quarta-feira, 30 de março de 2016

3.O Estrangeiro: Nas escadas, explicou-me - Albert Camus

Albert Camus


Capítulo 1


3. Nas escadas, explicou-me




Nas escadas, explicou-me: "Leva mo-la para a nossa morgue particular. Para não impressionar os outros. Cada vez que algum morre, os outros ficam nervosos durante dois ou três dias, o que torna o serviço difícil". 

Atravessamos um pátio onde havia muitos velhos, conversando em grupos, uns com os outros. Ao passarmos, calavam-se. 

E atrás de nós as conversas recomeçavam. 

Dir-se-ia um papaguear atordoado de periquitos. À porta de uma pequena construção, o diretor deixou-me. 

"Deixo-o agora, senhor Meursault". Estou às ordens, no escritório. Em princípio, o enterro estava marcado para as dez horas da manhã. Pensamos que o Senhor podia assim passar a noite a velar. 

Uma última coisa: parece que a sua mãe exprimiu várias vezes aos amigos o desejo de ter um enterro religioso. - Tomei à minha conta este encargo. Mas queria pô-lo a par. 

Agradeci-lhe. Embora sem ser ateia, enquanto viva a mãe nunca pensara na religião: Entrei: Era uma sala muito clara, caiada, e coberta por uma vidraça. Mobiliavam-na algumas cadeiras e cavaletes em forma de X. Dois deles, ao meio da sala, suportavam um caixão coberto. 

Viam-se apenas parafusos brilhantes, mal enterrados, destacando-se da madeira pintada de casca de noz. Perto do caixão estava uma enfermeira árabe, de bata branca, com um lenço colorido na cabeça. Neste momento, o porteiro entrou por detrás de mim. Devia ter corrido: Gaguejou. 

"Fecharam-no, mas eu vou desparafusá-lo, para que o senhor a possa ver". Aproximava-se do caixão, quando eu o detive. 

Disse-me: "Não quer?" Respondi: "Não". Calou-se e eu estava embaraçado porque sentia que não devia ter dito isto. Ao fim de uns momentos, ele olhou-me e perguntou: "Por quê?", mas sem um ar de censura, como se pedisse uma informação. Eu disse: "Não sei". Então, retorcendo os bigodes brancos, declarou sem olhar para mim: "Compreendo". O homem tinha uns bonitos olhos azuis claros e uma pele um pouco avermelhada. Deu-me uma cadeira e sentou-se também, um pouco atrás de mim. A enfermeira levantou-se e dirigiu-se para a porta. Neste momento, o porteiro disse-me: "O que ela tem, é um cancro". 

Não percebi o que ele dizia, até reparar que a enfermeira trazia por debaixo dos olhos uma ligadura que dava a volta à cabeça. No sítio do nariz, não se via nenhuma saliência. Apenas a brancura do penso, sobre a cara.

Depois dela sair, o porteiro falou: "Vou deixá-lo sozinho". 

Não sei bem que gesto fiz, mas deixou-se ficar em pé, atrás de mim. Esta presença nas minhas costas incomodava-me. A sala estava cheia de uma bonita luz de fim de tarde. Dois besouros zumbiam, de encontro à vidraça. E eu sentia-me invadido pelo sono. Disse ao porteiro, sem me voltar para ele: "Está cá há muito tempo?" Ele respondeu imediatamente: "Cinco anos", como se estivesse desde sempre à espera da minha pergunta. 

Em seguida, pôs-se a falar sem parar. Muito se teria espantado se alguém lhe houvesse dito, no seu tempo, que acabaria como porteiro de um asilo, em Marengo. Tinha sessenta e quatro anos e era parisiense. Neste momento interrompi-o: 

"Ah, o senhor não é daqui?" Depois lembrei-me de que, antes de me levar ao diretor, estivera a falar da minha mãe. 

Dissera-me que era preciso enterrá-la depressa, porque na planície fazia muito calor, sobretudo nesta terra. Fora então que me confiara ser de Paris e que dificilmente o esquecia. Em Paris fica-se com o morto, às vezes três ou quatro dias. Aqui não há tempo, mal nos habituamos à ideia e temos logo que correr atrás do carro funerário. A mulher dele dissera-lhe então: "Cala-te, não são coisas que se digam ao senhor". O velho corara e desculpara-se. Eu interviera para dizer: "Não, não..." Achava o que ele estava dizendo verdadeiro e interessante.




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A Constatação do Absurdo

Nascido e criado entre contrastes fundamentais, Albert Camus desde cedo aprendeu que a miséria engendra uma solidão que lhe é típica, uma austeridade toda sua, uma desconfiança da vida - mas a paisagem desperta uma rica sensualidade, uma eufórica sensação de onipotência, um orgulho desmedido de possuir a beleza inteiramente gratuita. Este aprendizado, feito a meio caminho entre a miséria e o sol, levou-o à consciência do que existe de mais trágico na condição humana: o absurdo, essa irremediável incompatibilidade entre as aspirações e a realidade.


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Camus, Albert, 1913-1960.
              O Estrangeiro


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Leia também:


4.O Estrangeiro: Na pequena morgue - Albert Camus

A Esperança



Mayakovsky


A esperança


Injeta sangue
                no meu coração,
                enche-me até o bordo as veias!
Mete-me no crânio pensamentos!
Não vivi até o fim o meu bocado terrestre,
sobre a terra
                               não vivi o meu bocado de amor.
Eu era gigante de porte,
                                               mas para que este tamanho?
Para tal trabalho bastava uma polegada.
Com um toco de pena, eu rabiscava papel,
num canto do quarto, encolhido,
como um par de óculos dobrado dentro do estojo.
Mas tudo que quiserdes eu o farei de graça:
esfregar,
                lavar,
                               escovar,
                                               flanar,
                                                               montar guarda.
Posso, se vos agradar,
                                               servir-vos de porteiro.
Há, entre vós, bastantes porteiros?
Eu era um tipo alegre,
                                               mas que fazer da alegria,           
quando a dor é um rio sem vau?
Em nossos dias,
                               se os dentes vos mostrarem
não é senão para vos morder
                                                               ou dilacerar.
O que quer que aconteça,
                                               nas aflições,
                                                               pesares...
Chamai-me!
                Um sujeito engraçado pode ser útil.
Eu vos proporei charadas, hipérboles
                                                               e alegorias,
malabares dar-vos-ei
                                               em versos.
Eu amei...
                               mas é melhor não mexer nisso.
Te sentes mal?
                               Tanto pior...
                                               Gosta-se, afinal, da própria dor.
Vejamos...         Amo também os bichos —
                                                               vós os criais,
                                                                              em vossos parques?
Pois, tomai-me para guarda dos bichos.
Gosto deles.
                               Basta-me ver um desses cães vadios,
como aquele de junto à padaria,
                               um verdadeiro vira-latas!
e no entanto,
                               por ele,
                                               arrancaria meu próprio fígado:

“Toma, querido, sem cerimônia, come!”



