quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Dom Casmurro: A Caminho

Machado de Assis

Dom Casmurro





CAPÍTULO LIII
A Caminho!



Fui para o seminário. Poupa-me as outras despedidas. Minha mãe apertava-me ao peito. Prima Justina suspirava. Talvez chorasse mal ou nada. Há pessoas a quem as lágrimas não acodem logo nem nunca; diz-se que padecem mais que as outras. Prima Justina disfarçava naturalmente os seus padecimentos íntimos, emendando os descuidos de minha mãe, fazendo-me recomendações, dando ordens. Tio Cosme, quando eu lhe beijei a mão em despedida, disse-me rindo: 

– Anda lá, rapaz, volta-me papa! 

José Dias, composto e grave, não dizia nada a princípio; tínhamos falado na véspera, no quarto dele, onde fui ver se era ainda possível evitar o seminário. Já não era, mas deu-me esperanças e principalmente animou-me muito. Antes de um ano estaríamos a bordo. Como eu achasse muito breve, explicou-se. 

– Dizem que não é bom tempo de atravessar o Atlântico, vou indagar; se não for, iremos em março ou abril. 

– Posso estudar medicina aqui mesmo. 

José Dias correu os dedos pelos suspensórios com um gesto de impaciência, apertou os beiços, até que formalmente rejeitou o alvitre. 

– Não duvidaria aprovar a ideia, disse ele, se na Escola de Medicina não ensinassem, exclusivamente, a podridão alopata. A alopatia é o erro dos séculos, e vai morrer; é o assassinato, é a mentira, é a ilusão. Se lhe disserem que pode aprender na Escola de Medicina aquela parte da ciência comum a todos os sistemas, é verdade; a alopatia é erro na terapêutica. Fisiologia, anatomia, patologia não são alopáticas nem homeopáticas, mas é melhor aprender logo tudo de uma vez, por livros e por língua de homens cultores da verdade... 

Assim falara na véspera e no quarto. Agora não dizia nada, ou proferia algum aforismo sobre a religião e a família; lembro-me deste: “Dividi-lo com Deus é ainda possuí-lo.” Quando minha mãe deu o último beijo: “Quadro amantíssimo!” suspirou ele. Era manhã de um lindo dia. Os moleques cochichavam; as escravas tomavam a bênção: “Benção, nhô Bentinho! não se esqueça de sua Joana! Sua Miquelina fica rezando por vosmecê!” Na rua, José Dias insistiu nas esperanças: 

– Aguente um ano; até lá tudo estará arranjado.




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Texto de referência:

Obras Completas de Machado de Assis, vol. I,
Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994.

Publicado originalmente pela Editora Garnier, Rio de Janeiro, 1899.

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Dom Casmurro: Capítulo XLIX / Uma Vela aos Sábados


Dom Casmurro: Capítulo L / Uma Meio-Termo


Dom Casmurro: Capítulo LI / Entre Luz e Fusco


Dom Casmurro: Capítulo LII / O Velho Pádua


Dom Casmurro: Capítulo LIV / Panegírico de Santa Mônica

Série: Jazz Para Sempre 21 - Miles Davis, Coltrane, Bill Evans... Chet Baker

So What





Quando você não sabe o que dizer
ou não quer dizer nada... 
escute







the legendary John Coltrane, saxo tenor;
Wynton Kelly, piano;
Paul Chambers, contrabajo;
Jimmy Cobb, batería









The Legendary Sessions of Bill Evans & Chet Baker
recorded in 1959 New York.





Personnel: Bill Evans (p) Chet Baker (tr) Zoot Sims (asax) Pepper Adams (bsax) Herbie Mann (tsax) Kenny Burrell (gr) Paul Chambers (b) Philly Joe Jones (dr)

Released: February 2010

Recorded: Dec. 30, 1958 (1-3, 5-7, 10) & January 19, 1959 (4, 8, 9) July 22, 1959 (11-14) & July 21, 1959 (15)

New York Label: American Jazz Classics





quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Baudelaire - Pequenos Poemas em Prosa: VII - O Bobo e a Vênus

Baudelaire - Pequenos Poemas em Prosa




VII

O BOBO E A VÊNUS 

Dia admirável! O vasto parque desmaia sob o olhar candente do sol, como a juventude sob o domínio do amor. 

O êxtase universal das coisas exprime-se sem nenhum ruído. Até as águas parecem adormecidas. Ao contrário das festas humanas, há aqui uma orgia silenciosa.

Dir-se ia que uma luz cada vez mais intensa vai dando maior brilho aos objetos; que as flores excitadas ardem de desejo de rivalizar com o azul do céu pela energia das cores; e que o calor, tornando-lhes visível o perfume, fá-lo subir em direção ao astro, como fumaça. 


Todavia, nessa felicidade universal, notei um ser aflito. 

Aos pés de uma Vênus gigantesca, um desses bobos artificiais, desses tolos voluntários encarregados de fazer rir os reis quando o Remorso ou o Tédio os persegue, vestindo uma roupa berrante e ridícula, coroado de chifres e de guizos, todo encolhido junto à estátua, levanta os olhos cheios de lágrimas para a Deusa imortal. 

Dizem os seus olhos: — Sou o último e o mais solitário dos homens, privado de amor e de amizade, e muito inferior, portanto, ao mais imperfeito dos animais. E fui feito, também eu, para compreender e sentir a Beleza imortal! Oh! Deusa! Tende pena da minha tristeza e do meu delírio! Mas, a Vênus implacável fita, ao longe, não sei quê, com seus olhos de mármore.



VIII

O CÃO E O FRASCO 

— Meu lindo cachorro, meu bom cão, querido totó! Aproxime-se, venha respirar um excelente perfume comprado na casa do melhor perfumista da cidade. 

E o cão, sacudindo a cauda, o que me parece ser, nesses pobres seres, um sinal correspondente à gargalhada e ao sorriso, aproxima-se e pousa curiosamente o focinho no frasco aberto. Mas depois, recuando bruscamente, assustado, late contra mim, à guisa de censura. 

— Ah! miserável cão, se eu lhe tivesse oferecido um punhado de excremento, você o farejaria com delícia e talvez o devorasse. Até você, indigno companheiro de minha vida triste, se parece com o público, ao qual nunca se devem apresentar perfumes delicados que o exasperem, mas sujeiras cuidadosamente escolhidas.



IX

O MAU VIDRACEIRO 

Há naturezas puramente contemplativas e de todo impróprias para a ação. No entanto, por um impulso misterioso e desconhecido, agem às vezes com uma rapidez de que elas mesmas se julgariam incapazes. 

Uns, com receio de encontrar na entrada de casa mais outra infeliz, perambulam covardemente diante da porta, sem se decidirem a entrar; outros guardam uma carta durante quinze dias sem abri-la; outros só ao cabo de seis meses se resignam a fechar um negócio necessário há mais de um ano. Não obstante, às vezes, sentem-se bruscamente precipitados na ação por uma força irresistível, como a flecha de um arco. O médico e o moralista, que tudo pretendem saber, não podem explicar como essas almas ociosas e cheias de volúpia adquirem de repente tão louca energia, nem como, embora incapazes de realizar as coisas mais simples e mais necessárias, revelam de uma hora para outra uma coragem inaudita para praticar os atos mais absurdos e muitas vezes os mais perigosos.

Um dos meus amigos, o mais inofensivo sonhador que jamais existiu, incendiou certa vez uma floresta, para ver, dizia ele, se o fogo pegava com tanta facilidade como em geral se afirmava. Dez vezes em seguida, a experiência falhou; mas, na décima primeira, teve um êxito completo. 

Haverá quem acenda um charuto ao lado de uma barrica de pólvora, para ver, para saber, para tentar o destino, para ver-se forçado a dar prova de energia, a arriscar-se, para conhecer os prazeres da ansiedade, ou à toa, por capricho, por distração. 

É uma espécie de energia que transborda do enfado e do sonho. Aqueles em que ela se manifesta tão inopinadamente são, em geral, como eu disse, os mais indolentes e os mais sonhadores dos seres. 

Haverá igualmente quem, embora leve a própria timidez ao ponto de baixar os olhos quando encara os homens, e ao ponto de precisar reunir toda a sua pobre vontade para entrar num café ou passar diante da bilheteria de um teatro, onde os fiscais lhe parecem revestidos da majestade de Minos (6), de Eaco (7) ou de Radamanto (8), saltará bruscamente ao pescoço de um velho que passar ao seu lado e o abraçará com entusiasmo diante da multidão espantada. 

Porquê? Porque... porque essa fisionomia lhe era irresistivelmente simpática? Talvez; é mais legítimo, porém, supor que ele próprio não sabe porquê. 

Eu tenho sido, por mais de uma vez, vítima dessas crises e desses impulsos, que nos autorizam a acreditar que haja demônios maliciosos dentro de nós, para nos fazerem realizar, à nossa revelia, as suas mais absurdas vontades. 

Uma manhã, eu me levantara mal humorado, triste, cansado de ócio. E, sentindo-me levado a fazer alguma coisa grandiosa, a praticar um ato notável, abri a janela, e ai de mim! (Peço-vos observar que o espírito de mistificação que, em certas pessoas, não é o resultado de um trabalho ou de uma combinação, mas de uma inspiração fortuita, participa muito, embora só pelo ardor do desejo, desse humor, histérico segundo os médicos, que nos leva a praticar sem resistência uma porção de atos perigosos ou inconvenientes.). 

A primeira pessoa que descobri na rua foi um vidraceiro cujo grito agudo, discordante, subiu até a mim através a pesada e suja atmosfera parisiense. Ser-me-ia, aliás, impossível dizer porque fui tomado para com aquele pobre homem de um ódio tão súbito quanto despótico. 

