sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Federico García Lorca - Yerma (1 ato - 1 quadro)

Federico García Lorca - Yerma





PERSONAGENS



YERMA
MARIA
VELHA PAGÃ
DOLORES
1 ª  LAVADEIRA
2 ª  LAVADEIRA
3 ª  LAVADEIRA
4 ª  LAVADEIRA
5 ª  LAVADEIRA
6 ª  LAVADEIRA
1 ª  RAPARIGA
2 ª  RAPARIGA
FÊMEA
1 ª  CUNHADA
2 ª  CUNHADA
1 ª  MULHER
2 ª  MULHER
MENINO
JOÃO
VICTOR
MACHO
1 °  HOMEM
2 °  HOMEM

3 °  HOMEM







PRIMEIRO  ATO


PRIMEIRO  QUADRO

            Ao levantar-se o pano, Yerma está adormecida, tendo aos pés uma cestinha de costura. A cena tem uma estranha luz de sonho.  Entra um pastor nas pontas dos pés, fitando firmemente Yerma.  Leva pela mão um menino vestido de branco.  O relógio bate.  Quando o pastor entra, a luz é substituída por uma alegre claridade matinal de primavera.  Yerma desperta.


CANTO
(Voz dentro)
                        Nana, nana, nana, nana,
                        nana, nana, que faremos
                        uma palhoça no campo
                        e nela nos meteremos.
YERMA
            João, não me ouves, João?
JOÃO
            Já  vou.
YERMA
            Está na hora.
JOÃO
            Já passaram as juntas?
YERMA
            Passaram.
JOÃO
            Até logo.   (Faz menção de sair.)
YERMA
            Não tomas um copo de leite?
JOÃO
            Para quê?
YERMA
            Trabalhas muito e não tens corpo para tanto trabalho.
JOÃO
            O corpo enxuto de carne torna-se forte como o aço.
YERMA
            Mas o teu, não. Quando casamos, eras outro. Agora tens a cara branca como se o sol não te batesse nela.  Gostaria que fosses ao rio e nadasses, e subisses ao telhado quando a chuva nos entra pela casa adentro.  Já estamos casados há vinte e quatro meses e tu cada vez mais triste, mais seco, como se crescesses ao contrário.
JOÃO
            Acabaste?
YERMA
            (Levantando-se) – Não me leves a mal.  Se eu estivesse doente, gostaria que me tratasses.  “Minha mulher está doente – vou matar este cordeiro para fazer-lhe um bom ensopado.”  “Minha mulher está doente – vou guardar esta enxúndia de galinha para aliviar-lhe o peito; vou levar-lhe esta pele de ovelha para resguardar-lhe os pés da neve.”  Eu sou assim.  Por isso trato de ti. 
JOÃO
            E eu te agradeço.
YERMA
            Mas não te deixas tratar.
JOÃO
            É que não tenho nada.  Todas essas coisas são suposições tuas.  Trabalho muito.  Todos os anos irei ficando mais velho.
YERMA
            Todos os anos. . .  Tu e eu continuaremos aqui todos os anos. . .
JOÃO
            (Sorridente) – Naturalmente.  E muito sossegados.  Os negócios vão bem; não temos filhos que gastem.
YERMA
            Não temos filhos. . . João!
JOÃO
            Fala.
YERMA
            Eu não gosto de ti?
JOÃO
            Gostas.
YERMA
            Sei de raparigas que tremeram e choraram antes de se entregarem a seus maridos.  E eu?  Chorei?  A primeira vez que dormi contigo? Não cantava ao levantar as barras dos lençóis de holanda?  E não te disse:  Como cheiram a maça estas roupas?
JOÃO
            Foi o que disseste!
YERMA
            Minha mãe chorou, porque não tive pena de separar-me dela.  E era verdade!  Ninguém se casou com mais alegria.  E no entanto. .  .
JOÃO
            Cala-te.  Já estou cansado de ouvir a todo instante. . .
YERMA
            Não.  Não me repitas o que dizem.  Vejo com os meus olhos que isso não pode ser. . .  De tanto cair a chuva nas pedras, elas amolecem e fazem nascer saramagos, que o povo diz que não servem para nada.  “Os saramagos não prestam para nada”. . .  mas eu bem os vejo moverem pelo ar suas flores amarelas.
JOÃO
            É preciso esperar.
YERMA
            Sim;  querendo (Yerma abraça e beija o marido, tomando ela a iniciativa.)
JOÃO
            Se precisas de alguma coisa, dize-me que a trarei.  Já sabes que não gosto que saias.
YERMA
            Nunca saio.
JOÃO
            Estás melhor aqui.
YERMA
            É.
JOÃO
            A rua é para os desocupados.
YERMA
            (Sombria) – Claro.
(O marido sai e Yerma dirige-se para a costura. Passa a mão pelo ventre, levanta os braços num lindo bocejo e senta-se a coser.)
            De onde é que vens, amor, meu filho?
            Da crista do duro frio.
            De que precisas, amor, meu filho?
