Federico García Lorca - Yerma
PERSONAGENS
PRIMEIRO ATO
PRIMEIRO QUADRO
__________________
Leia também:
__________________
É uma obra popular de caráter trágico, ambientada em Andaluzia, no início do século XX. Yerma é uma mulher que vive o drama de não poder conceber um filho. ... Desesperada, Yerma descobre que o seu marido não deseja ter filhos e, enlouquecida entre o desejo de conceber um filho e a sua impossibilidade, ela...
Num ambiente rural, Yerma é casada com João há dois anos e vinte dias. Não têm filhos, mas ela os deseja intensamente. Esse é seu drama e sua maior preocupação. É uma das raras casadas do vilarejo que não os têm. A tradição ali é esta: casar e ter filhos. Na casa, falam constantemente nisso. Tornou-se o problema do casal. Maria, a amiga, espera um bebê, para quem Yerma faz um enxoval. E Víctor, um ex-namorado, é uma presença incômoda: uma perda do passado e um presente proibido. Passa-se um ano. Yerma vai levar almoço ao marido que trabalha no campo, como fazem outras mulheres. Encontra uma velha que teve 14 filhos, dos quais morreram 6. Falam de filhos e de casamentos com e sem amor. Encontra também duas raparigas, uma que deixou o filho em casa sozinho; outra que ainda não tem filhos, como Yerma. O diálogo gira em torno do papel das mulheres naquela sociedade. Entre confidências, Yerma revela que seu casamento com Juan resultou de uma imposição do pai; e sugere que só Victor lhe despertou sentimentos mais fortes, quando eram mais jovens Yerma encontra Víctor e fica mais evidente que ainda há um clima entre eles. Chega João que a manda para casa, dizendo que não volta para dormir em casa. Vai ficar vigiando a água, pouca nessa região, para não ser roubada. Dois anos mais tarde...
PERSONAGENS
YERMA
MARIA
VELHA PAGÃ
DOLORES
1 ª LAVADEIRA
2 ª LAVADEIRA
3 ª LAVADEIRA
4 ª LAVADEIRA
5 ª LAVADEIRA
6 ª LAVADEIRA
1 ª RAPARIGA
2 ª RAPARIGA
FÊMEA
1 ª CUNHADA
2 ª CUNHADA
1 ª MULHER
2 ª MULHER
MENINO
JOÃO
VICTOR
MACHO
1 ° HOMEM
2 ° HOMEM
3 ° HOMEM
PRIMEIRO ATO
PRIMEIRO QUADRO
Ao
levantar-se o pano, Yerma está adormecida, tendo aos pés uma cestinha de
costura. A cena tem uma estranha luz de sonho.
Entra um pastor nas pontas dos pés, fitando firmemente Yerma. Leva pela mão um menino vestido de
branco. O relógio bate. Quando o pastor entra, a luz é substituída
por uma alegre claridade matinal de primavera.
Yerma desperta.
CANTO
(Voz dentro)
Nana,
nana, nana, nana,
nana,
nana, que faremos
uma
palhoça no campo
e
nela nos meteremos.
YERMA
João, não me ouves, João?
JOÃO
Já vou.
YERMA
Está na hora.
JOÃO
Já passaram as juntas?
YERMA
Passaram.
JOÃO
Até logo. (Faz
menção de sair.)
YERMA
Não tomas um copo de leite?
JOÃO
Para quê?
YERMA
Trabalhas muito e não tens corpo para tanto trabalho.
JOÃO
O corpo enxuto de carne torna-se forte como o aço.
YERMA
Mas o teu, não. Quando casamos, eras outro. Agora tens a
cara branca como se o sol não te batesse nela.
Gostaria que fosses ao rio e nadasses, e subisses ao telhado quando a
chuva nos entra pela casa adentro. Já
estamos casados há vinte e quatro meses e tu cada vez mais triste, mais seco,
como se crescesses ao contrário.
JOÃO
Acabaste?
YERMA
(Levantando-se) –
Não me leves a mal. Se eu estivesse
doente, gostaria que me tratasses.