— Olá! Olá! — gritei-lhe dizendo que subisse. 

E ao mesmo tempo eu pensava, não sem um certo contentamento, que, sendo o quarto no sexto andar e a escada muito estreita, o homem devia encontrar dificuldade na subida e ir batendo em vários lugares com os ângulos de sua frágil mercadoria. 

Afinal, ele apareceu e eu pus-me a examinar curiosamente os vidros, dizendo-lhe: — Como? Não tem vidros de cor? Cor de rosa, vermelhos, azuis, mágicos, do paraíso? Sem vergonha! Tem a coragem de andar passeando nos bairros pobres sem ter vidros que embelezem a vida! E o empurrei com força pela escada abaixo, por onde ele foi rolando aos gritos. 

Depois, aproximei-me da sacada, segurando uma pequena jarra de flores, e, quando o homem tornou a aparecer na saída da porta, deixei-lhe cair perpendicularmente o meu engenho de guerra em cima da bagagem. O choque derrubou-o e ele acabou de quebrar com as costas toda aquela fortuna ambulatória, que produziu o ruído estridente de um palácio de cristal atingido pelo raio. 

Então, ébrio de loucura, gritei-lhe furiosamente: — A vida embelezada! A vida embelezada! Essas nervosas brincadeiras não deixam de ter seus riscos e podem custar caro. Mas, que importa a eternidade da maldição, para quem achou num segundo o gozo infinito?


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Charles-Pierre Baudelaire (Paris, 9 de abril de 1821 — Paris, 31 de agosto de 1867) foi um poeta boémio ou dandy ou flâneur e teórico da arte francesa. É considerado um dos precursores do simbolismo e reconhecido internacionalmente como o fundador da tradição moderna em poesia, juntamente com Walt Whitman, embora tenha se relacionado com diversas escolas artísticas. Sua obra teórica também influenciou profundamente as artes plásticas do século XIX.
Nasceu em Paris a 9 de abril de 1821. Estudou no Colégio Real de Lyon e Lycée Louis-le-Grand (de onde foi expulso por não querer mostrar um bilhete que lhe foi passado por um colega).
Em 1840 foi enviado pelo padrasto, preocupado com sua vida desregrada, à Índia, mas nunca chegou ao destino. Pára na ilha da Reunião e retorna a Paris. Atingindo a maioridade, ganha posse da herança do pai. Por dois anos vive entre drogas e álcool na companhia de Jeanne Duval. Em 1844 sua mãe entra na justiça, acusando-o de pródigo, e então sua fortuna torna-se controlada por um notário.
Em 1857 é lançado As flores do mal contendo 100 poemas. O autor do livro é acusado, no mesmo ano, pela justiça, de ultrajar a moral pública. Os exemplares são apreendidos, pagando de multa o escritor 300 francos e a editora 100 francos.
Essa censura se deveu a apenas seis poemas do livro. Baudelaire aceita a sentença e escreve seis novos poemas, "mais belos que os suprimidos", segundo ele.
Mesmo depois disso, Baudelaire tenta ingressar na Academia Francesa. Há divergência, entre os estudiosos, sobre a principal razão pela qual Baudelaire tentou isso. Uns dizem que foi para se reabilitar aos olhos da mãe (que dessa forma lhe daria mais dinheiro), e outros dizem que ele queria se reabilitar com o público em geral, que via suas obras com maus olhos em função das duras críticas que ele recebia da burguesia.
Morreu prematuramente sem sequer conhecer a fama, em 1867, em Paris, e seu corpo está sepultado no Cemitério do Montparnasse, em Paris.

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Baudelaire: VII - O Bobo e a Vênus
Baudelaire: X - À Uma Hora Da Madrugada

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NOTAS

(6) Rei de Creta, sábio legislador, juiz dos infernos com Eaco e Radamanto. 

(7) Filho de Júpiter, rei de Egina. Célebre por sua justiça, passou, depois de sua morte, a ser um dos três juízes dos infernos, com Minos e Radamanto. 

(8) Um dos três juízes dos infernos, filho de Júpiter e irmão de Minos.


Memórias Póstumas de Brás Cubas: Virgília casada

Machado de Assis


Memórias Póstumas de Brás Cubas







CAPÍTULO L / Virgília casada







— Quem chegou de São Paulo foi minha prima Virgília, casada com o Lobo Neves, continuou Luis Dutra. 

— Ah! 

— E só hoje é que eu soube uma coisa, seu maganão... 

— Que foi? 

— Que você quis casar com ela. 

— Ideias de meu pai. Quem lhe disse isso? 

— Ela mesma. Falei-lhe muito em você, e ela então contou-me tudo. No dia seguinte, estando na Rua do Ouvidor, à porta da tipografia do Plancher, vi assomar, a distância, uma mulher esplêndida. Era ela; só a reconheci a poucos passos, tão outra estava, a tal ponto a natureza e a arte lhe haviam dado o último apuro. Cortejamo-nos; ela seguiu; entrou com o marido na carruagem, que os esperava um pouco acima; fiquei atônito. 

Oito dias depois, encontrei-a num baile; creio que chegamos a trocar duas ou três palavras. Mas noutro baile, dado daí a um mês, em casa de uma senhora, que ornara os salões do primeiro reinado, e não desornava então os do segundo, a aproximação foi maior e mais longa, porque conversamos e valsamos. A valsa é uma deliciosa coisa. Valsamos; e não nego que, ao conchegar ao meu corpo aquele corpo flexível e magnífico,tive uma singular sensação, uma sensação de homem roubado. 

— Está muito calor, disse ela, logo que acabamos. Vamos ao terraço? 

— Não; pode constipar-se. Vamos à outra sala. 

Na outra sala estava Lobo Neves, que me fez muitos cumprimentos, acerca dos meus escritos políticos, acrescentando que nada dizia dos literários, por não entender deles; mas os políticos eram excelentes, bem pensados e bem escritos. Respondi-lhe com iguais esmeros de cortesia, e separamo-nos contentes um do o outro. 

Cerca de três semanas depois recebi um convite dele para uma reunião íntima. Fui; Virgília recebeu-me com esta graciosa palavra: - O senhor hoje há de valsar comigo. 

— Em verdade, eu tinha fama e era valsista emérito; não admira que ela me preferisse. Valsamos uma vez, e mais outra vez. Um livro perdeu Francesca; cá foi a valsa que nos perdeu. Creio que nessa noite apertei-lhe a mão com muita força, e ela deixou-a ficar, como esquecida, e eu a abraçá-la e todos com os olhos em nós, e nos outros que também se abraçavam e giravam...Um delírio.






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Texto-fonte: 
Obra Completa, Machado de Assis, 
Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994. 


Publicado originalmente em folhetins, a partir de março de 1880, na Revista Brasileira.


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Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo XLVI / A herança

Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo XLVII / O recluso

Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo XLVIII / Um Primo de Virgília

Memórias Póstumas de Brás Cubas: A ponta do nariz: Capítulo XLIX / A ponta do nariz

Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo LI /É minha!





terça-feira, 23 de janeiro de 2018

histórias de avoinha: a pulícia e a política andam juntas

mulheres descalças


a pulícia e a política andam juntas

Ensaio 113B – 2ª edição 1ª reimpressão


baitasar





os quatro conversadô caminhava e parava pelo chão batido da terra se soltando, as conversa seguia misturada com as risada alta e satisfeita com a vida qui eles levava: dois comerciante fixo com lugá marcado pra vivê regulá, firme e seguro; e dois ambulante sem caminho certo pra vida, mais com liberdade pra saí e voltá, isso num tem preço

juca, o boticário farmacêutico, tirô do bolso do avental branco um estojo de ouro, pegô um cigarro e ofereceu o estojo prus trêis palestrante, só o traficante ambulante das terra dos pretu aceitô o cigarro

o maneco coxa agradeceu, mais ele só colocava na boca o fumo qui ele mesmo enrolava na páia. num era hômi de muntus capricho. uma das cisma era essa, o otro cuidado qui tinha com as própria vontade num vai nunca dizê. acha as pessoa muntu degenerada e com bisbilhotice demais pra entendê o seu gosto de durumí agarrado na sua égua, uma potranca do mais puro sangue índio. num conseguiu escapá, foi botá os óio e ficá arrebatado

nunca feiz pedido de casamento, laçô no campo e domô na barranca. um hábito qui aprendeu piquinino e feiz ela se prendê na sacola com os torrão de doçura. nas suas viajada das charqueada, pra cá e pra lá, ela ia atada na carreta dos boi acompanhando o cortejo, 
passo à passo. ninguém tinha autoridade pra montá na égua, muntu menos, alisá a cabelêra longa e acastanhada. nos caminho das charqueada, de tempos em tempos, ele oiava pra tráis e acenava pra sua venturosa, otras veiz, piscava um dos ôio. ele se achava um hômi de munta sorte. os dois nunca brigava e nunca se falava, um casal calmo como os morto, ela obedecia e ele montava

Não, Juca. Obrigado.

Fica na sua vontade, Maneco.

Prefiro fazer o cigarro no meu capricho. Não consigo me habituar com o gosto afeminado, prefiro o gosto forte do fumo de corda.

o joca dos lampião tumbém agradeceu, mais num pegô. o ambulante traficante dos pretu foi o único qui aceitô o oferecimento e pegô carona com o fogo qui o juca usô, deu uma tragada funda e pareceu encontrá o gosto mais bão na fumaça

Pois eu, meus amigos, não vejo hora de acomodar o esqueleto e fixar moradia com meus móveis e os sons próprios que hoje me soam estranhos.

E o amigo não acha estranho ter esses pensamentos depois de tanto brilho no seu trabalho?