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Eu
     a esta terra
                       amo!
Talvez
           se possa esquecer
o lugar em que se cria a pança e papo,
mas a terra
                  junto com o qual
                                      sofreste fome
a essa
          é impossível esquecê-la
                                                jamais!




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A mim
        nem um vintém sequer
        os versos jamais me deram
jamais ganhei mobília
                      do ebanista.
E, salvo duma camisa sempre fresca,
sinceramente
          de nada preciso eu.




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Dizem
         que em alguma parte
                    parece que no Brasil
          existe
                   um homem feliz.



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Cada um ao nascer
traz sua dose de amor,
mas os empregos,
o dinheiro,
tudo isso,
nos resseca o solo do coração.



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Um dia, quem sabe,
ela, que também gostava de bichos,
apareça
          numa alameda do zoo,
sorridente,
                 tal como agora está
                     no retrato sobre a mesa.
Ela é tão bela,
que, por certo, hão de ressuscitá-la.
Vosso Trigésimo Século
                              ultrapassará o enxame
de mil nadas,
                       que  dilaceravam o coração.
Então,
         de todo amor não terminado
seremos pagos
                       em inumeráveis noites de estrelas.
Ressuscita-me,
                       nem que seja só porque te esperava
                                                          como um poeta,
repelindo o absurdo cotidiano!
Ressuscita-me,
                       nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
                        Quero viver até o fim o que me cabe!
Para que o amor não seja escravo
de casamentos,
         concupiscência,
                                salários.
Para que o dia,
                          que o sofrimento degrada,
não vos seja chorado, mendigado.
E que, ao primeiro apelo:
                                         - Camaradas!
atenta se volte a terra inteira.
Para viver
                livre dos nichos das casas.
Para que
               doravante
                            a família
                                          seja
o pai,
        pelo menos o Universo;
a mãe,
        pelo menos a Terra.

3. Do Livro do Desassossego - Bernardo Soares

Fernando Pessoa



3. Do Livro do Desassossego - Bernardo Soares 




10. 

"Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância - irmãos siameses que não estão pegados."

* * *

12. 


"Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto."

"De resto, com que posso contar comigo? Uma acuidade horrível das sensações, e a compreensão profunda de estar sentindo...Uma inteligência aguda para me destruir, e um poder de sonho sôfrego de me entreter...Uma vontade morta e uma reflexão que a embala, como a um filho vivo..."

* * *

14.

"Tenho fome da extensão do tempo, e quero ser eu sem condições."

* * *

24. "Uns governam o mundo, outros são o mundo."

* * *

25.

"Há em olhos humanos, ainda que litográficos, uma coisa terrível: o aviso inevitável da consciência, o grito clandestino de haver alma."

"Sinto um frio de doença súbita na alma"

* * *



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Do Livro do Desassossego - Bernardo Soares
Bernardo Soares (heterônimo de Fernando Pessoa)
Fonte: http://www.cfh.ufsc.br/~magno/


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Leia também:

2. Do Livro do Desassossego - Bernardo Soares: "Escrevo, triste, no meu quarto quieto"


4. Do Livro do Desassossego - Bernardo Soares: "Tinha-me levantado cedo e tardava em preparar-me para existir."

sábado, 26 de março de 2016

Dom Casmurro: A Inscrição

Machado de Assis

Dom Casmurro




CAPÍTULO XIV 
A INSCRIÇÃO




 Tudo o que contei no fim do outro capítulo foi obra de um instante. O que se lhe seguiu foi ainda mais rápido. Dei um pulo, e antes que ela raspasse o muro, li estes dois nomes, abertos ao prego, e assim dispostos:

 BENTO

 CAPITOLINA

 Voltei-me para ela; Capitu tinha os olhos no chão. Ergueu-os logo, devagar, e ficamos a olhar um para o outro... Confissão de crianças, tu valias bem duas ou três páginas, mas quero ser poupado. Em verdade, não falamos nada; o muro falou por nós. Não nos movemos, as mãos é que se estenderam pouco a pouco, todas quatro, pegando-se, apertando-se, fundindo-se. Não marquei a hora exata daquele gesto. Devia tê-la marcado; sinto a falta de uma nota escrita naquela mesma noite, e que eu poria aqui com os erros de ortografia que trouxesse, mas não traria nenhum, tal era a diferença entre o estudante e o adolescente. Conhecia as regras do escrever, sem suspeitar as do amar; tinha orgias de latim e era virgem de mulheres.

 Não soltamos as mãos, nem elas se deixaram cair de cansadas ou de esquecidas. Os olhos fitavam-se e desfitavam-se, e depois de vagarem ao perto, tornavam a meter-se uns pelos outros... Padre futuro, estava assim diante dela como de um altar, sendo uma das faces a Epístola e a outra o Evangelho. A boca podia ser o cálice, os lábios a patena. Faltava dizer a missa nova, por um latim que ninguém aprende, e é a língua católica dos homens. Não me tenhas por sacrílego, leitora minha devota; a limpeza da intenção lava o que puder haver menos curial no estilo. Estávamos ali com o céu em nós. As mãos, unindo os nervos, faziam das duas criaturas uma só, mas uma só criatura seráfica. Os olhos continuaram a dizer coisas infinitas, as palavras de boca é que nem tentavam sair, tornavam ao coração caladas como vinham...


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Texto de referência:

Obras Completas de Machado de Assis, vol. I,
Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994.

Publicado originalmente pela Editora Garnier, Rio de Janeiro, 1899.

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Dom Casmurro: Capítulo XV - Outra Voz Repentina

sexta-feira, 25 de março de 2016

Memórias Póstumas de Brás Cubas: NAQUELE DIA

Machado de Assis


Memórias Póstumas de Brás Cubas







CAPÍTULO X / NAQUELE DIA 



Naquele dia, a árvore dos Cubas brotou uma graciosa flor. Nasci; recebeu-me nos braços a Pascoela, insigne parteira minhota, que se gabava de ter aberto a porta do mundo a uma geração inteira de fidalgos. Não é impossível que meu pai lhe ouvisse tal declaração; creio, todavia, que o sentimento paterno é que o induziu a gratificá-la com duas meias dobras. Lavado e enfaixado, fui desde logo o herói da nossa casa. Cada qual prognosticava a meu respeito o que mais lhe quadrava ao sabor. Meu tio João, o antigo oficial de infantaria, achava-me um certo olhar de Bonaparte, coisa que meu pai não pôde ouvir sem náuseas; meu tio Ildefonso, então simples padre, farejava-me cônego. 

— Cônego é o que ele há de ser, e não digo mais por não parecer orgulho; mas não me admiraria nada se Deus o destinasse a um bispado... É verdade, um bispado; não é coisa impossível. Que diz você, mano Bento? 

Meu pai respondia a todos que eu seria o que Deus quisesse; e alçava-me ao ar, como se intentasse mostrar-me à cidade e ao mundo; perguntava a todos se eu me parecia com ele, se era inteligente, bonito... 

Digo essas coisas por alto, segundo as ouvi narrar anos depois; ignoro a mor parte dos pormenores daquele famoso dia. Sei que a vizinhança veio ou mandou cumprimentar o recém-nascido, e que durante as primeiras semanas muitas foram as visitas em nossa casa. Não houve cadeirinha que não trabalhasse; aventou-se muita casaca e muito calção. Se não conto os mimos, os beijos, as admirações, as bênçãos, é porque, se os contasse, não acabaria mais o capítulo, e é preciso acabá-lo. 

Item, não posso dizer nada do meu batizado, porque nada me referiram a tal respeito, a não ser que foi uma das mais galhardas festas do ano seguinte, 1806; batizei-me na igreja de São Domingos, uma terça-feira de março, dia claro, luminoso e puro, sendo padrinhos o Coronel Rodrigues de Matos e sua senhora. Um e outro descendiam de velhas famílias do Norte e honravam deveras o sangue que lhes corria nas veias, outrora derramado na guerra contra Holanda. Cuido que os nomes de ambos foram das primeiras coisas que aprendi; e certamente os dizia com muita graça, ou revelava algum talento precoce, porque não havia pessoa estranha diante de quem me não obrigassem a recitá-los. 

— Nhonhô, diga a estes senhores como é que se chama seu padrinho. 

— Meu padrinho? é o Excelentíssimo Senhor Coronel Paulo Vaz Lobo César de Andrade e Sousa Rodrigues de Matos; minha madrinha é a Excelentíssima Senhora D. Maria Luísa de Macedo Resende e Sousa Rodrigues de Matos. 

— É muito esperto o seu menino! exclamavam os ouvintes. 

— Muito esperto, concordava meu pai; e os olhos babavam-se-lhe de orgulho, e ele espalmava a mão sobre a minha cabeça, fitava-me longo tempo, namorado, cheio de si. 

Item, comecei a andar, não sei bem quando, mas antes do tempo. Talvez por apressar a natureza, obrigavam-me cedo a agarrar às cadeiras, pegavam-me da fralda, davam-me carrinhos de pau. — Só só, nhonhô, só só, dizia-me a mucama. E eu, atraído pelo chocalho de lata, que minha mãe agitava diante de mim, lá ia para a frente, cai aqui, cai acolá; e andava, provavelmente mal, mas andava, e fiquei andando.



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Texto-fonte: 
Obra Completa, Machado de Assis, 
Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994. 


Publicado originalmente em folhetins, a partir de março de 1880, na Revista Brasileira.


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Leia também:

Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo IX / Transição

Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo XI / O Menino é Pai do Homem

Rayuela - Julio Cortázar: Capítulo 15


 Capítulo 15


    Entonces era tan natural que se acordara de la noche en el canal Saint-Martin, la propuesta que le habían hecho (mil francos) para ver una película en la casa de un médico suizo. Nada, un operador del Eje que se las había arreglado para filmar un ahorcamiento con todos los detalles. En total dos rollos, eso sí mudos. Pero una fotografía admirable, se lo garantizaban. Podía pagar a la salida.

    En el minuto necesario para resolverse a decir que no y mandarse a mudar del café con la negra haitiana amiga del amigo del médico suizo, había tenido tiempo de imaginar la escena y situarse, cuándo no, del lado de la víctima. Que ahorcaran a alguien era-lo-que-era, sobraban las palabras, pero si ese alguien había sabido (y el refinamiento podía haber estado en decírselo) que una cámara iba a registrar cada instante de sus muecas y sus retorcimientos para deleite de dilettantes del futuro..."Por más que me pese nunca seré un indiferente como Etienne", pensó Oliveira. "Lo que pasa es que me obstino en la inaudita idea de que el hombre ha sido creado para otra cosa. Entonces, claro...Qué pobres herramientas para encontrarle una salida a este agujero." Lo peor era que había mirado fríamente las fotos de Wong, tan solo porque el torturado no era su padre, aparte de que ya hacía cuarenta años de la operación pekinesa.

    -Mirá- le dijo Oliveira a Babs, que se había vuelto con él después de pelearse con Ronald que insistía en escuchar a Ma Rainey y se despectivaba contra Fats Waller-, es increíble cómo se puede ser de canalla. ¿Qué pensaba Cristo en la cama antes de dormirse, che? De golpe en la mitad de la sonrisa la boca se le convierte en una araña peluda.
    -Oh -dijo Babs-. Delirium tremens no, eh. A esta hora.
    -Todo es superficial, nena, todo es epi-dér-mico. Mirá, de muchacho yo me las agarraba con las viejas de la familia, hermanas y esas cosas, toda la basura genealógica, ¿sabés por qué? Bueno, por un montón de pavadas, pero entre ellas porque a las señoras cualquier fallecimiento, como dicen ellas, cualquier crepación que ocurre en la cuadra es muchísimo más importante que un frente de guerra, un terremoto que liquida a diez mil tipos, cosas así. Uno es verdaderamente cretino, pero cretino a un punto que no te podés imaginar, Babs, porque para eso hay que haberse leído todo Platón, varios padres de la iglesia, los clásicos sin que falte ni uno, y además saber todo lo que hay que saber sobre todo lo cognoscible, exactamente en ese momento uno llega a un cretinismo tan increíble que es capaz de agarrar a su pobre madre analfabeta por la punta de la mañanita y enojarse porque la señora esta afligidísima a causa de la muerte del rusito de la esquina o de la sobrina de la del tercero. Y uno le habla del terremoto de Bab El Mandeb o de la ofensiva de Vardar Ingh, y pretende que la infeliz se compadezca en abstracto de la liquidación de tres clases del ejercito iranio...
    -Take it easy -dijo Babs-. Have a drink, sonny, don't be such a murder to me.
    
-Y en realidad todo se reduce a aquello de que ojos que no ven... ¿Qué necesidad, decime, de pegarles a las viejas en el coco con nuestra puritana adolescencia de cretinos mierdosos? Che, qué sbornia tengo, hermano. Yo me voy a casa.

