domingo, 29 de março de 2015

Histórias de avoinha: As Casa do Comércio na Villa 19

Ensaio 44B – 2ª edição 1ª reimpressão


baitasar



O Capitão continuava sentado nas pedra da beirada do rio, parecia com um capitão-do-mato no descanso desavisado. Um mulato com oiá de branco. O cipó de boi enrolado e protegido na cintura. Naqueles dias, um hôme bão num deixava de tê uso próprio das bota qui abria os caminho do mato, o saco com o instrumental do paiêro, a arma de cortá, a arma de atirá e o cipó de boi. O Capitão mulato carregava o instrumental do paiêro, a arma de cortá e o cipó de boi. Nunca aceitô oferecimento do siô da Hora pra fazê uso da arma qui atira, não tem necessidade, carrego tudo que preciso no meu cinturão da segurança.

Coisa simples, mais qui encaminhava o descanso ou a luta no seu gosto: um facão pros trabáio do roçado ou arma de cortá pela metade a valentia dos preto arruacêro. Num era hôme de confiá nos otro, menos ainda, deixá a incumbência do serviço na vontade dos preto. Com ele num tinha querê ou não querê, tarefa dada precisava sê terminada, o chão da senzala não me merece confiança, tão sempre de cantoria e feitiçaria. Quanto mais apanham mais fazem cantoria e dança. Não me enganam, tão sempre tecendo tramas e fugas pra algum quilombo. Lidá com esses negros dá muito trabalho, não se pode confiá nos vagabundos, se vestem com os tecidos mais gastos pra esmolarem alguma coisa. Os capachos que se submetem e não reclamam são raríssimos, dóceis apenas por medo do pelourinho. É preciso ter cautela com os cochichos, não dá pra confiá em vagabundo ou capacho.

Num tinha confiança nos preto nem na pólvora. Confiava só nas mão e na língua. Não dava trégua nos nome feio qui soletrava pra humilhá, criô os próprio ditado, o negro é besta de carga ou bandido, não existe nenhum bom. Escravo não tem índole, só precisa obedecer o dono. Cantá ou dançá faz perder a atenção no trabalho. Esses negros da cantoria e dançaria não respeitam nada, só quem controla é a mão com o cipó de boi. Ocês são capacho de rico, besta de carga, vagabundo, bandido, ignorante, cada palavra de uso fazia crescê um ódio no bastardo qui não sabia tê explicação.

Provocava ele mesmo, não achava justa a sua mulatice de preto. Fiô da escrava Rita. Sem pai.

Ele tava sempre na procura de algum revoltado. Queria sabê os nome pra fazê castigo preventivo, se não fez ainda vai fazer. A criação vem do exemplo. Não deixo por conta. Não quero saber das cantorias e danças do demônio. Essa feitiçaria não respeita ninguém, mas se aquietam quando o cipó de boi entra em ação. Têm medo mas não têm vergonha, há vezes em que é preciso ser mais duro e cruel do que se quer, mas quem ensina tem essa sina de ser chamado de malvado.

Podia passá hora e mais hora de conversa com ele mesmo. Num tinha pai pra chamá de pai nem amigo pra escutá sua falação. Acostumô com o retraimento dos branco e o descampado dos preto na sua volta.

Sentado na beirada do rio, ou no lombo do cavalo, era o mesmo desconfiado em prontidão. Controlava com as vista o paiêro e os dois preto qui desembarcava as madêra da carroça e descascava as tábua no barco do siô da Hora. Num gostava daquele serviço secreto com os dois preto, isso não é serviço sigiloso, fungava e mascava o fumo, é um serviço que pra ser sigiloso esses dois negros precisam perder a língua, caso o sinhô da Hora continue desimbestado com essa mania de serviço secreto.

A lua tava sumida. O fumo enrolado na páia. O barco do siô da Hora encostado na esquina das água, no meio do capinzá, embalando com o vai e vem das água mansa. A madêra disfarçada de donativo voltando, atolando o barco nas água. Generosa. Atenciosa. Foi e não ficô. Voltô. Sem reclamação.

O Capitão continuava fazendo o gerenciamento da movimentação toda, controlava os alarido. Num tinha chiliqui no feitio de enrolá a páia nos montinho de fumo, era pacientoso, mais não fazia o mesmo gosto de cuidado com os preto. Parecia tá sempre preparado pro avisado e o desavisado. Num confiava nos preto na escuridão, também num confiava nas claridade do dia, tem negro atrevido que escapa com toda a clareza do dia, mas na cerração do escuro o cuidado precisa ser redobrado.

Ele tava na incumbência de vigiá o serviço escondido e a embarcação das madêra qui foi donativo anunciado na missa dominguêra. Na manhã da missa o siô da Hora sentiu as vista dos amigo religioso direto nele, foi quando o siô padre anunciô aquela doação generosa, quero agradecer ao ilustre filho desta terra, sinhô Afonso da Hora, e sua bela e querida esposa, dona Casta, a generosa doação do madeirame para o prosseguimento da obra Santa.

Deus seja louvado!

Para sempre seja louvado!

Amém!

O Capitão tava no fundo da igreja já com as ordem de planejá o recolhimento das tábua mais valiosa e fazê retorná pra serraria da fazenda. Era isso qui tava sendo feito. O chimarrão tinha qui esperá. Não podia tê claridade do fogo, sem fogo num ia tê água na fervura, não tem necessidade iluminá a escuridão. Não queremos chamá a atenção de nenhuma assombração. É preciso trabalhá em silêncio, tava lembrado da clareza das palavra do siô

Capitão, não queremos atrair atenção de gente sem índole e com mania de bisbilhotice, o recado tinha sido claro e direto, o serviço é secreto e no escuro, longe do trapiche, entendeu?

Entendido, siô afonso da Hora.

O patrão lhe metia nos apuro, num perguntava se podia sê feito, como nunca lhe chamava de fiô; um fiô destapado e coração sempre apertado, tinha veiz qui quase subia inté a goela a vontade de reclamá, mais controlava o apuro. Num mexia nenhum nervo. Segurava a raiva. Espantava o desconsolo. Desanimava. Animava. Tava sempre fingindo, inté qui a fúria escapô da vigilância, criolo de merda, cuidado! essas tábuas não podem molhá!

Foi quebrado o silêncio do serviço secreto no descampado da esquina das água. Num conseguiu evitá. O bastardo precisava mostrá pros debaixo quem qui mandava. Existe gente assim, num basta comandá, subí na vida, tem qui dominá a esperança do otro. O Capitão queria um pouco mais, ele queria branquiá. Passá pros lado di lá. Num corria atrás do amô. Sabia qui ia morrê sem o nome do siô da Hora, num ia tê a reconhecença do pai como pai. Num queria sê só alforriado, queria casá com moça branca, branquiá os fiô.

Então, num mostrava os dente se num fosse pra mordê os preto, ocês têm ânsia de serem escravos, trabalhá até morrerem. Quem são ocês pra reclamarem direitos sobre a própria vida?

Um infame aborroscado.

Tudo era causo de castigo no modo de pensá do bastardo. Era e num era nada, tinha e num tinha nada. Fiô sem pai da escrava Rita. A preta qui o siô fez questão de levá junto depois do casório com siá Casta. A dona de tudo lhe deu importância nenhuma, preste atenção, sinhô Afonso, meu marido. Vosmecê pode ter as escravas que quiser, mas não me arrume uma branca.

A mãe do bastardo num era nada, num era nem muié. O degenerado num era nada. Num era fiô. Queria se dá importância de uso pro hôme qui era o pai, mais não odia sê dito qui era o pai. O bastardo tinha ânsia de sê o fiô, mais ele e a vida dele, os fiô qui ia fazê e a família qui ia tê, não conta. Não existe. Um fiô qui era apaniguado num passava disso, num era nada. Foi um tempo qui não sentia dó nem pena dos preto, fazia gosto de riscá o côro dos escravo com sangue e sal. Gostava de anunciá com riso de contentamento, na primeira luz do dia, acordei com o pensamento de não acabá o dia sem fazer salmora de sangue, os preto sabia qui o anúncio se cumpria mais cedo ou tarde, no mesmo dia.

Ali, tava ele. Em pé, na beirada do rio. Os três escravizado parado. O silêncio do serviço secreto quebrado. Um grito qui saiu do seu destempero de não sê o qui qué sê. Lembrô as recomendação do pai de fora dele, façam o embarque do jeito mais escondido possível, sem conversa, sem badalo do sino. Um serviço que nunca existiu. Ocês não existem, o aviso do siô é lei nas parte de dentro das terra qui ele manda e desmanda, num tem escravo metido à besta

Capitão... Capitão...

O Josino quis aproveitá o descuido do grito e o desconcerto do bastardo, o que foi, negro, o adulterado pelo nascimento meio preto, meio branco, qui carregava uma das vista verde do pai mais a vista preta da mãe, sentô. Respondeu o chamado com uma pergunta, mais não parô de vigiá os dois preto carregadô, voltô nos trabáio do paiêro. Acomodô a boca e a posição das vista, a verde nos preto; a preta, no paiêro.

Aquele qui começô aquela conversa arriscada chegô pará de falá, pensô qui seria meió adiá ou esquecê aquela prosa, mais a língua num conseguiu ficá escondida na boca, num teve ninguém nas redondeza, vivo ou morto, pra lhe avivá da demasia. A muié Milagres tava longe, nas ocupação dela, atenta qui ficava com as coisa do seu amô, inté qui tentô, meu preto, tem tempo pra tudo. Ocê precisa pacientá, ele num colocô na prática os aviso do amô. Deu resposta sem birra, ela tava na ponta da língua, cansada de sê engolida, num quero proteção, quero reparação. Eu quero sê um hôme livre, minha preta.

Ela continuava na volta com o coração agoniado. Ela sabia, as muié sempre sabe antes, tava desassossegada, ocê é o meu siô do coração, o siô da Milagres, num tem branco qui manda no coração da Milagres, meu preto... escuta o siô da Milagres qui ocê tem dentro

Posso lhe fazê pergunta?

O adulterado não mexeu com nada na cara desconfiada. Esperô terminá o fumigadô e lhe oiô o tempo duma piscadela. Enfiô o paiêro terminado na saca dos pronto. E começô otro, fale logo, mas cuidado com a gritaria, os dois não podia mais recuá do palavrório, o qui ia perguntá nem o otro qui não ia responde

Essas tábua se parece muito com as tábua largada no Largo da Quitanda... num faz muito dia...

O Capitão da vista verde ficô acautelado, nenhum naco do peçonho se mexeu. A voz não saiu do feitio pensado, tava gelada. Vontade num faltô, mais num deu nenhum grito. Nem foi sussurro, saiu desacertada de vida, parecida com o chocaio da boiquira antes do bote, isso não foi pergunta, criolo.

A língua do Josino ficô assanhada, achô qui a conversa podia se alongá. Não escutô o qui não foi dito, é só uma desconfiança, Capitão.

A boiquira tava toda enroscada, pronta pro bote, isso é conversa de assunto que não interessa pro criolo. Ocê só tem uma obrigação no pensamento, no caso de pensá, é claro, apenas um cuidado: fazer o serviço pro modo de não sofrer os horrores do inferno. Eu sou o inferno!

Milagres suplicô qui ele deixasse a língua escondida na boca fechada, se escutô num obedeceu, pensava qui as tábua era pra tê uso na obra Santa...

E desde quando criolo pensa?

Tem veiz qui é preciso sabê do perigo qui pode deitá o fogo na casa. O Josino num parô pra escutá. Na escuridão, num reparô na vista esverdeada o portão do inferno. Ou fez qui não reparô. Continuô falando enquanto ia buscá as tábua na carroça inté o barco, pelo feitio das prancha, esse reparte nem chegô descê no cantêro da obra Santa.

Ele tinha razão, mais tê razão num importava no caso daquele serviço secreto, num parecia coisa boa. Ninguém ia acreditá qui as prancha ficô encilhada, esperando as providência de retirada com ordenança do siô da Hora. O moço bão dava com uma das mão, tirava com a otra e vendia sem avisá o Governadô. A madêra doada voltava nas mão do doadô pra sê vendida. Um jeito fácil de aumentá riqueza e desfilá as aparência de bão moço.

O Capitão acabô mais um paiêro, levantô da pedra. Caminhô inté o Josino. Parô na frente do preto. A prancha apoiada no costado do preto. Os óio dum grudado nas vista do otro, tão perto qui os dois achatado quase se tocaiava, criolo... não meta o nariz onde não é devido, ocê acaba comido de sobremesa. Isso é assunto qui não cabe na boca do criolo. Mas se ocê insistir com a curiosidade, aquela negra que lhe espera, e parece não saber o que é melhor pra ela, vai receber notícia que não será boa. Isso eu lhe garanto.

Os pé do Josino afundava no rio, a prancha lhe enfiava pra dentro da garganta da água, tavam lhe bebendo, isso num tem nada com a Milagres.

Isso não é ocê que decide, na verdade, ocê não decide nada. Só obedece. Ela vai saber que o criolo dela fugiu e não volta mais. Deixada pra trás. E o siô Afonso vai precisá se colocá na cama da negra pra fazer mais um bastardo.

Num tinha fim aquele caminho, num tinha fim a cansêra, talvez com a luz da manhã.


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sábado, 28 de março de 2015

Porto Alegre - 26 de março de 1772

Nas pegadas das minhas botas... algumas lembranças de Porto Alegre







Há muito tempo que ando
Nas ruas de um porto não muito alegre
E que no entanto
Me traz encantos
E um pôr-de-sol lhe traduz em versos
De seguir livre muitos caminhos
Arando terras, provando vinhos
De ter idéias de liberdade
De ver amor em todas idades
Nasci chorando, moinhos de vento
Subir no bonde, descer correndo
A boa funda de goiabeira
Jogar bulita, pular fogueira
Sessenta e quatro, sessenta e seis, sessenta e oito um mau tempo talvez
Anos setenta não deu pra ti
E nos oitenta não vou me perder por ai
não vou me perder por ai
não vou me perder por ai
não vou me perder por a




Kleiton e Kledir







Nelson Coelho de Castro







Bebeto Alves







Nei Lisboa







Almôndegas







Saracura







Bebeto Alves & Humberto Gessinger







Vitor Ramil







Semeadura






Nação Periférica e Giba Giba







Serrrote Preto & Giba Giba





domingo, 22 de março de 2015

Histórias de avoinha: As Casa do Comércio na Villa 18

Ensaio 43B – 2ª edição 1ª reimpressão


baitasar



Nunca mais fez assunto o causo da língua do camará Vila inté esse dia de ensinamento pro camaradinho. Uma teia de más intenção qui pode levá da vida pra morte num estalá do cipó. Uma tristeza tê as pessoa qui gosta do barulho das tira assumbiando a dô nas costela. Esses qui gosta não vai tê ninguém pra lhe favorecê. Não havia de sê ele qui devia assuntá a língua cortada, male mal tinha tempo de fazê as vigilância da iluminação. Um capricho de atenção na ida e otro na volta, quem tem feitura de ofício apertada não perde tempo em assuntá trama de julgamento, isso é preocupação do chefe das pulícia, falô sem oiá o camaradinho. Deu suspiro fundo e recomeçô a trilha no rumo da Quitanda, fez quatro ou cinco passo e parô, meu camaradinho, vem té aqui. Quero colocá clareza nas palavra dita.

O mestre qué se explicá?

As veiz é meió pará o caminhá da língua, pensá as coisa dita e pra dizê. Quero lhe inspirá respeito, não quero lhe distanciá da gratidão. Tudo qué dizê alguma coisa...

Tô lhe escutando...

As mão do Varão nas parte redonda do Joca não incomoda, isto só tem importância pros dois. A culpa é fazê humilhação nos otro, não tê amô nos otro. Fala mal quem faz empenho em odiá. A mão do Varão qui cochile onde quisé. O descabido foi a língua do camará Vila desaparecê nasmão dos três e não teve ninguém pra procurá sabê o certo e o errado. Num falta estima de sabê a verdade, mais preocupação com os preto. Um capricho de atenção na ida e otro na volta.

O Largo da Quitanda não parecia dormí. As formiga continuava o comércio qui se juntava com as lanterna. Uma trilha de gente. O trapiche rio adentro cortava as água como as marca da chibata marcava o côro, não era dali, mais não mudava o qui era: uma fonte de comércio. As estrada das água não tinha descanso nem precisava reparação, só carecia tê cuidado com os vento. 

Os três parado. O siô da Hora fazendo reconhecimento do perigo e a necessidade do uso da arma de atirá. Esperava tudo, pra tudo queria uma explicação qui não ia tê. Sabia farejá o perigo, sabia farejá os preto. A mão não tinha dúvida, nunca teve no causo de confusão com preto, já tava no armamento de guerra.

As barca, as barcaça e as sumarca no trapiche. Umas chegando, otras saindo. E otras vindo pela estrada do rio pra cima e pra baixo. A vida não para nem espera. Passa. Não adianta ficá só oiando da margem com medo de afogá e choromingando qui num sabe nadá, as água passando é a vida.

Os serviço da iluminura daquela noite male mal teve começo quando tudo se parô esperando o desfecho. Os três quieto. O guri com as vista estrelada, as mão agarrada nos bolso qui não encontrava. Queria tá dentro dos bolso. Escondido. Ele não tinha muito, mais tinha vontade de aprendê o serviço das iluminura, queria sê gente e crescê. Fica hôme. O camaradinho qui virô camará Palavra.

A ligadura das veia pulando.

Um guerrêro todo branco bem armado é um guerreadô qui não se importa com o tamanho do hôme qui tem na frente, tá pronto pra fazê aparecê a dô. Pronto pra defendê as coisa boa qui conquistô na cama da siá Casta. As mão tensa, o pau mole... pequenino. Torto como um pepino. Sumido. Era capaz de num achá caso fosse preciso encontrá.

O camará Farol não tinha as bota, podia sentí as reclamação da terra, os aviso do perigo. O camará Farol virô as costa, as vista e a atenção na direção do rio. O siô resolveu passá sem fazê menção de querê reconhecimento, passô reto pelas costa de um e as vista arregalada de otro, negro filho-da-puta... ocê tem obrigação de respeito e mesura.

O camará só pensava iluminá com capricho a escuridão, sua obrigação tava só no começo

Ocê aí, negro!

Num teve resposta, num teve siná de atenção, ocê aí, negro sujo! ocê me deve cortesia de importância, o siô da Hora não queria assuntá falação com o acendedô de vela, muito menó era sua vontade de tê intimidade de ficá perto. Ele queria a atenção dócil dos inferiô, sê oiado de longe, sê cobiçado, esse negro precisa ser ensinado melhor, escutou... negro, num teve ganho de nenhum cumprimento humano. Foi provocado e perdeu a paciência da bondade. Parô a rua nos pé, pensô volta inté os dois atrevido, um criolo qui não conhece o seu lugar é um desperdício, resmungô pra modo de continuá seu caminho. Voltô os passo na direção da reunião. Avançô um, dois e otro passo não deu. Ficô dominado pela raiva, não atinava com mais nada, tava solto das corrente da compreensão e da tolerância, só atinava com a danação e o rancô raivoso, só lembrava do ódio qui carregava, isso é desaforo, quem esse criolo pensa que é?

Tu aí, negro, cuspiu grosso e deselegante, um criolo a mais ou a menos não vai fazer nenhuma diferença, o fedô das bota enlameada em bosta, os dois morto-vivo no seu caminho, tudo atrapaiava, um velho e um menino, dois criolos ou dois bichos de mato...

O camará Farol tinha dois nome e um espritu, inté batizado foi, mais não escutô nenhum dos nome sê dito, continuô na direção da próxima lanterna, baixô, raspô a cera e colocô no arpéu a lanterna com a vela acessa. O camaradinho com os óio esbugaiado. O camará Farol de costa pro branco bão e deselegante.

O siô bão e deselegante levantô do chão uma pedra e jogô com precisão na mira. O camará iluminadô deu um passo de lado. A pedra se passô, as costa continuava virada de costa. Otra pedra. O camaradinho aprontô os beiço grosso pra assoprá vento na pedra, as vista do camará Farol lhe agradeceu, mais num tinha motivo criá vento. Voltô o passo de lado. A pedra se passô. E não se mexeu mais. Esperava o otro.

O Betobento Luz era um liberto dos branco, ele foi comprado e depois se comprô. O camará Farol continuava preto e acorrentado.

A aparência arrogante do siô da Hora acabô de veiz, ficô sem os cuidado do juízo e partiu pros finalmente. Sacô da cintura o chicote grande e largo. Não queria só assustá quando desenrolô o cipó. Tinha nas vista o prazê de fazê mira mais o gosto de acertá. Lançô a língua de sangue. O camará deu otro passo de lado pra desviá do rumo do cipó. Oiô o camaradinho e mandô se afastá, esse assunto ainda não é pra ocê, meu camaradinho.

Saltô com as mola qui tinha nos pé e nas mão, ia jogá o jogo de dentro, sem medo do qui ataca, o di lá, o di cá, tava no centro, contra o tirano do cipó e da arma de atirá. Otro salto e o felino ficô na frente das vista do branco, a sua arma era o oiá de desafiá. O susto desencanta a coragem dos covarde. O siô dos bão só queria saí dali, deu um passo e otro atrás. O cipó continuava nas mão. Não aprendeu muitas coisa com o pai, mais o uso das arma não esqueceu, o cipó não se parece com arma de atirar, mas depois de empunhar é preciso fazer uso sem fraqueza.

O camará deu um passo pra frente, quis encurtá a distância, continuava com o gosto de jogá com quem lhe chamô pro jogo dos mestre. O siô só queria saí de dentro. O camará não caminhava, ele dava uns passô de dança, abriu o berrêro de mãe África e dos espritu qui não se acóca pra ninguém. Saltô como um felino uma, duas e mais veiz. Tava no jogo de dentro, pode ví, pode lançá o cipó, pode usá seu podê terrestre, seu podê de tirano, não há nada em ocê qui me mande. Tava na frente das vista do branco, mais não parava, o oiá de odiá do siô continuava agarrado no cipó. Mais dois passo atrás, caminhava os passo de costa do medo e da covardia. Andava pra trás resmungando, se ocê me viu devia o cumprimento de respeito.

Só respeito quem não qué injustiça, nesse mundo não há quem me mande, posso apanhá, mais não vô obedecê.

Mestre... mestre... a voz qui tava chamando parecia vindo de tão longe

O qui foi, meu camaradinho?

O mestre é pacato e não mata, tem maestria pra desafiá qualqué um e dá suadôro no veneno, mais é a valentia do coração qui deixa o armamento sereno.

O quebranto daquela briga qui não aconteceu se quebrô. O siô continuô andando pra trás. O camará andando pra frente. O chêro catinguento das bota do siô branco lhe revoltô, não ia chamá a cavalaria dos espritu. Os passo de costa continuava resmungando, merda, merda, e mais merda, nas horas que preciso do Capitão, meu dragão sentinela me apareça!

Recolheu o cipó, enrolô e prendeu na cintura. Retomô o seu caminho. Um pequeno tempo de dúvida sem espada, tava desconfiado dele mesmo, acho que fui precipitado e gastei meu tempo com bobice, esse criolo nem merecia tanta cautela, corri risco desnecessário. O meu problema é depois de colocar a mão no armamento. O cipó me deixa tomado de fúria, sinto vontade de acabar com o assanhamento desses vagabundos e bandidos. O cipó tem vida própria, a mão esquece que não é da polícia nem da justiça.

O siô da Hora aprendeu de pequeno, guri aprende meió qui gente grande, meu filho, branco com a chibata é branco forte que sabe colocar os pretos no seu devido lugar. Aprendia não tê dó nem compaixão, e tão certo, quanto o céu é dos brancos e o inferno é coisa da feitiçaria dos criolos, vou ensinar os filhos que dona Casta me der que criolo só pode ser escravo, outra coisa vai ser vagabundo, e depois bandido, isso não muda se Deus Nosso Sinhô assim quiser. A gente colhe o que planta nas crianças.

Já caminhava longe do perigo do camará quando deu vontade mijadêra. Virô as costa dum lado e otro, ninguém no alcance do oiá, só o seu desespero no terrêro grande das sombra. Foi inté uma árvore qui cobria as estrela, colocô a cabeça apoiada no poste de sombra. Usô as duas mão e deu um longo suspiro de alívio, o Nosso Sinhô colocou esse negro no meu caminho para me lembrar alguma coisa que devo ter esquecido, alguma benção... soltô um suspiro ruidoso dos intestino. A ventosidade fez derramá uma pequena umidade. O descuido lhe brotô no fundo das calça outro pequeno aviso, o vulcão só está limpando a garganta.

Com as duas mão sacudiu e se guardô. Virô as costa pro baobá e pisô na terra espumando. Quente. Regada. Tava de frente pra beirada da praia. A aragem é inconfundível. Lembrô do Josino, o negro certo no lugar certo, esse só me deve uns negrinhos da sua criação com a Milagres.

A lembrança lhe deu vontade de dobrá na direção do carregamento, oiá com as própria vista a carga abarrotada no barco, mais a cautela era sua maió virtude. Não achô qui era bão se aproximá do trabáio secreto, quem não é visto não é reconhecido.



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Seus Olhos

Gonçalves Dias







Seus Olhos

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De vivo luzir,
Estrelas incertas, que as águas dormentes
Do mar vão ferir;


Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Têm meiga expressão,
Mais doce que a brisa, — mais doce que o nauta
De noite cantando, — mais doce que a frauta
Quebrando a solidão,


Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De vivo luzir,
São meigos infantes, gentis, engraçados
Brincando a sorrir.


São meigos infantes, brincando, saltando
Em jogo infantil,
Inquietos, travessos; — causando tormento,
Com beijos nos pagam a dor de um momento,
Com modo gentil
.

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim é que são;
Às vezes luzindo, serenos, tranquilos,
Às vezes vulcão!


Às vezes, oh! sim, derramam tão fraco,
Tão frouxo brilhar,
Que a mim me parece que o ar lhes falece,
E os olhos tão meigos, que o pranto humedece
Me fazem chorar.


Assim lindo infante, que dorme tranquilo,
Desperta a chorar;
E mudo e sisudo, cismando mil coisas,
Não pensa — a pensar.


Nas almas tão puras da virgem, do infante,
Às vezes do céu
Cai doce harmonia duma Harpa celeste,
Um vago desejo; e a mente se veste
De pranto co'um véu.


Quer sejam saudades, quer sejam desejos
Da pátria melhor;
Eu amo seus olhos que choram em causa
Um pranto sem dor.


Eu amo seus olhos tão negros, tão puros,
De vivo fulgor;
Seus olhos que exprimem tão doce harmonia,
Que falam de amores com tanta poesia,
Com tanto pudor.


Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim é que são;
Eu amo esses olhos que falam de amores
Com tanta paixão.





Charles Baudelaire
Embriaga-te





Embriaga-te


XXXIII


Devemos andar sempre bêbedos. Tudo se resume nisto: é a única solução. Para não sentires o tremendo fardo do Tempo que te despedaça os ombros e te verga para a terra, deves embriagar-te sem cessar.
Mas com quê? Com vinho, com poesia ou com a virtude, a teu gosto. Mas embriaga-te.
E se alguma vez, nos degraus de um palácio, sobre as verdes ervas duma vala, na solidão morna do teu quarto, tu acordares com a embriaguez já atenuada ou desaparecida, pergunta ao vento, à onda, à estrela, à ave, ao relógio, a tudo o que se passou, a tudo o que gemeu, a tudo o que gira, a tudo o que canta, a tudo o que fala, pergunta-lhes que horas são: " São horas de te embriagares! Para não seres como os escravos martirizados do Tempo, embriaga-te, embriaga-te sem cessar! Com vinho, com poesia, ou com a virtude, a teu gosto."

Charles Baudelaire, O Spleen de Paris ( Pequenos poemas em prosa), Relógio d`Água, p.105




Florbela Espanca
Os Versos Que Te Fiz





Os Versos que Te Fiz

Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.

Têm dolências de veludos caros,
São como sedas brancas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!

Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!

Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E, nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!


Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade"





Pablo Neruda
Tenho fome da tua boca






Tenho Fome da Tua Boca

Tenho fome da tua boca, da tua voz, do teu cabelo,
e ando pelas ruas sem comer, calado,
não me sustenta o pão, a aurora me desconcerta,
busco no dia o som líquido dos teus pés.

Estou faminto do teu riso saltitante,
das tuas mãos cor de furioso celeiro,
tenho fome da pálida pedra das tuas unhas,
quero comer a tua pele como uma intacta amêndoa.

Quero comer o raio queimado na tua formosura,
o nariz soberano do rosto altivo,
quero comer a sombra fugaz das tuas pestanas

e faminto venho e vou farejando o crepúsculo
à tua procura, procurando o teu coração ardente
como um puma na solidão de Quitratue.


Pablo Neruda, in "Cem Sonetos de Amor"


terça-feira, 17 de março de 2015

Moramos no IAPI

Elis Regina


Não é o fim do caminho nem o fim da canseira, mas a luz da manhã



Atras da Porta






Em tempos de deslembramentos, desmembramentos de partes do todo e revanchismos históricos

O Bebado e A Equilibrista






Águas de Março






Como Nossos Pais






Se eu quiser falar com Deus




SE EU QUISER FALAR COM DEUS
Gilberto Gil
1980


Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Tenho que encontrar a paz
Tenho que folgar os nós
Dos sapatos, da gravata
Dos desejos, dos receios
Tenho que esquecer a data
Tenho que perder a conta
Tenho que ter mãos vazias
Ter a alma e o corpo nus
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que aceitar a dor
Tenho que comer o pão
Que o diabo amassou
Tenho que virar um cão
Tenho que lamber o chão
Dos palácios, dos castelos
Suntuosos do meu sonho
Tenho que me ver tristonho
Tenho que me achar medonho
E apesar de um mal tamanho
Alegrar meu coração
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aventurar
Tenho que subir aos céus
Sem cordas pra segurar
Tenho que dizer adeus
Dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada
Que ao findar vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar


E tantas tantas e tantas outras...



JOGO DA VERDADE



"A gente dá o tiro, mas quem mata é Deus... finja que eu sô malandro"


... mais uma sem o canudo de papel.



Romaria







Adoniran Barbosa e Elis Regina 1978


sexta-feira, 13 de março de 2015

Histórias de avoinha: As Casa do Comércio na Villa 17

Ensaio 42B – 2ª edição 1ª reimpressão

baitasar



Meu camaradinho, se ocê qué sabê do serviço desse preto é bão tê sabedoria de sê dois em um. Sô o Betobento Luz qui foi ensinado pela força do siná em cruz do Pai, do Fio e do Espritu dos hôme Santo, também sô o camará Farol, gosto de metê prosa com os espritu qui ronda aqui, gente preta esquecida na cruiz de pedra. Uma lambança de muitos nome com muitas morte na mesma vida. Tem muita dô no pelôrinho qui não consegue sê esquecida. E não vai tê deslembrança enquanto tivé mão qui garra o cipó e não se solta da vontade de humilhá, depreciá, dominá o povo acorrentado na cruiz de pedra. Esses bandeirante da boa nova tem tara qui carrega escondida e solta aqui, nessa pedra, gritando, as veiz, oiando em silêncio, mais sempre babando. É bão tê prudência com aqueles qui gosta do chicote e dos grito, a mão qui empunha o chicote e a arma qui atira não é só uma mão, ela tem dono, essa mão é um tarado maravilhado com a intolerância do egoísmo. É bão não tê esquecimento e encostá o ombro na cruiz de pedra, tê uma prosa de conforto pro lado de lá e cá.

Bão... chega dessa prosa. Depois da conversa feita na cruiz de pedra é preciso seguí o caminho qui não acaba, lanterna em lanterna, casa em casa, inté a Bragança. Nas rua da Villa se encontra muitas casa amparando a iluminação. A obrigação do acendedô é mantê elas queimando. Tá escutando com atenção?

Tô, mestre Farol.

Tem necessidade de fazê um trecho da Bragança inté a rua da Ponte, depois ocê vira e volta, inté perto da esquina das água, na Casa dos Lampião. Nesses dois caminho, tem o cruzamento com o Beco do Fanha, o Beco do Leite e o Beco do Trem. Na rua do Ouvidô tem qui entrá, é preciso tê cuidado com as lamparina do siô Ouvidô. De volta na Ponte, siga a vigilância cruzando a rua Clara, a rua do Arroio, muito conhecida como a rua dos Pecado Mortal com as cabana, os cliente e o dinhêro das putaria. Uma escuridão bem-vinda naquela rua. Ninguém reclama ou coloca lanterna de iluminação. O entrevêro da escuridão parece sê meió pra caminhá inté as cabana.

E a água de bebê, mestre?

Ocê precisa carregá a sua água. A noite tá ficando curta pra tanta laterna. A cada tempo aparece mais rua na Villa, esse preto já não consegue dá conta. É isso ou tô ficando véio. A idade sempre chega pra todo mundo, meu camaradinho. Chega sem ocê vê, inté qui ocê enxerga qui não tem mais véio qui ocê. E ocê acha simples qui seja assim. O tempo se passô em ocê. Os pé arrastando nos caminho qui só cresce, ocê para e óia na frente, atrás. A sacola tá vazia. É bão fazê a rua da Ponte e reabastecê as vela da sacola, na Casa dos Lampião. Só tem precisão pegá as vela das mão do Joca, fazê a sua marca no recibo qui tá sempre em branco. E saí. Não tem conversa nem riso.

Ele não gosta de ocê, mestre Farol?

Coloquei mais atenção no menino, oiei bem o guri, não sabia se chegô a conjuntura pra contá o qui era preciso contá. Ele num tava ali, querendo sabê uma coisa qui foi ensinado não querê sabê. Ele tava ali, querendo sabê o qui foi ensinado querê sabê: mexerico.

É só mexerico.

Se tem fumaça tem fogo.

Ocê pode gostá ou não gostá.

Aposto qui vô gostá, o guri tava mexido nas curiosidade, ele queria sabê das coisa qui não lhe pertence

Meu camaradinho, ocê nunca vai tê a verdade qui merece se não sentá nesta pedra, mais antes de começá, ocê precisa sabê qui toda história tem lado.

O menino sentô na pedra, não tem guri qui não gosta das história com segredo e mistério, vô lhe contá a história do sumiço da língua do camará Vila, mais ocê precisa sabê pro seu conhecimento de ouvidô qui a justiça pode tê muita injustiça, os fazedô de justiça tem lado. As lei tem lado. Ela é feita pelos fazedô das lei, eles também tem lado. A justiça pode não tê justeza quando empurra a vida pra morte.

Não tô entendendo, mestre Farol.

Eu sei, meu camaradinho... tem veiz qui nem eu consigo sabê o lado certo, demora pra ocê aprendê o lado qui ocê tá, mais o qui importa mais é sabê os motivo de tá onde tá. Pra muitos, isso é um mistério qui não importa respondê, basta odiá e negá a vida no otro. O chicote e a forca não é uma invenção do amô, é uma criação da justiça qui tem lado. O lado qui qué controlá. E basta? Mais não basta, eles qué controlá o feitio de contá as história. Se ocê entendê isso, vai entendê qualqué história, tem muito feitio de contá a mesma história e muito jeito de querê escutá. Ocê escolhe como qué escutá, mais é bão mudá veiz qui otra o seu jeito de ouvidô. Mudá mais é bão, continuá pra frente sem esquecê o qui ficô lá atrás. Ocê entende os motivo dos bandeirante bão querê controlá o feitio de contá as história?

O mestre Farol qué ensiná o quê?

Num quero ensiná mais do qui aprendi, só contá uma história. Mais já aviso de começo qui num vi nem ouvi da boca do camará Vila. Ele, no fim das conta, ficô sem a língua e não teve como contá. A contação contada pra ocê é a mesma qui foi contada pros pulícia. Eles nem qué sabê, só repete qui é meió ficá mudo na conta própria qui tê a língua perdida como o camará Vila. Eles tem lado. Um qui otro pode não tê, mais quando se junta eles tem o mesmo lado. O Joca Lampião também tem lado, ele sempre se incomodô de saí do calô das coberta e dos braço do Varão.

Quem é esse Varão?

Já respondo pros seus óio perguntadô. O Varão é escravo qui o Joca criô desde guri de têta, queria pra protetô da casa, virô balda do Joca. E balda forte. Nas hora de balda com o Varão não queria tê incomodação. Combinô qui deixava os pacote com as vela na disposição do camará Vila. O preto iluminadô público ficô desgostoso com aquele desarranjo do Joca. E cada veiz mais desgostoso da obrigação de colocá sua marca de quitamento num papel em branco. Feiz uma marca, duas e três não feiz. Achô atrevimento qui não sabia qui tinha, não ficô desassombrado de dizê qui aquilo não tava certo, mais disse

Siô Joca, não deve de tá muito certo...

O que foi criolo? O que não tá certo?

O camará Vila não oiava direto nas vista do branco, isso era defeito qui podia fazê o preto perdê a colocação qui já tinha, a voz precisô tá controlada, medida com as palavra as vista tava no chão, as mão agarrada na sacola, vosmecê me perdoa, siô Joca, mais não é bão colocá minha marca no papel sem nada, em branco, terminô o qui precisava sê dito sem levantá as vista, sem mexê as mão, mais sentiu o crescimento do peito estufado do Varão, pronto pra saí no ataque.

A resposta do Joca Lampião foi na hora do acontecido, as palavra e a voz tinha o mesmo ódio, a mesma vontade de cortá o mal pela raiz, o criolo de merda tá dizendo que no papel do recibo não têm as velas que cabem na sacola, a tua língua é mais comprida que carniça de criolo entocado, se não tem as velas ocê deve tá escondendo, ele se babava de ódio, as vista tava quase fora dos óio, não aturava tê qui se explicá pro camará Vila, e fez o ataque mais fácil de fazê, nada melhor que um dia depois do outro, enfim descobriu-se como o criolo juntou a prata para comprar a alforria!

O siô Joca se engana, comprei minha alforria num tempo qui num tava na iluminação das rua.

Se não foi agora que aprendeu roubar, aprendeu antes. Criolo é ladrão antes, agora... e depois. Criolo e ladrão não é gente, é tudo safado e vagabundo!

O camará Vila sabia qui não podia contá com ninguém, sofre a vida qui tinha e sempre vai tê, parece qui nada acalma o siô, só as violência do cipó. Nunca vão tê vergonha do sangue derramado. Nem compaixão. Ele sabe qui sofre do passado e do qui ainda não aconteceu. Oia pra frente tropeçando, sabe qui os preto qui vem depois vão sofrê do passado qui é ele. Ele é o passado qui vem depois e não vai tê nada pra mostrá, além da vontade de vivê, não tô dizendo nada, siô Joca.

Então, não me incomoda com essa falação de criolo!

O camará Vila não teve sono depois do serviço feito, tanto se incomodô de pensá e sofrê mudo qui resolveu conversá com o chefe da iluminação pública. Foi a última conversa qui se sabe do camará Vila usando a língua. Ele passô tempo sem tê vontade de voltá no assunto da língua perdida. Passô mais tempo qui parecia qui não voltava tê a cô de preto, tava cinza. Mais voltô dos aconselhamento com os espritu. Tudo qui é preto sabia qui ele tinha um plano qui nunca contô.

Depois da história contada, os dois ficô parado com os óio vendo nada. As palavra não queria saí, uma mesura de cortesia pra língua perdida do camará Vila. O tempo tinha tempo, inté qui o mais véio quebrô o jejum das palavra, quando chegá sua veiz, e se chegá sua veiz, fica com os óio baixado, pega o recibo branco e coloca sua marca, se o caramadinho não tem marca, logo vai tê. Agarra as vela, vira as costa e sai. Na porta, não espia, não torce o pescoço nem espicha o nariz. Todo cuidado é pouco. O Joca e o Varão não espera ocê saí pra deixá os costado virado pra porta. Nem a mão do Varão, qui tava nas costa do Joca, espera pra descê inté as cadêra do Lampião e dá duas palmadinha com cuidado de amô.

Não esqueça de fechar a porta, criolinho.

A conversa do camará Vila com o camará Farol faz um bão tempo, foi depois qui a língua do camará foi cortada e um dos ouvidô furado. Teve procura do culpado qui durô um dia e nenhuma noite. Foi tudo escondido. Forças descontroladas escondendo o caminho. Excitada. Nervosa. Mentira impetuosa. Foi quase tudo esquecido. O rumô qui sobrô foi a desconfiança no Varão qui saiu na defesa do seu patrão, depois do ataque de ódio cego do camará Vila. Defesa própria do patrão. Uns dizia qui escutava do otro, pedia segredo, era meió fazê qui não sabia. Tempo difícil. E pelo certo e duvidoso, a história qui vingô dizia qui foi o iluminadô qui pediu o corretivo, ele desviô as vela pra comprá sua alforria. De certeza dessa história toda é qui os recibo continuava sendo marcado em branco. O chefe das pulícia autorizava comprá as vela com o fundo da iluminação. Nada ficô provado nem contra nem a favô, mais o camará ficô mudo e surdo do lado. Quase ninguém escapa da justiça dos branco. Só os branco bão.


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Leia também:

As Casa do Comércio na Villa 16
Ensaio 41B – 2ª edição 1ª reimpressão

As Casa do Comércio na Villa 18
Ensaio 43B – 2ª edição 1ª reimpressão

domingo, 8 de março de 2015

Adélia Prado (Brasil)

da Poesia  (02)



Bela Adormecida


Estou alegre e o motivo
beira secretamente à humilhação,
porque aos 50 anos
não posso mais fazer curso de dança,
escolher profissão,
aprender a nadar como se deve.

No entanto, não sei se é por causa das águas,
deste ar que desentoca do chão as formigas aladas,
Atitude ou se é por causa dele que volta
e põe tudo arcaico, como a matéria da alma,
se você vai ao pasto,
se você olha o céu,
aquelas frutinhas travosas,
aquela estrelinha nova,
sabe que nada mudou.

O pai está vivo e tosse,
a mãe pragueja sem raiva na cozinha.
Assim que escurecer vou namorar.
Que mundo ordenado e bom!
Namorar quem?

Minha alma nasceu desposada
com um marido invisível.
Quando ele fala roreja
quando ele vem eu sei,
porque as hastes se inclinam.

Eu fico tão atenta que adormeço
a cada ano mais.
Sob juramento lhes digo:
tenho 18 anos. Incompletos.





Cora Coralina (Brasil)


Aninha e suas pedras


Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.

E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.






Florbela Espanca (Portugal)



Eu


Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!

Gabriela Mistral (Chile)

Los Poetas del Amor (21)



La Mujer Fuerte


Me acuerdo de tu rostro que se fijó en mis días,
mujer de saya azul y de tostada frente,
que en mi niñez y sobre mi tierra de ambrosía
vi abrir el surco negro en un abril ardiente.

Alzaba en la taberna, honda, la copa impura
el que te apegó un hijo al pecho de azucena,
y bajo ese recuerdo, que te era quemadura,
caía la simiente de tu mano, serena.