Minha estranheza é pelo descostume com esses seus fazeres diários. Não sei se vou conseguir viver como os amigos vivem. Não tanto como vosmecê, falô na direção do maneco coxa, que a sua e a minha lida são muito parecidas: carregar carne de um lugar para o outro. Mas confesso, hoje me parece estranho sentar na rede da sala, fumando um cigarro, bebendo um vinho caprichado, ter conversas animadas e descomplicadas ou brincar com os netos os assuntos da professorinha com as crianças. Hoje, parar seria como tirar a sorte, renunciar a adaga até não sair mais da cama. Não pensei que um dia iria me acomodar em 
ler os jornais para saber das mentiras.

Mas isso pode ser melhorado.

Eu sei, Juca. Outra vontade que espero realizar é deitar ao pé do fogão das lenhas com duas ou três negrinhas.

Já se vê que o sinhô Domingos Jorge tem faro e bom gosto.

Não penso renunciar de empunhar minha adaga.

numa das ponta do quadrado da conversa, o maneco coxa coçava a barba quase descontrolada, as unhas dos dedos suja de terra, esterco e carne, acompanhava as palavra do traficante dos pretu como vigiava as carnes salgada no varal, antes do embarque na carreta dos boi ou enquanto esfregava e amarrava a charrua com um tapa carinhoso nas duas anca cô da cuia

num parecia tá assustado, mais precisava saí daquela agonia apertada

Mas se Domingos Jorge parar... quem irá fazer o seu trabalho?

o noviço na villa num pareceu ficá incomodado com a bajulação, eles ainda num sabia qui ele bebia muntu e usava da enganação pra engordá a sacola das moeda, dava jeito de roubá um ou otro pretu pra oferecê como retomado o fujão qui num tinha fugido. um herói de fajuta, mais a bem da verdade, o bandido era de briga e debochado, num tinha medo dos escondedouro ou toca, um dos meió pulícia pra procurá esconderijo de pretu

Não sei, sinhô Maneco. Mas já sinto o peso do tempo arrastando meus pés, cada dia, pouco a pouco, um pingo mais puxado e demorado.

os quatro desmanchô o quadrado da conversa pra voltá a descê fazendo uma linha deaprumo, lado com lado, cadum deu quatro ou cinco passo levando junto 
os pensamento qui tinha, Não acredito que um caçador da vossa importância vai virar fazendeiro!

o maneco coxa sabia vê diferença entre os dois jeito de vivê, mais ele é o detetive caçadô qui sabe se instalá nos pensamento dos otro. ele ensina os otro creditá na própria bondade e no mundo criado por eles com a sua proteção. uma combinação de doença, cura e culpa mais a coragem dele qui se ajusta no resguardo dos otro, O melhor jeito de ensinar é punindo, arrematô o maneco as própria palavra

Meus amigos, as pessoas querem ter coisas, bichos, índios e negros, elas precisam mostrar essas mercadorias para outras pessoas. Eu também quero ter a posse de tudo isso. Eu quero a minha parte. Fodam-se os criolos com as suas choradeiras, somos os donos da terra. O senso moral é o nosso, as leis são as nossas! A polícia é nossa, as armas são nossas, os padres são nossos! Os políticos são nossos! Já vai longe o tempo que se trocou criolo por garrafa de aguardente, e que nunca algum criolo sente em nossa presença ou use sapato! E caso um dos amigos não faça a pergunta, por medo ou algo parecido, eu respondo: sou a favor da libertação dos criolos na velhice, ficar com os criolos na velhice, por quê? É um tempo só de incomodação, os ôio do viajante num parava num lugá só, tava ansioso, procurava o alívio do leito clandestino da cama das escrava, oiava as preta qui subia e descia


ele adorava mostrá seu mau comportamento

Pegaram! Pegaram!

os quatro se oiô, cada um tinha um ôio risonho e otro alvoroçado, qui gostava de dá viva pras boa notícia ou sentença de morte dalgum pretu, eles num conseguia disfarçá o sorriso discreto. num teve nada combinado nem eles levantô a voz ou perdeu o comedimento, mais eles deu junto um murmúrio de alívio, Já estava na hora da vida na Villa voltar a ser o que sempre foi.

mais prus pretu era preciso achá uma otra vida, Onde, abicu?

No trapiche...

as palavra voando e zoando feito doidas, nada parecia abalá os quatro palestrante. os dois comerciante firme, regulá e seguro consultô o relógio qui eles carregava no bolso do colete feito da mesma pele do chicote, Bem, muito bem, na hora...

o maneco qui num carrega relógio e nem bolso ergueu as vista pru céu, Não carece de carregá peso acessório para saber da hora. Logo, a Villa se acalma e começam as histórias que as bocas inventam sobre o que os olhos não viram, esticô as atenção pra posição do sol, ali, na volta da praça, naquele caos de terra e grito histérico, sentiu saudade dos agarramento com a sua charrua em noite estrelada

desespero e esterco

lá prus lado do beco do fanho, um pretu trotava ligêro, seguia atormentado por um piá com um chicote em punho enquanto, mais perto, alguém muntu perturbado tocava piano, tudo parecia desajustado, confuso e civilizado

Hoje, a música da mocinha não parece estar acertada com o piano.

os dedos estalava o piano do mesmo jeito qui as tira do chicote lascava o pretu

Isso acontece em dias como esse... la verdad es que no hay nada que hacer, la chica está en sus días de sangrado.

os quatro soltô a risada qui relincha e se misturô com o portunhol do maneco

Ah! Coitado do piano!

Esse Maneco...

coitado do pretu qui seguiu sendo atormentado, pedí otro abicu pra acompanhá e socorrê o acontecido

Vejam aquele piá, tão pequeno e com manejo de gente grande com o chicote.

Um bom pai ensina o manejo do chicote antes do piá alcançá tamanho para pegar no relho.

Bobagem, meus amigos. A prática é o melhor professor... repetir, repetir e repetir, até o chicote ser a extensão da mão, combinando todos os movimentos. Começar cedo pode ajudar, mas se não tiver a repetição de nada vai adiantar.

um relincho sem elegância, um riso com mau gosto, desumano, a cobiça de sê dono dos sangramento da natureza e do castigo, uma deseducação de humanidade

E vosmecê, Maneco...

O que tem eu?

Parece ser o único que não tem problemas com esses sangramentos selvagens...

o maneco coxa ficô da tintura do sangramento mais brabo qui já viu brotá dum índio degolado. o seu caso de amô com a venturosa charrua num parecia tá escondido e fora do alcance das língua de trapo. o assunto ficô sem tê graça pru maneco. ele deu dois passo na direção do rebuliço, voltô a atenção pras palavra dita no quiprocó da praça, Chama... mãinha! Chama a Cavalaria!

Fumaça! Cadê Xangô? Cadê Xangô?

o piano desajustado, os chamado da preta liberata, o chicote estatelando em tiras no pretu trotando, as súplica, as risada do mau gosto, os grito desgarrado, tudo foi ajuntado na praça, Deixa eu cuspir no criolo!

num é qui a maldade num existia, ela tava esparramada pelos canto da villa, mais é nos dia como esse qui tudo se encontrava

os quatro tinha simpatia pela caçada feita, mais tumbém pensava no desperdício de tempo e lucro perdido enquanto toda villa ficá metida dos pé inté a cabeça no acossamento e procura do pretu, Essa apuração toda está além da hora. Ninguém vai ter indenização pelo tempo perdido sem lucro, de todo jeito, é preciso esperá o desfecho

É preciso ter calma, Juca.

Eu sei, a polícia e a política andam juntas.

Isso, Juca.

Não quero problemas, Joca.

a medida e a envergadura do ruído das palavra dos dois hômi ficô doente com a doença do medo e falta do ânimo, dois vício dos batizado na villa. eles num queria testá o jeito qui a pulícia e a política se misturava, eles leva jeito de sabê das mistura, Nem eu quero. Acabei de chegar e fui muito bem recebido pelos senhores, mas como poderão existir pessoas de bem da Villa sem a polícia e a política? É preciso separar o joio do trigo. 
Um serviço que também é dos padres...

os trêis oiô grosso pru forastêro recém-chegado, eles pareceu descobrí qui num tava satisfeito com os anúncio dado pelo estrangêro. o maneco coxa, namoradô da venturosa de nome charrua, já tinha perdido o tom avermeiado na cara de tropêro, purguntô pru estrangêro com seu jeito de brutalizá a charrua, Pois vosmecê não declarou com clareza de intenção por que veio com os seus costados até esse final do mundo...

o recente na villa num pareceu tê ficado desconfortado, encantava misteriosamente os trêis, parecia sê do tipo qui nunca abandona seus pensamento, seja pras coisa boa, seja pras armadilha do ruim, Pois vim cá abrir uma banca.

os trêis se oiô e puruguntô junto, Comerciante do quê?

o puruguntado parecia tá mais divertido qui aborrecido, Não, não é nada disso.

os trêis feiz otra tentativa, Advogado?!

o estrangêro soltô um riso escancarado, mais num recuô nehum tanto de nada, o riso parecia saído das treva como os latido da cachorrada nas noite desestrelada, Não... não, mais riso e tosse, gostava de prolongá o sofrimento e a bisbilhotice, eu fui convidado para abrir uma banca que captura os africanos fujões. Um serviço de delegado para controlar os criolos.

Um capitão-do-mato estrangeiro!

Não é bem isso, ou como queiram... não é só isso. Conheço os negros da África e isso pode ajudar nas conversas com os negros de bem: criolos que não estão contrariados com a escravidão e veem na escravidão a possibilidade de uma vida melhor que na África.

