quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Não sei o que é o tempo

Fernando Pessoa / Bernardo Soares








"Não sei o que é o tempo. Não sei qual a verdadeira medida que ele tem, se tem alguma.A do relógio sei que é falsa: divide o tempo espacialmente, por fora. A das emoções sei também que é falsa: divide, não o tempo, mas a sensação dele. A dos sonhos é errada; neles roçamos o tempo, uma vez prolongadamente, outra vez depressa, e o que vivemos é apressado ou lento conforme qualquer coisa do decorrer cuja natureza ignoro.

Julgo, às vezes, que tudo é falso, e que o tempo não é mais do que uma moldura para enquadrar o que lhe é estranho. Na recordação, que tenho da minha vida passada, os tempos estão dispostos em níveis e planos absurdos, sendo eu mais jovem em certo episódio dos quinze anos solenes que em outro da infância sentada entre brinquedos.

Emaranha-se-me a consciência se penso nestas coisas. Pressinto um erro em tudo isto; não sei, porém, de que lado está. É como se assistisse a uma sorte de prestidigitação, onde, por ser tal, me soubesse enganado, porém não concebesse qual a técnica, ou a mecânica, do engano.

Chegam-me, então, pensamentos absurdos, que não consigo todavia repelir como absurdos de todo. Penso se um homem que medita devagar dentro de um carro que segue depressa está indo depressa ou devagar. Penso se serão iguais as velocidades idênticas com que caem no mar o suicida e o que se desequilibrou na esplanada. Penso se são realmente sincrónicos os movimentos, que ocupam o mesmo tempo, em os quais fumo um cigarro, escrevo este trecho e penso obscuramente.

De duas rodas no mesmo eixo podemos pensar que há sempre uma que estará mais adiante, ainda que seja fracções de milímetro. Um microscópio exageraria este deslocamento até o tornar quase inacreditável, impossível se não fosse real. E por que não há o microscópio de ter razão contra a má vista? São considerações inúteis? Bem o sei. São ilusões da consideração? Concedo. Que coisa, porém, é esta que nos mede sem medida e nos mata sem ser? E é nestes momentos, em que nem sei se o tempo existe, que o sinto como uma pessoa, e tenho vontade de dormir."



Bernardo Soares / Fernando Pessoa, em "Livro do Desassossego"

sábado, 27 de dezembro de 2014

A obra de arte

Contos/Releituras/Literatura do Mundo



Anton Tchekhov


Carregando sob o braço um objeto embrulhado no número 223 do Mensageiro da Bolsa, Sacha Smirnoff, filhinho de mamãe, assumiu uma expressão de tristeza e entrou no consultório do doutor Kochelkoff.

— Ah! meu grande jovem! — exclamou o médico. — Como vamos? O que há de novo?

Fechando as pálpebras, Sacha pôs a mão no coração e, comovido, falou:

— Mamãe lhe manda seus cumprimentos, Ivan Nicolaìevitch, e me encarregou de lhe agradecer... Mamãe só tem a mim no mundo, e o senhor me salvou a vida... curando-me de grave enfermidade e... não sabemos como lhe agradecer.

— Ora! O que é isso, meu jovem! — atalhou o médico, realizado. — Não fiz mais do que qualquer um no meu lugar teria feito...

Depois de observar o presente, o médico coçou lentamente a orelha, bufou e suspirou, confuso.

— Sim — murmurou —, é algo realmente magnífico... como diria?... um tanto ou quanto ousado... Não é apenas decotada; é.. sei lá que diabos!

— Mas... por que diz isso?

— Nem a serpente em pessoa poderia inventar alguma coisa de mais indecente. Se eu colocasse esta fantasiazinha na mesa, iria contaminar a casa toda.

— Que modo mais excêntrico tem o senhor de interpretar a arte! — disse Sacha, ofendido. — É um objeto artístico!... Olhe! Que beleza! Que elegância!É ?de se ficar com a alma inundada de piedade, e com lágrimas a subir aos olhos! Contemplando-se tamanha beleza, nos esquecemos de tudo o que seja da Terra... Veja bem... Que movimentos! Que harmonia! Que expressão!...

— Compreendo muito bem tudo isso, meu caro — interrompeu o médico —, mas acontece que eu sou pai de família. Meus filhos costumam vir aqui. Recebo senhoras...

— É evidente — disse Sacha — que se a gente adotar o ponto de vista do povo, este objeto, altamente artístico, causará uma impressão diferente... Sou o filho único de mamãe... somos pobres, e por isso não podemos lhe recompensar os seus cuidados; e não sabemos o que fazer; embora, apesar de tudo, mamãe e eu... seu filho único... lhe suplicamos de todo o coração que aceite, como penhor de gratidão... esta ninharia que... é um bronze antigo... uma obra rara... de arte.

— Mas não havia necessidade — disse o médico, franzindo as sobrancelhas. — Por que razão?

— Não, eu imploro ao senhor, não recuse! — continuou a murmurar Sacha, desembrulhando de todo o pacote. — Seria uma ofensa, a mamãe e a mim... Trata-se um objeto belíssimo... em bronze antigo. Foi herança de papai, guardada como uma querida lembrança.. Papai comprava bronzes antigos e revendia-os aos colecionadores... Já mamãe e eu não nos ocupamos disso...

Sacha acabou de desembrulhar o objeto e colocou-o solenemente em cima mesa. Era um pequeno candelabro de bronze antigo, de fina feitura. Representava duas figuras femininas em trajes de Eva e em atitudes que não ousaria — nem tenho temperamento para isso — descrever.

As figuras sorriam ostensivamente, dando a impressão de que, não fossem retidas pela obrigação de suster o castiçal, teriam imediatamente fugido do pedestal dançado tal cancão que, amigo leitor, nem é bom imaginar.

— O doutor, claro, está acima destas coisas todas e portanto sua recusa nos daria, a mamãe e a mim, uma enorme frustração. Sou o filho único de mamãe; o senhor me salvou a vida... Damos-lhe de presente o que de mais precioso possuímos, e... só tenho a tristeza de não nos pertencer o par do candelabro!

— Muito agradecido, meu jovem amigo. Fico-lhe muito grato... Minhas recomendações à sua mãe, mas rogo-lhe, o senhor mesmo considere a questão! Meus garotos costumam vir aqui... Aparecem muitas senhoras... Mas deixo-o aqui, já que me parece impossível convencê-lo!

— Ora, não há de que me convencer! — disse Sacha com habilidade. – Coloque o candelabro do lado desta jarra. Que infelicidade não possuir o par!... Bem, vou indo, adeus, doutor.

Depois da saída de Sacha, o doutor observou bastante o candelabro, coço orelha e concluiu:

“Não se pode negar que é magnífico. É uma pena abrir mão dele. Ao mesmo tempo é impossível deixá-lo aqui... Hum... Está criado o problema... Poderia dá-lo de presente a quem?”
Depois desta reflexão, lembrou-se do advogado Ukhoff, seu amigo íntimo, que gostaria de ter o objeto.

"Às mil maravilhas!", decidiu. "Ukof Ukhoff não aceita receber dinheiro de mim , mas ficará contente com esta lembrança... E assim me livrarei deste incômodo. Além do mais, ele é solteiro e maroto...”
Rápido, o médico se vestiu, pegou o candelabro e foi até a casa do advogado.

— Bom dia, amigo — disse, ao encontrar Ukhoff em sua morada... — Venho lhe trazer uma recompensa pela amolação... Já que não quer aceitar dinheiro meu, aceitará um pequeno presente... Ei-lo, meu amigo! É um objeto magnífico!

Ao ver o candelabro, o advogado viu-se tomado de inefável encantamento.

— Isso sim é que é obra de arte — disse, rindo às gargalhadas. — Que o diabo carregue os meliantes capazes de sequer imaginar alguma coisa de parecido... É maravilhoso! Onde foi que você encontrou tal preciosidade?

Assim que o entusiasmo se esgotou, o advogado lançou temerosos olhares para o lado da porta e disse:

— No entanto, meu velho amigo, é melhor levar de volta o seu presente. Não posso aceitá-lo...

— Por quê? — quis saber, espantado, o médico.

— Porque... Mamãe vem aqui, meus clientes... e além do mais é constrangedor em relação aos criados...

— Ora, essa é boa!... Você não terá a ousadia de recusá-lo. (E o médico agitou as mãos.) Eu ficaria ofendido!... Trata-se de um objeto de arte... Que movimentos! Que expressão!... Não quero ouvir seus argumentos! Você me deixaria melindrado!

— Se pelo menos tivesse alguma sutileza, ou se estivesse coberta...

O médico, porém, ainda a agitar as mãos e contente por conseguir se desfazer do presente, voltou para o seu consultório.

Sozinho em casa, o advogado pôs-se a examinar o candelabro, apalpou-lhe todas as partes e, da mesma forma que o médico, viu-se tentado a refletir sobre o que deveria fazer com ele.

“É um objeto belíssimo", pensou. "Seria uma pena se desfazer dele; ao mesmo tempo, é inconveniente tê-lo em casa... Melhor seria oferecê-lo a alguém... Já sei, vou levá-lo hoje à noite ao cômico Chachkine. O sacana adora as coisas desse gênero, e hoje éjustamente o dia de sua estréia..."

Foi o que fez, tão rápido quanto pensou. À noite o candelabro, lindamente embrulhado, era oferecido ao cômico Chachkine.

A noite toda o camarim do artista foi invadido pelos homens que queriam admirar o presente; a noite toda foi de murmúrios de aprovação e de risadas que mais pareciam relinchos... Quando uma artista se aproximava do camarim e perguntava: "Pode-se entrar?", logo a voz rouca do cômico retumbava:

— Não, não, cara amiga! Estou sem roupa!

Terminado o espetáculo, Chachkine dizia, dando de ombros e abrindo os braços:

— Onde vou colocar tamanha indecência? Moro em casa de família e recebo muitos artistas! E isso não é como fotografia, que a gente pode esconder dentro da gaveta..

— Ora, por que não o vende, senhor? — aconselhou o cabeleireiro, que o ajudava a trocar de roupa. — Tem uma velha aqui no bairro que compra bronze antigo. Vá lá e pergunte pela senhora Smirnoff... Todo mundo a conhece.

O cômico resolveu seguir o conselho...

Dois dias depois, o doutor Kochelkoff meditava sobre os ácidos biliosos, de dedo na testa. Subitamente a porta se abriu e Sacha Smirnoff jogou-se a seu encontro. Sorria exultante, e todo o seu ser transpirava felicidade... Trazia alguma coisa embrulhada em jornal.

