sexta-feira, 8 de junho de 2012

VIII - Contos Africanos


Gavião veio do sul e pum!


Boaventura Cardoso

Estou olhar assim os pássaros estão brincar nas lavras, debicando aqui e ali é cantarolar, música é deles e riacho correr fintando pedras e sol bom e verdura é verde bonito em todos os lados e quando então faço xô! olha só os pássaros todas as cores a se levantarem assustados e estão embora bazar[1] noutras bandas!

Passarada infestando, Katiétié e Ngungela e Kikengo e rabo de junco e pardal e passaritos e começo andar depressa para lhes apanhar e todos tuí tuí katuí tuí. Cavalo Sem Dono larga corrida e faz voar nuvem: os pássaros! Lá longe estou ouvir ão ão ão. É o cão. Cavalo Sem Dono vem vindo toupeira embocada. Lhe apanhou quando estava buracar nas lavras e zás!

Chego nas lavras e encontro as mibangas[2] foram mexidas. Como estavam ontem: desencontro as mibangas. Parece andou lá trator toda a noite. Tem pássaros nada e tem também o nada do céu sem nuvens e o céu está limpinho. Na senzala[3] ninguém está acreditar. Quem está roubar na lavra assim?

— Xé! — sibilante: o assobio. Nem reconheço meu avilo[4] Kilausse, estou mbora distraído no acontecimento.

Cada manhã se senta comigo e me fala histórias complicadas e fantasias da cabeça dele avariada.

— Qualquer dia vou virar pássaro e vou ir voar no outro lado — Kilausse está me falar mas está olhar longe.

— Como é que vais ficar pássaro? — meus zolhos chocam nos zolhos dele. Olhadas.

— Num sabes os pássaros conhecem muitas terras? Levam pessoas nas costas e são nossos amigos? Quando Kilausse vai ficar pássaro te levo também. Vamos fazer ninho para guardar ovos de todos os pássaros.

— E que é que vamos fazer com os ovos de todos os pássaros? — puxada: a língua.

Andrajoso e barba barbuda, à noite pernada nas lavras e falar com os morcegos e lhes berridar[5] e os morcegos a voar. É Kilausse — primeiro boca pequena. É Kilausse — depois muitas bocas a lhe acusarem. É gatuno, é feiticeiro, é ele mesmo quem está estragar nas lavras. Na xingação Kilausse está mbora rir. Maluco tem riso dele independente e maluqueira dos outros não é com ele.

— Muitos pássaros no céu... muitos ovos a voar e um ovo grande a baloiçar. Depois mato os ovos todos e meto os pássaros nos ovos...

Cavalo Sem Dono adormece. As moscas rodopiando perto dele não escapam.

— Mas oh Kilausse quem pôs assim maluco? — Corto: o silêncio.

Eu não sou maluco. Maluco é teu pai que não sabe voar — evidente: a irritação — Kilausse sabe voar!

— Voa então Kilausse! — agito.

— Sei andar no ar sem asas. Um dia mato os ovos e meto os pássaros todos nos ovos a voar...

Passa e pousa adiante na verdura: um pássaro. Nos levantamos e estamos andar no meio das mibangas e os pés a se enfiarem na terra. Kilausse dá pernada. Sempre tem pressa de chegar onde?

Nas mibangas cada manhã: o traço passageiro do réptil. E ainda: buracos de toupeiras. Formigas formigando na azáfama diária e caracol só tem crosta e salalé[6] tem fortaleza dele na verdura e feijoeiro amigando caule de milho e macundeiro[7] e batata e milho também tem.

É Kilausse — boca crescente. Círculo interrogante, seculo[8] moderando. Olhadas. Ânimos exaltados, século arrefecendo. É Kilausse — boca, bocas, muitas bocas. Kilausse no fogo dos olhos todos está mbora rir. E então as pedras começam cair em cima dele zuá zuá e ele baza.

— É preciso proibir o miúdo de andar com Kilausse. Temos de lhe apanhar imediatamente — arrastando pés no entardecer os dois velhos ficam calados quando apareço assim fien! derepente.

Na senzala Kilausse só está vir à noite. Crescente: nossa amizade clandestina.

Sol ardente, vento quase nada, eu e Kilausse estamos fisgar[9] nos passarinhos. Cada pássaro toma! Vem mais um toma! Outro mais a vir toma!

Derepente ouvimos no capim está mexer. Viramos nossas caras: nada. Passado tempo outra vez ouvimos corrocochó corrocochó no capim está mexer. Estão nos espreitar alguém da sanzala. Apanhamos pedras e zás é atirar na direção deles. Silêncio. Parámos de atirar e lançamos olhos no local onde antes capim mexer: nada. Continuamos pedrejar. Kilausse diz qualquer coisa que ninguém percebe e depois estamos ver dois vultos longe a se afastarem. Nos rimos.

— Está na hora de ir trabalhar — de pé: a marchar.