Segar te vi en enero los trigos de tu hijo,
y sin comprender tuve en ti los ojos fijos,
agrandados al par, de maravilla y llanto.

Y el lodo de tus pies todavía besara,
porque entre cien mundanas no he encontrado tu cara
¡y aun te sigo en los surcos la sombra con mi canto!







Julia de Burgos (Puerto Rico)



Noche de Amor en Tres Cantos


I

Ocaso

¡Cómo suena en mi alma la idea
de una noche completa en tus brazos
diluyéndome toda en caricias
mientras tú te me das extasiado!

¡Qué infinito el temblor de miradas
que vendrá en la emoción del abrazo,
y qué tierno el coloquio de besos
que tendré estremecida en tus labios!

¡Cómo sueño las horas azules
que me esperan tendida a tu lado,
sin más luz que la luz de tus ojos,
sin más lecho que aquel de tu brazo!

¡Cómo siento mi amor floreciendo
en la mística voz de tu canto:
notas tristes y alegres y hondas
que unirán mi emoción a tu rapto!

¡Oh la noche regada de estrellas
que enviará desde todos sus astros
la más pura armonía de reflejos
como ofrenda nupcial a mi tálamo!



II

Media noche

Se ha callado la idea turbadora
y me siento en el sí de tu abrazo,
convertida en un sordo murmullo
que se interna en mi alma cantando.

Es la noche una cinta de estrellas
que una a una a mi lecho han rodado;
y es mi vida algo así como un soplo
ensartado de impulsos paganos.

Mis pequeñas palomas se salen
de su nido de anhelos extraños
y caminan su forma tangible
hacia el cielo ideal de sus manos.

Un temblor indeciso de trópico
nos penetra la alcoba. ¡Entre tanto,
se han besado tu vida y mi vida...
y las almas se van acercando!

¡Cómo siento que estoy en tu carne
cual espiga a la sombra del astro!
¡Cómo siento que llego a tu alma
y que allá tú me estás esperando!

Se han unido, mi amor, se han unido
nuestras risas más blancas que el blanco,
y ¡oh milagro! en la luz de una lágrima
se han besado tu llanto y mi llanto...

¡Cómo mueren las últimas millas
que me ataban al tren del pasado!
¡Qué frescura me mueve a quedarme
en el alba que tú me has brindado!



III

Alba

¡Oh la noche regada de estrellas
que envió desde todos sus astros
la más pura armonía de reflejos
como ofrenda nupcial a mi tálamo!

¡Cómo suena en mi alma la clara
vibración pasional de mi amado,
que se abrió todo en surcos inmensos
donde anduve mi amor, de su brazo!

La ternura de todos los surcos
se ha quedado enredada en mis pasos,
y los dulces instantes vividos
siguen, tenues, en mi alma soñando...

La emoción que brotó de su vida
-que fue en mi manantial desbordado-
ha tomado la ruta del alba
y ahora vuela por todos los prados.

Ya la noche se fue; queda el velo
que al recuerdo se enlaza, apretado,
y nos mira en estrellas dormidas
desde el cielo en nosotros rondando...

Ya la noche se fue; y las nuevas
emociones del alba se han atado.
Todo sabe a canciones y a frutos,
y hay un niño de amor en mi mano.

Se ha quedado tu vida en mi vida
como el alba se queda en los campos;
y hay mil pájaros vivos en mi alma
de esta noche de amor en tres cantos...






Josefina Plá (Paraguay)



Concepción


Me tendrás a tu lado. Me besarás. Y luego,
como al moreno cántaro que espera al fin del surco,
a mi sumiso cuerpo se alargarán tus brazos.
Se saciará tu sed: la exigua sed de un hombre.

De mi lecho después, en largas madrugadas
hacer creerás el blanco camino del olvido.
Y sin embargo, ciego piloto de mi entraña,
conmigo habrás llegado por una noche sola,

a la encantada playa donde no está tu muerte.
Por el nocturno río caliente de mi sangre
irán tus ojos lejos, para jamás volverse,
tu voz prenderá en roca para perennes ecos.

Tú no lo sabes, hombre, tú no lo piensas, ciego.
Esta noche mi cuerpo será, ¡oh antiguo nauta!
el puerto de que zarpen las naves de otra aurora
.

1939



Si dios fuera mujer

Mario Benedetti (Uruguay)









¿Y si Dios fuera mujer?
pregunta Juan sin inmutarse,
vaya, vaya si Dios fuera mujer
es posible que agnósticos y ateos
no dijéramos no con la cabeza
y dijéramos sí con las entrañas.

Tal vez nos acercáramos a su divina desnudez
para besar sus pies no de bronce,
su pubis no de piedra,
sus pechos no de mármol,
sus labios no de yeso.

Si Dios fuera mujer la abrazaríamos
para arrancarla de su lontananza
y no habría que jurar
hasta que la muerte nos separe
ya que sería inmortal por antonomasia
y en vez de transmitirnos SIDA o pánico
nos contagiaría su inmortalidad.

Si Dios fuera mujer no se instalaría
lejana en el reino de los cielos,
sino que nos aguardaría en el zaguán del infierno,
con sus brazos no cerrados,
su rosa no de plástico
y su amor no de ángeles.

Ay Dios mío, Dios mío
si hasta siempre y desde siempre
fueras una mujer
qué lindo escándalo sería,
qué venturosa, espléndida, imposible,
prodigiosa blasfemia.







Los Poetas del Amor (20)

sexta-feira, 6 de março de 2015

Histórias de avoinha: As Casa do Comércio na Villa 16


Ensaio 41B – 2ª edição 1ª reimpressão


baitasar



O camará Farol andava veiz qui otra com um menino de acompanhamento qui veiz qui otra lhe aparecia. O guri sabia o qui queria: aprendê o meió feitio de acendê e cuidá das lanterna, o camará é qui não sabia dizê pro guri não aparecê. Era serviço de hôme feito a ilumira com as vela. Ele velava as sombra inda viva qui ia e vinha, os passagêro das rua.

O véio acendedô teve vida lenta, comprida e desabitada, não recomendava vida igual pro menino. Chegô pra lida com as vela já passado da metade da vida qui achava qui podia tê, mais não ia tê. Nenhum preto cumpriu toda vida com as parte da carne qui tinha quando nasceu. Nem o camará Vila. Ele se meteu em desavença, perdeu a língua e o lugá de acendedô das lanterna da iluminura das rua

Ele não perdeu a língua, Laetitia.

Sorri, sempre me soltô o riso o chamamento desse nome, Laetitia. Tive muitos nome e apelido, mais esse provocava as lembrança do amô de tanto tempo. Um amô qui dura o tempo qui durá a eternidade tá sempre nas lembrança, nos suspiro, na vontade de tê de volta o qui não volta. Um amô assim é um castigo. Um desassossego qui inté pode se acomodá, virá segredo, queixa, um feitio de vivê sem resistência, mais nem a morte basta pra dá sossego. Reforcei minha atenção na voz qui me provocava e respinguei as palavra

O camará Farol pode me usá pra contá a história da língua perdida do camará Vila, ele não sorriu nem mostrô tê muita vontade de animação, balançô as mão e chamô o menino

Meu camaradinho...

Tô aqui, mestre Farol.

Colocô a mão no ombro do menino, manchada e catingando de cera, um oiava no otro o qui foi, o menino oiava o qui ia sê, um carvoêro ardendo debaixo da água, o camaradinho escuta meió parado ou prefere ouví as história andando, pergunta feita e resposta dada

O gosto é seu, mais o trabáio fica bão se tivé conversa, fica mais passagêro, os óio do mestre apertô bem pouquinho, uma titica, quase nada, nunca fiz gosto de conversá

Então, ocê tá pronto?

Desce qui sai pra nascê.

E onde foi isso?

Um lugá sem nome, só sei do encantamento de mãinha embaixo do teto das estrela, deitada no pó da terra, abé obíurin libertô meu corpo no anginjù. As mão de Bayànnì me recolheu daquele lugá desabitado, gosto de dizê qui sô fio de Ogum.

E ocê é bão escutadô?

O mestre Farol conta as história do ensinamento no seu gosto, o menino oiava os pé enquanto ia soltando as palavra, eu boto toda precisão qui tenho.

Vamô andando, meu camaradinho, não há quem sempre mande, assim como, não há dia qui nunca acabe ou noite qui se demore, vi qui o menino tava no tempo de aprendê escutando e oiando. Eu não sabia se gostava de ensiná nem atinava sê aconseiadô, mais o menino parecia se bem comportado, lembrei sorrindo das palavra qui já tinha escutado sem sabê o qui tinha dentro das palavra, inté qui com o camaradinho fiquei sabendo, atinado é aquele qui vê quando chega o tempo de sê desafiado pelo mais novo

Já começô?