— Doutor — disse, ofegante —, imagine só nossa alegria!... Para nossa felicidade, encontramos o par do seu candelabro!... Mamãe está se sentindo tão feliz!... E o senhor me salvou a vida...

E então, tremendo de gratidão, Sacha colocou o candelabro diante dos olhos de Ivan Nicolaievitch. O médico quis dizer alguma coisa mas não conseguiu. Perdera o uso da palavra.



Anton Pavlovitch Tchecov (1860 - 1904), nasceu em Taganrog, na Ucrânia, então pertencente ?Rússia tsarista, e foi o grande renovador do conto moderno. Seu estilo influenciou contistas de todo o mundo pela concisão da narrativa. Médico de profissão, começou a escrever em 1880. Custou pouco tempo para ser conhecido como fenomenal dramaturgo, autor de "Tio Vânia", "Ivanov", "As três irmãs" e "O jardim das cerejeiras" são at?hoje encenadas com grande sucesso. Seus textos foram publicados, primeiramente, na imprensa. Destacamos, entre eles, "A dama do cachorrinho", "A Estepe" e "A Noiva". Mais tarde, do cronista considerado apenas "engraçado", revelou-se um escritor de um humor implacável. Melancolicamente pessimista e aproveitando ao máximo todas as experiências humanas e sociais, Tchecov foi o criador de uma escola literária que encontrou, mais tarde, mesmo nos países ocidentais, enorme repercussão.


O texto acima foi publicado no livro "Os cem melhores contos de humor da literatura universal", Ediouro - Rio de Janeiro, 2001, pág. 306, organização e tradução de Flávio Moreira da Costa.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Andrés Eloy Blanco (Venezuela)

Los Poetas del Amor (17)



La Barca Del Pasado


Y ahora, vuelvo los ojos
hacia la síntesis del Canto,
hacia la barca del Pretérito,
de parda vela y el bauprés sangrado,
tu propia barca, donde tú venías,
piloto de ti mismo, timonel de tu barco,
donde venía la Patria recién nacida,
como Moisés entre sus mimbres, por donde Dios quiso llevarlo.

Caracas fue la cuna
y Angostura la eternidad.
Por los montes andaba la Patria sin bautismo,
cuando llegó a los llanos, curva de caminar,
y entre tus aguas se fundió contigo
y fue contigo un solo llanto y un solo rugido tenaz.
Y bajaste con ella. Te cabalgó. Su trenza
era la espiga del escudo y tú eras el caballo sin paz.

Surcaste las tierras crucificadas
y en Angostura le diste tu agua lustral
y seguiste con ella: ¡allá va la República!
y en las bocas se hace veinte patrias más
y se asoma a tus veinte labios
cuando se va acercando al mar
y el mar alza en hostias su mejor espuma
y en las veinte bocas te pone sal.

Padre del Agua, Orinoco de las Siete Estrellas:
cayó en tus aguas mi parábola
como un llanto en el fondo de una mano abierta.
Si el mar te bautiza con la sal del mundo,
Río de la Patria de las Siete Estrellas,
mi Parábola desnuda,
mi llanto manado de una herida nueva,
te caiga en el fondo y a la mar se vaya
y en el mar se espume y suba en la niebla
y en la nube viaje
y en la montaña llueva
y salte en la fuente y a tus aguas torne
y arda en el brasero de tus Siete Estrellas...
(Aguas del Orinoco, noviembre de 1927)






Sor Juana Inés de la Cruz (México)




Quéjase de la Suerte: Insinúa su Aversión a los Vicios, y Justifica su Ddivertimiento a las Musas


¿En perseguirme, mundo, qué interesas?
¿En qué te ofendo, cuando sólo intento
poner bellezas en mi entendimiento
y no mi entendimiento en las bellezas?

Yo no estimo tesoros ni riquezas,
y así, siempre me causa más contento
poner riquezas en mi entendimiento
que no mi entendimiento en las riquezas.

Y no estimo hermosura que vencida
es despojo civil de las edades
ni riqueza me agrada fementida,

teniendo por mejor en mis verdades
consumir vanidades de la vida
que consumir la vida en vanidades.






José Martí (Cuba)


Dos patrias


Dos patrias tengo yo: Cuba y la noche.
¿O son una las dos? No bien retira
su majestad el sol, con largos velos
y un clavel en la mano, silenciosa
Cuba cual viuda triste me aparece.
¡Yo sé cuál es ese clavel sangriento
que en la mano le tiembla! Está vacío
mi pecho, destrozado está y vacío
en donde estaba el corazón. Ya es hora
de empezar a morir. La noche es buena
para decir adiós. La luz estorba
y la palabra humana. El universo
habla mejor que el hombre.
Cual bandera
que invita a batallar, la llama roja
de la vela flamea. Las ventanas
abro, ya estrecho en mí. Muda, rompiendo
las hojas del clavel, como una nube
que enturbia el cielo, Cuba, viuda, pasa...




Joe Cocker

You Can Leave Your Hat On







Você Pode Deixar o Seu Chapéu

Baby, tire seu casaco
Bem devagar
E não tire os sapatos
Eu tirarei seus sapatos
Baby tire seu vestido
Sim sim sim

Você pode ficar de chapéu
Você pode ficar de chapéu
Você pode ficar de chapéu

Vai lá, acenda as luzes
Todas as luzes
Volte pra cá, suba nessa cadeira
Muito bem, Isso mesmo
Levante os braços no ar
E agora, sacuda-os

Você me dá razão para viver
Você me dá razão para viver
Você me dá razão para viver
Você me dá razão para viver

Querida
(Você pode ficar de chapéu)
Ficar apenas de chapéu, garota
Um homem um pouco selvagem
(Você pode ficar de chapéu)
Fique de chapéu
(Você pode ficar de chapéu)
(Você pode ficar de chapéu)

Uns desconfiados andam falando
Tentando nos separar
Eles não acreditam no meu amor
Eles não sabem o que é amor

Eles não sabem o que é amor
Eles não sabem o que é amor
Eles não sabem o que é amor
Eu sei o que é amor

E querida, coloque do meu jeito
(Você pode ficar de chapéu)
E fique apenas de chapéu agora
Eles não querem
(Você pode ficar de chapéu)
Você não vai fazer isso por mim, querida?
(Você pode ficar de chapéu)
Deixe apenas o chapéu, garota
(Você pode deixar o seu chapéu)


Composição: Randy Newman




With A Little Help Of My Friends






Fire it Up Live






The Best Of Joe Cocker Live





sábado, 20 de dezembro de 2014

A Missão

Cinema




Final do século XVIII, Rodrigo Mendoza, um mercador de escravos que faz da violência seu modo de vida, mata o próprio irmão na disputa pela mulher que ama. Porém, o remorso o faz se juntar aos jesuítas em Sete Povos das Missões. Lá, ele fará de tudo para defender os índios que antes escravizara do genocídio promovido por Portugal e Espanha.












Ennio Morricone - (2002) A Missão











La guerre du feu
A Guerra do Fogo




A Guerra do Fogo conta a saga de uma tribo e seu lí­der, Naoh, que tenta recuperar o precioso fogo recém-descoberto e já roubado. Através dos pântanos e da neve, Naoh encontra três outras tribos, cada uma em um estágio diferente de evolução, caminhando para a atual civilização em que vivemos. Os sons e a linguagem embrionária do filme são criações do escritor Anthony Burgess, o mesmo de Laranja Mecânica. Mistura de ficção cientí­fica e aventura, o filme é uma perfeita reconstituição da pré-história, tendo como eixo a descoberta do fogo. Fantástico e visionário, o filme é uma aula de história e cinema.










Detalles sobre el film Quest for fire







Backstage of Quest for Fire 1of3






Backstage of Quest for Fire 2of3







Backstage of Quest for Fire 3of3





quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

César Vallejo (Perú)

Los Poetas del Amor (16)



Los Heraldos Negros


Hay golpes en la vida, tan fuertes... ¡Yo no sé!
Golpes como del odio de Dios; como si ante ellos,
la resaca de todo lo sufrido
se empozara en el alma... ¡Yo no sé!

Son pocos; pero son... Abren zanjas oscuras
en el rostro más fiero y en el lomo más fuerte.
Serán tal vez los potros de bárbaros atilas;
o los heraldos negros que nos manda la Muerte.

Son las caídas hondas de los Cristos del alma
de alguna fe adorable que el Destino blasfema.
Esos golpes sangrientos son las crepitaciones
de algún pan que en la puerta del horno se nos quema.

Y el hombre... Pobre... ¡pobre! Vuelve los ojos,
como cuando por sobre el hombro nos llama una palmada;
vuelve los ojos locos, y todo lo vivido se empoza,
como charco de culpa, en la mirada.

Hay golpes en la vida, tan fuertes... ¡Yo no sé!






Antonio Machado (España)


Caminante no hay camino

Extracto de Proverbios y cantares (XXIX)


Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
Caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace el camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante no hay camino
sino estelas en la mar.






Julia de Burgos (Puerto Rico)



¡Oh mar, no esperes más!

Tengo caído el sueño,
y la voz suspendida de mariposas muertas.
El corazón me sube amontonado y solo
a derrotar auroras en mis párpados.
Perdida va mi risa
por la ciudad del viento más triste y devastada.
Mi sed camina en ríos agotados y turbios,
rota y despedazándose.
Amapolas de luz, mis manos fueron fértiles
tentaciones de incendio.
Hoy, cenizas me tumban para el nido distante.
¡Oh mar, no esperes más!
Casi voy por la vida como gruta de escombros.
Ya ni el mismo silencio se detiene en mi nombre.
Inútilmente estiro mi camino sin luces.
Como muertos sin sitio se sublevan mis voces.
¡Oh mar, no esperes más!
Déjame amar tus brazos con la misma agonía
con que un día nací. Dame tu pecho azul,
y seremos por siempre el corazón del llanto?


segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Love of my life

Queen live @ Houston 1977



Em 1977 Me estreava na ESEF/UFRGS...







Rock Montreal - 1981






Rock in Rio - 19 Jan 1985






Wembley - 1986







Adam Lambert - (LIVE in Kiev)







Letra & Tradução by Jottaelle





"Love of My Life" é uma canção do quarto álbum de estúdio, A Night at the Opera, lançado em 1975. A música foi escrita por Freddie Mercury em homenagem a Mary Austin, com quem teve um longo relacionamento no início dos anos 70 e que manteve uma forte amizade até a sua morte, em 1991. Uma versão ao vivo, incluída no álbum Live Killers, lançado em 1979, alcançou o primeiro lugar na Argentina e no Brasil.