— Trabalhar aonde?

— Não sabes Kilausse é chefe dos pássaros? — Kilausse: se afastando. Finge abrir porta do carro, bate porta do carro, mete mudança e arranca velocidade. Fico a lhe olhar desaparecendo.

Pássaros vêm atrás de pássaros e eu sempre a enxotar pássaros e pássaros a virem e pássaros a irem. Vêm em bandos na andança deles vacilante e quando a surpresa duma pedrada em cima deles partem todos em fuga. E voltam. Enxoto pássaros e pássaros e pássaros. E voltam mais.

Um dia alvejei passarito. Passarito caiu e corri atrás de passarito e apanhei passarito. Levei passarito na sanzala, ia comer no celeiro, cantava bem. Todos os dias ia ver passarito de manhã. Depois passarito começou a me acompanhar. Eu andava nos carreiros e passarito voava e me adiantava e passarito ia me esperar lá afrente no galho de uma árvore. Passarito desafiava Cavalo Sem Dono na corrida e voava rasteiro quase a tocar no cão. Éramos: família, eu, cão e passarito e Kilausse.

Ameaça chuva. Passarito baza. Cavalo Sem Dono bate corrida. Estico pernas no atraso, velha Umba ainda lhe ajudo lenha na cabeça. Passarito e Cavalo Sem Dono lhes topo? É chuva: na terra fertilmente. Umba comigo na passada chuvada.

Kilausse: já não é. Não pode ser Kilausse o destruidor. Muitas lavras muitas lavras destruídas. Cada noite: o terror. É boca: Kilausse, o destruidor de lavras.

Estamos todos sentados na lavra, em cima dum morro de salalé donde podemos ver a lavra toda e enxotar melhor: os pássaros. Kilausse tem comportamento: irrequieto. Se senta, se levanta, se senta, se levanta. Se coça na cabeça. Cavalo Sem Dono tem também comportamento dele: traquinices. Vai longe e volta nos meus pés. Tem corrida desorientada para direita e para esquerda.

Estamos assim sentados a enxotar pássaros a virem em bandos cerrados volteando e dando voltas e a irem e a virem. Pássaros de todos os tamanhos grandes e pequenos e coloridos, muitas cores e voltearem e a se chocarem e a caírem atordoados. Fisgar assim todos os pássaros em bandos volteando não dá e a mão começa ma doer. Tantas pedras aqui para fisgar pássaros e não chegam para tanto pássaro. Cada pedra vai sem rumo certo e pedra acerta só e pássaro cai. Estamos assustados com o céu a escurecer.

Estamos assim sentados a enxotar pássaros quando estamos ouvir barulho a vir perto de nós. Pássaros no céu a voltear ficam mais desorientados e pássaros se chocam e pássaros caem e pássaros fogem com rumo desacertado. Estão vir outros pássaros assim e mais pássaros a fugirem do barulho a aumentar assim e a ficar mais perto de nós assim. Kilausse então faz corrida com Cavalo Sem Dono até certo ponto e depois então Kilausse e o cão voltam para irem outravez loucamente.

Estamos assim a enxotar pássaros em bandos volteando e o barulho a aumentar assim cada vez mais e o barulho a vir assim perto de nós. E nós assustados. Sinto terra mexer e mibangas serpentear e barulho e mais barulho. Pássaros caem mortos com o barulho a vir assim e deixam desenhado no ar colorido de penas. As árvores estão baloiçar assim e montanhas a se movimentarem assim no ritmo das ondas. E vento está trazer gritaria agonizante.

Estamos assim a enxotar pássaros em bandos volteando e a caírem assim no chão e o barulho a aumentar assim e a vir perto de nós. E nós assustados. E tudo está a mexer assim a terra e as montanhas e as nuvens e a terra e tudo a mexer assim. Kilausse e Cavalo Sem Dono não estou então lhes ver. E o barulho a aumentar a aumentar assim e o barulho a vir então perto de nós e tudo a mexer a terra, as montanhas e as nuvens e tudo e a terra e tudo tudo assim a mexer. E os pássaros a caírem todos mortos assim. E o barulho então está quase perto. Me escondo assim num barranco. E o barulho quase a chegar perto e não sei então onde estão Kilausse e Cavalo Sem Dono e pronto já está chegou. Estrondoso assim pum!

Escondidinho no barranco vejo então a vir rasteiro um passarão. Olho assim, boca assim, asas assim. Assim gigante, assim grandalhão, um passarão assim. E o passarão então abre a boca gigante e mostra a língua vermelha. E as asas então do passarão começam então a abanar e levantam pó e as árvores a se mexerem e o vento então a ficar vento forte. Passarão todo dono do espaço assim a voltear oscilante. Estática: a natureza. Nem pássaro nem nada. Nem pássaro nem bicharoco. Passarão todo senhor dono do espaço. Assim passarão vem vindo rasteiro e desova! e rebenta! Cada ovo grande chega no chão: pum! rebenta e incendeia logo e faz buracão assim no sítio onde cai e fogo! Os ovos caem em quantidade e fogo! Fogo! Agachado no barranco só vejo fumo e fogo. Fogo! Tudo fogo. Fogo! Árvores caídas montanhas desaparecendo. O fogo! É fogo. Tudo fogo. Fogo! Fogo!