            Do morno pano de teu vestido.
                        (Enfia a agulha)
            Que se agitem as ramas ao sol
            e as fontes saltem todas, em redor!
                        (Como se falasse com uma criança)
            Ladra o cão pelo terreiro,
            na folhagem canta o vento.
            Muge o boi ao boiadeiro
            e a lua me encrespa o cabelo.
            Que pedes, filho, de tão longe?
                                                           (Pausa)
            Os brancos montes que há no teu peito.
            Que se agitem as ramas ao sol
            e as fontes saltem todas, em redor!
                        (Cosendo)
            Filho meu, dir-te-ei que sim.
            Despedaçada me dou a ti.
            Sofre a cintura que te ofereço,
            e que será teu primeiro berço!
            Quando, meu filho, poderás vir?
                                                           (Pausa)
            Quando teu corpo cheire a jasmim.
            que se agitem as ramas ao sol
            e as fontes saltem todas, em redor!
(Yerma continua a cantar. Pela porta entra Maria, que vem com um embrulho de roupa)
YERMA
            De onde vens?
MARIA
            Da loja.
YERMA
            Da loja?  Tão cedo?
MARIA
            Por mim, teria ficado à porta., esperando que abrissem. . . 
Quem é capaz de saber o que comprei?
YERMA
            Deves ter comprado café, para de manhã, açúcar e pão.
MARIA
            Nada disso. Comprei rendas, três varas de linho, fitas de lã de cor para fazer borlas.  O dinheiro era de meu marido e foi ele mesmo que mo deu.
YERMA
            Vais fazer uma blusa.
MARIA
            Não.  É porque. . .  Sabes?
YERMA
            Que é?
MARIA
            Porque. . .  já chegou!
(Fica de cabeça baixa.  Yerma levanta-se e deixa-se estar contemplando-a com admiração)
YERMA
            Aos cinco meses!
MARIA
            É.
YERMA
            E já o percebeste?
MARIA
            Naturalmente.
YERMA
            (Com curiosidade) – E que sentes?
MARIA
            Não sei.  Angústia.
YERMA
            Angústia (Agarrada a ela). – Mas. . .  quando chegou?
Dize-me. Tu estavas descuidosa.
MARIA
            É, descuidosa. . .
YERMA
            Estarias cantando, não é?  Eu canto.  Tu. . .  dize-me. . .
MARIA
            Não me perguntes.  Nunca tiveste um pássaro vivo apertado na mão?
YERMA
            Já.
MARIA
            Pois é o mesmo. . .  mas por dentro do sangue.
YERMA
            Que maravilha! 
(Mira-a extasiada)
MARIA
            Estou aturdida.  Não sei nada.
YERMA
            De quê?
MARIA
            Do que tenho que fazer.  Vou perguntá-lo a minha mãe.
YERMA
            Para quê? Já está velha e terá esquecido estas coisas. Não andes muito, e, quando respirares, respira de leve, como se tivesses uma rosa entre os dentes.
MARIA
            Ouve:  dizem que, mais para adiante, empurra suavemente com as perninhas.
YERMA
            E então é quando se lhe tem mais amor; quando já se diz: “meu filho!”
MARIA
            No meio de tudo, tenho vergonha.
YERMA
            Teu marido, que disse?
MARIA
            Nada.
YERMA
            Gosta muito de ti?
MARIA
            Não me fala nisso, mas põe-se ao pé de mim e seus olhos tremem como duas folhas verdes.
YERMA
            Ele sabia que tu. . .?
MARIA
            Sabia.
YERMA
            E como o sabia?
MARIA
            Não sei. Mas na noite do nosso casamento me dizia tantas vezes isso, com a boca na minha face, que até me parece que o meu filho é um pombinho de luz que ele deixou escorregar pelo meu ouvido.
YERMA
            Criatura feliz!
MARIA
            Mas tu estás mais inteirada disto do que eu.
YERMA
            De que me serve?
MARIA
            É verdade. Por que será? De todas as noivas de teu tempo, és a única. . .
YERMA
            Assim é.  Claro que ainda é tempo. Helena levou três anos; e outras, antigas, do tempo de minha mãe, levaram muito mais.  Mas dois anos e vinte dias, como eu, já é esperar demasiado.  Acho que não é justo que me consuma aqui.  Muitas noites saio descalça pelo pátio, para pisar a terra, não sei por quê. Se continuo assim, acabarei tornando-me má.
MARIA
            Mas, criatura, vem cá: falas como se fosses uma velha. Que digo! