o chocalho
Amarrado na canela
Será que ela mexe o chocalho
Ou chocalho é que mexe com ela?

Será que ela tá caprichando
No peixe que eu trouxe de benguela?
Será que tá no remelexo
E abandonou meu peixe na tigela?
Será que quando fica choca
Põe de quarentena o seu chocalho?
Será que depois ela bota a canela no nicho do pirralho?
Morela de Angola que leva o chocalho amarrado na canela
Eu acho que deixei um cacho
Do meu coração na catumbela

Morena de Angola
Que leva o chocalho
Amarrado na canela
Será que ela mexe o chocalho
Ou chocalho é que mexe com ela?

Morena de Angola que leva o chocalho amarrado na canela
Morena, bichinha danada, minha camarada do MPLA

Morena de Angola
Que leva o chocalho
Amarrado na canela
Será que ela mexe o chocalho
Ou chocalho é que mexe com ela?



Composição: Chico Buarque

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Histórias de avoinha: As Casa do Comércio na Villa 14


Ensaio 39B – 2ª edição 1ª reimpressão

baitasar



É bem assim, mifioneto. Quando as pergunta parece qui terminô, não terminô. Tem as pergunta fácil de fazê: afável, cordial, polida, superficial, um feitio de vivê pra sobrevivê, são feita com cheiro e gosto pra agradá, assim os bel-prazer vão se clareando, atraindo mais facilidades pra história contada. A interrogação mais danada é a hostil, tanto de fazê como de respondê. É preciso sabê perguntá e retrucá, mais tem precisão sabê escutá, entendê o dito e o não dito. Tudo qui é gente do mundo tem lado. Nem todo mundo diz o lado qui tá, é mais desafogado o conforto de ficá em cima do muro. É bão oiá meió o jeito do desafogado dizê e fazê silêncio. As careta, os riso, o pavô. O truque é fazê ocê dormí um sono sem fim, os óio aberto e as vista fechada. Ficá parado. Mais cuidado, não se engane, avançá lentamente também é avançá, se precisá caminhá espaçado e vagaroso, vá, mais procure sê um caminhante firme e resistente. Não se assuste com o barulho amalucado. O ruído terrível faz parecê qui a febre é pió qui o adoecimento. Gritá pode sê bão, um ou otro grito, mais qui isso desarranja os ouvido do ouvidô, ocê pode não tá no lugá certo. Cuida pra não fazê coisa ruim pouca nem coisa ruim muita, as duas têm o mesmo gosto, o mesmo hálito, a mesma tristeza, o mesmo desencanto.

Avoinha me cansa com essa falação toda, essas histórias que nunca acabam. É preciso muita força pra carregar o meu tamanho pequeno e a minha cor de preto, ela escutou a minha reclamação sorrindo, isso não era justo, ela não pode caçoar do meu medo de ser pequeno e o desalento de preto.

Não parou os risos quando falou, é uma incumbência pra hôme, depois de dizer de maneira rude minha sentença de morte, com a naturalidade do bebê que procura o peito da mãe, ela virou e revirou a cabeça como um ventilador, um lado e outro

O que avoinha procura?

Meu neto! Um hôme grande qui finge sê anão, tá com medo de fazê as coisa certa, o ventilador continuava circulando, lá e cá, ventarolando

Eu não finjo, avoinha. O seu neto aqui... é um anão. Esse anão aprende mais no banco do cobrador das passagens que nos bancos da escola, o ventilador parou e cravou a ventania em mim, desgrudei da avoinha, não precisava ver avoinha pra sentir a ventoinha girando. Deslizei as vistas pelo corredor do Rocinante, os passageiros subindo, fecha a porta, um passinho mais acima, isso, vamos liberar a porta, fecha. Uma viagem pequena de socorro, mas que havia ficado arrastada como a história de avoinha: para, sobe e anda. Meu desinteresse calculado não desencostava avoinha do Rocinante

Na escola tem as lição pra ocê dizê qui é dotô, queria que ela pudesse ficar calada, como vai fazê as lição é com ocê, não ficará em silêncio, pelo menos, enquanto a tal história do Josino não acabar e eu não aceitar voltar aos estudos, pensa meió e volta colocá essa bunda preta nos banco da escola. Escuta sua avó, se ocê acha qui bem não faz, mal não há de fazê. Imagine só, ocê pode aprendê escrevê as historias de avoinha. No mundo dos branco, qui os preto vive dentro, tem as coisa qui tá escrita e as coisa qui não tá escrita. As coisa qui não tá escrita não tem valô de leitura. É bem assim, mifioneto, quando as lembrança não tá aparecida na caligrafia elas vira recordação, depois tem o tempo da desaparição das pessoa, o deslembramento e o sumiço. Tudo fica perdido no pó da terra. As memória tem força nos vivo, mais quando as memória tá escrita elas tem mais força qui a morte. Os branco sabe da mágica qui tá nos livro da escola, é causa disso, qui eles escreve as história do jeito e gosto deles, inventa e desinventa na causa própria, isso consegue mais qui as lei... faz ocê sentá aqui.

Avoinha, ninguém me obrigou ou veio aqui estorvar, reclamar o meu lugar.

Esse lugá eles não qué, neinho. Esse banco tá guardado pra ocê. E é bão lambê os beiço beiçudo, a ventoinha de avoinha girando, o Rocinante se arrastando, os passageiros subindo, é preciso fazê alarido e ameaçá com a brabeza dos espírito mais antigo pra acordá as história como essa do Josino. Tem vez qui uma cantiga ou um feitio de falá desata o nó dos lembramento, no caso desse tal Juca, foi preciso tê obediência e respeito pra anotá os conhecimento qui aprendeu da força curativa das planta pra amansá o adoecimento

Então, siô Juca Curador, o preto Camará sabia mais das urgência da moça qui o boticarista, esse só tinha o conhecimento de ouví falá da condição de embaraço da siá com as bosta, o siô faz toda essa ajuda pelo gosto de ajudar ou é só um truque para se dar importância, tem coisa qui não se pergunta, é meió ficá só no pensamento, e o perguntado faz meió em não respondê, inventá qui não escutô. O boticarista fez assim, desatendeu a vontade de se explicá, não tinha importância respondê. Dobrô as junta do joelho, agarrava numa das mão a lista qui prevenia esquecimento

Muito bem, deixemos de conversar fiado... vamos precisar do guaraná, este aqui. Pegue, rapaz.

O Camará fechô o ataúde e dobrô a queixada pra frente, agarrô o pote qui tava na mão do boticarista, o guaraná pode ser encontrado no naranazeiro, um arbusto de quase 12 metros de altura, tem propriedades adstringentes com bom uso em diarreias, a parte usada é a semente.

O boticarista puxô pra fora a cabeça qui vascuiava embaixo do balcão, parô os atendimento da freguesia, não conseguiu disfarçá o espanto, o Canjiquinha sabe ler?

O preto aprumô as costa, subiu e endureceu a queixada, parecia um guerrêro iluminado pela penumbra dos lampião. Aveludô a voz antes da resposta sê dada, ele também não disfarçô qui gostava de fazê surpresa com as leitura, siá Bella fez gosto de ensinar.

Não é difícil ler, improvável é encontrar alguém com gosto para ensinar um preto, o boticarista sorriu, esse é um bom truque... funcionou, voltô enfiá a cabeça no buraco do balcão

A vida é cheia de tramoias, siô Juca.

Até morrer, Canjiquinha. É preciso tá atento as redes de intrigas, destravô a mão do balcão, segura esse. E pra fazer tramoia ou morrer, basta tá vivo.

Louro-preto, também chamado de canela-preta. Árvore medindo cerca de 16 metros. A casca é diurética. Usada em pó, meia colher diluída em água, três vezes ao dia, nas ocorrências de catarro intestinal, diarreias, disenteria e...

Tá bom, tá bom... chega. Agarre esse, o Camará largô o pote com o louro-preto na tampa do balcão, juntô com o pote da guaraná, fez otra curvatura pra modo de agarrá otro pote de alento oferecido pelo Juca

Pronto, peguei. Deixe-me ver esse outro, sabugueiro, frutinha seca, tostada e moída, preparada como café. É boa para cortar a diarreia, 4 a 5 xícaras por dia.

Mais esse...

Anis ou erva-doce, dá bom resultado nas diarreias, principalmente das crianças. Infusão das sementes, 10 a 15 gramas para 1 litro de água, 4 a 5 xícaras por dia, mas siô Juca...

Silêncio, por favor. Mais esse...

Isso é tão aborrecido.

E quem lhe disse que seria divertido?

Ninguém. Bobagem minha, isso não é uma brincadeira, me desculpe o comentário desapropriado. Passe-me o pote, siô Juca, eles não tinha tempo de conhecimento um no otro, nem confiança, não tinha como sabê se a cara era amiga ou vazia, tamarindo, o chá da polpa do fruto é refrescante e calmante nas diarreias, 30 gramas para 1 litro de água, 4 a 5 xícaras por dia.

Só mais dois, esse daqui...

Camomila ou camomila-romana, utilizada contra os vermes intestinais, 10 a 15 gramas de folhas de molho em 1 litro de água, por alguns dias. Ou faça um chá das folhas e tome de 4 a 5 xícaras por dia.

E aqui, eis a campeã! Pegue... se nada mais funcionar essa irá nos salvar. Depressa! Depressa! A sua siá não se libertará sozinha dos seus horrores.

Romãnzeira ou romã, usar a casca do fruto para combater a diarreia. Ferver 30 gramas da casca de romã em 1 litro de água, durante 20 minutos. Filtre e adoce a gosto. Beba o chá várias vezes ao dia.

O boticarista ergueu o corpo sobre as pernas, colocô os pote na sua sacola de medicação e pendurô enviesada no ombro esquerdo. Caminhô pela botica enquanto assoprava, um a um, os lampião. Enfim, a escuridão venceu as resistências, pronto, Canjiquinha, vamos saindo. Depois qui os dois pisô na calçada, ele fechô a porta, mais colocô uma placa de aviso: atendimento de contratempo. Colocô as vista na escuridão, ela estava armada até os dentes

Siô Juca Curador...

Fale, Canjiquinha, os dois punha os óio branco de um no otro

Siá Bella vai precisar tomar tudo isso?

O acalmado riu alto, depois respondeu, não, claro que não, mas vou levando todas as armas. Depois de examinar a situação da adoecida, ver com meus próprios olhos, e não com os seus, escolho o chá de mais precisão. E ocê, já deu o alarme pro sinhô Padre?

O siô Juca acha que tem necessidade?

Acho que não, mas é sempre prudente contar com forças aliadas. De qualquer maneira, isso é decisão pra depois. Vamos?

Os dois tava parado. A botica fechada. A escuridão por tudo, vou lhe mostrar o caminho até a casa da siá Bella. Deixemos de conversa, vamos...

O Camará Canjiquinha na frente, as rua desabitava de gente viva tão rápido quanto o escurecimento tomô conta das rua e dos telhado. A vida da noite precisa tê otra gente, menos fraca, menos inocente. As madrugada com esquina arrepiada, os gato pardo nas sombra, o ventre da terra, a estrada das água, gente marcada de qualqué modo, em todo caso, pra sempre.

A escuridão da noite habita com feitiço, segredo, encruzilhada, faisões depenados e estripados, graveto seco, as vista do acalmado não sabia dizê o qui é gato, o qui é pardo. Os passo esmagava as pedra pequena da estrada, os dente arrepiava, ele tinha o medo qui dizia não tê, mais não ia gritá o seu medo da escuridão. Os aviso do siô da Hora tava ali, junto. Eles ia um passo na frente e dois atrás. Prontos pra alarmá ou corrê. Na hora tomava a decisão de fugí ou enfrentá o perigo qui sabia do presente, do passado e do futuro. O medo da escuridão e dos preto era mais forte, arranquem o couro, batam, batam, mais e mais, não esqueçam o sal e a pimenta, negro-filho-da-puta, não tem outro lugar nem outro fazer que me servir, guiar-me em segurança através da escuridão da noite, impedir que o mal me encontre no cruzeiro das ruas e das almas, tereis esquecido que o meu Deus, o único Deus, meu Pai, criou ocê para servir-me, ó infame, ó marcado, negro, escravo, vagabundo, sou o teu refúgio, agradeças, vou criar teus filhos para servirem meus filhos, o porão da minha casa é tua última toca, pede, deixa-me ficar, vamos, pede, súplica, negro ignorante.

Não é perto nem longe, siô Juca.

O importante é chegar, Canjiquinha, continuava dois passo atrás do Camará, lutava com o sabê ou não sabê das coisa do seu mundo, criancice esse meu medo, não quero alegrar o canalha do Afonso com meus gritos, esses pretos precisam voltar para sua terra, ainda nos arrependemos dessas compras de carne, se não são gente como os brancos, também não são animais, a conta um dia há de chegar e será preciso pagar, continuava dois passo atrás do Camará, em silêncio, pensativo

Prudência, Juca, os dois assustô junto, o preto e o branco, as palavra vinha mais adiante do caminho, e caldo de galinha não fazem mal a ninguém, os dois firmô as vista no rumo qui achava sê o rumo do conselho acautelado, nada foi visto, depois será tarde, a mesma voz agora chegava pelos lado, os dois lado, para arrependimentos, o Juca se descuidô do Camará, quando quis tê arrependimento o preto saltô com os dois ôio arregaiado e os dente assanhado, parecia tê o demônio. O siô Juca procurava a voz rouca da prudência pra lhe ajudá enquanto agarrava a mão do Camará com arma pronta pra lhe cortá e sangrá como os cabrito, como as galinha, agora não adianta lutar, sou a prudência, preferia qui fosse arma de atirá, a ronqueira anunciando seu estertor... aceite o reinado preto de Olorum, ocê é minha oferenda, o presente para Exu, corta logo, Canjiquinha!

Não! Não corta!

O que foi isso, siô Juca?

O boticarista passô as mão na goela, não sentiu nada cortado, girô as vistas, mais ninguém, só ele e o Camará com as mão sem arma de cortá ou de atirá...

_________________________

Leia também:


As Casa do Comércio na Villa 13
Ensaio 38B – 2ª edição 1ª reimpressão


As Casa do Comércio na Villa 15
Ensaio 40B – 2ª edição 1ª reimpressão

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

REDE DE INTRIGAS

Rede de intrigas (Network) 1976








Trailer legendado





Elenco

Faye Dunaway .... Diana Christensen (venceu o Oscar 1977 - Melhor atriz)
William Holden .... Max Schumacher
Peter Finch .... Howard Beale (venceu o Oscar 1977 - Melhor ator)
Robert Duvall .... Frank Hackett
Wesley Addy .... Nelson Chaney
Ned Beatty .... Arthur Jensen
Arthur Burghardt .... Grande Ahmed Kahn
Bill Burrows .... diretor da televisão
John Carpenter .... George Bosch
Jordan Charney .... Harry Hunter
Kathy Cronkite .... Mary Ann Gifford
Ed Crowley .... Joe Donnelly
Jerome Dempsey .... Walter C. Amundsen
Conchata Ferrell .... Barbara Schlesinger
Gene Gross .... Milton K. Steinman
Beatrice Straight .... Louise Schumacher (venceu o Oscar 1977 - Melhor atriz coadjuvante)

Paddy Chayefsky - Roteirista ( venceu o Oscar 1977 - Melhor roteiro original)


Sidney Lumet - Indicado ao Oscar 1977 (Melhor diretor)



Peter Finch foi o primeiro ator a ganhar um Oscar póstumo (que foi recebido pela viúva de Finch: Eletha Finch) pois havia morrido devido a um ataque cardíaco (as cenas no qual o personagem grita diante da câmera foram feitas paulatinamente, devido ao problema cardíaco do ator). Somente outro ator ganhou postumamente, Heath Ledger, em The Dark Knight, onde interpretou o vilão Coringa.

A atuação de Beatrice Straight (Louise Schumacher) ocupa somente 5 minutos e 2 segundos do filme, tornando-se o desempenho mais curto a ganhar um Oscar desde de Gloria Grahame em The Bad and the Beautiful (1953), que apareceu no filme durante 9 minutos e 32 segundos.



Estou muito p... e não vou mais aturar isso!








Televisão não é a verdade






Mundo das Corporações, Corporation World

Network (1976) - Ned Beatty - "The World is a Business"







"... todas as necessidades satisfeitas, todas as ansiedades serão tranquilizadas, todo o tédio finalizado. E eu o escolhi, Sr. Beale para pregar esse evangelho."
"Por que eu?"
"Porque está na televisão, tonto. Sessenta milhões de pessoas o assistem todas as noites da semana de segunda à sexta."








segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Patativa do Assaré (Brasil)

da Poesia  (01)



A mulher que mais amei


Era um modelo perfeito
A mulher que mais amei,
Linda e simpática de um jeito
Que eu mesmo dizer não sei.
Era bela, muito bela;
Para comparar com ela,
Outra coisa eu não arranjo
E por isso tenho dito
Que se anjo é mesmo bonito,
Era o retrato dum anjo.

Sei que alguém não me acredita,
Mas eu digo com razão,
Foi a mulher mais bonita
De cima de nosso chão;
Era mesmo de encomenda
E do amor daquela prenda
Eu fui o merecedor,
Eu era mesmo sozinho
Dono de todo carinho
Daquele anjo encantador.

Era bem firme a donzela,
Só em mim vivia pensando.
Quando eu olhava ela,
Ela já estava me olhando.
Para a gente conversar
Quando eu não ia, ela vinha,
Um do outro sempre bem perto
Nosso amor dava tão certo
Quem nem faca na bainha.

E por sorte ou por capricho,
Eu tinha prata, ouro e cobre.
Dinheiro em mim era lixo
Em casa de gente pobre.
Nós nunca perdíamos ato
De cinema e de teatro
De drama e mais diversão,
Não faltava coisa alguma,
As notas eu tinha de ruma
Para nós andar de avião.

Meu grande contentamento,
Não havia mais maior
E nossos dois pensamentos
Pensava uma coisa só.
Para desfrutar a minha vida
Perto de minha queria
Eu não poupava dinheiro.
Tanta sorte nós tivemos
Que muitas viagens fizemos
Nas terras do estrangeiro.

E quando nós se trajava
E saía a passear
O povo todo arredava
Para ver nos dois passar
Cada qual mais prazenteiro
Deste nosso mundo inteiro
Nós dois éramos os mais feliz
Vivíamos nas altas rodas
E só trajava nas modas
Dos modelos de Paris.

Assim a vida corria
E o prazer continuava
Aonde um fosse o outro ia
Onde um tivesse o outro estava;
Para festa de posição
Das mais alta ingorfação
Nunca faltava convite
Para dizer a verdade
A nossa felicidade
Já passava dos limites

Era boa a nossa sorte
E n]ao mudava um segundo
Ninguém pensava na morte
E o céu era aqui no mundo.
Na refeição nós comia
Das melhores iguarias
Sem falar de carne e arroz
E por isso muita gente
Ficava rangendo os dentes
Com ciúmes de nós dois.

Foi uma coisa badeja
A vida que eu desfrutei,
Mas para quem tiver inveja
Dessa vida que levei
Com tanta felicidade,
Eu vou dizer a verdade,
Pois não engano ninguém.
Aquele anjinho risonho
Eu vi foi durante um sonho;
Mulher nunca me quis bem!

A história não foi verdade,
Todo sonho é mentiroso
Aquela felicidade
De tanto luxo e de gozo
Sem o menor sacrifício,
Foi negócio fictício,
Não foi coisa verdadeira.
Eu fiquei dando o cavaco:
“Este alimento fraco
Só dá para sonhar besteira.”

De noite eu tinha jantado
Um mucunzá sem tempero
E acordei alvoroçado
Sem mulher e sem dinheiro;
Ainda reparei bem
Para vê se via alguém
De junto de minha rede
Mas, em vez de tudo aquilo
Só ouvi cantando o grilo
Nos buracos da parede.