A música foi requerida para ser tocada pelo primeiro astronauta israelense Ilan Ramon. Depois de tocada, ele disse a seguinte mensagem a sua esposa "Um especial bom dia a minha esposa, Rona, o amor da minha vida (Love of my life)." A música foi tocada enquanto ele estava no espaço. Ramon estava na espaçonave Columbia e acabou falecendo durante a reentrada da espaçonave na atmosfera terrestre em 2003. A espaçonave se desintegrou na ocasião.



Love Of My Life
Queen


Love of my life, you've hurt me
You've broken my heart
And now you leave me
Love of my life, can't you see?

Bring it back, bring it back
Don't take it away from me
Because you don't know
What it means to me

Love of my life, don't leave me
You've taken my love
And now desert me
Love of my life, can't you see?

Bring it back, bring it back
Don't take it away from me
Because you don't know
What it means to me

You will remember
When this is blown over
And everything's all by the way
When I grow older
I will be there at your side
To remind you how I still love you
I still love you

Back, hurry back
Please, bring it back home to me
Because you don't know
What it means to me
Love of my life
Love of my life
Yeah

Composição: Freddie Mercury / Queen





Amor Da Minha Vida



Amor da minha vida, você me feriu

Você partiu meu coração e agora me deixou

Amor da minha vida, você não entende?

Traga-o de volta, traga-o de volta, não o tire de mim

Porque você não sabe o quanto é importante para mim


Amor da minha vida, não me deixe

Você roubou meu amor e agora deixou-me sozinho

Amor da minha vida, você não entende?

Traga-o de volta, traga-o de volta, não o tire de mim

Porque você não sabe o quanto é importante para mim


Você se lembrará quando acabar

E todas as coisas dessa maneira tiverem fim

Quando eu envelhecer, eu estarei ao seu lado para lembrar-lhe

Como eu continuo te amando, eu continuo te amando


Traga de volta, traga de volta, não tire isso de mim, porque

Você não sabe o quanto é importante pra mim


Amor da minha vida

Amor da minha vida

Uh... Yeah

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Histórias de avoinha: As Casa do Comércio na Villa 10


Ensaio 35B – 2ª edição 1ª reimpressão


baitasar


O siô Afonso da Hora, lá mesmo, na porta da saída ou da entrada, uma coisa nunca é uma coisa só, assim como gente não é só o qui aparenta sê, fez parada, repasô os óio no salão sem deixá as vista em nenhuma mesa, oiava sem vê, faltava vontade pra despejá os óio com capricho. Depois da vistoria meia-sola, seu feitio de despedida sem saudade, fria e sem dá importância pra freguesia qui ficava, ele repousô as vista em agonia no tabernêro. Aquela vontade de saí chegô dum jeito parecido com fervô, parecia tê duas mão colocada nas costa empurrando sua partida, mais não era as mão do Gaspá, as duas continuava apoiada no balcão, o pano da limpeza higiênica dos copo não tava apoiado nos ombro. Não sabia dizê nem apontá o motivo da incomodação, mais tinha coisa aborrecendo sua vontade de ficá. Repetiu os cumprimento da despedida na direção da paróquia adoçada com a destilada. Acenô pros cativo da casa. Estava nos arremate do seu desempenho nas formalidade do despedimento. Acenô ao tabernêro e anunciô sua saída

Boas noite, meu amigo. Estimo as suas melhoras!

O tabernêro acompanhava o despedimento sem tristeza ou entusiasmo, sem força pra alegramento nem firmeza no entristecimento, ergueu as mão, como se tivesse pra dizê qui nada podia contra a vontade da freguesia, ela é qui manda, sai e entra no seu querê. Enquanto as mão subiu e desceu, o tabernêro deixô as vista na direção do desocupante da casa qui levava com ele os seus segredo de confessionário, foi quando ficô desconfiado com a sua falação descuidada e teve arrependimento dos comentário qui tinha escapado, mais o qui tava feito tava feito, o qui tava dito tava dito, ia tê qui continuá com aquele desassossego, os fingimento e o destemô da assombração qui não assusta, fica arrastando os pé, vagando

Com a graça de Deus, sinhô Afonso da Hora. E para quem parte ou para quem fica, água e benção todo dia venham, o tabernêro gostava de repetí as despedida do siô padre nas dominguêra, sentia abençoando a freguesia. Conhecia a força das palavra e das destilada, quando as duas se juntava tinha mais perigo qui resguardo

Amém, o coro da dominguêra respondia aliviado com a lembrança, uns sem descuidá de fazê a cruz com mais exibição qui otros, mais repetí aquele amém parecia aliviá tudo qui acontecia, a promessa fiel da mentira, um rompante de medo. Como era fácil gritá os desaforo e provocá o banho de sangue dos justicêro e se aliviá com a cruz, invocá o Pai, o Filho e o Espírito qui precisava sê Santo pra suportá tanto egoísmo e gritaria, amém. Gente de formosura, mais deselegante com os desgraçado. O covêro foi o único qui não retrucô, ele parecia sabê onde tudo aquilo acabava. Colocô a mão no bolso e acariciô a fita, gostava de medí com os óio a sua freguesia, cedo ou tarde, ia experimentá dos seus acerto ou desatenção

Até mais ver, replicô o siô da Hora, e saiu. Quando pisô no chão da rua deu um bão suspiro, parecia tê tirado das costa um grande peso morto. Deixô escapá um gemido gelado e cortante, parecido com o vento silencioso saído do rio enfiado em redemoinho nas esquina e nas boca de rua da Villa. Um lugá frio no frio e quente no quente. Ele parecia tê deixado a morte pra trás. Só parecia, ela continuava, lado a lado, pronta pra estendê a mão e ajudá com seu gosto e entusiasmo.

Fazia tempo qui o siô da Hora tava segurando o murmúrio dos intestino, não quis corrê o risco de fazê aclamação descomedida num traque ruidoso, lá dentro, na Casa dos Molhado. O tabernêro, por certo, havia de fazê comentário, não às clara, mais um descuido seu não ia passá desapercebido. Girô as vista na sua volta, quase ninguém na estrada, deixô escapá o gemido de alívio. Com cuidado vigiado, qui tinha nas lembrança da mãe os aviso de cautela com os vento qui se solta embaixo, eles é só um anúncio das coisa porcaria qui tá pra saí. Esfregô as mão de contentamento, teve comedimento e vigilância. E voltô a escorrê as vista no arredó, oiava com gula, interesse velhaco de ganhá mais rendimento, tê mais lucro sem precisá muito esforço. Desenhava a escultura imaginativa da Villa com toda aquela data de chão. As terra não demorava pra tê dono com gosto pelo erguimento das casa de moradia, acontecimento qui as gente da Villa reclamava. Usava as vista com esganação. As mão no bolso só parecia saí pra recebê, nunca se viu elas saí pra pagamento, qualqué qui fosse

É preciso correr atrás desse dinheiro, o siô soltava os pensamento na língua quando misturava os assunto do comércio e o gosto de sê reconhecido, aprovado e bajulado, mostrado pelo dinheiro qui não precisava carregá no bolso, isso não tem preço, isso não tem preço, ficô repetindo enquanto dava os passo sem pressa. Ele sabia da sua importância como ensinamento modelo, o molde do menino pobre qui deu certo, eu consegui, eu cheguei lá. Lembrô qui tinha coisa na vida qui não se compra por falta de preço. Ali mesmo, parado nos calçamento da Villa, prometeu pra ele mesmo

Ainda paro com tudo e faço uma lista com as coisa que não tem preço. É só uma questão de colocar o valor. Não existe o que não se pode comprar. Adoro o comércio, peitar sem a necessidade de carregar o dinheiro no bolso, parô, novamente, no meio do nada, queria lembrá onde andava, não lembro, não lembro, e ali, naquele breve instante, dormiu em pé. Na rua. Não conseguia acordá daquele sonho sem sono, as vista aberta oiava a estrada, mais não reconhecia o caminho. Ficô assustado qui morrê pode sê isso, tá nos lugá e não sabê qui tá

Ninguém por perto? Eu me perdi? Para onde estava indo?

Inté qui atinô

Estou na rua da praia, o fedor de peixe, a aragem fria, o barulho das águas, lembrô qui aquela rua precisava levá os seus pé inté o destino tracejado.

Recomeçô o caminhá.

Andô pelo pelourinho, a marca da força dos branco. O lugá conhecido e distinto pra castigá os preto desobediente, os atrevido, os fujão, todos qui merecia ou não merecia castigo. Sentiu vontade de subí os degrau e acariciá as pedra, o tronco, as argola, parecia querê sentí o cheiro da dô. O sangue dos preto e das preta era derramado ali, um lugá qui guardava os choro, as tristeza mais funda e as súplica mais silenciosa. Os gemido qui ficava guardado nas pedra do pelourinho não virava pó, eles pintava lembrança. O siô subiu os dois degrau e passô as mão na pedra, parecia acarinhando o couro preto fatiado pelo cipó. Levô o dedo inté a boca e aprovô o gosto do sangue preto coalhado. Gosto forte, aroma extra forte. Com certeza, otros preto já tava marcado pra conhecê a coluna de pedra. Oiô na volta, sempre qui parava ele oiava, gostava de sabê onde pisava. Estimava aquela movimentação dos barco, o embalo das água, o alvoroço dos embarque e desembarque. Desceu os degrau, fez um último reconhecimento da pedra e uma pequena mesura de apreço, sem oiá pra trás se afastô do monumento. Deu uns dez passo de afastamento e parô, precisô virá as vista na direção da estátua

Não tem muita coisa que eu já não tenha feito, acho que vou querer experimentar o pelourinho.

Seguiu por diante, os passo tinha encontrado o rumo. Tem vez, qui os pé sabe meió os caminho qui a cabeça, as estrada precisa sê caminhada, a cabeça obedece os pé. Passô a ponte do embarque e desmbarque, desviando um qui otro trabaiadô das barcaça. Arredô os pé do beco do Pedro Mandinga. Oiava na frente, nos lado, quando avistô a rua dos Pecados Mortais, quase se desvia do rumo pensado. Os pé entortô, mais a cabeça alertô: se tem vez qui ela obedece, tem otras vez, qui o caminho carece sê calculado com cisma e reverência, coisa qui ela faz meió qui os pé. Sabia qui devia uma visitinha pra sua amiga Maria Cobra. As vontade intentada na cabeça fez latejá os capricho da hombridade. Oiô pros lado da casa meritória, as luz do lampião amarelando a vizinhança. Os moço e os antigo, qui ainda não era obsoleto, entrava e saia. As moça havia de esperá. Ele, também. As menina não dorme cedo nem é de duvidá qui elas fica toda noite sem fechá as vista

Na volta, meninas... ocês fazem uma graça que acorda a mais despreparada ou desencantada das visitas, mais não podia, sem motivo de muita importância, deixá de aparecê na reunião da Irmandade. Não era hora das desculpa esfarrapada, nem desmerecê o convite aceito, gosto de ouvir os enredos que as meninas inventam, é bom compartilhar as loucuras, ficar louco, depravado, desprotegido nas mãos de ocês.