“Minha mulher está doente – vou matar este cordeiro para fazer-lhe um
bom ensopado.” “Minha mulher está doente
– vou guardar esta enxúndia de galinha para aliviar-lhe o peito; vou levar-lhe
esta pele de ovelha para resguardar-lhe os pés da neve.” Eu sou assim.
Por isso trato de ti.
JOÃO
E eu te agradeço.
YERMA
Mas não te deixas tratar.
JOÃO
É que não tenho nada.
Todas essas coisas são suposições tuas.
Trabalho muito. Todos os anos
irei ficando mais velho.
YERMA
Todos os anos. . .
Tu e eu continuaremos aqui todos os anos. . .
JOÃO
(Sorridente) –
Naturalmente. E muito sossegados. Os negócios vão bem; não temos filhos que
gastem.
YERMA
Não temos filhos. . . João!
JOÃO
Fala.
YERMA
Eu não gosto de ti?
JOÃO
Gostas.
YERMA
Sei de raparigas que tremeram e choraram antes de se
entregarem a seus maridos. E eu? Chorei?
A primeira vez que dormi contigo? Não cantava ao levantar as barras dos lençóis
de holanda? E não te disse: Como cheiram a maça estas roupas?
JOÃO
Foi o que disseste!
YERMA
Minha mãe chorou, porque não tive pena de separar-me
dela. E era verdade! Ninguém se casou com mais alegria. E no entanto. . .
JOÃO
Cala-te. Já estou
cansado de ouvir a todo instante. . .
YERMA
Não. Não me
repitas o que dizem. Vejo com os meus
olhos que isso não pode ser. . . De
tanto cair a chuva nas pedras, elas amolecem e fazem nascer saramagos, que o
povo diz que não servem para nada. “Os
saramagos não prestam para nada”. . .
mas eu bem os vejo moverem pelo ar suas flores amarelas.
JOÃO
É preciso esperar.
YERMA
Sim; querendo (Yerma
abraça e beija o marido, tomando ela a iniciativa.)
JOÃO
Se precisas de alguma coisa, dize-me que a trarei. Já sabes que não gosto que saias.
YERMA
Nunca saio.
JOÃO
Estás melhor aqui.
YERMA
É.
JOÃO
A rua é para os desocupados.
YERMA
(Sombria) – Claro.
(O marido sai e Yerma dirige-se
para a costura. Passa a mão pelo ventre, levanta os braços num lindo bocejo e
senta-se a coser.)
De onde é que vens, amor, meu filho?
Da crista do duro frio.
De que precisas, amor, meu filho?
Do morno pano de teu vestido.
(Enfia a agulha)
Que se agitem as ramas ao sol
e as fontes saltem todas, em redor!
(Como se falasse com uma criança)
Ladra o cão pelo terreiro,
na folhagem canta o vento.
Muge o boi ao boiadeiro
e a lua me encrespa o cabelo.
Que pedes, filho, de tão longe?
(Pausa)
Os brancos montes que há no teu peito.
Que se agitem as ramas ao sol
e as fontes saltem todas, em redor!
(Cosendo)
Filho meu, dir-te-ei que sim.
Despedaçada me dou a ti.
Sofre a cintura que te ofereço,
e que será teu primeiro berço!
Quando, meu filho, poderás vir?
(Pausa)
Quando teu corpo cheire a jasmim.
que se agitem as ramas ao sol
e as fontes saltem todas, em redor!
(Yerma
continua a cantar. Pela porta entra Maria, que vem com um embrulho de roupa)
YERMA
De onde vens?
MARIA
Da loja.
YERMA
Da loja? Tão cedo?
MARIA
Por mim, teria ficado à porta., esperando que abrissem. .
.
Quem
é capaz de saber o que comprei?
YERMA
Deves ter comprado café, para de manhã, açúcar e pão.
MARIA
Nada disso. Comprei rendas, três varas de linho, fitas de
lã de cor para fazer borlas. O dinheiro
era de meu marido e foi ele mesmo que mo deu.
YERMA
Vais fazer uma blusa.
MARIA
Não. É porque. .
. Sabes?
YERMA
Que é?
MARIA
Porque. . . já
chegou!
(Fica de
cabeça baixa. Yerma levanta-se e
deixa-se estar contemplando-a com admiração)
YERMA
Aos cinco meses!
MARIA
É.
YERMA
E já o percebeste?
MARIA
Naturalmente.
YERMA
(Com curiosidade) –
E que sentes?
MARIA
Não sei. Angústia.
YERMA
Angústia (Agarrada a ela). – Mas. . . quando chegou?
Dize-me.
Tu estavas descuidosa.
MARIA
É, descuidosa. . .
YERMA
Estarias cantando, não é?
Eu canto. Tu. . . dize-me. . .
MARIA
Não me perguntes.
Nunca tiveste um pássaro vivo apertado na mão?
YERMA
Já.
MARIA
Pois é o mesmo. . .
mas por dentro do sangue.
YERMA
Que maravilha!
(Mira-a
extasiada)
MARIA
Estou aturdida.
Não sei nada.
YERMA
De quê?
MARIA
Do que tenho que fazer.
Vou perguntá-lo a minha mãe.
YERMA
Para quê? Já está velha e terá esquecido estas coisas.
Não andes muito, e, quando respirares, respira de leve, como se tivesses uma
rosa entre os dentes.
MARIA
Ouve: dizem que,
mais para adiante, empurra suavemente com as perninhas.
YERMA
E então é quando se lhe tem mais amor; quando já se diz: “meu
filho!”
MARIA
No meio de tudo, tenho vergonha.
YERMA
Teu marido, que disse?
MARIA
Nada.
YERMA
Gosta muito de ti?
MARIA
Não me fala nisso, mas põe-se ao pé de mim e seus olhos
tremem como duas folhas verdes.
YERMA
Ele sabia que tu. . .?
MARIA
Sabia.
YERMA
E como o sabia?
MARIA
Não sei. Mas na noite do nosso casamento me dizia tantas
vezes isso, com a boca na minha face, que até me parece que o meu filho é um
pombinho de luz que ele deixou escorregar pelo meu ouvido.
YERMA
Criatura feliz!
MARIA
Mas tu estás mais inteirada disto do que eu.
YERMA
De que me serve?
MARIA
É verdade. Por que será? De todas as noivas de teu tempo,
és a única. . .
YERMA
Assim é. Claro que
ainda é tempo. Helena levou três anos; e outras, antigas, do tempo de minha
mãe, levaram muito mais. Mas dois anos e
vinte dias, como eu, já é esperar demasiado.
Acho que não é justo que me consuma aqui. Muitas noites saio descalça pelo pátio, para
pisar a terra, não sei por quê. Se continuo assim, acabarei tornando-me má.
MARIA
Mas, criatura, vem cá: falas como se fosses uma velha.
Que digo! Ninguém se pode queixar destas coisas. Uma irmã de minha mãe teve-o depois de
quatorze anos!. . . e se visses que lindeza de criança!
YERMA
(Com ansiedade) –
Que fazia?
MARIA
Chorava como um tourinho, com a força de mil cigarras
cantando ao mesmo tempo, e nos molhava, e nos puxava as tranças, e quando fazia
quatro meses nos enchia a cara de arranhões.
YERMA
(Rindo) – Mas
essas coisas não doem.
MARIA
Eu sei!. . .
YERMA
Ora! Eu vi minha
irmã dar de mamar ao filho com o peito cheio de gretas e lhe produzia uma
grande dor, mas era uma dor fresca, boa, necessária à saúde.
MARIA
Dizem que se sofre muito com os filhos.
YERMA
Mentira. Isso é o que dizem as mães fracas,
queixosas. Para que os têm? Ter um filho não é ter um ramo de rosas. Precisamos sofrer, para vê-los crescer. Acho que nisso se vai metade do nosso
sangue. Mas isso é bom, sadio, belo.
Toda mulher tem sangue para quatro ou cinco filhos, e quando os filhos não vêm,
o sangue torna-se veneno, como me vai acontecer.
MARIA
Não sei o que tenho.
YERMA
Sempre ouvi dizer que, da primeira vez, as mulheres têm
medo.
MARIA
(Tímida) – Vamos a
ver. . . Como coses bem. . .
