Gavião
veio do sul e pum!
Boaventura Cardoso
Estou olhar assim os pássaros estão brincar nas lavras, debicando aqui e ali é cantarolar, música é deles e riacho correr fintando pedras e sol bom e verdura é verde bonito em todos os lados e quando então faço xô! olha só os pássaros todas as cores a se levantarem assustados e estão embora bazar[1] noutras bandas!
Passarada infestando, Katiétié e Ngungela e Kikengo e rabo de junco e pardal e passaritos e começo andar depressa para lhes apanhar e todos tuí tuí katuí tuí. Cavalo Sem Dono larga corrida e faz voar nuvem: os pássaros! Lá longe estou ouvir ão ão ão. É o cão. Cavalo Sem Dono vem vindo toupeira embocada. Lhe apanhou quando estava buracar nas lavras e zás!
Chego nas lavras e encontro as mibangas[2] foram mexidas. Como estavam ontem: desencontro as mibangas. Parece andou lá trator toda a noite. Tem pássaros nada e tem também o nada do céu sem nuvens e o céu está limpinho. Na senzala[3] ninguém está acreditar. Quem está roubar na lavra assim?
— Xé! — sibilante: o assobio. Nem reconheço meu avilo[4] Kilausse, estou mbora distraído no acontecimento.
Cada manhã se senta comigo e me fala histórias complicadas e fantasias da cabeça dele avariada.
— Qualquer dia vou virar pássaro e vou ir voar no outro lado — Kilausse está me falar mas está olhar longe.
— Como é que vais ficar pássaro? — meus zolhos chocam nos zolhos dele. Olhadas.
— Num sabes os pássaros conhecem muitas terras? Levam pessoas nas costas e são nossos amigos? Quando Kilausse vai ficar pássaro te levo também. Vamos fazer ninho para guardar ovos de todos os pássaros.
— E que é que vamos fazer com os ovos de todos os pássaros? — puxada: a língua.
Andrajoso e barba barbuda, à noite pernada nas lavras e falar com os morcegos e lhes berridar[5] e os morcegos a voar. É Kilausse — primeiro boca pequena. É Kilausse — depois muitas bocas a lhe acusarem. É gatuno, é feiticeiro, é ele mesmo quem está estragar nas lavras. Na xingação Kilausse está mbora rir. Maluco tem riso dele independente e maluqueira dos outros não é com ele.
— Muitos pássaros no céu... muitos ovos a voar e um ovo grande a baloiçar. Depois mato os ovos todos e meto os pássaros nos ovos...
Cavalo Sem Dono adormece. As moscas rodopiando perto dele não escapam.
— Mas oh Kilausse quem pôs assim maluco? — Corto: o silêncio.
Eu não sou maluco. Maluco é teu pai que não sabe voar — evidente: a irritação — Kilausse sabe voar!
— Voa então Kilausse! — agito.
— Sei andar no ar sem asas. Um dia mato os ovos e meto os pássaros todos nos ovos a voar...
Passa e pousa adiante na verdura: um pássaro. Nos levantamos e estamos andar no meio das mibangas e os pés a se enfiarem na terra. Kilausse dá pernada. Sempre tem pressa de chegar onde?
Nas mibangas cada manhã: o traço passageiro do réptil. E ainda: buracos de toupeiras. Formigas formigando na azáfama diária e caracol só tem crosta e salalé[6] tem fortaleza dele na verdura e feijoeiro amigando caule de milho e macundeiro[7] e batata e milho também tem.
É Kilausse — boca crescente. Círculo interrogante, seculo[8] moderando. Olhadas. Ânimos exaltados, século arrefecendo. É Kilausse — boca, bocas, muitas bocas. Kilausse no fogo dos olhos todos está mbora rir. E então as pedras começam cair em cima dele zuá zuá e ele baza.
— É preciso proibir o miúdo de andar com Kilausse. Temos de lhe apanhar imediatamente — arrastando pés no entardecer os dois velhos ficam calados quando apareço assim fien! derepente.
Na senzala Kilausse só está vir à noite. Crescente: nossa amizade clandestina.
Sol ardente, vento quase nada, eu e Kilausse estamos fisgar[9] nos passarinhos. Cada pássaro toma! Vem mais um toma! Outro mais a vir toma!
Derepente ouvimos no capim está mexer. Viramos nossas caras: nada. Passado tempo outra vez ouvimos corrocochó corrocochó no capim está mexer. Estão nos espreitar alguém da sanzala. Apanhamos pedras e zás é atirar na direção deles. Silêncio. Parámos de atirar e lançamos olhos no local onde antes capim mexer: nada. Continuamos pedrejar. Kilausse diz qualquer coisa que ninguém percebe e depois estamos ver dois vultos longe a se afastarem. Nos rimos.
— Está na hora de ir trabalhar — de pé: a marchar.
— Trabalhar aonde?