Ora, ora... vivi para ver isso. A nossa Villa está progredindo. A lei e a conversa mole quer dar um fim nos africanos fujões.

o juca num escondeu sua satisfação com a cruzada qui o estrangêro recém-chegado anunciô, mais pru joca tinha uma purugunta qui num foi respondida, uma interrogação qui faz ele coçá a barriga com o cotovelo, E quem vai lhe pagar?

pru traficante pulícia num tinha purugunta qui ele deixava sem resposta com verdade ou mentira

A autoridade pública vai pagar por meus serviços. Não esqueçam das suas palavras: polícia e política andam juntas. Mas não se preocupem, os meus serviços não serão burocratas. Todos sabem como minha família é apaixonada por caçadas, mas também vou ficar atento com as brigas de negros bêbados e o abigeto de sempre dos criolos, feiz um piquinino silêncio antes de recomeçá falá, peço aos senhores discrição até o anúncio oficial.

Pode contar conosco...

isso ia fazê sensação na villa, pensô o joca, mais era assunto pra depois do fim daquele nervosismo na beirada do rio junto com o defunto seguro e morto do negro

... a polícia e a política são irmãs da nossa família.

E o padre...

Isso, o padre também.






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Capítulo 4


21. "É certo que matei"



  À TARDE, os grandes ventiladores continuavam a agitar a atmosfera espessa da sala, como os leques multicolores dos jurados continuavam a ser abanados na mesma direção. O discurso do meu advogado parecia não ter fim. Num momento dado, no entanto, ouvi-o dizer: "É certo que matei". Depois prosseguiu no mesmo tom, dizendo "eu", cada vez que falava de mim. Eu estava muito admirado. Debrucei-me para um dos polícias e perguntei-Lhe porquê. Mandou-me calar e, instantes depois, acrescentou: "Todos os advogados fazem o mesmo". Mas a mim, parecia-me que isso era afastar-me ainda um pouco mais do caso, reduzir-me a zero e, de um certo ponto de vista, substituir-se à minha pessoa. O certo é que eu, no fim de contas, estava já muito longe deste tribunal. O meu advogado, aliás, pareceu-me ridículo. Depois de ter falado rapidamente da provocação, pôs-se igualmente a falar da minha alma. Mas creio que tinha muito menos talento do que o procurador. "Também eu, afirmou, me debrucei sobre esta alma, mas ao contrário do eminente representante do Ministério Público, encontrei alguma coisa e posso dizer que li como num livro aberto". Lera que eu era um bom homem, um trabalhador metódico, infatigável, fiel à casa que me empregava, amado por todos, comparticipando das misérias dos outros. Para ele, eu era um filho modelo, que sustentara a mãe até mais não poder. Finalmente, esperara que uma casa de recolhimento desse à velha senhora o conforto que os meus meios não permitiam oferecer-lhe. "Muito me espanto, acrescentou, que tenham feito tanto barulho em volta desse asilo. Porque afinal, se fosse preciso dar uma prova da utilidade e da grandeza destas instituições, teríamos que acentuar que são subvencionadas pelo próprio Estado". 

Não falou, porém, no enterro e eu senti que isto era uma lacuna da defesa. Mas por causa de todas estas extensas frases, de todos estes dias e horas intermináveis durante os quais tanto se tinha falado da minha alma, tive a impressão que tudo se transformava como que numa água incolor que me causava vertigens. 

Para o fim, lembro-me unicamente de que na rua e através de todo o espaço das salas e das tribunas, enquanto o meu advogado continuava a falar, eu ouvia a buzina do vendedor de gelados. Assaltaram-me as recordações de uma vida que já não me pertencia, mas onde encontrara as mais pobres e as mais tenazes das minhas alegrias: odores do verão, do bairro que eu amava, um certo céu ao anoitecer, o riso e os vestidos de Maria. Tudo quanto neste lugar eu fazia de inútil subiu-me então à garganta e só tive uma pressa: acabar depressa com isto e voltar à minha cela, onde ia poder dormir. Mal ouvi o advogado gritar, para concluir, que os jurados não quereriam certamente condenar à morte um trabalhador honesto, perdido por um minuto de desvario, e pedir as circunstâncias atenuantes para um crime cujo remorso eterno, o mais severo dos castigos, eu trazia já comigo. O tribunal suspendeu a audiência e o advogado sentou-se, com um ar estafado. Mas os colegas foram nesta altura apertar-lhe a mão. 

Ouvi: 

"Esplêndido, meu caro". Um deles voltou-se mesmo para mim, como a pedir a minha opinião: "Hem?" Assenti, mas não era sincero, porque estava extremamente cansado. 

No entanto a hora declinava, lá fora, e o calor não era tão grande. A certos barulhos da rua que chegavam até mim, adivinhava já a doçura do fim de tarde. Estávamos ali, todos, à espera. E o que esperávamos todos juntos, na realidade só me dizia respeito a mim. Voltei a olhar para a sala. 

Estava tudo no mesmo estado do primeiro dia. 

Cruzei com os olhares do jornalista de cinzento e da mulher-autômato. Isto lembrou-me que, durante todo o processo, não olhara uma única vez para Maria. Não a esquecera, mas estivera muito ocupado. Estava entre Celeste e Raimundo. Fez-me um pequeno sinal, como se dissesse: "Enfim!" e vi surgir um sorriso, na sua cara ansiosa. Mas sentia-me com o coração fechado, e nem sequer fui capaz de lhe corresponder ao sorriso. 

Os juízes regressaram. Leram aos jurados, muito depressa, uma série de pontos principais do processo. Ouvi "culpado de crime"... "provocação"... "circunstâncias atenuantes". Os jurados saíram e levaram-me para a salinha onde já tinha estado à espera. O meu advogado veio ter comigo: estava muito eloquente e falou-me com mais confiança e mais cordialidade do que nunca. Pensava que tudo correria bem e que me sairia com alguns anos de prisão. Perguntei-lhe se havia probabilidades de derrogação, no caso de uma sentença desfavorável. Respondeu que não. A tática que seguira, fora a de não indispor o júri. Explicou-me que não se derroga um processo sem mais nem menos, por nada! Isto pareceu-me evidente e inclinei-me diante destas razões. Considerando friamente a coisa, era perfeitamente natural. Caso contrário, haveria uma sobrecarga de papeladas inúteis. "De todos os modos, disse-me o meu advogado, pode-se apelar. Mas estou convencido de que o desfecho será favorável". 

Esperamos muito tempo, julgo que bem uns três quartos de hora: Ao fim deste tempo, retiniu a campainha. O meu advogado deixou-me, dizendo: "O presidente do júri vai ler as respostas. Só o mandarão entrar quando a sentença for pronunciada". Ouviram-se portas a bater. Corriam pessoas por escadas abaixo, não sei se longe, se perto de onde eu estava. Depois escutei uma voz surda ler qualquer coisa na sala. Quando a campainha tocou e que a porta se abriu, subiu até mim o silêncio da sala, o silêncio e a singular sensação que experimentei quando olhei para o jovem jornalista e reparei que pela primeira vez afastava os olhos de mim. Não olhei para o lado de Maria. Não tive tempo, aliás, pois o presidente disse-me de um modo estranho que me cortariam a cabeça numa praça pública em nome do povo francês. Pareceu-me então reconhecer o sentimento que lia em todas as caras. Julgo que era a consideração. Os polícias mostravam-se muito amáveis comigo. O advogado pôs-me a mão num pulso. Já não conseguia pensar. Mas o presidente perguntou se eu queria declarar alguma coisa. Refleti. Disse: "Não". Foi então que me levaram.





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A Constatação do Absurdo

Nascido e criado entre contrastes fundamentais, Albert Camus desde cedo aprendeu que a miséria engendra uma solidão que lhe é típica, uma austeridade toda sua, uma desconfiança da vida - mas a paisagem desperta uma rica sensualidade, uma eufórica sensação de onipotência, um orgulho desmedido de possuir a beleza inteiramente gratuita. Este aprendizado, feito a meio caminho entre a miséria e o sol, levou-o à consciência do que existe de mais trágico na condição humana: o absurdo, essa irremediável incompatibilidade entre as aspirações e a realidade.


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Camus, Albert, 1913-1960.
              O Estrangeiro
Título Original L'Étranger
Tradução de António Quadros
Edição Livros do Brasil
Lisboa
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Leia também:

17.O Estrangeiro: A prisão - Albert Camus

18.O Estrangeiro: O meu interrogatório começou quase imediatamente - Albert Camus

19.O Estrangeiro: Tudo é verdade e nada é verdade - Albert Camus

20.O Estrangeiro: E como tal deverá ser castigado - Albert Camus

22.O Estrangeiro: O meu coração faria o resto - Albert Camus


1.O Estrangeiro: Hoje, minha mãe morreu - Albert Camus




segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Dançando com o coração - Autumn Miller

A Dança Contemporânea, Moderna, de Rua, Clássica...






Isso aqui não é uma festa?
Então, vamos dançar!


porque dançar na rua é isso...
                    flutuar desenhos coloridos com o próprio corpo
ah, o corpo...
                   quanto pecado para hipócritas
e quanta graça humana para o ballet...
                   prefiro o ballet de rua aos hipócritas
sempre...

porque dançar é isso...
                   grafitar desenhos coloridos com o próprio corpo
ah, o corpo...
                   quanto pecado para hipócritas
e quanta vida para o ballet...
                   prefiro a vida aos hipócritas









Choreography by Mark Meismer at the BREA SPACE. www.thebreaspace,com Autumn Miller's passion for Dance is so complemented with Marks' Passion for Teaching. A beautiful combination.