    Pero le costaba renunciar a la manta esquimal tan tibia, a la contemplación lejana y casi indiferente de Gregorovius en pleno interviú sentimental de la Maga. Arrancándose a todo como si desplumara un viejo gallo cadavérico que resiste como macho que ha sido, suspiró aliviado al reconocer el tema de Blue Interlude, un disco que había tenido alguna vez en Buenos Aires. Ya ni se acordaba del personal de la orquesta pero sí que ahí estaba Benny Carter y quizá Chu Berry, y oyendo el difícilmente sencillo solo de Tedy Wilson decidió que era mejor quedarse hasta el final de la discada. Wong había dicho que estaba lloviendo, todo el día había estado lloviendo. Ese debía ser Chu Berry, a menos que fuera Hawkins en persona, pero no, no era Hawkins. "Increíble cómo nos estamos empobreciendo todos", pensó Oliveira mirando a la Maga que miraba a Gregorovius que miraba el aire. "Acabaremos por ir a la Bibliothèque Mazarine a hacer fichas sobre las mandrágoras, los collares de los bantúes o la historia comparada de las tijeras para uñas." Imaginar un repertorio de insignificancias, el enorme trabajo de investigarlas y conocerlas a fondo. Historia de las tijeras para uñas, dos mil libros para adquirir la certidumbre de que hasta 1675 no se menciona este adminículo. De golpe en Maguncia alguien estampa la imagen de una señora cortándose una uña. No es exactamente un par de tijeras, pero se le parece. En el siglo XVIII un tal Philip McKinney patenta en Baltimore las primeras tijeras con resorte: problema resuelto, los dedos pueden presionar de lleno para cortar las uñas de los pies, increíblemente córneas, y la tijera vuelve a abrirse automáticamente. Quinientas fichas, un año de trabajo. Si pasáramos ahora a la invención del tornillo o al uso del verbo "gond" en la literatura pali del siglo VIII. Cualquier cosa podía ser mas interesante que adivinar el diálogo entre la Maga y Gregorovius. Encontrar una barricada, cualquier cosa, Beny Carter, las tijeras de uñas, el verbo gond, otro vaso, un empalamiento ceremonial exquisitamente conducido por un verdugo atento a los menores detalles, o Champion Jack Dupree perdido en los blues, mejor barricado que él porque (y la púa hacía un ruido horrible)

                        Say goodbye, goodbye to whiskey
                        Lordy, so long to gin,
                        Say goodbye, goodbye to whiskey
                        Lordy, so long to gin.
                        I just want my reefers,
                        I just want to feel high again -

    De manera que con toda seguridad Ronald volvería a Big Bill Broonzy, guiado por asociaciones que Oliveira conocía y respetaba, y Big Bill les hablaría de otra barricada con la misma voz con que la Maga le estaría contando a Gregorovius su infancia en Montevideo, Big Bill sin amargura, matter of fact,

                They said if you white, you all right,
                If you brown, stick aroun'
                But as you black
                Mm, mm, brother, get back, get back, get back.

    
-Ya sé que no se gana nada -dijo Gregorovius-. Los recuerdos sólo pueden cambiar el pasado menos interesante.
    -Sí, no se gana nada dijo la Maga.
    -Por eso, si le pedí que me hablara de Montevideo, fue porque usted es como una reina de baraja para mí, toda de frente pero sin volumen. Se lo digo así para que me comprenda.
    -Y Montevideo es el volumen... Pavadas, pavadas, pavadas. ¿A qué le llama tiempos viejos, usted? A mí todo lo que me ha sucedido me ha sucedido ayer, anoche a más tardar.
    -Mejor -dijo Gregorovius-. Ahora es una reina, pero no de baraja.
    -Para mí, entonces no es hace mucho. Entonces es lejos, muy lejos, pero no hace mucho. Las recovas de la plaza Independencia, vos también las conocés, Horacio, esa plaza tan triste con las parrilladas, seguro que por la tarde hubo algún asesinato y los canillitas están voceando el diario en las recovas.
    -La lotería y todos los premios -dijo Horacio.
    -La descuartizada del Salto, la política, el fútbol...
    -El vapor de la carrera, una cañita Ancap. Color local, che.
    -Debe ser tan exótico -dijo Gregorovius, poniéndose de manera de taparle la visión a Oliveira y quedarse más solo con la Maga que miraba las velas y seguía el compás con el pie.
    -En Montevideo no había tiempo, entonces -dijo la Maga-. Vivíamos muy cerca del río, en una casa grandísima con un patio. Yo tenía siempre trece años, me acuerdo tan bien. Un cielo azul, trece años, la maestra de quinto grado era bizca. Un día me enamoré de un chico rubio que vendía diarios en la plaza. Tenía una manera de decir "dário" que me hacía sentir como un hueco aquí... Usaba pantalones largos pero no tenía más de doce años. Mi papá no trabajaba, se pasaba las tardes tomando mate en el patio. Yo perdí a mi mamá cuando tenía cinco años, me criaron unas tías que después se fueron al campo. A los trece años estábamos solamente mi papá y yo en la casa. Era un conventillo y no una casa. Había un italiano, dos viejas, y un negro y su mujer que se peleaban por la noche pero después tocaban la guitarra y cantaban. El negro tenía unos ojos colorados, como una boca mojada. Yo les tenía un poco de asco, prefería jugar en la calle. Si mi padre me encontraba jugando en la calle me hacía entrar y me pegaba. Un día, mientras me estaba pegando, vi que el negro espiaba por la puerta entreabierta. Al principio no me di bien cuenta, parecía que se estaba rascando la pierna, hacía algo con la mano... Papá estaba demasiado ocupado pegándome con un cinturón. Es raro cómo se puede perder la inocencia de golpe, sin saber siquiera que se ha entrado en otra vida. Esa noche, en la cocina, la negra y el negro cantaron hasta tarde, yo estaba en mi pieza y había llorado tanto que tenía una sed horrible, pero no quería salir. Mi papá tomaba mate en la puerta. Hacía un calor que usted no puede entender, todos ustedes son de países fríos. Es la humedad, sobre todo, cerca del río, parece que en Buenos Aires es peor, Horacio dice que es mucho peor, yo no sé. Esa noche yo tenía la ropa pegada, todos tomaban y tomaban mate, dos o tres veces salí y fui a beber de una canilla que había en el patio entre los malvones. Me parecía que el agua de esa canilla era más fresca. No había ni una estrella, los malvones olían áspero, son unas plantas groseras, hermosísimas, usted tendría que acariciar una hoja de malvón. Las otras piezas ya habían apagado la luz, papá se había ido al boliche del tuerto Ramos, yo entré el banquito, el mate y la pava vacía que él siempre dejaba en la puerta y que nos iban a robar los vagos del baldío de al lado. Me acuerdo que cuando crucé el patio salió un poco la luna y me paré a mirar, la luna siempre me daba como frío, puse la cara para que desde las estrellas pudieran verme, yo creía en esas cosas, tenía nada más que trece años. Después bebí otro poco de la canilla y me volví a mi pieza que estaba arriba, subiendo una escalera de fierro donde una vez a los nueve años me disloqué un tobillo. Cuando iba a encender la vela de la mesa de luz una mano caliente me agarró por el hombro, sentí que cerraban la puerta, otra mano me tapó la boca, y empecé a oler a catinga, el negro me sobaba por todos lados y me decía cosas en la oreja, me babeaba la cara, me arrancaba la ropa y yo no podía hacer nada, ni gritar siquiera porque sabía que me iba a matar si gritaba y no quería que me mataran, cualquier cosa era mejor que eso, morir era la peor ofensa, la estupidez más completa. ¿Por qué me mirás con esa cara, Horacio? Le estoy contando cómo me violó el negro del conventillo, Gregorovius tiene tantas ganas de saber cómo vivía yo en el Uruguay.
    -Contáselo con todos los detalles -dijo Oliveira.
    -Oh, una idea general es bastante -dijo Gregorovius.
    -No hay ideas generales -dijo Oliveira.