Quando acordei estava só
Sem ter ninguém do meu lado,
Era muito mais melhor
Que eu não tivesse sonhado.
Quem já vai no fim da estrada
Levando a carga pesada
De sofrimento sem fim,
Doente, cansado e fraco
Vem um sonho enchendo o saco
Piorar quem já está ruim.”






Carlos Drummond de Andrade 



Poema de Sete Faces


Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.





Manoel de Barros



VI

Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas
leituras não era a beleza das frases, mas a doença
delas.
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor,
esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
- Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável,
o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença,
pode muito que você carregue para o resto da vida
um certo gosto por nadas…
E se riu.
Você não é de bugre? – ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em
estradas -
Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas
e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de
gramática.



sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Histórias de avoinha: As Casa do Comércio na Villa 13


Ensaio 38B – 2ª edição 1ª reimpressão


baitasar


O que queres dele, negro?

A pergunta dita do feitio qui foi mais pareceu uma ordem provocadora premeditada, o desejo desamarrado de mostrá irritação, desinteresse e cautela, sem afroxá a repelência. Naquela hora, não era mais acertado adoentá, ó desconhecido e assustador negro, afaste-se, afaste-se, essas horas são de dedicação aos amigos, e faz-de-conta que é amigo, pensô o boticarista, no seu lado do balcão, o siô da Hora continuô a falação sem sabê ou dá importância pros pensamento do dono da livraria dos remédios, essa é hora de prosa barata, sem maior utilidade que a fofoca, o boticarista quase abriu a boca, mais não, ficô no quase, achô meió ficá com as ideia guardada, tem uns e outros que mais gostam de boato e bisbilhotice, gente com jeitinho de príncipe e fada, felizes para sempre, sem possibilidades de pontos de vista ou histórias desiguais. Ficô em silêncio, não quis se metê com a falação do mesmo siô descomedido e ilibado, e se ocê não sabe, negrinho, o teu lugar não é aqui, depois do anoitecer tua roda de amigos são os acorrentados, ele parô pra respirá, colocô as duas vista no Juca, antes de continuá desembestado, é muito atrevimento desse negro estar fora das correntes, ocê negro fique atento, vou lhe falar numa só vez e na língua que ocê entende, é bom aprender, desde logo: nêgo bão, qui não precisa corretivo, é aquele qui conhece o lugá de ficá!

O preto não fez qui escutô nem qui não escutô, não deu importância nem revirô sua atenção, continuô voltado pro otro com guarda-pó esbranquiçado, o siô é quem me disseram que é? O Juca Curador das Dores?

É muito atrevimento, o nariz do siô da Hora afogueô, esse negrinho perguntando, aqui e ali, por si, Juca, falava e espiava a escuridão da rua e do preto, é assim que o chamam, respondeu sem esperá pelo boticarista. Não reconhecia o preto parado na estrada, a frente escura dele diante da porta de entrada, aliás, como sempre digo, à noite todo gato é pardo e todo negro é bandido, e esse negro vem a mando de quem?

O malvisto deu um passo na frente, talvez pra oiá meió ou se mostrá mais bem colocado, seja o qui fô, deu pra vê qui ele tava com a cabeça raspada e pintada, as ranhura qui tinha marcava pra sempre sua pele. O boticarista afroxô o zelo e a cautela, fez mais uma miração atentada. O preto parecia recebê mais cuidado qui a maió parte dos preto da Villa, venho cumprindo ordens da siá Bella Morana, falava com desembaraço e boniteza, coisa pouco comum; e sem descaramento, pediu que eu fizesse correria para alcançar a botica de vosmecê com as portas abertas.

Em que posso ser útil?

O preto qui leva e busca os recado oiô os lado, firmô hesitante as vista no siô da Hora, depois voltô sua atenção no Juca, siá Bella Morana pediu que nossa conversa fosse reservada, parô o aviso de esclarecimento. Fez silêncio. Não queria qui a freguesia na botica ficasse ofendida com aquele tanto de atrevimento, mais o pedido da siá Bella precisô sê feito e assim foi dito

Negrinho, o preto oiô enviesado pro lado, não tava assustado nem com assombro, o branco é apurado com a educação primorosa qui diz tê, mais escolhe a dedo com quem é educado ou descontrolado; de resto, é a regra humana da autoridade e controle dos manso, desvalido ou resistente, jamais falá com frouxidão, e assim foi, sem justeza ou mansidão, qui o siô da Hora continuô resmungando, o sinhô Juca Boticarista já está de fechamento marcado, é falar agora ou voltar amanhã, falô mais de birra qui preocupação com o conforto do curadô das erva e chá, o amigo urso qui tava de visita parecia não fazê causo da necessidade do atendimento da adoentada.