Autumn Miller
2017



A new Friday Freestyle from Autumn MIller at the Brea Space we do not own the rights to the music





Land Of All 
- contemporary dance - MN DANCE COMPANY



After some time we are uploading a contemporary dance film. This one it is really special to us and we hope you will like it. We felt inspired by this song performed by WOODKID, called LAND OF ALL.

Music: « Land Of all » performed by Woodkid From « Desierto » Soundtrack Album Courtesy of Green United Music https://woodkid.lnk.to/desierto

Filmed and edited by: Giuseppe Ippolito https://www.facebook.com/giuseppeippo...

Choreography, Concept and Dance: MN Dance Company / Michal Rynia and Nastja Bremec



19. O Guardador de Rebanhos - XIX - O Luar - Alberto Caeiro

Fernando Pessoa





XIX - O Luar 




O luar quando bate na relva 
Não sei que cousa me lembra... 
Lembra-me a voz da criada velha 
Contando-me contos de fadas. 
E de como Nossa Senhora vestida de mendiga 
Andava à noite nas estradas 
Socorrendo as crianças maltratadas ...

Se eu já não posso crer que isso é verdade, 
Para que bate o luar na relva?




XX - O Tejo é mais Belo 



O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, 
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios 
E navega nele ainda, 
Para aqueles que veem em tudo o que lá não está, 
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha 
E o Tejo entra no mar em Portugal. 
Toda a gente sabe isso. 
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia 
E para onde ele vai 
E donde ele vem. 
E por isso porque pertence a menos gente, 
É mais livre e maior o rio da minha aldeia. 

Pelo Tejo vai-se para o Mundo. 
Para além do Tejo há a América 
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além 
Do rio da minha aldeia. 

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada. 
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.




XXI - Se Eu Pudesse 


Se eu pudesse trincar a terra toda 
E sentir-lhe uma paladar, 
Seria mais feliz um momento ... 
Mas eu nem sempre quero ser feliz. 
É preciso ser de vez em quando infeliz 
Para se poder ser natural...

Nem tudo é dias de sol, 
E a chuva, quando falta muito, pede-se. 
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade 
Naturalmente, como quem não estranha 
Que haja montanhas e planícies 
E que haja rochedos e erva ... 

O que é preciso é ser-se natural e calmo 
Na felicidade ou na infelicidade, 
Sentir como quem olha, 
Pensar como quem anda, 
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre, 
E que o poente é belo e é bela a noite que fica... 

Stendhal - O Vermelho e o Negro: Um Prefeito

Stendhal - O Vermelho e o Negro



Livro I

A verdade, a áspera verdade. 
Danton 


Capítulo II

UM PREFEITO



A importância, senhor, não é nada? O respeito dos tolos, o assombro das crianças, a inveja dos ricos, o desprezo do sábio. 
BARNAVE




FELIZMENTE PARA A reputação do sr. de Rênal como administrador, um imenso muro de sustentação era necessário ao passeio público que costeia a colina a uma centena de pés acima do curso do Doubs, e que deve a essa admirável posição uma das vistas mais pitorescas da França. Mas, a cada primavera, as águas da chuva sulcavam o passeio, nele abrindo ravinas e tornando-o impraticável. Esse inconveniente, sentido por todos, pôs o sr. de Rênal na feliz necessidade de imor​talizar sua administração por um muro de seis metros de altura e trinta ou quarenta toesas [1] de comprimento. 

O parapeito desse muro, para o qual o sr. de Rênal teve de fazer três viagens a Paris, pois o penúltimo ministro do Interior havia se declarado inimigo mortal do passeio de Verrières, o parapeito desse muro eleva-se agora a uma altura de 1,20 metros do solo. E, como para desafiar todos os ministros presentes e passados, é guarnecido neste momento com lajes de pedra de cantaria. 

Quantas vezes, pensando nos bailes de Paris abandonados na véspera, e com o peito apoiado contra esses grandes blocos de pedra de um belo cinza puxando para o azul, meus olhares mergulharam no vale do Doubs! À distância, na margem esquerda, serpenteiam cinco ou seis vales no fundo dos quais o olhar distingue perfeitamente pequenos riachos. Depois de terem corrido de cascata em cascata, vêmo-los caírem no Doubs. O sol é muito quente nessas montanhas; quando brilha a pino, o devaneio do viajante é abrigado nesse terraço por magníficos plátanos. Seu crescimento rápido e seu belo verdor puxando para o azul devem-se à terra trazida, que o sr. prefeito mandou colocar atrás do imenso muro de sustentação, pois, apesar da oposição do conselho municipal, ele ampliou o passeio em mais de 1,80 metros (embora ele seja conservador e eu liberal, louvo-o por essa medida); eis por que, em sua opinião e na do sr. Valenod, o feliz diretor do asilo de mendicidade de Verrières, esse terraço pode sustentar a comparação com o de Saint-Germain-en-Laye. 

Quanto a mim, só vejo uma coisa a censurar no PASSEIO DA FIDELIDADE; lê-se esse nome oficial em quinze ou vinte pontos, em placas de mármore que valeram uma medalha a mais ao sr. de Rênal; o que eu reprovaria ao Passeio da Fidelidade é a maneira bárbara pela qual a autoridade manda cortar e podar quase ao extremo esses vigorosos plátanos. Em vez de se assemelharem, por suas copas baixas, redondas e achatadas, à mais vulgar das árvores de quintal, seria melhor que tivessem aquelas formas magníficas que possuem na Inglaterra. Mas a vontade do sr. prefeito é despótica, e duas vezes por ano todas as árvores pertencentes à comuna são impiedosamente amputadas. Os liberais da localidade afirmam, mas exageram, que a mão do jardineiro oficial tornou-se bem mais severa depois que o sr. vigário Maslon adquiriu o hábito de apoderar-se dos produtos da poda. 

Esse jovem eclesiástico foi enviado de Besançon, há alguns anos, para vigiar o abade Chélan e alguns curas dos arredores. Um velho cirurgião-mor do exército da Itália, reformado em Verrières, e que era ao mesmo tempo, segundo o sr. prefeito, jacobino e bonapartista, ousou um dia queixar-se a ele da mutilação periódica dessas belas árvores. 

– Gosto da sombra, respondeu o sr. de Rênal com o tom de voz conveniente quando se fala a um cirurgião, membro da Legião de Honra; gosto da sombra, mando cortar minhas árvores para que deem sombra, e não concebo que uma árvore seja feita para outra coisa, mesmo quando, ao contrário da útil nogueira, ela não proporciona lucro

Eis a grande frase que decide tudo em Verrières: PROPORCIONAR LUCRO. Por si só ela representa o pensamento habitual de mais de três quartas partes dos habitantes. 

Proporcionar lucro é a razão que decide tudo nessa pequena cidade que vos parecia tão bonita. O forasteiro que chega, seduzido pela beleza dos frescos e profundos vales que a circundam, imagina de início que seus habitantes são sensíveis ao belo; falam com insistência da beleza de sua terra: não se pode negar que dão importância a isso; mas é porque ela atrai alguns forasteiros cujo dinheiro enriquece os estalajadeiros, o que, pelo mecanis​mo de tributos municipais, proporciona lucro à cidade

Por um belo dia de outono, o sr. de Rênal passeava pelo Passeio da Fidelidade, de braço dado com sua mulher. Enquanto escutava o marido falar com um ar grave, o olhar da sra. de Rênal seguia com inquietude os movimentos de três garotos. O mais velho, que podia ter onze anos, aproximava-se seguidamente do parapeito e fazia menção de nele subir. Uma voz doce pronunciava então o nome Adolphe, e a criança renunciava a seu projeto ambicioso. A sra. de Rênal parecia ter uns trinta anos, mas era ainda bastante bonita. 

– Ele ainda vai se arrepender, esse janota de Paris, dizia o sr. de Rênal com um ar ofendido e a face mais pálida que de costume. Tenho alguns amigos no palácio... 

Mas, embora eu queira vos falar da província durante duzentas páginas, não cometerei a barbárie de vos fazer suportar a extensão e os sábios rodeios de um diálogo de província. 

Esse janota de Paris, tão odiado pelo prefeito de Verrières, não era senão o sr. Appert, que, dois dias antes, encontrara o meio de introduzir-se não apenas na prisão e no asilo de mendicidade de Verrières, mas também no hospital administrado gratuitamente pelo prefeito e os principais proprietários da localidade. 

– Mas, dizia timidamente a sra. de Rênal, que mal pode lhe fazer esse senhor de Paris, se você administra os bens dos pobres com a mais escrupulosa probidade? 

– Ele vem apenas para espalhar a reprovação, e a seguir fará inserir artigos nos jornais do liberalismo. 

– Você jamais os lê, meu caro. 

– Mas nos falam desses artigos jacobinos; tudo isso nos distrai e nos impede de fazer o bem.[2] Quanto a mim, jamais perdoarei o cura.


[1] Sessenta ou oitenta metros. (N.T.)

[2] Histórico.



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ADVERTÊNCIA DO EDITOR
Esta obra estava prestes a ser publicada quando os grandes acontecimentos de julho [de 1830] vieram dar a todos os espíritos uma direção pouco favorável aos jogos da imaginação. Temos motivos para acreditar que as páginas seguintes foram escritas em 1827.


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Henri-Marie Beyle, mais conhecido como Stendhal (Grenoble, 23 de janeiro de 1783 — Paris, 23 de março de 1842) foi um escritor francês reputado pela fineza na análise dos sentimentos de seus personagens e por seu estilo deliberadamente seco.