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quinta-feira, 24 de março de 2016

O Meu Lugar

Arlindo Cruz




Samba de roda vida que gira e faz girar a vida que gira, quem não viu tia Eulália dançar, ela é do mar e não enjoa. Canta canta minha gente que a vida vai melhorar. Segure tudo que foi conquistado, segure tudo que não for demais. Trabalhe com vontade por essa tal felicidade, você tem direito de tocar o seu tamborim. Todo mundo bebe, todo mundo samba. Lá tem samba até de manhã é caminho de Ogum e Iansã










O meu lugar
É caminho de Ogum e Iansã
Lá tem samba até de manhã
Uma ginga em cada andar

O meu lugar
É cercado de luta e suor
Esperança num mundo melhor
E cerveja pra comemorar

O meu lugar
Tem seus mitos e Seres de Luz
É bem perto de Osvaldo Cruz,
Cascadura, Vaz Lobo e Irajá

O meu lugar
É sorriso é paz e prazer
O seu nome é doce dizer
Madureira, lá laiá, Madureiraaa, lá laiá

Ahhh que lugar
A saudade me faz relembrar
Os amores que eu tive por lá
É difícil esquecer

Doce lugar
Que é eterno no meu coração
E aos poetas traz inspiração
Pra cantar e escrever

Ai meu lugar
Quem não viu Tia Eulália dançar
Vó Maria o terreiro benzer
E ainda tem jongo à luz do luar

Ai que lugar
Tem mil coisas pra gente dizer
O difícil é saber terminar
Madureira, lá laiá, Madureira, lá laiá, Madureira

Em cada esquina um pagode num bar
Em Madureiraaa
Império e Portela também são de lá
Em Madureira
E no Mercadão você pode comprar
Por uma pechincha você vai levar
Um dengo, um sonho pra quem quer sonhar
Em Madureira
E quem se habilita até pode chegar
Tem jogo de lona, caipira e bilhar
Buraco, sueca pro tempo passar
Em Madureira
E uma fezinha até posso fazer
No grupo dezena, centena e milhar
Pelos 7 lados eu vou te cercar
Em Madureira
E lalalaiala laia la la ia
Em Madureira


Composição: Arlindo Cruz





Camarão Que Dorme a Onda Leva
Beth Carvalho






Roda Ciranda / Quem É Do Mar Não Enjoa
Martinho da Vila






Canta Canta, minha Gente.
Deixa a tristeza pra lá.
Canta forte, canta alto,
Que a vida vai melhorar.
Que a vida vai melhorar.
Que a vida vai melhorar.
Que a vida vai melhorar.
Que a vida vai melhorar.

Cantem o samba de roda,
O samba-canção e o samba rasgado.
Cantem o samba de breque,
O samba moderno e o samba quadrado.

Cantem ciranda, o frevo,
O côco, maxixe, baião e xaxado,
Mas não cantem essa moça bonita,
Porque ela está com o marido do lado.

Canta Canta, minha gente.
Deixa a tristeza pra lá.
Canta forte, canta alto,
Que a vida vai melhorar.
Que a vida vai melhorar.
Que a vida vai melhorar.
Mas a vida vai melhorar.
A vida vai melhorar.

Quem canta seus males espanta
Lá em cima do morro
Ou sambando no asfalto.
Eu canto o samba-enredo,
Um sambinha lento e um partido alto.

Há muito tempo não ouço
O tal do samba sincopado.
Só não dá pra cantar mesmo
É vendo o sol nascer quadrado.

Canta Canta, minha gente.
Deixa a tristeza pra lá.
Canta forte, canta alto,
Que a vida vai melhorar.

Que a vida vai melhorar.
Que a vida vai melhorar.
Mas eu disse: Que vai melhorar.
Que a vida vai melhorar.
Ora se vai melhorar.
Que a vida vai melhorar.
Mas será que vai melhorar?
Que a vida vai melhorar.
Eu já vou é me mandar.
Que a vida vai melhorar.
Que a vida vai melhorar.


Composição: Martinho da Vila



Verdade

Nelson Rufino










Descobri que te amo demais
Descobri em você minha paz
Descobri sem querer a vida
Verdade

Pra ganhar teu amor fiz mandinga
Fui à ginga de um bom capoeira
Dei rasteira na sua emoção
Com o teu coração fiz zoeira

Fui à beira de um rio e você
Uma ceia com pão, vinho e flor
Uma luz pra guiar sua estrada
Na entrega perfeita do amor
Verdade

Descobri que te amo demais
Descobri em você minha paz
Descobri sem querer a vida
Verdade

Como negar essa linda emoção
Que tanto bem fez pro meu coração
A minha paixão adormecida

Teu amor, meu amor, incendeia
Nossa cama parece uma teia
Teu olhar uma luz que clareia
Meu caminho tal qual lua cheia

Eu nem posso pensar te perder
Ai de mim, esse amor terminar
Sem você, minha felicidade
Morreria de tanto penar
Verdade

Descobri que te amo demais
Descobri em você minha paz
Descobri sem querer a vida
Verdade

Como negar essa linda emoção
Que tanto bem fez pro meu coração
A minha paixão adormecida

Pra ganhar teu amor fiz mandinga
Fui à ginga de um bom capoeira
Dei rasteira na sua emoção
Com o teu coração fiz zoeira

Fui à beira de um rio e você
Uma ceia com pão, vinho e flor
Uma luz pra guiar sua estrada
Na entrega perfeita do amor
Verdade

Descobri que te amo demais
Descobri em você minha paz
Descobri sem querer a vida
Verdade

Como negar essa linda emoção
Que tanto bem fez pro meu coração
A minha paixão adormecida

Descobri que te amo demais
Descobri em você minha paz
Descobri sem querer a vida
Verdade

Como negar essa linda emoção
Que tanto bem fez pro meu coração
A minha paixão adormecida

Descobri que te amo demais
Descobri em você minha paz
Descobri sem querer a vida
Verdade

Como negar essa linda emoção
Que tanto bem fez pro meu coração
A minha paixão adormecida

Descobri que te amo demais!


Composição: Carlinhos Santana / Nelson Rufino




Zeca Pagodinho







6. Pedro Páramo: Por la noche - Juan Rulfo

Juan Rulfo




6. Pedro Páramo: Por la noche





Por la noche volvió a llover. Se estuvo oyendo el borbotar del agua durante largo rato; luego se ha de haber dormido, porque cuando despertó sólo se oía una llovizna callada. Los vidrios de la ventana estaban opacos, y del otro lado las gotas resbalaban en hilos gruesos como de lágrimas. «Miraba caer las gotas iluminadas por los relámpagos, y cada vez que respiraba suspiraba, y cada vez que pensaba, pensaba en ti, Susana.» 