Armô as perna com coragem pra enfrentá a subida inté a Crista da Colina. Cuidava pra não destorreá as bosta das besta de carga no caminho pisado. As rua da beirada da praia não contava com os fundo de dinheiro da municipalidade pro calçamento. Esses recurso era usado nos caminho dos esnobe. Lugá povoado com as família requintada qui se adonô do qui pode e quis, desde a sua chegada, bem antes dos colono do Império

Acho que vou subir pelo beco do Fanha, nos pensamento qui tinha, nos passo qui dava, um qui otro caminhadô borboleteava nas rua, não vejo nenhuma alma viva perambulando, além desses coitados, mais se soubesse oiá, ia vê as alma morta vadiando, desencontrada dos próprio caminho, um embruxamento de encosto. Não sabia vê com as vista da morte, tinha mais jeito de vê como fazê dinheiro. Não tinha querê em colocá as vista na morte. Seguiu em frente.

A Botica do Juca Curadô ficava no caminho. Passava por lá, agradecia o interesse do boticário ajudá o Gaspá, deixava o aviso da visita do Josino e a necessidade do ungueto pra modo de acalmá as marca do cipó. As pessoa da Villa repetia qui o Juca cuidava de tudo, pra ele não tinha adoecimento sem algum amparo de socorro ou diminuição da dô. A língua do povo conta qui aconteceu na Villa, uns diz qui foi 5, otros afirma qui foi 7, de todo jeito qui se contá, pra subí ou descê a pontuação da conta, teve um qui otro sem amparo pro sofrimento qui o Juca aconselhô o aviamento da desaparição. As benzedêra era chamada, depois as bruxa, sem resultado pra meió, inté qui o adoecido de morte concordava com a conveniência do seu passamento. O cura-tudo cumpria a sua missão de curá, mesmo sem tê sido juramentado. Gostava do qui sabia fazê. Tinha o costume de experimentá os conselho das benzedêra e das bruxa qui ele visitava pra aprendê curá

Boas noites, Juca!

Junto com o palavrório fez mesura discreta de educação, no mesmo modo qui aprendeu oiando os cumprimento pra siá Casta: inclinô a cabeça, segurando o chapéu, levemente

Boas noites, sinhô Afonso da Hora, o boticário fez a mesma referência da cortesia. Não tinha chapéu pra segurá, mais levô a mão inté a testa.


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sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Histórias de avoinha: As Casa do Comércio na Villa 9


Ensaio 34B – 2ª edição 1ª reimpressão


baitasar


A vida não tem meneio nem aparência de generosidade, a largueza ou justeza da vida é a própria vida. As coisa bondosa é feita com as mesma mão e cabeça qui pode escolhê as maldosa. Nem tudo qui parece sê é, tem gente qui usa a vida qui tem com beleza, como as moça qui enfeita a vida com uns brinco ou os moço qui corre atrás do ouro dos tolo; e têm os inumanos, eles parece feiura e descortesia, mais, em verdade, eles são as minhoca enfiada nas terra de mina procurando os brinco das moça e o ouro dos tolo. Aformoseá a vida das moça com meiguice e louvação aos moço tolo pode custá a vida aos inumanos virado em minhoca. A bondosa beleza e a tola abastança usá de malvadeza. A vida não tem culpa da feiura nem da formosura. A vida é só vida. As mão da bondade é as mesma da malvadeza, não esqueça mifioneto.

O Gaspá sorriu misericordioso consigo mesmo, teve a muié dos seus encanto e perdeu a feitiçaria qui ela sabia fazê no seu gosto. Tolo. Ergueu-se e recostô no balcão os cotovelo com força. Procurô seu pano de limpeza qui sempre carregava nos ombro, ele tava nas mão da pretinha. A cara do tabernêro continuava em brancura. Não parecia tê muitos dia, nessa vida. Fazia planos de vivê meió na próxima vez, mais não dava certeza. Nem da próxima vez. Pode sê qui ia repetí as coisa já feita. Estendeu o braço e apanhô o pano. Não pediu nem agradeceu. Secô o suó e a baba. Aproveitô pra continuá a limpeza e fez a faxina do balcão. E sem oiá direto no siô da Hora, falô como se os acontecimento não tivesse acontecido

Não lhe contei as novidades?

O siô da Hora mostrô a sua meió voz de fingimento, ofereceu o seu ombro amigo. Não avisô qui podia traí com a mesma facêrice qui podia ajudá. Escondeu qui ia escutá pela curiosidade e a sorte de sabê mais do qui já sabia. Conhecê é mais vantajoso qui não conhecê; no caso do tabernêro, as novidade parecia qui tinha interesse de desabafo, alívio da lama da alma, as coisa dita assim tem mais utilidade de uso. O tabernêro pediu segredo, ele concordô em silêncio, mais fez uma figa pra modo de se garantí qui a concordância não tinha valô

O amigo não contou as novidades e nem precisa. Mas, se, por acaso, sentir mais alívio conversando...

O tabernêro oiô a pretinha, teve gana de apertá de novo. Ele tava sofrendo. Ela tava merecendo. Queria esgoelá a guria qui abandonô a sua vontade de não morrê sozinho. Sorriu só de lembrá o gosto qui sentia com as mão colada nos dois montinho arrebitado. Foi mandamento seu a pretinha andá descoberta da cintura pra cima

Comprei uma negrinha no contrabando, depois qui disse o qui disse, fez mudez. Esperô a falação do siô da Hora, qui mais parecia entediado qui curioso, afinal, o contrabando de escravo era tão comum como o fingimento das autoridade de não sabê

Essas compras estão cada vez mais corriqueiras, Gaspar, o tabernêro fez aceno com a mão, pediu qui o desinteressado ficasse mais aproximado, não queria usá da voz mais alta pra contá os seus mistério. Os grito qui gostava de gritá ficava guardado pros causo de necessidade: desmanchá uma qui otra desavença ou fazê cumprí os mandamento qui ditava. Agora, não era vez da gritaria, precisava fazê uso da voz qui intriga, aquela qui jura não parecê um modo de contá falsidade e qui morre se não contá. Ela se diverte enquanto o otro procura sabê o verdadeiro e o falso da história contada. Otro aceno do Gaspá e o siô da Hora aproximô, mais não muito, o tabernêro tava catinguento, parecia tê se esfregado mais qui o costume, tava com faro de preto

A negrinha veio em uma carga de Buenos Aires. Botei os olhos e já fui anunciando que era minha. Queria mais que tudo aquela negrinha que chorava muito, o siô da Hora pareceu entendê os desafio do comerciante. Ele mesmo tinha um comércio qui não podia se misturá com as ilegalidade do contrabando; tinha qui parecê sê o qui não era

Isso é coisa que as pessoas de bem fazem aqui na Villa, uns melhor, outros nem tanto. Tudo é uma questão de costume, sangue frio e saber chupar o sangue dos mansos e miseráveis, o siô da Hora não soube logo, mais percebia qui as coisa não tava bem resolvida, pela sua vocação de adivinhadô, era capaz de apostá qui ela abandonô o tabernêro. No fim das história contada, ele ia sabê. Tudo no seu tempo

Foi tudo tão absurdo e rápido.

Nem me fale, Gaspar. Já foi mais em conta ter escravo novo. E o pior, é preciso renovação. Eles não duram muito. Aqui na Villa, duram menos que na Capital do império. Sem contar a morosidade e as complicações da governança. Para viajar de uma província para outra é preciso passaporte, apólice de seguro, recibo de compra do escravo e do pagamento de sisa. E ao chegar no lugar de destino, somos obrigados por lei registrar os escravos na Alfândega.

Governo não ajuda, só atrapalha! Impostos e mais impostos, isso não tem fim. Um saco sem fundo! Canalhas!

Gente depravada e podre!

A pretinha pegô o pano de limpeza recostado nos ombro do Gaspá e trocô com otro, livre da babação do tabernêro. Depois, ficô parada, desinteressada, morrediça. Mais triste qui sempre. Ela não podia se curá de sê pretinha como o carvão, quase azulada. Ele não podia se curá de querê respirá os perfume dela. Cada um com a sua sina. O homê arrancô o pano dos ombro e recomeçô a limpeza dos copo, parecia mania ou coisa de quem não pode ficá parado

São uns metidos, isso é o que são; se metem onde não precisamos deles, os dois falava falava e falava, mais sem escutá, um não parecia atentá no otro, era só um feitio pra despejá os ódio guardado

Na semana passada, fui obrigado colocar anúncio na Voz da Villa. Tinha necessidade de comprar um escravo sapateiro e outro para todos os serviços. Ficou mais caro que no contrabando. Isso que não coloquei anúncio querendo negro cozinheiro ou pedreiro. Muita humilhação. Antes dessas leis, os anúncios vendiam os escravos. Agora, nem com anúncio se consegue comprar esses negros por preços mais humanos e acessíveis.

Só no contrabando!

Só assim, no mundo subterrâneo da embustice, compramos os escravos fugitivos. Fogem da Villa e se debandam para o lado dos espanhóis. Os estancieiros daquelas bandas são uns grandes filhos-da-puta, recebem os negros do outro lado da fronteira e os trocam pelo nosso couro, carne, graxa e sebo.

E não esqueça da farinha de trigo, recomendô um dos freguês qui bebia nas mesa

Pagamos para ter de volta o que nos pertence: os nossos negros! E o governo imperial não toma nenhuma atitude!

Só no contrabando! Esse governo de merda não faz nada! Corrompidos!

Nem as tropas que mandamos para pilharem o gado estão a salvo das deserções. Não faz muito, o coronel Bento, homem da minha mais alta estima, me relatou que pediu a soltura de um negro aprisionado de sua propriedade. O escravo fugira da sua estância, mais foi apanhado e levado para a Prisão Militar, pois nem esse lugar foi suficiente para segurar o negro.

Bem sei... quando a negrada quer, nada os impede de tentarem a fuga, o tabernêro não conseguia se curá da pretinha qui o abandonô, tudo tão absurdo e rápido. O frio e os vento aparta a Villa do resto do mundo. Ele ia continuá abandonado e apartado atrás do balcão

Fugiu com o soldado de sentinela e outro negro. Foi preso, novamente. Agora, estava na Cadeia da Justiça, enquanto o soldado e o outro negro conseguiram escapar.