O preto agitô as mão e agigantô o apelo das palavra, Deus e cruz! Não! A siá passou o dia se borrando nos vestidos, nos assentos, na cama e no chão. Eu passei o dia como um soldado de prontidão no quartel, o cabungo nas mãos. No primeiro sinal de ataque do inimigo, corria na direção da escaramuça e colocava o cabungo no seu lugar de uso. Cruz e Deus, siô Juca das Dores, não se vá sem atender siá Bella!

A tarefa do boticarista é se ocupá das doença, a fim de adiá as desgraça qui vai acontecê mais antes ou depois; seja da vontade ou desgosto do adoentado, seja da vez qui os capricho de Deus é maió qui as benzedura ou rezadêra, é quando não dá mais jeito, o destino se lasca, perde a resistência e desmarca presença da vida, assume otro querê dizê, fica disfarçado em pintura. O Juca gosta da sua importância, apesá dos gemido, zumbido e a calamidade dos sofrimento qui o atormenta na caçada da morte. Gosta de serví pra alguma coisa nem qui seja de conforto pro desenganado. Ele oiô as horas do escurecimento do dia, não fez cara nenhuma, eu sei que é praxe o amigo não ter hora só sua, mas caminhar na escuridão com um guia escuro não será a melhor decisão de vosmecê, o siô da Hora parecia tê mais preocupação com o preto qui cuidado com a saúde da siá do preto, achô meió dá o aviso do perigo, Juca, meu bom amigo, negro à noite não é a melhor companhia. E me diga, fez pausa antes de perguntá na voz baixa, mais qui sabia chegá nos ouvido qui tava ali na botica, o que esse daí esfrega na casca para ficar tão tição? O disfarce perfeito.

Não merecia tê resposta, não teve, vou ver a sua sinhá...

Siá Bella Morana, o preto abriu um sorriso qui tinha todos os dente da boca, fez a declaração do esforço atendido, muito obrigado!

Não me agradeças, isso não é nada.

Mas então o que é isso?

O boticarista colocô as vista no preto e se explicô, não parecia tê pretensão de sê mais coisa qui era, não é nada, é o meu jeito... uma combinação de comprometimento e compaixão.

É muito nada, se atreveu discordá.

Deixe como tá, sua sinhá que eu não conheço precisa de ajuda. Vou ajudá-la, simples assim.

O siô da Hora subiu e desceu os ombro. O aviso tava dado, ocê se decidiu como um homem de bem livre, espero que o amigo não volte na carreta dos mortos, agora só me resta a contemplação egoísta e indiferente, pro diabo ocê e esse seu novo brinquedinho tição, fez a reverência da despedida costumêra pro boticarista, ocê logo será morto pelo tição, não pelo acaso da má sorte ou vontade de Deus, vá para o inferno! Caminhô dois ou três passo. Parô. Voltô. Já bem pertinho do Juca viu uma mosca pousada no seu ombro, tacô uma mão-cheia qui esmagô a mosca-morta, não quero carregar a culpa de mais uma morte nem me acusar de deixar o amigo sozinho com o tição, o aviso foi dado, a recomendação feita, não diga que não lhe avisei nem vire uma assombração filha-da-puta, bateu os calcanhá, cuspiu nas mão e esfregô a limpeza na sujêra da otra. Virô as bota na direção da saída. Na porta da entrada, esperô inté o preto dá dois passo atrás e foi saindo, levô as bosta qui não desapegava, até mais, Juca. E fique na sua vontade, não se preocupe com os meus cuidados.

Até mais, sinhô Afonso.

Faça bons uso dos seus conhecimentos para ajudar no alívio dessa tal sinhá Bella. Depois me diga da sua beleza, apesar dos pesares, e me diga se valeu a pena o risco.

Vai dar tudo certo.

Pelo bem ou pelo mal.

Por certo, sinhô Afonso. Agradeço os cuidados do amigo, continuamos nossa prosa em outra ocasião.

A vida e a morte hão de seguir o seu curso.

Uma e outra sempre seguem... obrigado pela visita.

Depois qui oiô demorado e passô pelo preto parado na estrada, gritô sem fazê meia-volta nem volteá as vista, não me agradeças, esse pelo menos não usa coleira, e se foi saindo noite adentro, o amigo passe bem, a escuridão há de receber vosmecê com os braço estendido.

O amigo também!

Mas ando por aí sozinho do que mal acompanhado! Amanhã me trate bem o Josino.

O amigo, também...

A visitação acabô. O boticarista ficô com as suas tarefa, ocê aí... entre, o preto deu dois passo e parô na estrada, o que foi?

Não teve resposta. Oiava o preto qui parô na sua porta, nem saia nem entrava. Admirava a claridade da sua cô, a beleza da cabeça raspada, a mão quase se mexeu pra sentí a lisura do côro desbastado, se conteve, parecia um preto azulado, não tinha muitos desse feitio na Villa, havia as ranhura qui marcava o rosto, não sabia se lhe dava feiura ou belezura, mudou de ideia?

Aquele qui veio buscá socorro sem faca na mão, sem colêra de pescoço, não era de caçoá o santo de guarda nem entrá sem sabê onde pisava, o que tem lá dentro, perguntô e apontô pro caixão.