— Não sabes Kilausse é chefe dos pássaros? — Kilausse: se afastando. Finge abrir porta do carro, bate porta do carro, mete mudança e arranca velocidade. Fico a lhe olhar desaparecendo.
Pássaros vêm atrás de pássaros e eu sempre a enxotar pássaros e pássaros a virem e pássaros a irem. Vêm em bandos na andança deles vacilante e quando a surpresa duma pedrada em cima deles partem todos em fuga. E voltam. Enxoto pássaros e pássaros e pássaros. E voltam mais.
Um dia alvejei passarito. Passarito caiu e corri atrás de passarito e apanhei passarito. Levei passarito na sanzala, ia comer no celeiro, cantava bem. Todos os dias ia ver passarito de manhã. Depois passarito começou a me acompanhar. Eu andava nos carreiros e passarito voava e me adiantava e passarito ia me esperar lá afrente no galho de uma árvore. Passarito desafiava Cavalo Sem Dono na corrida e voava rasteiro quase a tocar no cão. Éramos: família, eu, cão e passarito e Kilausse.
Ameaça chuva. Passarito baza. Cavalo Sem Dono bate corrida. Estico pernas no atraso, velha Umba ainda lhe ajudo lenha na cabeça. Passarito e Cavalo Sem Dono lhes topo? É chuva: na terra fertilmente. Umba comigo na passada chuvada.
Kilausse: já não é. Não pode ser Kilausse o destruidor. Muitas lavras muitas lavras destruídas. Cada noite: o terror. É boca: Kilausse, o destruidor de lavras.
Estamos todos sentados na lavra, em cima dum morro de salalé donde podemos ver a lavra toda e enxotar melhor: os pássaros. Kilausse tem comportamento: irrequieto. Se senta, se levanta, se senta, se levanta. Se coça na cabeça. Cavalo Sem Dono tem também comportamento dele: traquinices. Vai longe e volta nos meus pés. Tem corrida desorientada para direita e para esquerda.
Estamos assim sentados a enxotar pássaros a virem em bandos cerrados volteando e dando voltas e a irem e a virem. Pássaros de todos os tamanhos grandes e pequenos e coloridos, muitas cores e voltearem e a se chocarem e a caírem atordoados. Fisgar assim todos os pássaros em bandos volteando não dá e a mão começa ma doer. Tantas pedras aqui para fisgar pássaros e não chegam para tanto pássaro. Cada pedra vai sem rumo certo e pedra acerta só e pássaro cai. Estamos assustados com o céu a escurecer.
Estamos assim sentados a enxotar pássaros quando estamos ouvir barulho a vir perto de nós. Pássaros no céu a voltear ficam mais desorientados e pássaros se chocam e pássaros caem e pássaros fogem com rumo desacertado. Estão vir outros pássaros assim e mais pássaros a fugirem do barulho a aumentar assim e a ficar mais perto de nós assim. Kilausse então faz corrida com Cavalo Sem Dono até certo ponto e depois então Kilausse e o cão voltam para irem outravez loucamente.
Estamos assim a enxotar pássaros em bandos volteando e o barulho a aumentar assim cada vez mais e o barulho a vir assim perto de nós. E nós assustados. Sinto terra mexer e mibangas serpentear e barulho e mais barulho. Pássaros caem mortos com o barulho a vir assim e deixam desenhado no ar colorido de penas. As árvores estão baloiçar assim e montanhas a se movimentarem assim no ritmo das ondas. E vento está trazer gritaria agonizante.
Estamos assim a enxotar pássaros em bandos volteando e a caírem assim no chão e o barulho a aumentar assim e a vir perto de nós. E nós assustados. E tudo está a mexer assim a terra e as montanhas e as nuvens e a terra e tudo a mexer assim. Kilausse e Cavalo Sem Dono não estou então lhes ver. E o barulho a aumentar a aumentar assim e o barulho a vir então perto de nós e tudo a mexer a terra, as montanhas e as nuvens e tudo e a terra e tudo tudo assim a mexer. E os pássaros a caírem todos mortos assim. E o barulho então está quase perto. Me escondo assim num barranco. E o barulho quase a chegar perto e não sei então onde estão Kilausse e Cavalo Sem Dono e pronto já está chegou. Estrondoso assim pum!
Escondidinho no barranco vejo então a vir rasteiro um passarão. Olho assim, boca assim, asas assim. Assim gigante, assim grandalhão, um passarão assim. E o passarão então abre a boca gigante e mostra a língua vermelha. E as asas então do passarão começam então a abanar e levantam pó e as árvores a se mexerem e o vento então a ficar vento forte. Passarão todo dono do espaço assim a voltear oscilante. Estática: a natureza. Nem pássaro nem nada. Nem pássaro nem bicharoco. Passarão todo senhor dono do espaço. Assim passarão vem vindo rasteiro e desova! e rebenta! Cada ovo grande chega no chão: pum! rebenta e incendeia logo e faz buracão assim no sítio onde cai e fogo! Os ovos caem em quantidade e fogo! Fogo! Agachado no barranco só vejo fumo e fogo. Fogo! Tudo fogo. Fogo! Árvores caídas montanhas desaparecendo. O fogo! É fogo. Tudo fogo. Fogo! Fogo!