Só no contrabando, o tabernêro ergueu a destilada, a pinga brilhava na penumbra do anoitecimento, escutava os gemido enquanto lhe entrô com as mão, depois usô sua espada. Levava os dedo polegá e fura bolo inté o nariz, fungava o perfume da pretinha, os peitinho, os óio esbugaiando conforme a espada rígida e tesa ia entrando. Cheirosa e atrevida. Ela o abandonô morrendo em suas mão, a menina morreu sem tê necessidade

Tinha que ser assim, Gaspar. Não se culpe.

Não podia me curar do perfume, dos gemidos e das mãos ensopadas naquela pretinha.

Ocê não pode ser o homem da pretinha...

Eu sei, mas queria ser...

Mas nunca ia ser, Gaspar, o tabernêro ameaçô derrubá a destilada nos copo, para mim, não, recusô o siô da Hora

Só mais um dedo, avisô.

Oiô no lado, ela continuava ali, um encosto insuportável. Continuava chorando. Nunca parô. Parecia menina querendo brincá de boneca. Tê e não tê, ela o atormentava da eternidade, ninguém reconhecia a desgraça da sua tristeza sem fim. A covardia pareceu sê o seu maió instante de felicidade, apertô com as mão gigante seu pescoço quebradiço inté estalá. A espada enfiada, as vista esbugaiada e o pescoço partido, ela não suportô a emoção do medo permanente qui ele lhe ofereceu

Um dedo, Gaspar... e esquecemos tudo isso, o tabernêro serviu um dedo da destilada nos dois copo

Comprei a negrinha com os olhos da cobiça. Ela veio com as marcas mais os costumes de menina.

Marcas? Marcas do quê, Gaspar? A menina já carregava as marcas de fujona?

Não, sinhô da Hora. Ela veio com as marcas do seu lugar de antes. Um documento do nascimento. Eu não conheço, mas uns dizem angola, outros que é congo. Tem capitão-do-mato entendido em negro que afirma que é benguela, mas pode ser cabinda ou inté negra mina.

E isso tem alguma importância de serventia? Saber o lugar de aparecimento da negrinha não vai mudar o rumo que ocê deu nela...

Antes de respondê, o tabernêro abaixô atrás do balcão inté desaparecê todo, parecia tá procurando algo

Achei, desdobrô o corpão e colocô na tampa do balcão otro lampião. A noite tinha feito o convencimento para o dia desaparecê. Voltô a descê e subí com mais dois lampião. Parô mais um instante, ergueu a destilada no copo, deixô caí inté o chão uma gotinha da pinga

Vivam as negrinhas! Qualquer que seja o lugar de nascença, interessa mais o lugar de chegada. Quem se importa, afinal? Tudo não tem o mesmo sentido? Virar mortalha?

Viva!

Os dois desceu na garganta a destilada pura. O tabernêro atiçô o pavio dos três lampião e espaiô a iluminura no salão. Parô ao lado do siô da Hora. Parecia querê fazê mais confidência. Enfeitá a defunta. Apontô na direção dos 7 Pecado e abaixô a voz, dava importância de segredo

Quando chegar um carregamento novo na Maria Cobra, vou pessoalmente fazer a avaliação das peças, escolho uma novinha para o seu uso, não conseguia escondê as artimanha na voz, farejava os óio do siô da Hora

Gaspar, ocê não vai ter arrependimentos, é de menina que se ensina. Depois de bem acostumada com as instruções do ensino, dominando conhecimento e prática, está pronta para o trabalho. É só fazer venda ou arrendamento, a voz morna do siô da Hora parecia convocá o tabernêro pra assumí a linha de frente de alguma guerra de mentiras e segredos: o faz-de-conta qui diz vivê meió quem morre. Ele não conseguia explicá o prazê qui sentia no ensinamento de qualqué subalterno. Na aparência da brancura eles parecia igual, mais ele sabia mostrá qui era superiô

E a negrinha, Gaspar?

Fugiu... escapou entre meus dedos.

É assim, muito bem dito. É só aparentar que acredita, meu amigo.

Tava guardando para meu próprio uso, a amargura da voz e o desespero nas vista denunciava o tabernêro. O siô da Hora parô de sorrí, naquele mato não tinha cachorro e não era mais o causo de se metê. Era causo de amô sem alegria. Ofereceu sua meió finura e gentileza de boa recuperação da saúde

Virgem Santa, esqueci da reunião. Preciso ir... e ocê se cuide! Até mais ver, Gaspar!

O tabernêro não respondeu, qui o diabo levasse o casamenteiro calculista. Serviu o próprio copo inté a borda, virô tudo na goela, sabia qui a noite ia sê muito longa. Arregaçô os dente e bateu o copo no balcão. O barulho do vidro partido chamô atenção de todos no salão. O siô da Hora parô na porta, já tava virado com as vista na estrada

Essa é das melhores que já servi. Viva! Viva, minha negrinha!

O choro do tabernêro fez caí o silêncio, pela primeira vez, na Casa dos Molhado do Gaspá. Ele pensava se teria força pra contá, talvez nem fosse preciso, ela seria como um cachorro qui se perdeu.


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Ouro de Tolo

Foi tão fácil conseguir, e daí?







Ouro de Tolo

Raul Seixas


Eu devia estar contente
Porque eu tenho um emprego
Sou um dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros
Por mês

Eu devia agradecer ao Senhor
Por ter tido sucesso
Na vida como artista
Eu devia estar feliz
Porque consegui comprar
Um Corcel 73

Eu devia estar alegre
E satisfeito
Por morar em Ipanema
Depois de ter passado fome
Por dois anos
Aqui na Cidade Maravilhosa

Ah!
Eu devia estar sorrindo
E orgulhoso
Por ter finalmente vencido na vida
Mas eu acho isso uma grande piada
E um tanto quanto perigosa

Eu devia estar contente
Por ter conseguido
Tudo o que eu quis
Mas confesso abestalhado
Que eu estou decepcionado

Porque foi tão fácil conseguir
E agora eu me pergunto "E daí?"
Eu tenho uma porção
De coisas grandes pra conquistar
E eu não posso ficar aí parado

Eu devia estar feliz pelo Senhor
Ter me concedido o domingo
Pra ir com a família
No Jardim Zoológico
Dar pipoca aos macacos

Ah!
Mas que sujeito chato sou eu
Que não acha nada engraçado
Macaco, praia, carro
Jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco

É você olhar no espelho
Se sentir
Um grandessíssimo idiota
Saber que é humano
Ridículo, limitado
Que só usa dez por cento
De sua cabeça animal

E você ainda acredita
Que é um doutor
Padre ou policial
Que está contribuindo
Com sua parte
Para o nosso belo
Quadro social

Eu é que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar

Porque longe das cercas
Embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo
Do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora
De um disco voador

Ah!
Eu é que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar

Porque longe das cercas
Embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo
Do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora
De um disco voador




Composição: Raul Seixas


Raul Seixas




Metamorfose Ambulante





Super-Heróis





Gita



Pandeiro de Prata

Túlio Piva

100 Anos!







Pandeiro de Prata
Demônios da Garoa


Ele nasceu no morro
Não sabe nem em que data
Até pensava que a lua
Pendurada no céu,
Feito um pandeiro de prata

Ele nasceu no morro
Não sabe nem em que data
Até pensava que a lua
Pendurada no céu,
Feito um pandeiro de prata

Foi na batida do samba
Que ele aprendeu seus primeiros passos
Mas a vida foi má e ele cresceu
Calejando seus braços

Mas que importa que tudo
Lhe traga dissabores
Se ele tem o samba, se ele tem o samba
Pra cantar amores



Composição: Túlio Piva




Gente da Noite





Tem que ter Mulata
Ju Rosenthal











Eita gaúcho!

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Ela só qué, só pensa em namorá

Marisa Monte




O Xote das Meninas







Luiz Gonzaga
O xote das meninas
( Mandacaru quando fulora na seca - 1953 )






O Xote Das Meninas
Luiz Gonzaga


Mandacaru quando fulora na seca
É o sinal que a chuva chega no sertão
Toda menina que enjoa da boneca
É sinal que o amor já chegou no coração

Meia comprida
Não quer mais sapato baixo
Vestido bem cintado
Não quer mais vestir timão

Ela só quer
Só pensa em namorar
Ela só quer
Só pensa em namorar

De manhã cedo já tá pintada
Só vive suspirando, sonhando acordada
O pai leva ao dotô a filha adoentada
Não come, nem estuda
Não dorme, não quer nada

Ela só quer
Só pensa em namorar
Ela só quer
Só pensa em namorar

Mas o dotô nem examina
Chamando o pai do lado
Lhe diz logo em surdina
Que o mal é da idade
Que pra tal menina
Não tem um só remédio
Em toda medicina

Ela só quer
Só pensa em namorar
Ela só quer
Só pensa em namorar


Composição: Luiz Gonzaga / Zé Dantas

Fatos que mudaram a história do Rock (11)

Jimi Hendrix



Como um cara ou coroa permitiu que Jimi Hendrix conquistasse os EUA


Data: 18 de junho de 1967, Festival Pop de Monterey, Califórnia



Trechos do livro 50 fatos que mudaram a história do rock...

"Em janeiro de 1967, dois jovens empreendedores, Ben Shapiro e alan Pariser, participaram do Festival Human Be-In, no Golden Gate Park, em São Francisco. O festival fora organizado como manifestação pública contra a proibição do LSD Entre os artistas que tocaram naquele dia estavam The Grateful Dead, Quicksilver Messenger Service, Jefferson Airplane. Vários ícones da contracultura, como Allen Ginsberg, compareceram, e dizem que Timothy Leary comprou cem mil tabletes de LSD e os distribuiu gratuitamente."




Monterey Pop Festival - part I






"Foi esse o dia em que os hippies anunciaram sua presença ao mundo, um dia em que milhares e milhares de jovens entraram em sintonia, se ligaram e caíram fora, e Shapiro e Pariser ficaram muito impressionados. Percebendo o potencial do novo movimento, decidiram organizar um evento similar para junho daquele ano. escolheram a área de feiras de Monterey, localizado entre São Francisco e Los Angeles."




Monterey Pop Festival 1967









Greatest GUITAR SOLO EVER








"Eles formaram um conselho administrativo para montar o festival. Faziam parte do conselho Brian Wilson, Paul McCartney, Mick Jagger e Smokey Robison. foi Paul McCartney quem insistiu para que o festival contratasse um grupo chamado The Jimi Hendrix Experience."