Órfão de mãe desde 1789, criou-se entre seu pai e sua tia. Rejeitou as virtudes monárquicas e religiosas que lhe inculcaram e expressou cedo a vontade de fugir de sua cidade natal. Abertamente republicano, acolheu com entusiasmo a execução do rei e celebrou inclusive a breve detenção de seu pai. A partir de 1796 foi aluno da Escola central de Grenoble e em 1799 conseguiu o primeiro prêmio de matemática. Viajou a Paris para ingressar na Escola Politécnica, mas adoeceu e não pôde se apresentar à prova de acesso. Graças a Pierre Daru, um parente longínquo que se converteria em seu protetor, começou a trabalhar no ministério de Guerra.

Enviado pelo exército como ajudante do general Michaud, em 1800 descobriu a Itália, país que tomou como sua pátria de escolha. Desenganado da vida militar, abandonou o exército em 1801. Entre os salões e teatros parisienses, sempre apaixonado de uma mulher diferente, começou (sem sucesso) a cultivar ambições literárias. Em precária situação econômica, Daru lhe conseguiu um novo posto como intendente militar em Brunswick, destino em que permaneceu entre 1806 e 1808. Admirador incondicional de Napoleão, exerceu diversos cargos oficiais e participou nas campanhas imperiais. Em 1814, após queda do corso, se exilou na Itália, fixou sua residência em Milão e efetuou várias viagens pela península italiana. Publicou seus primeiros livros de crítica de arte sob o pseudônimo de L. A. C. Bombet, e em 1817 apareceu Roma, Nápoles e Florença, um ensaio mais original, onde mistura a crítica com recordações pessoais, no que utilizou por primeira vez o pseudônimo de Stendhal. O governo austríaco lhe acusou de apoiar o movimento independentista italiano, pelo que abandonou Milão em 1821, passou por Londres e se instalou de novo em Paris, quando terminou a perseguição aos aliados de Napoleão.

"Dandy" afamado, frequentava os salões de maneira assídua, enquanto sobrevivia com os rendimentos obtidos com as suas colaborações em algumas revistas literárias inglesas. Em 1822 publicou Sobre o amor, ensaio baseado em boa parte nas suas próprias experiências e no qual exprimia ideias bastante avançadas; destaca a sua teoria da cristalização, processo pelo que o espírito, adaptando a realidade aos seus desejos, cobre de perfeições o objeto do desejo.

Estabeleceu o seu renome de escritor graças à Vida de Rossini e às duas partes de seu Racine e Shakespeare, autêntico manifesto do romantismo. Depois de uma relação sentimental com a atriz Clémentine Curial, que durou até 1826, empreendeu novas viagens ao Reino Unido e Itália e redigiu a sua primeira novela, Armance. Em 1828, sem dinheiro nem sucesso literário, solicitou um posto na Biblioteca Real, que não lhe foi concedido; afundado numa péssima situação económica, a morte do conde de Daru, no ano seguinte, afetou-o particularmente. Superou este período difícil graças aos cargos de cônsul que obteve primeiro em Trieste e mais tarde em Civitavecchia, enquanto se entregava sem reservas à literatura.

Em 1830 aparece sua primeira obra-prima: O Vermelho e o Negro, uma crónica analítica da sociedade francesa na época da Restauração, na qual Stendhal representou as ambições da sua época e as contradições da emergente sociedade de classes, destacando sobretudo a análise psicológica das personagens e o estilo direto e objetivo da narração. Em 1839 publicou A Cartuxa de Parma, muito mais novelesca do que a sua obra anterior, que escreveu em apenas dois meses e que por sua espontaneidade constitui uma confissão poética extraordinariamente sincera, ainda que só tivesse recebido o elogio de Honoré de Balzac.

Ambas são novelas de aprendizagem e partilham rasgos românticos e realistas; nelas aparece um novo tipo de herói, tipicamente moderno, caracterizado pelo seu isolamento da sociedade e o seu confronto com as suas convenções e ideais, no que muito possivelmente se reflete em parte a personalidade do próprio Stendhal.

Outra importante obra de Stendhal é Napoleão, na qual o escritor narra momentos importantes da vida do grande general Bonaparte. Como o próprio Stendhal descreve no início deste livro, havia na época (1837) uma carência de registos referentes ao período da carreira militar de Napoleão, sobretudo a sua atuação nas várias batalhas na Itália. Dessa forma, e também porque Stendhal era um admirador incondicional do corso, a obra prioriza a emergência de Bonaparte no cenário militar, entre os anos de 1796 e 1797 nas batalhas italianas. Declarou, certa vez, que não considerava morrer na rua algo indigno e, curiosamente, faleceu de um ataque de apoplexia, na rua, sem concluir a sua última obra, Lamiel, que foi publicada muito depois da sua morte.



O reconhecimento da obra de Stendhal, como ele mesmo previu, só se iniciou cerca de cinquenta anos após sua morte, ocorrida em 1842, na cidade de Paris.

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Leia também: 

Stendhal - O Vermelho e o Negro: Uma pequena cidade
Stendhal - O Vermelho e o Negro: Um Prefeito
Stendhal - O Vermelho e o Negro: O Bem dos Pobres


domingo, 21 de janeiro de 2018

Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada (continuação)

 Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Vol 1


1
Estudos de Costumes 
- Cenas da Vida Privada



Prefácio à Comédia Humana
por Honoré de Balzac

(continuação)





A lei do escritor, o que faz que ele o seja, o que, não temo dizê-lo, o torna igual e talvez superior ao homem de Estado, é uma decisão qualquer sobre as coisas humanas, uma dedicação absoluta a princípios. Maquiavel, Hobbes, Bossuet, Leibniz, Kant, Montesquieu são a ciência que os homens de Estado aplicam. “Um escritor deve ter em moral e política opiniões definidas, deve considerar-se como um preceptor de homens; porquanto os homens não necessitam de mestres para duvidar”, disse Bonald.[20] Cedo adotei como regra essas grandes palavras, que são a lei do escritor monárquico, tanto quanto a do escritor democrático. Por isso, quando me quiserem opor a mim mesmo, isto decorrerá por fazerem má interpretação de alguma ironia, ou, então, reverter contra mim as palavras de uma das minhas personagens, manobra costumeira dos caluniadores. Quanto ao sentido íntimo, à alma desta obra, eis os princípios que lhe servem de base. 

O homem não é bom nem é mau; nasce com instintos e aptidões; a sociedade, longe de depravá-lo, como afirmou Rousseau, o aperfeiçoa, torna-o melhor; mas o interesse também desenvolve suas más tendências. O cristianismo, e sobretudo o catolicismo, sendo, como eu o disse em O médico rural, um sistema completo de repressão das tendências depravadas do homem, é o maior elemento de ordem social. 

Lendo atentamente o quadro da sociedade, moldado, por assim dizer, ao vivo, com todo o seu bem e todo o seu mal, tira-se daí a lição de que, se o pensamento, ou a paixão, a qual compreende o pensamento e o sentimento, é o elemento social, é também o elemento destruidor da sociedade. Nisto a vida social assemelha-se à vida humana. Só é possível dar longevidade aos povos moderando-lhes a ação vital. O ensino, ou melhor, a educação por associações religiosas, é, pois, o grande princípio de existência para os povos, o único meio de diminuir a soma do mal e de aumentar a soma do bem, em qualquer sociedade. O pensamento, princípio do mal e do bem, não pode ser preparado, domado e orientado a não ser pela religião. A única religião possível é o cristianismo. (Ver a carta escrita de Paris em Luís Lambert, na qual o jovem filósofo místico explica, a propósito da doutrina de Swedenborg, como nunca houve mais do que uma religião desde a origem do mundo.) O cristianismo criou os povos modernos, ele os conservará. Daí, sem dúvida, a necessidade do princípio monárquico. O catolicismo e a monarquia são dois princípios gêmeos. Quanto aos limites dentro dos quais esses dois princípios devem ser encerrados por instituições, a fim de não deixar que se desenvolvam de um modo absoluto, todos compreenderão que um prefácio tão sucinto quanto deve ser este não poderia tornar-se um tratado político. Por esse motivo não me aprofundarei nem nas dissensões religiosas nem nas dissensões políticas do momento. Escrevo à luz de duas verdades eternas: a religião e a monarquia, as duas necessidades que os acontecimentos contemporâneos proclamam e para as quais todo escritor de bom senso deve tentar fazer voltar a nossa terra. Sem ser inimigo da eleição, excelente princípio para constituir a lei, repilo a eleição considerada como único meio social; e principalmente tão mal organizada quanto o é hoje, porque não representa minorias importantes em cujas ideias e interesses pensaria um governo monárquico. A eleição generalizada a tudo nos dá o governo das massas, o único que não é responsável e no qual a tirania é ilimitada, porque se denomina a lei. Por isso considero a família, e não o indivíduo, como o verdadeiro elemento social. Sob esse ponto de vista, correndo embora o risco de ser considerado espírito retrógrado, enfileiro-me ao lado de Bossuet e de Bonald, em vez de ir com os inovadores modernos. Como a eleição se tornou o único meio social, se a ela devesse recorrer para mim mesmo, daí não se deveria inferir a menor contradição entre meus pensamentos e minhas ações. Um engenheiro pode declarar que determinada ponte está prestes a ruir, que há perigo para todos em utilizá-la, e não obstante ele a atravessa quando ela é o caminho único para chegar à cidade. Napoleão adaptara maravilhosamente a eleição ao gênio de nosso povo. Por isso, os menores deputados de seu Corpo Legislativo foram os mais célebres oradores das Câmaras na Restauração. Nenhuma câmara esteve à altura do Corpo Legislativo, comparando-os homem a homem. O sistema eletivo do Império é, pois, incontestavelmente o melhor. 