Nunca termina, ocê nunca vai tê vida folgada. Antes do escurecimento do dia, ocê vai precisá pegá a primeira sacola de velas com o Joca Lampião, cada casa tem uma lanterna, cada lanterna tem uma vela. É preciso queimá os pavio, um a um. Acendê e controlá qui não se apague.

É preciso sê mais ligêro qui a escuridão.

Tem noite qui se faz mais vinda do qui ida, nem pensá em cochilá enquanto durá a cerração do escuro.

E as vela queimada inté o fim do pavio?

Precisa sê raspada da lanterna, depois é só colocá a nova e incendiá a mecha. Tem escuridão qui o patrulhamento é pra resistí a teimosia do vento. E óia qui tem coisa pió... a chuva.

E sê é chuva e vento?

É preciso esperá a chegada da calmaria.

E se durá mais qui a noite?

Voltei as vista no camaradinho, sorri pras pergunta. Gosto das pergunta qui dá importância pras resposta. Tem perguntadô qui não qué resposta, só qué perguntá, meu camaradinho, é preciso esperá a calmaria, não tem jeito, água e fogo não se junta.

O meió de fazê é não saí de casa.

Isso. Esperá a chuva secá... mais parece qui foi comprado lampião meió, eles usa óleo de baleia.

O que é isso?

A baleia?

É...

A baleia é um peixe qui pode tê o tamanho do barco!

Virgi do céu, como pode tê um peixe tão grande? E como faz pra pescá? Imagina o tamanho da vara e a linha deve sê da corda mais grossa...

Não sei, não sei... nunca vi uma de pertinho. E ocê tá aqui pra escutá das baleia?

Não, desculpe, mestre Farol.

A incumbência do trabáio qui faço é vigiá as lanterna à noite toda. E deixá pra elas mais a lua e mais as estrela a vigília das bruxa, o cuidado com os veneno das rua e o recolhimento dos sonho perdido. Depois, as claridade de otro dia vem se exibí e tudo se separa no seu lugá. Hôme é qui manda, muié cuida da casa e dos fio, os preto faz os serviço e apanha. Tem veiz qui a claridade chega sem muito aviso, então faço caminho de volta, assoprando as vela qui tá no começo da queimação, uma a uma. O serviço tá se terminando. Faço assim porque fico com dó de vê elas queimando a claridade do dia, é balda perdida. Elas não consegue fazê mais iluminação qui o amanhecimento.

Gosto do vivê da noite apinhada com as estrela. Elas controla os vudu deixando o meu corpo fechado na proteção de Ogum, contra os veneno das rua me conduz na luz. Assim, vô passando as noite, indo e vindo, fiscalizando as vela, descendo e subindo as lanterna, trocando, raspando, atiçando os caminho com aprovação de Ogum. Sô um caso de preto liberto qui ganhô alcunha e nome próprio pra branco sabê dizê, Betobento Luz.

Esse tempo de saí da Casa dos Lampião com as sacola carregada nas vela, o vapau com gancho numa das mão e a tocha incendiando, tava se acabando com a modernice das noite iluminada com óleo de baleia. Otros tempo chegando. E ocê, meu camaradinho, qui hoje é o novidadêro vai tê o tempo de sê desusado. Gasto. Aproveita o tempo qui cada tempo tem jeito de aproveitá.

E tem tempo meió qui otro?

Não sei dizê, tenho desconfiança qui é o tempo de tê vida, mais cada um é diferente do otro, o qui é bão pra mim, pra ocê pode não sê. O qui muda é as dô qui cresce e fica repetida quando ocê ficá gasto, mais vamu voltá pra fazedura da iluminação.

O mestre Farol é qui manda.

Inté quando? Não sei. Chega dessa falação tristinha. Vamu atravessá o Largo dos Enforcado. A tocha tem qui tá erguida. Não quero nenhum espritu fechando meu caminho nem me dá com o camará Junquín, o primeiro enforcado com ordem de sê enforcado. Gosta de pará pra proseá. É preciso tê respeito pra caminhá no meio dos esganado pelo nó da corda. Faço gosto de recitá a mesma ladainha de benzedura, toda noite, se feiz pagô, se não feiz pagô pelo qui não feiz, ocês fique pras banda de lá qui o jeito não tem mais jeito nas banda de cá.

Óio eles esticando na ponta do nó e desconfio qui pra eles foi impossível escapá dos justicêro branco qui tem fartura de podê, brilhantura e afetação de grandeza, no fim das conta, manda quem pode e obedece os qui é obrigado. Um podê amontoado em mentira, meu camaradinho. Vai levá muito mais tempo qui ocê possa vivê, pros branco pará de oiá com tolerância e silêncio as corrente qui amarra o povo preto.

O mestre Farol não usa mais as corrente!

Não se engane, meu camaradinho, tem as corrente qui dá pra vê e as qui é de sentí sem vê. Elas aperta, esfola e mata do mesmo feitio. Tem veiz qui a maldade é tamanha qui nem benzedura e pedido de socorro tem ajuda. Entendeu?

Entendi.

Agora, é só fazê as benzedura do fim da travessia. Nunca tive cisma em encontrá um dos enforcado, mais sempre pedi, salve as banda de lá, salve as banda de cá, toda ajuda de lá é bem-vinda cá. É assim qui se rasga a escuridão de dentro do Largo dos Enforcado.

Não tive medo.

O camaradinho já pode largá da mão e deixá pra resolvê essa coisa de tê ou não tê medo quando tivé no tempo de fazê a travessia sozinho. Vamu seguí a rua da Praia, ela fica no cumprimento da praia. Quase no início já é preciso cruzá otra tranquêra, o pelôrinho de pedra. Erguido mais ligêro qui rápido, no ano de 1810, pra fazê a freguesia tê a etiqueta de celebração e abertura no modo de Villa da Nossa Senhora, tudo em nome de Deus. Entendo essa querência de subí de freguesia pra vila, e depois virá cidade. Gente de bem sempre qué subí na vida, as veiz nem se importam em quem pisa. Não consigo tê entendimento qui pra tê essa subida era preciso fazê o pelôrinho. Uma pedra de sofrimento e dô. E mais, queria sabê da razão qui levô tramá e levantá a maldita pedra, cara e frente com a igreja santa.

Mostrá os preto castigado?

Isso, meu camaradinho. Mostrá pra assustá, dá exemplo. E mostrá pra divertimento. Os branco sempre gostô de esfolá o côro dos preto, não tem quem não sabe, inté pode não tá segurando o cipó, mais se parô pra oiá é a mesma coisa qui segurá.

Tanto lugá longe pra fazê a pedra...

Tanto lugá longe e teve qui ficá de frente pro sió padre. Os ouvido qui escuta as oração é o mesmo qui não escuta as lamentação no pelôrinho? O qui ocê acha meu camaradinho?



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domingo, 1 de março de 2015

Histórias de avoinha: As Casa do Comércio na Villa 15

Ensaio 40B – 2ª edição 1ª reimpressão


baitasar



O nariz do siô da Hora voltô espetá pra frente, mastigava os seus aviso como um bão pai cismado, mais qui depois do desfecho anunciado com a própria boca não conseguia evitá repetí, Afonsinho, o papai bem que avisou ocê. E não foi amaldiçoamento... ouviu, menino? O traquejo é que ensina, a dor não deixa esquecer o castigo. O siô da Hora nunca esqueceu o pai. Lastimava não tê um fio pra tentá sê como o pai. Ele não era pai dos fio qui queria e tinha os fio qui não queria pra fio. O seu queixume não criô traquejo de pai, mais tinha gosto de assustá os otro, fazê anúncio tagarela dos apuro qui se podia encontrá pelos caminho portuguesmente, feito ao acaso. O boticarista foi o único qui não levô com seriedades seus aviso alarmista

A advertência foi dada e o desassombrado vai arriscar o rabo mesmo assim, outro remédio não há que perder a vida ou coisa pior, alguma feitiçaria, mirô o chão e cuspiu grosso e deselegante, um feitio qui tanto importunava siá Casta e tanto lhe fazia pedir mais cuidado de educação

O sinhô meu marido precisa aprender engolir saliva quando o lugar não for apropriado para suas cusparadas, a lembrança das palavra de reparo não lhe provocô desânimo, mirô mais adiante e cuspiu, aquela parte da Villa não parecia incomodada, são gente mais deselegante que as minhas cusparadas. Arranjô os pé no destino qui lhe aguardava e tava desaplicado em chegá, reviveu as conversa de atraso na obra-santa, otra cusparada. No seu modo de vê, não era atraso

Quando muito, existe um descompasso na vontade do sinhô Padre e o ânimo dos donativos. Os comerciantes e os fazendeiros não fazem gosto do abocanhamento de donativo. Acho que nem um gosto, e soltô otra cusparada e uma grande risada.