YERMA
(Apanhando o embrulho) – Dá cá. Cortarei duas
roupinhas. E isto?
MARIA
São as fraldas.
YERMA
Está bem. (Senta-se)
MARIA
Então. . . até logo. (Aproxima-se e Yerma toma-lhe
amorosamente o ventre nas mãos)
YERMA
Não corras pelas pedras da rua.
MARIA
Adeus. (Beija-a
e sai)
YERMA
Volta, assim que puderes
(Yerma fica
na mesma atitude do começo. Apanha a tesoura e começa a cortar. Entra Victor.)
Olá, Victor.
VICTOR
(Sério, de aspecto grave) – Por onde anda João?
YERMA
Pelo campo.
VICTOR
Que está cosendo?
YERMA
Estou cortando umas fraldas.
VICTOR
(Sorrindo) – Muito
bem!
YERMA
(Rindo) – Vou
botar-lhes uma cercadura de renda.
VICTOR
Se for menina, dar-lhe-ás teu nome.
YERMA
(Tremendo) – Como?
VICTOR
Alegro-me por ti.
YERMA
(Quase sufocada) –
Não. . . não são para mim. São para o
filhinho de Maria.
VICTOR
Bem, pois vamos a ver se, com o exemplo, te animas. Nesta
casa faz falta uma criança.
YERMA
(Com angústia) –
Se faz!
VICTOR
Pois, para a frente! Dize ao teu marido que pense menos
no trabalho. Quer juntar dinheiro e há de juntá-lo, mas para quem o deixará,
quando morrer? Eu me vou com as ovelhas. Dize ao João que recolha as duas que
me comprou. E quanto ao resto. . . É preciso lavrar mais fundo!
(Vai-se embora
sorrindo.)
YERMA
(Com paixão.)
É isso! Lavrar mais fundo!
Pois, meu filho, dir-te-ei que sim,
despedaçada me dou a ti.
Sofre a cintura que te ofereço
para ser teu primeiro berço!
Quando, meu filho, virás a mim?
Quando teu corpo cheire a jasmim!
(Yerma, que
em atitude pensativa se levanta e corre para o lugar onde esteve Victor e
respira, – fortemente como se aspirasse
ar de montanha – vai depois para o outro lado da sala, como à procura de alguma
coisa, e de lá volta a sentar-se, e torna a pegar na costura. Começa a coser, e
fica de olhos fitos num ponto.)
Cortina
__________________
Leia também:
__________________
É uma obra popular de caráter trágico, ambientada em Andaluzia, no início do século XX. Yerma é uma mulher que vive o drama de não poder conceber um filho. ... Desesperada, Yerma descobre que o seu marido não deseja ter filhos e, enlouquecida entre o desejo de conceber um filho e a sua impossibilidade, ela...
Num ambiente rural, Yerma é casada com João há dois anos e vinte dias. Não têm filhos, mas ela os deseja intensamente. Esse é seu drama e sua maior preocupação. É uma das raras casadas do vilarejo que não os têm. A tradição ali é esta: casar e ter filhos. Na casa, falam constantemente nisso. Tornou-se o problema do casal. Maria, a amiga, espera um bebê, para quem Yerma faz um enxoval. E Víctor, um ex-namorado, é uma presença incômoda: uma perda do passado e um presente proibido. Passa-se um ano. Yerma vai levar almoço ao marido que trabalha no campo, como fazem outras mulheres. Encontra uma velha que teve 14 filhos, dos quais morreram 6. Falam de filhos e de casamentos com e sem amor. Encontra também duas raparigas, uma que deixou o filho em casa sozinho; outra que ainda não tem filhos, como Yerma. O diálogo gira em torno do papel das mulheres naquela sociedade. Entre confidências, Yerma revela que seu casamento com Juan resultou de uma imposição do pai; e sugere que só Victor lhe despertou sentimentos mais fortes, quando eram mais jovens Yerma encontra Víctor e fica mais evidente que ainda há um clima entre eles. Chega João que a manda para casa, dizendo que não volta para dormir em casa. Vai ficar vigiando a água, pouca nessa região, para não ser roubada. Dois anos mais tarde...
Nenhum comentário:
Postar um comentário