La lluvia se convertía en brisa. Oyó: «El perdón de los pecados y la resurrección de la carne. Amén». Eso era acá adentro, donde unas mujeres rezaban el final del rosario. Se levantaban; encerraban los pájaros; atrancaban la puerta; apagaban la luz. 

Sólo quedaba la luz de la noche, el siseo de la lluvia como un murmullo de grillos... 

-¿Por qué no has ido a rezar el rosario? Estamos en el novenario de tu abuelo. 

Allí estaba su madre en el umbral de la puerta, con una vela en la mano. Su sombra descorrida hacia el techo, larga, desdoblada. Y las vigas del techo la devolvían en pedazos, despedazada. 

-Me siento triste -dijo. 

Entonces ella se dio vuelta. Apagó la llama de la vela. Cerró la puerta y abrió sus sollozos, que se siguieron oyendo confundidos con la lluvia. 

El reloj de la iglesia dio las horas, una tras otra, una tras otra, como si se hubiera encogido el tiempo. 


-Pues sí, yo estuve a punto de ser tu madre. ¿Nunca te platicó ella nada de esto? 

-No. Sólo me contaba cosas buenas. De usted vine a saber por el arriero que me trajo hasta aquí, un tal Abundio. 

-El bueno de Abundio. ¿Así que todavía me recuerda? Yo le daba sus propinas por cada pasajero que encaminara a mi casa. Y a los dos nos iba bien. Ahora, desventuradamente, los tiempos han cambiado, pues desde que esto está empobrecido ya nadie se comunica con nosotros. ¿De modo que él te recomendó que vinieras a verme? 

-Me encargó que la buscara. 

-No puedo menos que agradecérselo. Fue buen hombre y muy cumplido. Era quien nos acarreaba el correo, y lo siguió haciendo todavía después que se quedó sordo. Me acuerdo del desventurado día que le sucedió su desgracia. Todos nos conmovimos, porque todos lo queríamos. Nos llevaba y traía cartas. Nos contaba cómo andaban las cosas allá del otro lado del mundo, y seguramente a ellos les contaba cómo andábamos nosotros. Era un gran platicador. Después ya no. Dejó de hablar. Decía que no tenía sentido ponerse a decir cosas que él no oía, que no le sonaban a nada, a las que no les encontraba ningún sabor. Todo sucedió a raíz de que le tronó muy cerca de la cabeza uno de esos cohetones que usamos aquí para espantar las culebras de agua. Desde entonces enmudeció, aunque no era mudo; pero, eso sí, no se le acabó lo buena gente. 

-Este de que le hablo oía bien. 

-No debe ser él. Además, Abundio ya murió. Debe haber muerto seguramente. ¿Te das cuenta? Así que no puede ser él. 

-Estoy de acuerdo con usted. 

-Bueno, volviendo a tu madre, te iba diciendo... 

Sin dejar de oírla, me puse a mirar a la mujer que tenía frente a mí. Pensé que debía haber pasado por años difíciles. Su cara se transparentaba como si no tuviera sangre, y sus manos estaban marchitas; marchitas y apretadas de arrugas. No se le veían los ojos. Llevaba un vestido blanco muy antiguo, recargado de holanes, y del cuello, enhilada en un cordón, le colgaba una María Santísima del Refugio con un letrero que decía: «Refugio de pecadores». -... 

Ese sujeto de que te estoy hablando trabajaba como «amansador» en la Media Luna; decía llamarse Inocencio Osorio. Aunque todos lo conocíamos por el mal nombre del Saltaperico por ser muy liviano y ágil para los brincos. Mi compadre Pedro decía que estaba que ni mandado a hacer para amansar potrillos; pero lo cierto es que él tenía otro oficio: el de «provocador». Era provocador de sueños. Eso es lo que era verdaderamente. Y a tu madre la enredó como lo hacía con muchas. Entre otras, conmigo. Una vez que me sentí enferma se presentó y me dijo: «Te vengo a pulsear para que te alivies». Y todo aquello consistía en que se soltaba sobándola a una, primero en las yemas de los dedos, luego restregando las manos; después los brazos, y acababa metiéndose con las piernas de una, en frío, así que aquello al cabo de un rato producía calentura. Y, mientras maniobraba, te hablaba de tu futuro. Se ponía en trance, remolineaba los ojos invocando y maldiciendo; llenándote de escupitajos como hacen los gitanos. A veces se quedaba en cueros porque decía que ése era nuestro deseo. Y a veces le atinaba; picaba por tantos lados que con alguno tenía que dar. 

»La cosa es que el tal Osorio le pronosticó a tu madre, cuando fue a verlo, que "esa noche no debía repegarse a ningún hombre porque estaba brava la luna'. 

»Dolores fue a decirme toda apurada que no podía. Que simplemente se le hacía imposible acostarse esa noche con Pedro Páramo. Era su noche de bodas. Y ahí me tienes a mí tratando de convencerla de que no se creyera del Osorio, que por otra parte era un embaucador embustero. 

»-No puedo -me dijo-. Anda tú por mí. No lo notará. 

»Claro que yo era mucho más joven que ella. Y un poco menos morena; pero esto ni se nota en lo oscuro. 

»-No puede ser, Dolores, tienes que ir tú. 

»-Hazme ese favor. Te lo pagaré con otros. 

»Tu madre en ese tiempo era una muchachita de ojos humildes. Si algo tenía bonito tu madre, eran los ojos. Y sabían convencer. »-Ve tú en mi lugar -me decía. 

»Y fui. 

»Me valí de la oscuridad y de otra cosa que ella no sabía: y es que a mí también me gustaba Pedro Páramo. 

»Me acosté con él, con gusto, con ganas. Me atrinchilé a su cuerpo; pero el jolgorio del día anterior lo había dejado rendido, así que se pasó la noche roncando. Todo lo que hizo fue entreverar sus piernas entre mis piernas. 

»Antes que amaneciera me levanté y fui a ver a Dolores. Le dije: 

» Ahora anda tú. Éste es ya otro día. 

»-¿Qué te hizo? -me preguntó. 

»-Todavía no lo sé -le contesté. »Al año siguiente naciste tú; pero no de mí, aunque estuvo en un pelo que así fuera. 

»Quizá tu madre no te contó esto por vergüenza. 

«... Llanuras verdes. Ver subir y bajar el horizonte con el viento que mueve las espigas, el rizar de la tarde con una lluvia de triples rizos. El color de la tierra, el olor de la alfalfa y del pan. Un pueblo que huele a miel derramada... » 

»Ella siempre odió a Pedro Páramo. "¡Doloritas! ¿Ya ordenó que me preparen el desayuno?" Y tu madre se levantaba antes del amanecer. Prendía el nixtenco. Los gatos se despertaban con el olor de la lumbre. Y ella iba de aquí para allá, seguida por el rondín de gatos. "¡Doña Doloritas!" 