Algumas pessoas poderão achar alguma coisa de soberbo e de pretensioso nesta declaração. Procurarão rusga com o escritor pelo fato de ele querer ser historiador, pedir-lhe-ão os motivos de sua política. Obedeço aqui a um dever, eis a única resposta. A obra que empreendi terá a extensão de uma história; eu tinha a obrigação de dizer os seus motivos, ainda ocultos, seus princípios e sua moral. 

Necessariamente forçado a suprimir os prefácios publicados para responder às críticas essencialmente passageiras, não quero manter senão uma observação. 

Os escritores que têm uma finalidade, seja embora uma volta aos princípios que se acham no passado, justamente por serem eternos, devem sempre limpar o terreno. Ora, quem quer que traga sua contribuição para o domínio das ideias, quem quer que assinale um abuso, quem quer que anote um mal que deve ser suprimido, esse passará sempre por imoral. A censura por imoralidade, à qual jamais escapa um escritor corajoso, é, aliás, a última coisa que resta a fazer quando nada mais se tem de articular contra um poeta. Se fordes verdadeiro nas vossas pinturas; se à força de trabalhos diurnos e noturnos conseguirdes escrever a língua mais difícil do mundo, atiram-vos então em rosto a palavra imoral. Sócrates foi imoral, Jesus Cristo foi imoral. Ambos foram perseguidos em nome das sociedades que eles derrubavam ou reformavam. Quando querem matar alguém, acusam-no de imoralidade. Essa manobra, familiar aos partidos, é a vergonha de quantos a empregam. Lutero e Calvino bem sabiam o que estavam fazendo ao servir-se dos interesses materiais feridos, como de um escudo! Por esse motivo viveram todos os seus dias.[21] 

Ao copiar toda a sociedade, ao interpretá-la na imensidade das suas agitações, aconteceu, tinha de acontecer, que tal composição apresentasse mais de mal que de bem; que uma determinada parte do quadro representasse um grupo culpado: daí a crítica a bradar “imoralidade”, sem fazer observar a moralidade de outra parte destinada a formar um contraste perfeito. Como a crítica ignorava o plano geral, eu lhe perdoava tanto mais facilmente, atendendo a que não se pode impedir a crítica, como não se pode impedir o exercício da visão, da linguagem e do julgamento. De resto, ainda não soou para mim a hora da imparcialidade. Aliás, o autor que não sabe dispor-se a arrostar o fogo da crítica não deve escrever, da mesma forma que um viajante não se deve pôr a caminho contando com um céu perenemente sereno. Neste ponto, cumpre-me observar que os mais conscienciosos moralistas têm fortes dúvidas de que a sociedade possa oferecer tantas boas quantas más ações, e no quadro que dela faço encontram-se mais personagens virtuosas do que personagens censuráveis. As ações repreensíveis, as faltas, os crimes, dos mais leves aos mais graves, nele encontram sempre o castigo humano ou divino, ruidoso ou secreto. Fiz melhor do que o historiador, porque sou mais livre. Cromwell não sofreu, aqui na terra, outro castigo a não ser o que lhe impunha o pensador. E mesmo assim houve discussão entre escolas. O próprio Bossuet poupou aquele grande regicida.

Guilherme de Orange, o usurpador, Hugo Capeto, outro usurpador, morrem em plena velhice, sem ter tido mais desconfianças ou temores do que Henrique IV ou Carlos I. A vida de Catarina II e a de Luís XIV, postas em confronto, levariam a uma conclusão contra toda espécie de moral, se fossem julgadas sob o ponto de vista da moral que rege os particulares; pois para os reis, para os homens de Estado, há, como disse Napoleão, uma pequena e uma grande moral. As Cenas da Vida Política são baseadas nesta bela reflexão. A história não tem por lei, como o romance, propender para o belo ideal. A história é ou deveria ser o que foi; ao passo que o romance deve ser o mundo melhor, disse mme. Necker, um dos mais notáveis espíritos do século passado.[22] O romance, porém, nada seria se, nessa augusta mentira, não fosse verdadeiro nos pormenores, Obrigado a conformar-se às ideias de um país essencialmente hipócrita, Walter Scott foi falso, relativamente à humanidade, na pintura da mulher, porque seus modelos eram cismáticos. A mulher protestante não tem ideal. Pode ser casta, pura, virtuosa, mas seu amor sem expansão será sempre calmo e ordenado como um dever cumprido. Dir-se-ia que a Virgem Maria tivesse enregelado o coração dos sofistas que a exilavam do céu, a ela e aos seus tesouros de misericórdia. No protestantismo não há nada mais para a mulher após a falta, ao passo que na Igreja Católica a esperança do perdão a torna sublime. Por isso, para o escritor protestante só existe uma mulher, ao passo que o escritor católico encontra uma nova mulher em cada nova situação. Se Walter Scott tivesse sido católico, se se tivesse imposto a descrição verdadeira das diversas sociedades que se sucederam na Escócia, é possível que o pintor de Effie e de Alice (as duas personalidades que nos seus velhos dias ele se recriminou de haver esboçado) tivesse admitido as paixões, com as suas faltas e os seus castigos, com as virtudes que o arrependimento lhes indica. A paixão é toda a humanidade. Sem ela, a religião, a história, o romance, a arte seriam inúteis.





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Honoré de Balzac (Tours, 20 de maio de 1799 — Paris, 18 de agosto de 1850) foi um produtivo escritor francês, notável por suas agudas observações psicológicas. É considerado o fundador do Realismo na literatura moderna.[1][2] Sua magnum opus, A Comédia Humana, consiste de 95 romances, novelas e contos que procuram retratar todos os níveis da sociedade francesa da época, em particular a florescente burguesia após a queda de Napoleão Bonaparte em 1815.

Entre seus romances mais famosos destacam-se A Mulher de Trinta Anos (1831-32), Eugènie Grandet (1833), O Pai Goriot (1834), O Lírio do Vale (1835), As Ilusões Perdidas (1839), A Prima Bette (1846) e O Primo Pons (1847). Desde Le Dernier Chouan (1829), que depois se transformaria em Les Chouans (1829, na tradução brasileira A Bretanha), Balzac denunciou ou abordou os problemas do dinheiro, da usura, da hipocrisia familiar, da constituição dos verdadeiros poderes na França liberal burguesa e, ainda que o meio operário não apareça diretamente em suas obras, discorreu sobre fenômenos sociais a partir da pintura dos ambientes rurais, como em Os Camponeses, de 1844.[1] Além de romances, escreveu também "estudos filosóficos" (como A Procura do Absoluto, 1834) e estudos analíticos (como a Fisiologia do Casamento, que causou escândalo ao ser publicado em 1829).

Balzac tinha uma enorme capacidade de trabalho, usada sobretudo para cobrir as dívidas que acumulava.[1] De certo modo, suas despesas foram a razão pela qual, desde 1832 até sua morte, se dedicou incansavelmente à literatura. Sua extensa obra influenciou nomes como Proust, Zola, Dickens, Dostoyevsky, Flaubert, Henry James, Machado de Assis, Castelo Branco e Ítalo Calvino, e é constantemente adaptada para o cinema. Participante da vida mundana parisiense, teve vários relacionamentos, entre eles um célebre caso amoroso, desde 1832, com a polonesa Ewelina Hańska, com quem veio a se casar pouco antes de morrer.


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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)
(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

Balzac, Honoré de, 1799-1850. 
          A comédia humana: estudos de costumes: cenas da vida privada / Honoré de Balzac;                            orientação, introduções e notas de Paulo Rónai; tradução de Vidal de Oliveira; 3. ed. – São                  Paulo: Globo, 2012. 

          (A comédia humana; v. 1) Título original: La comédie humaine ISBN 978-85-250-5333-1                    0.000 kb; ePUB 

1. Romance francês i. Rónai, Paulo. ii. Título. iii. Série. 

12-13086                                                                               cdd-843 

Índices para catálogo sistemático: 
1. Romances: Literatura francesa 843

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[20] O visconde Louis-Gabriel Amboise de Bonald (1754 -1840) foi um dos defensores mais fervorosos das ideias monárquicas e católicas e um adversário combativo dos princípios da Revolução Francesa assim como da filosofia sensualista.

[21]Por esse motivo viveram todos os seus dias. Subentenda-se: e não morreram envenenados ou crucificados como Sócrates ou Jesus.

[22] Mme. Suzzanne Necker (1739 -1794), esposa do famoso banqueiro e ministro Jacques Necker, famosa por seu espírito; mãe de Madame de Staël.



Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada (final - Prefácio)


Edgar Allan Poe - Contos: Silêncio

Edgar Allan Poe - Contos



Silêncio
Título original: Siope
Publicado em 1832


«Escuta, disse-me o Demônio, pousando a mão sobre a minha cabeça. A terra a que me refiro é uma árida região na Líbia, nas margens do rio Zaire. E aí não há quietação nem silêncio. 


«As águas do rio têm uma doentia cor de açafrão; e não correm para o mar, mas, com um movimento tumultuoso e convulso, palpitam permanentemente sob o olho rubro do sol. Numa extensão de muitas milhas de um e doutro lado do lodoso rio alastra-se um lívido deserto de gigantescos nenúfares. Suspiram uns para os outros naquela solidão e estendem para o céu os compridos e lúgubres pescoços e baloiçam as eternas cabeças. E exala-se dentro deles um murmúrio indistinto, que lembra o rumorejar de águas subterrâneas. E suspiram uns para os outros. 