Passarão volteia e vai. E assim vai barulho estrondoso. Fico então no esconderijo mais tempo. E o barulho a ir longe assim. Me levanto assim atordoado. E o barulho a ir desaparecendo. E vejo assim o resultado: tudo destruído e queimado e arrasado e assado no fogo. E o barulho a ir. E vejo assim milho queimado, capim fumegante e fumarada assim. E o barulho a ir assim.

Tempo passa assim e eles não vêm: Kilausse e o cão. Assobio e ele não aparece: o cão. Ninguém, nem um nem outro: Kilausse e o cão.

Estou assim espantado. Olhar assim o fumo e o fogo e ouvir o barulho estrondoso desaparecendo assim. Estou assim espantado. Olhar tudo assim destruído e queimado assim e vejo então fogo e fumo se esfumando e na terra está verdejar, verde nas lavras, tudo verde. Estou assim espantado a olhar o verde a nascer e o céu a ficar limpo se enchendo da melodia dos pássaros reaparecendo. Estou assim espantado a olhar os pássaros reaparecendo e vejo: Kilausse e o cão.

Estávamos assim sentados a enxotar pássaros em bandos volteando, gavião veio do sul e pum! vida renascente. Estávamos assim outravez sentados a enxotar pássaros em bandos volteando, vieram os gaviões rugindo e pum! pum! pum! e os ovos dos gaviões não caíram e assim os gaviões não regressaram.

Estamos assim sentados esperando gaviões que vão vir com os ovos. E os gaviões vão vir e não vão regressar.

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Boaventura Cardoso nasceu em 1944, em Luanda, Angola. É considerado um dos mais representativos escritores angolanos, ao lado de Luandino Vieira e Pepetela. A riqueza expressiva de seus textos revela-se na linguagem (que incorpora estruturas da oralidade) e na temática (que recupera temas da história de Angola), estabelecendo um elo entre a prosa e a poesia. Dentre os seus livros estão Dizanga dia Muenhu (contos), A morte do velho Kipacaça (contos) e Maio, mês de Maria (romance).
Contos africanos dos países de língua portuguesa / Albertino Bragança...[et al.]; organizadora Rita Chaves; ilustrador Apo Fousek – 1ª ed – São Paulo: Ática. 2009. il. – (Para gostar de ler: 44)
  


[1] Gíria angolana para fugir, escapar. (N.E.)
[2] Pequenas áreas cultivadas. (N.E.)
[3] Aldeia. (N.E.)
[4] Amigo. (N.E.)
[5] Expulsar, colocar para correr. (N.E.)
[6] Espécie de formiga, cupim. (N.E.)
[7] Tipo de feijão, semelhante ao feijão fradinho. (N.E.)
[8] Velho, idoso. (N.E.)
[9] Atirar com uma “fisga” que, por sua vez, é uma atiradeira ou um estilingue. (N.E.)

5 comentários:

  1. Esse foi o único conto que eu não consegui compreender muito bem...

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    1. Dificil a compreenção deste tão elaborado e magnifico conto. É possivel perceber a astucia do autor a se tratar de mais diversas e exóticas aves.

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  2. Passarada infestando, Katiétié e Ngungela e Kikengo e rabo de junco e pardal e passaritos e começo andar depressa para lhes apanhar e todos tuí tuí katuí tuí. Cavalo Sem Dono larga corrida e faz voar nuvem: os pássaros! Lá longe estou ouvir ão ão ão. É o cão. Cavalo Sem Dono vem vindo toupeira embocada. Lhe apanhou quando estava buracar nas lavras e zás!

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  3. 1/2 xícara (chá) de óleo
    3 cenouras médias raladas
    4 ovos
    2 xícaras (chá) de açúcar
    2 e 1/2 xícaras (chá) de farinha de trigo
    1 colher (sopa) de fermento em pó
    COBERTURA
    1 colher (sopa) de manteiga
    3 colheres (sopa) de chocolate em pó
    1 xícara (chá) de açúcar
    1 xícara (chá) de leite

    MODO DE PREPARO
    MASSA
    Em um liquidificador, adicione a cenoura, os ovos e o óleo, depois misture.

    Acrescente o açúcar e bata novamente por 5 minutos.

    Em uma tigela ou na batedeira, adicione a farinha de trigo e depois misture novamente.

    Acrescente o fermento e misture lentamente com uma colher.

    Asse em um forno preaquecido a 180° C por aproximadamente 40 minutos.

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