The Star Spangled Banner [ American Anthem ] ( Live at Woodstock 1969 )







"A princípio, muitos achavam que ele estava simplesmente imitando Pete Townshend, então conhecido pela excentricidade de detonar guitarras. 'Hendrix foi o primeiro homem a tripudiar sobre o meu território', um dia declarou Townshend. 'Eu me senti muito intimidado com isso'.




Wild Thing








"Nos bastidores, porém, qualquer ideia de harmonia espiritual era dissipada por uma briga crescente entre Jimi Hendrix e Pete Townshend. Um queria tocar antes do outro."




Foxey Lady (Miami Pop 1968)






"A questão foi finalmente resolvida quando John Phillips interveio e sugeriu que a questão fosse decidida no cara ou coroa. Os dois pararam, pensaram a respeito e aceitaram a proposta. Phillips jogou a moeda, Townshend ganhou e Hendrix seria a última atração da noite."




Voodoo Child, Live '69







"Hendrix reagiu à notícia pegando o instrumento e tocando, nas palavras de Townshend, 'uma guitarra incrível, parado em uma cadeira no camarim debaixo do palco. janis Joplin estava lá, Mama Cass, Brian Jones, Eric [Clapton], eu e algumas outra pessoas... Depois, ele se levantou, virou para mim e disse: 'Se eu for tocar depois de você, vou dar tudo de mim'. E foi embora."




Hey Joe









"Jimi entrou no palco e mandou ver 'Killing Floor'."










"Ele esfregava o braço da guitarra, pressionando-a contra os alto-falantes para causar microfonia, lambendo lascivamente o instrumento. Depois passou para 'Foxy Lady' antes de tocar uma versão meio R&B de 'Like a Rolling Stone', de Bob Dylan.





Like a Rolling Stone










"A seguir vieram 'Rock Me Baby', 'Hey Joe', 'Can You See Me' e 'The Wind Cries Mary', uma das maiores baladas de todos os tempos de Jimi."




The Wind Cries Mary










"A banda tocou 'Wild Thing' e Hendrix se esbaldou. Tocou guitarra nas costas, no meio das pernas, nos joelhos. Correu a língua para cima e para baixo nas cordas. ele arremessou a mão da guitarra nos amplificadores e depois jogou o instrumento no chão. A seguir veio o golpe de misericórdia, num ato sugerido pelo relações públicas Keith altham. Hendrix saiu do palco e voltou com uma lata de fluido para isqueiro. ele derramou o líquido sobre a guitarra e riscou um fósforo. O instrumento pegou fogo."





Red House (live in Stockholm, Sweden 1969)







"O dia em que Hendrix tomou o sucesso de Pete Townshend ao perder um cara ou coroa."


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Outras histórias:


Sergeant PEPPER


sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Histórias de avoinha: As Casa do Comércio na Villa 8


Ensaio 33B – 2ª edição 1ª reimpressão


baitasar


Uso como navalha, a frase dita pelo Gaspá ficô balançando com as risada solta na boca dos dois, inté parecia duas criança fazendo diabrura. O tabernêro com o dedo do meio espichado, todo aprumado como tivesse se exibindo depois da cerimônia feita com a espada, aplico um pequeno corte na textura fininha da entrada e espero pela linha de sangue, parô o relato heroico e puxô a última brasa viva do paiêro. Ameaçô jogá as cinza do peito na penumbra da taberna, mais engasgô com os escombro cinzento. Ficô desengonçado, armava e desarmava a limpeza da goela. Nada saia ou entrava. A rouquidão presa no peito. A vontade de se livrá do engasgo não tirava o engasgo. Não bastava tê a vontade. Ele se parecia com um cachorro perdido nas ruas que ninguém dá atenção. Não bastava querê saí das rua, precisava tê um lugá pra ficá e acomodá as mania.

Quando o tabernêro ficô com a cô azulada a freguesia levantô, mais não deu passo atrás nem pra frente, queria oiá meió... só isso. O siô da Hora colocô as duas mão no balcão sem tê qualqué serventia. O oiá de diabrura agora parecia de nojo. Nessa altura dos acontecimento o Gaspá já tava roxo e babando. As vista estarrecida não parecia acreditá qui ele se terminava assim: engasgado, na frente da freguesia; desalinhado, desaprumado, deselegante, babando, sem despedida. Acaso, desse no jeito de se explicá, tinha certeza qui ia partí sem pecado. E se Deus fosse justo mesmo sem a extrema-unção do siô padre. Não parecia tê mais jeito de salvação desse lado do balcão.

Uma das freguesia do tabernêro era o covêro do cemitério branco. O homê da enterração continuava sentado. Foi o único qui não levantô, parecia sabê onde aquela confusão ia terminá. Oiava e esperava. Uma das mão metida no bolso acariciava a fita de fazê as medida; na otra, o copo com a destilada misturada na água. Não mostrava tá sorrindo nem parecia tê preocupação.

Na porta da rua, o povaréu se ajuntô. A curiosidade da coisa ruim nos otro atrai inté em começo de escuridão. Uns queria vê a cara da morte, otros apostava que ela não ia aparecê. O empurra daqui e puxa dali não ajudava o desengasgue do moribundo babão. O Juca da Botica dos aviamento corria pela rua da praia, preocupado qui não havia de corrê mais rápido com medo da estrada escurecendo, foi avisado do pedido de ajuda urgente: socorro de vida. Pelo retrato falado, achava qui não tinha socorro de serventia, mais, na dúvida, foi resolvê o chamado nem qui fosse só pra ficá oiando e anunciá o fim do balconista. Quando chegô foi logo avisando qui precisava passá

Com licença, obrigado... por favor, preciso passar, foi quando apareceu uma pretinha, vindo de qualqué lugá. Ela pegô a cabeça do Gaspá com as duas mão e colocô a boca preta na boca roxa do tabernêro. Assoprô e puxô o qui assoprô, cuspiu as cinza com sangue no chão. O tabernêro deu um grito de pavô qui parecia tê amaldiçoado toda a Villa. Babava verméio na boca e escorria a mesma cô do nariz, mais ele tinha voltado do lugá da escuridão e respirava desengasgado do desespero de ficá lá

O que foi isso, Gaspar?

Nervosismo, sinhô da Hora.

Ninguém tirava os pé nem as vista, todos qui podia ficava com a visão no lugá onde tava o tabernêro; lá fora, um dos preto qui ninguém viu quem foi, mais qui só podia sê coisa de preto, anunciô qui o tabernêro não aceitô o convite da muié da foice e voltô do compromisso com a morte depois de recebê o tranco do encosto. Pronto, foi o qui bastô pra corrê na Villa qui o tabernêro foi salvo da escuridão pela graça e vontade dum encosto. Quando o Juca afastô os curioso, um a um, e colocô as vista no tabernêro, o susto do pió acontecê já tinha passado. E as pessoas já procurava acomodá nas história o qui cada um contava do jeito qui viu

O que aconteceu, Gaspar?

Nervosismo, Juca.

O covêro da Villa branca largô a fita das medida, tirô a mão do bolso e pediu otra dose da pinga. O tabernêro ergueu a destilada aguada e anunciô

Essa é na conta da casa!

Vida longa, Gaspar!

A freguesia levantô pra modo de sê servida no balcão. Um e um, com o seu copo pra recebê a destilada misturada na água, a fila foi nascendo e crescendo inté no balcão. As coisa na taberna já tava se livrando das vista com curiosidade. A vida começava se acomodá nas festa da bebida, das conversa mole e dos atrevimento

Gaspar, ocê precisa conversar aqui com o Juca. E pedir um aviamento para essa tosse vermelha.

Estou na sua disposição, meu amigo, é só passar lá na botica, o Juca não tinha a distinção dos doutô, mais na prática do dia-a-dia e nas coisa de febre pouca ou sangramento pequeno ele inté arriscava os seus palpite e aconselhamento

Não carece... foi só nervosismo, o tabernêro ergueu a destilada pura, qui deixava escondida atrás do balcão, sem as mistura da água pra desencorpá o gosto e aumentá os lucro, serviu um, dois, três dedo, nos dois copo. Ofereceu um copo pro Juca e o otro ficô na mão do siô da Hora

Não bebo em serviço, Gaspar. e preciso voltar que o escurecimento já tá brabo.

A vontade é sua, Juca.

O socorrista fez as despedida do costume, precisava voltá pra botica

Até mais ver, sinhô Afonso da Hora. E ocê, Juca, aparece na botica.

Inté mais ver, Juca.

Depois qui o Juca saiu, a taberna já tava parecendo como antes do nervosismo do Gaspá, um belo ofício de serví as pessoa sem pressa. Um lugá onde as obrigação ficava vagando, escondida pelos canto. O apuro de tosse trancada do Gaspá já tava disfarçado. O tabernêro subiu um brinde pras menina da cô negra. Nos últimos tempo, o tabernêro parecia tê grudado nas ideia as pretinha

Salve a dobradura fininha qui as negrinhas carregam e que dá tanto gosto rompê! Salvem as negrinhas!

Foi tudo num só gole.

Então, ela respondeu o chamado. Apareceu na porta, nas costa do tabernêro: a pretinha do socorro. Vinha descoberta da cintura pra cima. Carregava nos óio a transparência das tristeza qui ninguém se importava vê. A carapinha tava rala, recém crescendo do corte com navalha. O rosto tinha três sulco na testa, parecia linha feita pra continuação do nariz. Nas feição de lado do vulto mais três marca, parecia estreitá a distância da linha grossa dos lábio com a volta da nuca. Era as marca qui contava do seu lugá de antes, feita pelas mão segurando ferro-velho afiado. Umas tinha as marca do lugá angola, otras do congo, benguela, cabinda. As preta mina e muitas otras. As marca dela fazia anunciação do lugá qui veio e provocava as memória, negava o rechaço das lembrança escondida. As marca anunciava qui o lugá dela não era aqui, foi roubada do seu lugá de vivê as alegria, as tristeza, as cantoria, as dança, as reza, quase tudo ficô lá. O qui não ficô, ela trouxe nas lembrança, nas marca e no choro qui fez virá cantoria.

A pretinha passô pela cortina de pano cinza e caminhô inté o Gaspá. Não parecia tê muito tamanho. Ela parô no lado do tabernêro. Ele pareceu não tê gostado daquela aparição, mais desviô as vista da freguesia e oiô a menina. Ela continuava oiando a transparência, ele oiava a gula qui não sabia controlá. Os dois continuava em silêncio. A aparição lhe fez siná de aproximação. O Gaspá dobrô a cabeça e virô as vista de lado, pra modo de escutá meió. Esperô o cochicheio da pretinha qui não se demorô, mais parecia não tê muita força, quase não podia rompê o silêncio da morte

Agora, não.