»¿Cuántas veces oyó tu madre aquel llamado? "Doña Doloritas, esto está frío. Esto no sirve." ¿Cuántas veces? Y aunque estaba acostumbrada a pasar lo peor, sus ojos humildes se endurecieron. 

«... No sentir otro sabor sino el del azahar de los naranjos en la tibieza del tiempo. » 

»Entonces comenzó a suspirar. 

»-¿Por qué suspira usted, Doloritas? 

»Yo los había acompañado esa tarde. Estábamos en mitad del campo mirando pasar las parvadas de los tordos. Un zopilote solitario se mecía en el cielo. 

»-¿Por qué suspira usted, Doloritas? 

»-Quisiera ser zopilote para volar a donde vive mi hermana. 

»-No faltaba más, doña Doloritas. Ahora mismo irá usted a ver a su hermana. Regresemos. Que le preparen sus maletas. No faltaba más. 

»Y tu madre se fue: 

»-Hasta luego, don Pedro. 

»-¡Adiós, Doloritas. 

» Se fue de la Media Luna para siempre. Yo le pregunté muchos meses después a Pedro Páramo por ella. 

»-Quería más a su hermana que a mí. Allá debe estar a gusto. Además ya me tenía enfadado. No pienso inquirir por ella, si es eso lo que te preocupa. 

»-¿Pero de qué vivirán? 

»-Que Dios los asista.» 

«... El abandono en que nos tuvo, mi hijo, cóbraselo caro.» 

-Y así hasta ahora que ella me avisó que vendrías a verme, no volvimos a saber más de ella. 

-La de cosas que han pasado -le dije-. Vivíamos en Colima arrimados a la tía Gertrudis que nos echaba en cara nuestra carga. «¿Por qué no regresas con tu marido?», le decía a mi madre. 

»-¿Acaso él ha enviado por mí? No me voy si él no me llama. Vine porque te quería ver. Porque te quería, por eso vine. 

»-Lo comprendo. Pero ya va siendo hora de que te vayas. 

»-Si consistiera en mí.» 

Pensé que aquella mujer me estaba oyendo; pero noté que tenía borneada la cabeza como si escuchara algún rumor lejano. Luego dijo: 

-¿Cuándo descansarás? 



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El mexicano Juan Rulfo (1918-1986) figura, a pesar de la brevedad de su obra, entre los grandes renovadores de la narrativa hispanoamericana del siglo XX. De formación autodidacta, trabajó como guionista para el cine y la televisión. Con sólo dos obras de ficción publicadas -el libro de relatos El llano en llamas y la novela Pedro Páramo-, ha ejercido una decisiva influencia en la literatura en castellano del último medio siglo. En 1983 recibió el premio Príncipe de Asturias de las Letras.


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6. Pedro Páramo: De noite



DE NOITE, tornou a chover. Ficou ouvindo o borbotar da água durante muito tempo; deve ter dormido em seguida, porque quando despertou só se ouvia um chuviscar calado. Os vidros das janelas estavam opacos, e do outro lado as gotas deslizavam em fios grossos como lágrimas. “Olhava as gotas caindo, iluminadas pelos relâmpagos, e cada vez que respirava, suspirava, e cada vez que pensava, pensava em você, Susana.” 

A chuva se transformava em brisa. Ouviu: “O perdão dos pecados e a ressurreição da carne. Amém.” Isso era aqui dentro, onde umas mulheres rezavam o final do rosário. Levantavam-se; prendiam os pássaros; trancavam a porta; apagavam a luz. 

Só restava a luz da noite, o ciciar da chuva como um murmúrio de grilos... 

— Por que você não foi rezar o rosário? Estamos na novena do seu avô. 

Lá estava sua mãe no umbral da porta, com uma vela na mão. Sua sombra escorrida rumo ao teto, longa, estendida. E as vigas do teto a devolviam aos pedaços, despedaçada. 

— Estou triste — disse. 

Então ela se virou. Apagou a chama da vela. Fechou a porta e abriu seus soluços, que continuaram sendo ouvidos confundidos com a chuva. 

O relógio da igreja badalou as horas, uma atrás da outra, uma atrás da outra, como se o tempo tivesse encolhido. 



– POIS SIM, eu quase fui sua mãe. Ela nunca falou nada sobre isso com você? 

— Não. Só me contava coisas boas. Da senhora eu só vim saber pelo tropeiro que me trouxe até aqui, um tal de Abundio. 

— O bondoso Abundio. Quer dizer que ele ainda se lembra de mim? Eu costumava dar gorjetas a ele por cada hóspede que mandasse para a minha casa. E nós dois íamos bem nesse negócio. Agora, infelizmente, os tempos mudaram, pois desde que isto aqui empobreceu ninguém mais se comunica com a gente. Quer dizer então que ele recomendou a você que viesse me ver? 

— Disse que a procurasse. 

— Só posso agradecer. Foi um bom homem, e cumpridor. Era quem nos trazia o correio, e continuou trazendo mesmo depois de ter ficado surdo. Lembro-me do desventurado dia em que aconteceu essa desgraça com ele. Todos nós ficamos comovidos, porque gostávamos dele. Levava e trazia cartas para nós. Contava como andavam as coisas do lado de lá do mundo, e na certa contava a eles como é que nós estávamos. Era um grande conversador. Depois, não. Parou de falar. Dizia que não tinha sentido desandar a dizer coisas que ele não ouvia, que não tinham para ele som algum, palavras sem nenhum sabor. Tudo aconteceu por causa de um desses foguetões que a gente usa aqui para espantar as trombas d’água, e que estourou muito perto da cabeça dele. A partir de então emudeceu, embora não fosse mudo; mas, isso sim, continuou sendo uma pessoa boa. 

— Mas esse de quem estou falando ouvia muito bem. 

— Não deve ser ele. Além do mais, Abundio já morreu. Deve ter morrido, com certeza. Você entende? Quer dizer, não pode ser ele. 

— Pois estou de acordo com a senhora. 

— Então, muito bem: voltando à sua mãe, eu ia dizendo... 

Sem deixar de ouvi-la, fiquei olhando a mulher que estava à minha frente. Pensei que devia ter passado por anos difíceis. Sua cara se transparentava como se não tivesse sangue, e suas mãos estavam murchas; murchas e cheias de rugas. Não se viam seus olhos. Usava um vestido branco muito antigo, cheio de babados, e da gola, atada num cordão, pendia uma Maria Santíssima do Refúgio com um letreiro que dizia: “Refúgio de pecadores”. 