Passarão volteia e vai. E assim vai barulho estrondoso. Fico então no esconderijo mais tempo. E o barulho a ir longe assim. Me levanto assim atordoado. E o barulho a ir desaparecendo. E vejo assim o resultado: tudo destruído e queimado e arrasado e assado no fogo. E o barulho a ir. E vejo assim milho queimado, capim fumegante e fumarada assim. E o barulho a ir assim.
Tempo passa assim e eles não vêm: Kilausse e o cão. Assobio e ele não aparece: o cão. Ninguém, nem um nem outro: Kilausse e o cão.
Estou assim espantado. Olhar assim o fumo e o fogo e ouvir o barulho estrondoso desaparecendo assim. Estou assim espantado. Olhar tudo assim destruído e queimado assim e vejo então fogo e fumo se esfumando e na terra está verdejar, verde nas lavras, tudo verde. Estou assim espantado a olhar o verde a nascer e o céu a ficar limpo se enchendo da melodia dos pássaros reaparecendo. Estou assim espantado a olhar os pássaros reaparecendo e vejo: Kilausse e o cão.
Estávamos assim sentados a enxotar pássaros em bandos volteando, gavião veio do sul e pum! vida renascente. Estávamos assim outravez sentados a enxotar pássaros em bandos volteando, vieram os gaviões rugindo e pum! pum! pum! e os ovos dos gaviões não caíram e assim os gaviões não regressaram.
Estamos assim sentados esperando gaviões que vão vir com os ovos. E os gaviões vão vir e não vão regressar.
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Boaventura
Cardoso nasceu
em 1944, em Luanda, Angola. É considerado um dos mais representativos
escritores angolanos, ao lado de Luandino Vieira e Pepetela. A riqueza expressiva
de seus textos revela-se na linguagem (que incorpora estruturas da oralidade) e
na temática (que recupera temas da história de Angola), estabelecendo um elo
entre a prosa e a poesia. Dentre os seus livros estão Dizanga dia Muenhu (contos), A
morte do velho Kipacaça (contos) e Maio,
mês de Maria (romance).
Contos africanos dos países de língua portuguesa / Albertino Bragança...[et al.]; organizadora Rita Chaves;
ilustrador Apo Fousek – 1ª ed – São Paulo: Ática. 2009. il. – (Para gostar de
ler: 44)
[1]
Gíria angolana para fugir, escapar. (N.E.)
[2]
Pequenas áreas cultivadas. (N.E.)
[3]
Aldeia. (N.E.)
[4]
Amigo. (N.E.)
[5]
Expulsar, colocar para correr. (N.E.)
[6]
Espécie de formiga, cupim. (N.E.)
[7]
Tipo de feijão, semelhante ao feijão fradinho. (N.E.)
[8]
Velho, idoso. (N.E.)
[9] Atirar
com uma “fisga” que, por sua vez, é uma atiradeira ou um estilingue. (N.E.)
Esse foi o único conto que eu não consegui compreender muito bem...
ResponderExcluirDificil a compreenção deste tão elaborado e magnifico conto. É possivel perceber a astucia do autor a se tratar de mais diversas e exóticas aves.
Excluirtambem nao vei
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ResponderExcluirPassarada infestando, Katiétié e Ngungela e Kikengo e rabo de junco e pardal e passaritos e começo andar depressa para lhes apanhar e todos tuí tuí katuí tuí. Cavalo Sem Dono larga corrida e faz voar nuvem: os pássaros! Lá longe estou ouvir ão ão ão. É o cão. Cavalo Sem Dono vem vindo toupeira embocada. Lhe apanhou quando estava buracar nas lavras e zás!
1/2 xícara (chá) de óleo
ResponderExcluir3 cenouras médias raladas
4 ovos
2 xícaras (chá) de açúcar
2 e 1/2 xícaras (chá) de farinha de trigo
1 colher (sopa) de fermento em pó
COBERTURA
1 colher (sopa) de manteiga
3 colheres (sopa) de chocolate em pó
1 xícara (chá) de açúcar
1 xícara (chá) de leite
MODO DE PREPARO
MASSA
Em um liquidificador, adicione a cenoura, os ovos e o óleo, depois misture.
Acrescente o açúcar e bata novamente por 5 minutos.
Em uma tigela ou na batedeira, adicione a farinha de trigo e depois misture novamente.
Acrescente o fermento e misture lentamente com uma colher.
Asse em um forno preaquecido a 180° C por aproximadamente 40 minutos.