«O seu reino, porém, tem limite — a negra, horrível floresta de altas frondes. Aí, como as ondas nas Hébridas, a vegetação baixa jamais serena. Todavia, não sopra vento do céu. E as altas árvores não cessam de ramalhar com fragor. E, lá de cima, das suas grimpas caem, gota a gota, orvalhos eternos. Nas raízes enroscam-se-lhes, em agitado sono, flores estranhas e venenosas. E lá no alto, nuvens pardacentas correm com estrondo para Oeste, até em catadupas se despenharem por sobre o afogueado muro do horizonte. Mas não sopra vento do céu. E nas margens do Zaire não há quietação nem silêncio. 

«Era noite e a chuva caía; era chuva ao cair, mas era sangue, depois de caída. E eu estava de pé, no meio dos gigantescos nenúfares, e a chuva fustigava-me a cabeça — e os nenúfares suspiravam uns para os outros na solenidade da sua desolação. 

«E de repente, da ténue e lúgubre neblina, despontou a Lua, toda encarnada! E os meus olhos poisaram num enorme rochedo pardo que se erguia na margem do rio e era iluminado pelo luar. O rochedo era pardo, lúgubre, muito alto. Na frente do rochedo estavam gravados uns caracteres; e eu atravessei o pântano dos nenúfares até chegar à margem do rio a fim de ler os caracteres esculpidos na pedra. Não pude, porém, decifrá-los. E regressava para o pântano, quando um fulgor mais rubro da Lua me fez voltar de novo os olhos para o rochedo pardo e para os caracteres; e os caracteres diziam DESOLAÇÃO. 

«Ergui os olhos e vi um homem de pé na ponta do rochedo; e escondi-me entre os nenúfares para espiar o que o homem fazia. Era alto, imponente, envolto dos ombros aos pés na toga da velha Roma. Eram indistintos os contornos do seu vulto — as suas feições, porém, eram as feições de uma divindade; pois o manto da noite, da neblina, da Lua e do orvalho deixava-lhe a descoberto as feições do rosto. Tinha a fronte alta do pensador; via-se-lhe nos olhos a sombra dos cuidados; e nas poucas rugas que lhe sulcavam as faces eu li as fábulas da dor, do cansaço, do tédio da humanidade e um anseio de solidão. 

«O homem sentou-se no rochedo, apoiou a cabeça na mão e olhou para o ermo em volta. Olhou lá para baixo para os rumorejantes arbustos, e em seguida ergueu os olhos para as enormes árvores primitivas, ergueu-os mais ainda para o céu tumultuoso e para a Lua encarnada. E eu, alapado entre os nenúfares, espiava o que o homem fazia. E o homem tremeu na solidão; — mas a noite foi avançando, dissipou-se, por fim, e o homem sempre sentado no rochedo! 

«O homem desviou os olhos do céu e pousou-os na aridez do rio Zaire, nas águas amarelas e sinistras e nas pálidas legiões dos nenúfares. E escutou os suspiros dos nenúfares e o murmúrio que deles se exalava. E eu, do meu esconderijo, espiava o que o homem fazia. E o homem tremeu na solidão — mas a noite foi avançando, dissipou-se por fim, e o homem sempre sentado no rochedo! 

«Entranhei-me então no seio do pântano, meti-me por entre a imensidão dos nenúfares e chamei pelos hipopótamos que se acoitavam nos recessos do pântano. E os hipopótamos ouviram o meu apelo e, soltando feroz e medonhos rugidos, avançavam com o behemoth até o sopé do rochedo. 

«E eu, do meu esconderijo, espiava o que o homem fazia. E o homem tremeu na solidão; — mas a noite foi avançando, dissipou-se por fim, e o homem sempre sentado no rochedo! 

«Amaldiçoei então os elementos com o anátema do tumulto; e no céu, onde até aí não soprava vento, estralejou temerosa tempestade. O céu pôs-se lívido com a violência da tormenta — a chuva açoitava a cabeça do homem — o rio espumava em torrentes caudalosas—os nenúfares gritavam nos seus leitos — a floresta desfazia-se com o vendaval — ribombava o trovão — faiscavam os raios — o rochedo tremia na sua base. E eu, do meu esconderijo, espiava o que o homem fazia. E o homem tremeu na solidão; — mas a noite foi avançando, dissipou-se, por fim, e o homem sempre sentado no rochedo! 

«Então enfureci-me e amaldiçoei, com o anátema do Silêncio, o rio, os nenúfares, o vento, a floresta, o céu, o trovão e os suspiros dos nenúfares. E com a maldição tudo emudeceu e parou. A Lua estacou imóvel no céu, não se tornou a ouvir o ribombar do trovão, nunca mais faiscaram os raios, nunca mais se deslocaram as nuvens, as águas baixaram ao seu nível e, remansosas, aí se deixaram ficar, as árvores cessavam de ramalhar, não suspiraram mais os nenúfares, nenhum murmúrio deles se tornou a ouvir, nem uma sombra de som se ouviu mais em todo o vasto e intérmino deserto. 

«E olhei para os caracteres gravados no rochedo e vi que tinham mudado — diziam agora SILÊNCIO. 

«Fitei os olhos no rosto do homem — o terror empalidecera-o. E precipitadamente ergueu da mão a cabeça, pôs-se de pé e quedou-se à escuta. Mas do vasto deserto sem fim nenhuma voz lhe chegava aos ouvidos e os caracteres gravados no rochedo diziam SILÊNCIO. O homem, então, estremeceu, desviou o rosto e largou a fugir, e com tamanha pressa que nunca mais o vi.»



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Há belos contos nos volumes dos Magos — nos melancólicos volumes, encadernados em ferro, dos Magos. Há neles, digo, histórias gloriosas do Céu e da Terra e do potente Sol — e dos Gênios que governam o mar, a terra e o alto céu. Havia também muito saber nas falas das Sibilas; e coisas santas eram outrora ouvidas pelas escuras folhas que tremiam em volta de Dodona — mas, por Allah o juro, aquela fábula que o Demônio me contou, sentado a meu lado na sombra de um túmulo, tenho-a como a mais maravilhosa de todas! E quando deu por finda a sua narrativa, caiu para trás, para dentro da cavidade do túmulo e desatou a rir. Eu não pude rir com o Demônio, e então ele amaldiçoou-me por eu não poder rir. E o lince, que eternamente habita no túmulo, saiu e deitou-se aos pés do Demônio; encarando-o fixamente.




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Edgar Allan Poe (nascido Edgar Poe; Boston, Massachusetts, Estados Unidos, 19 de Janeiro de 1809 — Baltimore, Maryland, Estados Unidos, 7 de Outubro de 1849) foi um autor, poeta, editor e crítico literário estadunidense, integrante do movimento romântico estadunidense.[1][2] Conhecido por suas histórias que envolvem o mistério e o macabro, Poe foi um dos primeiros escritores americanos de contos e é geralmente considerado o inventor do gênero ficção policial, também recebendo crédito por sua contribuição ao emergente gênero de ficção científica.[3] Ele foi o primeiro escritor americano conhecido por tentar ganhar a vida através da escrita por si só, resultando em uma vida e carreira financeiramente difíceis.

Ele nasceu como Edgar Poe, em Boston, Massachusetts; quando jovem, ficou órfão de mãe, que morreu pouco depois de seu pai abandonar a família. Poe foi acolhido por Francis Allan e o seu marido John Allan, de Richmond, Virginia, mas nunca foi formalmente adotado. Ele frequentou a Universidade da Virgínia por um semestre, passando a maior parte do tempo entre bebidas e mulheres. Nesse período, teve uma séria discussão com seu pai adotivo e fugiu de casa para se alistar nas forças armadas, onde serviu durante dois anos antes de ser dispensado. Depois de falhar como cadete em West Point, deixou a sua família adotiva. Sua carreira começou humildemente com a publicação de uma coleção anônima de poemas, Tamerlane and Other Poems (1827).

Poe mudou seu foco para a prosa e passou os próximos anos trabalhando para revistas e jornais, tornando-se conhecido por seu próprio estilo de crítica literária. Seu trabalho o obrigou a se mudar para diversas cidades, incluindo Baltimore, Filadélfia e Nova Iorque. Em Baltimore, casou-se com Virginia Clemm, sua prima de 13 anos de idade. Em 1845, Poe publicou seu poema The Raven, foi um sucesso instantâneo. Sua esposa morreu de tuberculose dois anos após a publicação. Ele começou a planejar a criação de seu próprio jornal, The Penn (posteriormente renomeado para The Stylus), porém, em 7 de outubro de 1849, aos 40 anos, morreu antes que pudesse ser produzido. A causa de sua morte é desconhecida e foi por diversas vezes atribuída ao álcool, congestão cerebral, cólera, drogas, doenças cardiovasculares, raiva, suicídio, tuberculose entre outros agentes.

Poe e suas obras influenciaram a literatura nos Estados Unidos e ao redor do mundo, bem como em campos especializados, tais como a cosmologia e a criptografia. Poe e seu trabalho aparecem ao longo da cultura popular na literatura, música, filmes e televisão. Várias de suas casas são dedicadas como museus atualmente.


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Edgar Allan Poe

CONTOS

Originalmente publicados entre 1831 e 1849 2015



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Leia também:


Edgar Allan Poe - Contos: Metzengerstein

Edgar Allan Poe - Contos:  Um Manuscrito encontrado numa Garrafa





Silêncio (áudio-book)




Poe considerava este conto uma fábula. 
A história começa assim: ''Escuta - Disse o Demônio, pondo a mão sobre minha cabeça. A região de que falo é uma lúgubre região da Líbia.''
A seguir vem uma descrição detalhada da tal região. O único acontecimento desta história é o aparecimento de um homem estranho nesta região.
É uma das obras mais curtas e sinistras de Poe.

Adaptação e narração de Carlos Eduardo Valente 
Arte da capa por Erika Pessanha 
Música: Mix de músicas de Pianeiro