Ela esbugaiô as vista. O tabernêro sabia desconjuntá as boa intenção e as ruindade, também. Era grosseiro, desatencioso e gritadô. Gostava de ganhá no grito. Anunciava as mentira do mesmo jeito qui as suas pouca verdade. Não dava importância pras menina nem pros poeta

Volte, lá para dentro, a pretinha de pouco tamanho saiu na disparada, parecia tá virando fumaça. Ela não sabia o qui tinha dado errado

O que foi isso, Gaspar?

A pergunta do siô da Hora lhe fez pensá as banalidade da resposta

Essa mulherada, meu amigo, apontô com os óio a pretinha qui desaparecia na cortina cinza.

O siô da Hora esticô as vista da cobiça e da curiosidade. Oiô com argúcia, depois com ironia, por cima do balcão, voltô as vista no homê nada requintado, mais perturbado na confiança. Parecia qui ardia em febre. Não viu nenhum feitio de muié. Caminhô sua atenção lá e cá, inté qui firmô as vista no tabernêro. Sentiu um estremecimento qui mais se pareceu um arrepio. Não pensô qui viu, mais teve o pressentimento qui o Gaspá deixô de sê o mesmo qui sempre foi

Como ocê está, homem de Deus?

O otro não parecia tê escutado a pergunta de afligimento do siô da Hora, continuava sua falação estranha

Essa mulherada, tanto faz serem as negras ou brancas, estão sempre querendo se mostrá com as suas maneiras de cozinhar. Uma querendo ser melhor que a outra.

Quem, Gaspar?

O tabernêro balanceô a cabeça num lado e otro, parecia na procura de alguém. Um pequeno fio verméio tinha escapado pelo canto da boca e ficô pendurado. Seco. Anunciando qui a aparência da saúde boa não era mais boa

O sinhô não viu? A pretinha veio me chamar para jantar, como se eu pudesse fechar a taberna e me sentar para apreciar sua comida.

Não vi ninguém, Gaspar.

O tabernêro serviu todo o copo e tomô num gole só. Precisô dobrá o corpo pra não mostrá a máscara da dô. As mão apoiada nos ombro da pretinha não deixô ele dobrá inté o chão.

_________________________

Leia também:

As Casa do Comércio na Villa 7
Ensaio 32B – 2ª edição 1ª reimpressão


As Casa do Comércio na Villa 9
Ensaio 34B – 2ª edição 1ª reimpressão

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

75 é um bão número

Tina Turner




Ike & Tina Turner - River Deep Mountain High (original 1966)






Ike & Tina Turner - Take you higher




Ike & Tina Turner - River Deep Mountain High 1971





River Deep Mountain High





Tina Turner & David Bowie -Tonight (Private Dancer Tour 1985)





Tina Turner & Chuck Berry - Rock n roll music





Tina Turner & Mick Jagger Live AID 1985





Tina Turner & Rod Stewart - "Get Back" & "Hot Legs" - Live 1981





Acid Queen - Tommy





Private Dancer





The Best





Goldeneye





Tina Turner - We Don't Need Another Hero




Auto-ajuda: Testamento

Vinícus e Toquinho






Testamento

Toquinho e Vinícius


De: Toquinho - Vinícius de Moraes

Você que só ganha pra juntar
O que é que há, diz pra mim, o que é que há?
Você vai ver um dia
Em que fria você vai entrar

Por cima uma laje
Embaixo a escuridão
É fogo, irmão! É fogo, irrnão!

Falado

Pois é, amigo, como se dizia antigamente, o buraco é mais embaixo...

E você com todo o seu baú, vai ficar por lá na mais total solidão,

pensando à beça que não levou nada do que juntou: só seu terno de

cerimônia. Que fossa, hein, meu chapa, que fossa...

Cantado

Você que não pára pra pensar
Que o tempo é curto e não pára de passar
Você vai ver um dia, que remorso!

Como é bom parar
Ver um sol se pôr
Ou ver um sol raiar
E desligar, e desligar

Falado

Mas você, que esperança... Bolsa, títulos, capital de giro, public

relations (e tome gravata!), protocolos, comendas, caviar, champanhe

(e tome gravata!), o amor sem paixão, o corpo sem alma, o pensamento

sem espírito
(e tome gravata!) e lá um belo dia, o enfarte; ou, pior ainda, o

psiquiatra

Cantado

Você que só faz usufruir
E tem mulher pra usar ou pra exibir
Você vai ver um dia
Em que toca você foi bulir!
A mulher foi feita
Pro amor e pro perdão
Cai nessa não, cai nessa não

Falado

Você, por exemplo, está aí com a boneca do seu lado, linda e

chiquérrima, crente que é o amo e senhor do material. É, amigo, mas

ela anda longe, perdida num mundo lírico e confuso, cheio de canções,

aventura e magia. E você nem sequer toca a sua alma. É, as mulheres

são muito estranhas, muito estranhas

Cantado

Você que não gosta de gostar
Pra não sofrer, não sorrir e não chorar
Você vai ver um dia
Em que fria você vai entrar!

Por cima uma laje
Embaixo a escuridão
É fogo, irmão! É fogo, irmão!




Per Vivere un Grande Amore







Como dizia o poeta






Sei lá.. a vida tem sempre razão







Canto de Oxum






Tarde em Itapoã





segunda-feira, 24 de novembro de 2014

X - Contos Africanos

O enterro da bicicleta



Nelson Saúte



A aldeia foi sacudida com a notícia da morte do deputado. Todas as mortes são notícia em nossa terra, mas aquela foi invulgar. A consternação colheu também as aldeias mais próximas. Sem dúvida que aquele era um acontecimento para se escrever nos armoriais da povoação em que ele era a única personalidade carismática. Não era a primeira vez que empreendia aquela viagem de bicicleta até à vila, onde apanhava o machimbombo[1] que o levava ao distrito e, de lá, para a capital da província, de onde se situava o parlamento. Nenhum dos habitantes daquelas terras alguma vez ouvira falar de leões. Falava-se, sim, de crocodilos que, não raro, devoravam crianças desprevenidas que tentavam atravessar para a margem adversa do rio. Contava-se inclusive a história de uma mãe que velou a cabeça do filho, dado que o corpo fora engolido por um crocodilo no rio. Aquele leão foi o primeiro de que se ouviu falar e, provavelmente, ouvir-se-á falar por muitos anos. Parece que o deputado ainda revelou alguma bravura quando se confrontou com a situação. Não fugiu, olhou frontalmente o animal, sem medo da sua juba e dos seus rugidos. Mas não estavam em igualdade de circunstâncias: as forças e armas eram tremendamente desiguais. O leão levou a melhor, tanto mais que do homem apenas restou uma bicicleta retorcida e alguns farrapos da sua roupa. A aldeia parou durante dias para os seus funerais.

Quando deputado seguia para a capital, a aldeia parava para saudá-lo. A cerimônia decorria nas primeiras horas da manhã. Os habitantes da aldeia eram formalmente convidados para dele se despedirem na véspera. Havia aqueles que mesmo assim madrugavam para ir à machamba[2], mas à hora dos cumprimentos estavam na fila. Formavam-se duas longas filas por onde ele passava saudando os seus eleitores. Ninguém poderia duvidar: estava ali uma figura da aldeia, talvez a maior. Via-se na forma como o homem era celebrado, com cantos corais, coreografias populares, batuque e dança que levanta poeira.

O homem era conhecido por possuir uma extensa biografia, mas sobretudo sublinhava-se a sua passagem heroica pela luta armada. Aliás, o momento fundador da nacionalidade tinha sido esse para os seus exaltadores. Era um homem predestinado, indubitavelmente: não teve uma infância como as outras, cedo os seus ombros carregaram a pátria. Não se falava, como os outros meninos, de uma pueril passagem pela profissão de pastor de gado. Fora professor, isso sim, dizia-se com ênfase, uma profissão nobre. Cedo havia de se envolver em atividades políticas. Teve que abandonar a sua aldeia e rumar a Norte, para juntar-se à luta. Regressou com a independência e não quis experimentar a vida da grande cidade, não que temesse seus perigos, as tentações que devoraram os revolucionários, a miragem que viu soçobrar muitos dos seus companheiros. Retornou à sua aldeia porque acreditava que era um homem do campo e lá tinha uma missão. Na verdade, aquela já não era a aldeia que deixara, mas muitos dos habitantes eram ainda do seu tempo. Vivia agora numa aldeia comunal e destacava-se nas atividades políticas.

Caserna e os sonhos. Agora estavam distantes. Olhava e sorria. Tinha uma corrosiva ironia no olhar, mas não perdia a modéstia nem a fleuma nas longas reuniões do partido, no parlamento ou na aldeia.

Muito se dizia também do deputado. Não foi ele que escolheu a mulher, foi-lhe atribuída pelo chefe. Isso lá no mato.

"Queres chegar à independência? Não vês que estão ali muitas camaradas?"

A pontaram para uma solteira. Assim desposara a mulher com quem vivia e partilhava sua vida. Acontece que o homem vivia alheio a esses boatos e prosseguia animado com a sua atividade. Frequentemente descia para a capital, hospedava-se no hotel do partido. Ali não faltava nada, mesmo quando lá fora tudo escasseava. Era o tempo das bichas[3] e do cartão do racionamento. O prato de que mais gostava no hotel era caldeirada de cabrito. Um Lada[4] vinha apanhá-lo e dirigia-se ao parlamento.

Na aldeia onde vivia o deputado não havia um único automóvel. Por aquela rua, a única, de poeira e sem árvores, por vezes passavam bicicletas. Era uma rua sem o sobressalto dos motores, apenas com crianças que brincavam debaixo do sol quando não tinham aulas. Nos dias em que o deputado regressava da capital, a rua enganalava-se. Duas crianças eram preparadas para oferecer uma coroa de flores, que lhe era colocada sobre o pescoço. Muito gostava de vê-las a marchar, com passos sincronizados, como se fazia nos dias festivos da capital. O deputado cumprimentava toda a gente com delicadeza. O seu regresso era não só motivo de festa na aldeia, mas também de frenesim.