O Juca sorriu a solta o riso qui tava guardado, desde muito, naquele final de dia, rapaz... a morte não nos salvará apesar dos chás, compressas e rezas, a solidão da morte irá nos batizar com escoriações, pedaços de nós boiando diante da portaria invisível e solitária do magnífico deserto, o morto era feliz e nunca saberá, viveu fugindo da morte, ei-la no seu caixão de madeira, o preto se riu, no meio do riso lembrô qui fazia um tempo danado qui não se ria, só tinha gosto de chorá, gostô de sentí o gosto do riso, inté se animô de perguntá

É preciso muito pão branco para essa viagem desconhecida, arredia e vazia?

Não é uma viagem, rapaz. Não haverá mais nada. Nem fome. Nem carne. Nem amor. Nem árvores. Os ventos estarão parados. Nem afogamentos. Nem sede. Água seca. Não haverá céu. Nem fogo. Nem escravo. Nem prata. Um patético e medíocre fim se ocê não levar asas. Aproveite o seu dia, ele é a sua vida.

Parô o riso. As asas não conseguia livrá das corrente o seu povo, o seu canto de dô. Só tinha tristeza escorrendo das vista, falar em voadura é mais fácil quando não se é preto, entrô na botica com as asa quebrada, nunca perdeu as asa, andô inté o caixão carregando as marca da colêra, fechô as vista e levô a mão inté a cabeça, salve os de lá, salve os de cá, confio em vós, meu Pai Oxalá, salve!

Virô as costa pro caixão e aplicô as vista no boticarista, frente na frente, a siá Bella precisa dos seus serviços e habilidades.

O socorrista não precisô pensá pra respondê, não conserto adoentado nem tiro algum perigo inspirado por ganância ou pela honra, é esse meu instinto imbecil de não querer que ninguém morra mal. A teimosia da minha vida: a boa hora com prudência, sem zanga ou loucura... e no caso da sua sinhá, o que lhe sai das entranhas tem cor e cheiro? Ocê lembra?

O otro fez cara de desprazê, como se pudesse afugentá a lembrança do dia, não tem como esquecer, parece que estou carregando tudo comigo, um monte de esterco que encheu dois baldes. Até a metade do dia saiu muita bosta escura, cheirume acatingado, podre na feição, desengraçado com as belezas da siá. Depois, foi aclarando e perdeu a força do cheiro ruim, virou água suja abaixo... água choca. O cheirume acatingado continua saindo com as lufadas de vento da rabada. A siá não está comendo. Acha que tem fome, mas despeja de volta o que come. Nem resolve dar banho.

Espere, rapaz.

O Juca estreitô o preto inté ele se acalmá. Subiu e desceu as vista, nunca tinha visto preto calçado com bota tão elegante, pensô em perguntá se tinha roubado, meió não, ocê tem nome?

Camará.

Só assim? Camará?

Camará Canjiquinha, o preto tava meio vestido de calça, camisa e bota, qui muito branco metido à besta. O cabelo cortado e raspado revelava uma trilha feita com navalha, bem na quina direita da cabeça

Então, Camará Canjiquinha, parece que sua sinhá tá com mal de bicho, mas pra ter certeza é preciso olhar de perto e ficar atento aos cheiros.

E se faz o quê? Estou lhe dizendo que a sinhá não é a mesma.

O boticarista foi inté o ataúde recostado calmamente na parede, Camará Canjiquinha, me ajude. O ataúde tava fechado, como tivesse na obrigação de escorá o defunto em pé, segure a porta do meu armário, o Camará arregalô os óio, não carece ter medo, se aproxime. O mundo tá dividido em duas partes: o mundo dos vivos e o mundo dos mortos. As crianças separam assim, as fadas num lado, as bruxas e o bicho-papão do outro, e ocê no que acredita, o Camará recolheu as vista e aproximô as mão da tampa, recolheu os pensamento antes de respondê a pergunta do boticarista

Tem coisa que acontece e só tem explicação nas rezas, meisinhas, mandigas e defumações. Não é mágica, acredito que é caridade para alívio das dores. O boticarista lhe revirô as costa, se adiantô inté o ataúde, procurava sua caderneta de anotação com as receita das erva qui ataca soltura demasiada de bosta mais água choca. Escutava e não escutava o Camará. Soltô um grito de satisfação quando pegô um maço de papel véio, tudo enrolado feito um canudo e amarrado com uma fita amarela

Camará Canjiquinha aproxime o lume da lamparina, desatô o nó e destravô as diabrura escrita. Passava o dedo fura-bolo nas escritura, a unha cortada rente da carne alisava os escrito. Gostava de exibí a limpeza limpa e escovada das unha, pronto, já avivei as lembranças!

Só isso?

Só...

_______________________________

Leia também:


As Casa do Comércio na Villa 12
Ensaio 37B – 2ª edição 1ª reimpressão


As Casa do Comércio na Villa 14
Ensaio 39B – 2ª edição 1ª reimpressão

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Fernando Pessoa (Portugal)

Os Poetas Portugueses (01)




O último sortilégio


Já repeti o antigo encantamento, 
 E a grande Deusa aos olhos se negou. 
 Já repeti, nas pausas do amplo vento, 
 As orações cuja alma é um ser fecundo. 
 Nada me o abismo deu ou o céu mostrou. 
 Só o vento volta onde estou toda e só, 
 E tudo dorme no confuso mundo.