Não conversava mais com siá Casta sobre o desperdício dos braço e perna do Josino, o preto passava dia e noite enfiado na obra santa, sem falá nos donativo. Antes de emudecê o assunto, tentô mais uma, depois otra, e parô-se, a siá Casta lhe gritô com firmeza qui foi a família dela qui ajudô construí quase tudo na Villa, parecia tá desregulada das boa gentileza e costume de fala

Um negro a mais ou menos não tem grande diferença! Uma senhoria precisa cuidar da prosperidade e alastramento da sua obra. O caminho do progresso exige benfeitorias, não posso deixar de ofertar préstimo de ajuda para minha Senhora, ele inté tentô retrucá, mais sabia qui era irreparável e não ia tê mudança de vontade. Aquela ajuda dava alegria pra siá, mais criava no siô a vontade nervosa de recuperá parte do doado. Era seu instinto buscá escondido pelo rio, na noite escura, as prancha de madêra qui foi dada sem gosto

Essa ajuda não é de nenhuma ajuda, pelo contrário, me obriga correr riscos de recuperação de boa parte da doação, siá Casta não pareceu querê lhe dá ouvido ou tê algum aceno de preocupação

O sinhô meu marido faça sua parte, o meu papel eu mesma desempenho.

Pois, não parece, retrucô com raiva. Ele já tinha muito conhecimento da própria malvadeza, sabia qui era meió o silêncio, mais tava desgovernado, queria tá com sono e não lembrá daquela conversa da madrugada

Fique quieta, não se mexa...

Mas quem lhe ensinou isso?

Não preciso ser ensinado, sempre foi assim, ela parada em santo sacrifício, fria, seca, dolorida, embaixo do vestido leve e branco qui ele lhe jogô na nuca, nada entre ele e a sua vergonha

Vai demorar muito?

Não, acho que não... apenas um encaixe de macho, toda fêmea exige um macho poderoso, queria tá com fome, longe daquele fingimento cristão, num lugá de divertimento, fique vosmecê sabendo que o seu macho já fica pronto.

O filho que tanto quero... vosmecê e eu não sabemos fazer, resta esperar. Uma boa esposa não geme nem faz carícias, isso é coisa das putas. Carrego a fenda santa do matrimônio

Tu serás trespassada... continua de joelhos... tanto esforço para ser recompensado com um filho... uma planta que não tem flor nem fruto se parece só com ela mesma, erva daninha rasteira... pronto, tá feito, falô mais qui fez. Sabia qui o dito foi além do qui devia tê dito, já tava arrependido. Ela escutô e não fez nenhum movimento, assim como tava desenfiada, ela ficô. Depois acomodô as costa na cama, os pé parado, as mão perdida do lado do corpo dolorido, a boca fechada, e as vista qui já pareceu uma caixa de fósforo, tava desanimada

Do meu ponto-de-vista, acho que se vosmecê quisesse já tinha feito por merecer esse filho, falava com o desgosto da raiva qui fez ficá os joêio doído, a donzelice ardida

Foi quando aconteceu qui dentro e nos arredó dos dois despencô das boca o pacto do padecimento silencioso

As negras não acham nada difícil fazerem esses filhos, nas contas que tenho são doze bastardos, no mínimo.

Pode ser só um truque de feitiçaria das criolas, piscô e sorriu estranho, ele não viu na escuridão qui ela tava pálida e desfigurada, parecia tê mais idade da vida qui tinha. Foi a última veiz qui os dois deixô a raiva saí descontrolada bocafora. Os recado tava dado. Era tempo de dá tempo pro tempo. Ele virô de lado e fechô as vista, ela continuô caída de costas na cama, as vista grudada mais longe qui podia, mais não podia muito. Tava com um gosto muito amargo na boca, sentiu sede e não levantô. Era noite de ficá quieta esperando a semeadura. O qui já era pouco não queria arruinado. Queria tê o mesmo descaso

Amanhã, vou para a Villa. A tal reunião do sinhô Padre... escutou, ela não respondeu, tava fingindo o seu sono de descaso. Então, foi verdade qui ela não escutô, tava dormindo. Continuava cada dia mais fundo na camada grossa de segredos qui não podia contá. A solidão do claustro sem palpitação, abatida e perdida. Os dois tinha mais qui perdê com o descarrilamento do descaso um com o otro, o desgosto com o gosto amargo do aborrecimento. O qui já era pouco pareceu tá arruinado.

No amanhecimento escorregô da cama e saiu, não tinha o qui dizê.

Ali tava ele, no rumo daquela reunião qui roubava seu tempo precioso. Aceitô o convite pra fazê conserto dos tempo sem alegria de cama e assunto do palavreado. Tinha vontade de esbravejá o desperdício dessa reunião, mais fez silêncio, pensando melhor, as coisas até podem não serem tão ruins assim. Caso, não seja necessário alongar as conversas daquela reunião estúpida, ainda posso aproveitar o fim da noite no covil das putas, esfregô as mão, uma na outra, deu dois passo de dança com contentamento.

O siô da Hora tinha muita estima pela casa de Maria Cobra, um lugá de tá sem preocupá qui tá. Ela já tinha servido seu mingau na própria taça, uma tempestade de mulher, o siô da Hora falava sozinho, tem vez que amedronta, sabe usar com dedicação as próprias carnes como nenhuma das outras moças. Todas com beleza e juventude, mas nenhuma com o feitio da Cobra. Uma mulher de verdade, foi conquistado pelo alvoroço, os desarranjo, os gemido, o motim das vista, ela sempre fez com perfeição um fingimento depois do otro. Não dava pra sabê. O siô da Hora não dava importância, tava lá por ele. Só ele importava.

As lembrança de Maria Cobra lhe aviva os passo, a caixa dos pensamento se abre, se a sinhá Casta pega uma ou duas aulas com a Cobra, não, é melhor não, caminhava os passo do caminho e assumbiava, se a sinhá Casta parasse a cisma com os meus mestiços, isso é muita coisa, eu sei. Continuava o caminho nas rua desabitada de gente, só esses negros! à noite tomam contam das ruas...

Entrô com as bota num redemoinho de bosta, meu São Benedito, quanto mais eu rezo mais encontro bosta para me difamar, elas estão mais sujas que pau de galinheiro, parô pra se revistá. Empurrô as vista pros lado da beirada do rio, mais desistiu, vou mais rápido se não me desviar. Ninguém mais nas ruas, só essa negrada, era na noite qui a ralé e os preto lampejava com as cantoria, conversa de algazarra, os falatório inventado, as benzedura de cura, as encruzilhada, na noite eles tinha vida, olerê, olara, blábláblá, lá vem meu orixá.

Os branco entrichêrado nos casarão sonhava os pesadelo do medo e os falatório, o desconhecido aumenta a desordem do sossego, as feitiçaria, as bebida destilada, arma de cortá, as preta e as puta. Jurava qui as preta era o demônio, não podia deixá elas entrá na cabeça. Apressô os passo, corria mais qui o tempo só pra tê alguma hora com as moça cobiçada de Maria Cobra, todo homem é um escravo da vontade do cravo martelar na ferradura.

A aparição pareceu um assalto de ataque

Mais um vivo sem alma, foi o dizê do sió da Hora, no seu julgá de branco bão, cuidadoso com a vida qui tinha, quando oiô o preto acendedô da iluminação pública da Villa, esse criolo pode não ser bicho, mas gente é que não é.

O Camará Farol ia nas rua acendendo as laterna qui iluminava os caminho. Baixava a lanterna das casa com seu varapau de gancho, depois era só examiná os vidro, raspá a cera se tivesse precisão de limpeza, colocá vela nova, queimá o pavio, e pronto, alevantava a iluminadora inté a casa. A lanterna ficava pendurada na altura de um camará e meio, tinha um corpo qui não cabia medida.

Tem veiz qui as vista enxerga mais qui existe ou vê menô do qui é, tem precisão aprendê oiá pra vê o qui não vê; mais quem só vê o qui não vê, só vê o qui qué mostrá. É preciso tê clareza pra vê o qui vê e o qui não vê, mais quem só vê o qui vê, tá vendo só o qui qué se mostrá. É preciso tê gingado no corpo, o jogo é malicioso e mandingado. É jogo de aparentá, escondê e revelá

O que é isso, o siô da Hora levô otro susto do tamanho do seu medo escondido. Saiu do poste um preto menó qui os ombro do Camará Farol, mais maió qui um gato pardo, merda! estou amaldiçoado, vem bicho do demônio!

Calma, siô, é só um menino, o Camará Farol sabe qui é preciso tê acautelamento. Tratô de acalmá o siô da Hora, depois chamô o guri, vem camaradinho, assim ocê assusta o chicote e a arma de atirá do siô.



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