O homem, depois dos cumprimentos da aldeia, dirigia-se à casa, onde lhe esperavam um balde de água quente para se banhar e comida diligentemente preparada pela mulher. Enquanto isso, os seus inúmeros filhos não o largavam, tentando saber que prensas o pai trouxera da grande cidade. mais tarde reunia-se com as personalidades da aldeia e fazia uma longa banja[5], contando episódios das viagens, as pessoas com quem falara, o contato com os altos dirigentes do partido e da Nação. O deputado repetia fielmente os discursos proferidos na tribuna do parlamento, argumentando sobre as vitórias da revolução, vituperando o inimigo. Os seus olhos cresciam, os gestos eram largos, a sua eloquência transformava-o numa figura mítica. Quem o ouvisse apenas poderia convencer-se de que estava ali o presidente, fazendo um daqueles seus discursos.

O homem era o orgulho daquela remota aldeia, que vivia das machambas, de algum gado, mais do que nada. A água escasseava, mas havia um rio não muito longe, pelo qual as mulheres percorriam aqueles quilómetros com bidões à cabeça. As casas de adobe[6], muitas delas caiadas, hieráticas. Na varanda uma cama feita de palha, onde os homens se deitavam na modorra das tardes do tempo de calor. Havia ali um posto sanitário, muito precário, onde a velha parteira atendia a todo tipo de doentes. A árvore mais frondosa tinha uma gigantesca copa que fazia uma sombra enorme, capaz de albergar todas as crianças que aprendiam acocoradas. Era uma aldeia pobre, mas os seus habitantes eram felizes. O deputado gostava de o referir nos encontros em que participava quando relatava os progressos da sua terra.

No dia em que foi conhecida a notícia da morte do deputado, os miúdos não tiveram aulas, as mamanas[7] regressaram cedo da machamba, os homens se reuniram na casa do mais velho dos aldeões. O deputado era um homem de uma certa idade, mas havia anciãos na aldeia, que tinham outra autoridade. A rua de poeira, onde perfilavam os habitantes da aldeia para receber a figura singular da terra, era um horizonte de tristeza e desolação. Os meninos recolheram-se. Não se ouviam as gargalhadas que atravessavam os dias, nem os gritos dos que chamavam pelos seus, apenas um ou outro galo cacarejava extemporâneo. Um profundo silêncio baixara com a poeira da rua.

A velha parteira fechara o posto sanitário. Não tinha muitos doentes. Era uma situação de emergência. Foi encarregue de acompanhar e amparar a viúva. Outras mamanas também assomaram à porta da casa do deputado com a mesma missão, enquanto os homens tentavam uma saída para aquele imbróglio. Os filhos do falecido foram distribuídos pelas famílias mais próximas para brincarem com outras crianças.

Os madodas[8] foram unânimes: um funeral condigno impunha-se. Mas antes de tudo era preciso resgatar o que sobrara do infausto encontro entre o homem e o animal naquela viagem fatídica do deputado. As notícias não eram animadoras. Só havia a bicicleta para testemunhar a violência da refrega. Mesmo a bicicleta, havia quem asseverasse, já vinha muito desfigurada. A peleja tinha sido de meter medo. Mas tinha que haver um funeral. Porém, não havia corpo para enterrar. O mais-velho por vezes rompia o seu silêncio proverbial e falava olhando para a imensidão do céu:

"A alma do morto só descansa quando enterramos o seu corpo."

Um outro, do grupo, interrogou-se:

"Como havemos de vestir o luto se não enterrarmos o homem?

A despeito formaram-se várias comissões. As reuniões e a azáfama se haviam apoderado de todos. A aldeia preparava-se para se curvar à memória e em homenagem ao seu mais ilustre filho, o deputado da Nação.

"Ele merece um funeral de Estado!"

Quase ninguém entendeu aquela frase desabrida, aquela enfática proclamação. As ideias sucediam-se:

"Temos que construir um mausoléu."

Também ninguém sabia o que significava aquela palavra que encerrava uma evidente grandiloquência. Apenas o professor, que era uma lenda da aldeia, se recordava do significado daquela estranha coisa que tinha sido invocada. Ele explicaria complicando:

"Mausoléu é um sepulcro suntuoso."

Mais confusão. O homem do partido, que fizera aquela eloquente proposta, encheu os pulmões de orgulho e rematou:

"Mausoléu é um lugar onde se enterram os grandes. Enterram é um força de expressão. Na verdade, eles são depositados em gavetas."

Sem discordar, houve quem atalhasse:

"Os grandes, afinal, não estão depositados numa cripta?"

"Sim, os nossos grandes descansam na cripta, mas esses são os grandes nacionais, outros assim como o deputado merecem também o nosso respeito, mas é um exagero fazer uma estrela como aquela construída na praça dos heróis à entrada da capital. Por isso, a ideia do mausoléu. podíamos propor às autoridades que se fizesse um mausoléu para a ilustre figura da nossa aldeia."

O proponente di-lo com tamanho entusiasmo que ficara depois a olhar em volta à espera da anuência dos outros. O mais-velho, dono da casa, confirmou que era um homem sensato, coisa que se atinge também com a idade. Interrogou, derrubando os argumentos do homem que representava o partido:

"Essa coisa de cripta faz-se com adobe e se cobre com capim?"

A ideia de construir seja o que fosse estava deitada por terra. Foram discutidas outras hipóteses. A verdade é que toda a gente estava de acordo: o deputado teria umas exéquias fúnebres à sua altura, uma homenagem sentida de toda a população, mais nada de ideias estapafúrdias, nada de proselitismos.

Depois, viriam certamente representantes de outras povoações, até da vila e da cidade, quem sabe um representante da própria Nação? Afinal, tratava-se de um eleito do povo. Era preciso providenciar alojamento para essas visitas insignes e seu respectivo acompanhamento. foram organizadas casas para os receber e uma comissão dos madodas avançou para recuperar a bicicleta ou aquilo que dela sobrava: os despojos da guerra.

Estava decidido: seria sepultada a bicicleta, far-se-ia uma urna, que seria velada e enterrada como se o próprio dono se tratasse.

"Só assim a alma do homem descansará."

Ninguém se opôs e pareceu que a ideia era mesmo brilhante. A comissão das exéquias já estava no terreno, a comissão da logística e responsável por visitas desdobrava-se. Começaram os ensaios dos cânticos pela comissão das atividades culturais que funcionava na aldeia nos dias festivos como a data da independência e outras ocasiões. Sempre que uma figura importante desembarcava naquele lugar, mesmo o próprio deputado tinha sido agraciado inúmeras vezes com aqueles cânticos. Era uma mamana da OMM[9] que cuidava do assunto e, ao que parece, mostrava uma indubitável competência. A comissão da ornamentação tratou de colher flores silvestres das mais variadas. À entrada da casa do deputado havia uma coroa enorme e o percurso que foi traçado do lugar onde sairia a urna até ao cemitério foi igualmente enganalado.

Nenhum pormenor escapou. Havia duas bandeiras apenas na aldeia. Uma por estrear, que viera com o administrador do distrito e fora guardada para ocasiões solenes; a outra estava rota. Ambas foram postas a meia haste. Os miúdos desenharam bandeiras nas folhas centrais dos cadernos e prenderam-nas com paus de caniço à entrada das casas. Vieram visitas de longe: o administrador, representantes de outras aldeias, uma alta figura que ninguém sabia identificar. A aldeia toda compareceu na manhã do funeral e concentrou-se junto do palanque que ficava num descampado que servia de campo de futebol para os miúdos. Quase todos envergavam roupa que denunciava o luto e tinham os rostos compungidos de dor e tristeza.

A urna impunha num pequeno estrado. Foi coberta por capulanas[10], as bandeiras, as duas únicas que existiam não eram suficientes para todo o féretro. Os convidados tinham lugares sentados, assim como as autoridades locais e aqueles que se haviam deslocado para a cerimônia. A viúva e os nove filhos do deputado estavam sentados na primeira fila, do lado esquerdo, num banco sem costas, por onde passaria a enorme fila dos que lhes prestavam homenagem.

O velório tinha sido marcado para as primeiras horas, o sol foi célere a atingir o rosto dos presentes. As mulheres cantavam. O chefe da célula do partido fez o elogio fúnebre, seguiram-se mensagens, antes de os homens da aldeia carregarem, compungidos, aquela enorme e disforme urna. O cortejo percorreu o trajeto indicado, os cantos e os acenos dos que se despediam do deputado são insequecíveis. Chegados ao cemitério houve mais elogios antes de a urna descer à terra.

No final, houve lavagem de mão, em casa do defunto. A cerimônia do chá tinha muita gente e aí as conversas, nos círculos dos homens, já denunciavam que havia alguma descontração. os forasteiros começaram a despedir-se a meio da tarde para empreenderem a viagem de regresso. De repente, surgiu um burburinho e começaram a juntar-se pessoas. Chegara, não muito tempo antes, um mensageiro. O homem fizera tudo para chegar antes dos funerais da defunta bicicleta. Poré, houve percalços que o atrasaram pelo caminho. À sua volta estavam apenas os homens que haviam comparecido àquele último ritual de despedida do deputado. As mulheres mantinham-se num grupo à parte. O mensageiro caiu fatigado, sempre com a língua de fora. Ainda tentaram reanimá-lo. Estava morto antes de revelar o que lhe trouxera de tão longe.


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Nelson Saúte nasceu em 1967, em Lourenço Marques (hoje Maputo), Moçambique. Saúte, que viveu os anos de guerra em Moçambique na década de 1980, tinha apenas sete anos queando o país se tornou independente. Muito de sua literatura traz ecos desse período da história moçambicana. Formado em ciências da comunicação, foi professor e jornalista.





Contos africanos dos países de língua portuguesa /
Albertino Bragança... [et al.] ; organizadora Rita Chaves ; ilustrador Apo Fousek. - 1.ed. - São Paulo ; Ática, 2009.





[ 1] Ônibus (N.E.)
[ 2] Lavras, pequenas propriedades cultivadas. (N.E.)
[ 3] Filas. (N.E.)
[ 4] Carro fabricado na antiga União Soviética muito frequentemente nos países africanos que contaram com o apoio dos países socialistas para a independência. (N.E.)
[ 5] Fala, encontro. (N.E.)
[ 6] Grande tijolo de argila, seco ou cozido ao sol, às vezes acrescido de palha ou capim para fazê-lo mais resistente. (N.E.)
[ 7] Termo que designa mulheres mais velhas, por alusão ao vocábulo do ronga, língua falada no sul de Moçambique. (N.E.)
[ 8] Indivíduos maduros, dignos de respeito. (N.E.)
[ 9] Organização da Mulher Moçambicana. (N.E.)
[10] Panos utilizados no vestuário feminino em Moçambique de diversas maneiras: cobrindo o corpo, como um vestido, ao redor do quadril, como um saia, enrolado na cabeça etc. As capulanas também estão muito presentes em rituais. (N.E.)