— ... Esse fulano de quem estou falando trabalhava como “amansador” na Media Luna; dizia que seu nome era Inocencio Osorio. Mas todos o conheciam pelo mau nome de Busca-pé porque ele era muito leve e ágil para os saltos. Meu compadre Pedro dizia que ele era como se tivesse sido mandado fazer para amansar cavalos; mas a verdade é que tinha outro ofício: o de “provocador”. Era provocador de sonhos. Isso é o que ele era de verdade. E acabou enganando sua mãe do mesmo jeito que fazia com muitas. Entre outras, comigo. Uma vez que me senti doente, ele apareceu e me disse: “Venho tomar seu pulso para que você se alivie.” E tudo aquilo consistia em que ele se soltava apalpando a gente, primeiro nas pontas dos dedos, depois esfregando as mãos; e então os braços, e acabava se metendo pelas pernas da gente, a frio, e depois de um tempinho aquilo tudo acabava provocando um calorzinho. E, enquanto manobrava, ele falava do futuro. Entrava em transe, virava e revirava os olhos, invocando e amaldiçoando; enchia a gente de cuspidelas, do jeito que os ciganos fazem. Às vezes ficava pelado porque dizia que era esse o nosso desejo. E às vezes chegava lá; picava por tantos lados que acabava acertando. 

“O fato é que o tal de Osorio prognosticou para a sua mãe, quando ela foi vê-lo, que ‘hoje à noite você não deve grudar em homem porque a lua está brava’. 

“Dolores foi me dizer toda aflita que não podia. Que naquela noite era simplesmente impossível para ela se deitar com Pedro Páramo. Era sua noite de núpcias. E olhe só para mim, tentando convencê-la a não acreditar no Osorio, que além do mais era um trapaceiro enganador. 

“— Não posso — ela me disse. — Vai você no meu lugar. Ele não vai perceber. 

Claro que eu era muito mais jovem do que ela. E um pouco menos morena; mas isso ninguém nota no escuro. 

“— Não dá, Dolores, você é que tem de ir. 

“— Faz esse favor para mim. Eu pago com outros favores. 

“Naquele tempo, sua mãe era uma mocinha de olhos humildes. Se ela tinha alguma coisa de bonito, eram os olhos. E sabiam convencer. 

“— Vai no meu lugar — ela me dizia. 

“E fui. 

“Eu me vali da escuridão e de outra coisa que ela não sabia: eu também gostava de Pedro Páramo. 

“E me deitei com ele com gosto, com vontade. Eu me atraquei no seu corpo; mas a festança do dia anterior tinha deixado ele rendido, e passou a noite roncando. Tudo que fez foi enroscar suas pernas entre as minhas pernas. 

“Antes do amanhecer me levantei e fui ver Dolores. Disse a ela: 

“— Agora, vai você. Agora já é outro dia. 

“— O que ele fez com você? — me perguntou. 

“— Ainda não sei — respondi. 

“No ano seguinte você nasceu; mas não de mim, embora tenha sido por pouco. 

“Vai ver sua mãe não contou isso de vergonha. 

... Planícies verdes. Ver subir e descer o horizonte com o vento que move as espigas, o ondear da tarde com uma chuva de ondas triplas. A cor da terra, o cheiro da alfafa e do pão. Uma cidade que cheira a mel derramado...” 

“Ela sempre odiou Pedro Páramo. ‘Doloresinha! Você já mandou preparar o meu café da manhã?’ E sua mãe se levantava antes do amanhecer. Acendia o fogo. Os gatos acordavam com o cheiro do lume. E ela ia daqui para lá, seguida pela vigilância do batalhão de gatos. ‘Dona Doloresinha!’ 

“Quantas vezes sua mãe terá ouvido esse chamado? ‘Dona Doloresinha, isto aqui está frio. Não presta.’ Quantas vezes? E embora ela estivesse acostumada a passar pelo pior, seus olhos humildes se endureceram. 

... Não sentir outro sabor que não o dos botões das laranjeiras na mornidão do tempo.” 

“Então começou a suspirar. 

“— Por que a senhora está suspirando, dona Doloresinha? 

“Eu os havia acompanhado naquela tarde. Estávamos no meio do campo, olhando passar as revoadas de tordos. Um urubu solitário se meteu no céu. 

“— Por que a senhora está suspirando, dona Doloresinha? 

“— Eu queria ser um urubu para voar até onde minha irmã mora. 

“— Nem precisa, dona Doloresinha. Agorinha mesmo a senhora vai ver sua irmã. Vamos regressar. Que alguém prepare suas malas. Não por isso. 

“E lá se foi sua mãe: 

“— Até logo, dom Pedro. 

“— Adeus, Doloresinha. 

“E ela foi-se embora da Media Luna para sempre. Muitos meses depois perguntei por ela a Pedro Páramo. 

“— Ela gostava mais da irmã do que de mim. Lá, deve estar contente. Além disso, eu já estava enjoado dela. Não penso em sair atrás de Dolores, se é que isso preocupa você. 

“— Mas do que elas vão viver? 

“— Deus cuidará. 

... O abandono em que nos deixou, filho, você deve cobrar caro.” 

“E desde então e até agora, quando me avisou que você iria chegar, não tornamos a saber mais nada dela.” 

— E depois disso já aconteceu tanta coisa — eu disse. — Vivíamos em Colima arrimados na tia Gertrudis que jogava na nossa cara o peso que éramos. 

“Por que você não volta para o seu marido?”, dizia ela à minha mãe. 

“— Ele por acaso mandou me buscar? Não vou enquanto ele não me chamar. Vim porque queria ver você. Porque gostava de você, por isso eu vim. 

“— Compreendo. Mas já está na hora de ir embora. 

“— Se dependesse de mim.” 

Achei que aquela mulher estava me ouvindo, mas notei que tinha a cabeça inclinada, como se escutasse algum rumor longínquo. Depois, ela disse: 

— Quando é que você vai descansar?




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Rulfo, Juan Pedro Páramo / tradução e prefácio de Eric Nepomuceno. — Rio de Janeiro: BestBolso, 2008. Tradução de: Pedro Páramo ISBN 978-85-7799-116-7 1. Romance mexicano. I. Nepomuceno, Eric. II. Título

Pedro Páramo – Romance mais aclamado da literatura mexicana, Pedro Páramo é o primeiro de dois livros lançados em toda a vida de Juan Rulfo. O enredo, simples, trata da promessa feita por um filho à mãe moribunda, que lhe pede que saia em busca do pai, Pedro Páramo, um malvado lendário e assassino. Juan Preciado, o filho, não encontra pessoas, mas defuntos repletos de memórias, que lhe falam da crueldade implacável do pai. Vergonha é o que Juan sente. Alegoricamente, é o México ferido que grita suas chagas e suas revoluções, por meio de uma aldeia seca e vazia onde apenas os mortos sobrevivem para narrar os horrores da história. O realismo fantástico como hoje se conhece não teria existido sem Pedro Páramo; é dessa fonte que beberam o colombiano Gabriel Garcia Márquez e o peruano Mario Vargas Llosa, que também narram odisseias latino-americanas.

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5. Pedro Páramo: El agua que goteaba

7. Pedro Páramo: El día que te fuiste