 Outrora meu condão fadava as sarças 
 E a minha evocação do solo erguia 
 Presenças concentradas das que esparsas 
 Dormem nas formas naturais das coisas. 
 Outrora a minha voz acontecia. 
 Fadas e elfos, se eu chamasse, via, 
 E as folhas da floresta eram lustrosas. 

 Minha varinha, com que da vontade 
 Falava às existências essenciais, 
 Já não conhece a minha realidade. 
 Já, se o círculo traço, não há nada. 
 Murmura o vento alheio extintos ais, 
 E ao luar que sobe além dos matagais 
 Não sou mais do que os bosques ou a estrada.

 Já me falece o dom com que me amavam. 
 Já me não torno a forma e o fim da vida 
 A quantos que, buscando-os, me buscavam. 
 Já, praia, o mar dos braços não me inunda. 
 Nem já me vejo ao sol saudado erguida, 
 Ou, em êxtase mágico perdida, 
 Ao luar, à boca da caverna funda.

 Já as sacras potências infernais, 
 Que, dormentes sem deuses nem destino, 
 À substância das coisas são iguais, 
 Não ouvem minha voz ou os nomes seus, 
 A música partiu-se do meu hino. 
 Já meu furor astral não é divino 
 Nem meu corpo pensado é já um deus.

 E as longínquas deidades do atro poço, 
 Que tantas vezes, pálida, evoquei 
 Com a raiva de amar em alvoroço, 
 Inevocadas hoje ante mim estão. 
 Como, sem que as amasse, eu as chamei, 
 Agora, que não amo, as tenho, e sei 
 Que meu vendido ser consumirão.

 Tu, porém, Sol, cujo ouro me foi presa, 
 Tu, Lua, cuja prata converti 
 Se já não podeis dar-me esta beleza 
 Que tantas vezes tive por querer, 
 Ao menos meu ser findo dividi - 
 Meu ser essencial se perca em si, 
 Só meu corpo sem mim fique alma e ser!

 Converta-me a minha última magia 
 Numa estátua de mim em corpo vivo! 
 Morra quem sou, mas quem me fiz e havia, 
 Anónima presença que se beija, 
 Carne do meu abstrato amor cativo, 
 Seja a morte de mim em que revivo; 
 E tal qual fui, não sendo nada, eu seja!


(1934)





Ricardo Reis (Portugal)



Para ser grande, sê inteiro: nada


Para ser grande, sê inteiro: nada 
Teu exagera ou exclui. 
Sê todo em cada coisa. 
Põe quanto és 
No mínimo que fazes. 
Assim em cada lago a lua toda 
Brilha, porque alta vive.


(Odes)






Alberto Caeiro (Portugal)



O guardador de rebanhos



Eu nunca guardei rebanhos, 
Mas é como se os guardasse. 
Minha alma é como um pastor, 
Conhece o vento e o sol 
E anda pela mão das Estações 
A seguir e a olhar. 
Toda a paz da Natureza sem gente 
Vem sentar-se a meu lado. 
Mas eu fico triste como um pôr do Sol 
Para a nossa imaginação, 
Quando esfria no fundo da planície 
É se sente a noite entrada 
Como uma borboleta pela janela.

Mas a minha tristeza é sossego 
Porque é natural e justa 
E é o que deve estar na alma 
Quando já pensa que existe 
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Como um ruído de chocalhos 
Para além da curva da estrada, 
Os meus pensamentos são contentes. 
Só tenho pena de saber que eles são contentes, 
Porque, se o não soubesse, 
Em vez de serem contentes e tristes, 
Seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva 
Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos 
Ser poeta não é uma ambição minha 
É a minha maneira de estar sozinho.

E se desejo às vezes 
Por imaginar, ser cordeirinho 
(Ou ser o rebanho todo 
Para andar espalhado por toda a encosta 
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo), 
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do Sol, 
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz 
E corre um silêncio pela erva fora.

Quando me sento a escrever versos 
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos, 
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento, 
Sinto um cajado nas mãos 
E vejo um recorte de mim 
No cimo dum outeiro, 
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias, 
Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho, 
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz 
E quer fingir que compreende.

Saúdo todos os que me lerem, 
Tirando-lhes o chapéu largo 
Quando me vêem à minha porta 
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro. 
Saúdo-os e desejo-lhes sol, 
E chuva, quando a chuva é precisa, 
E que as suas casas tenham 
Ao pé duma janela aberta 
Uma cadeira predilecta 
Onde se sentem, lendo os meus versos. 
E ao lerem os meus versos pensem 
Que sou qualquer cousa natural – 
Por exemplo, a árvore antiga 
À sombra da qual quando crianças 
Se sentavam com um baque, cansados de brincar, 
E limpavam o suor da testa quente 
Com a manga do bibe riscado. 


( 08.03.1914 )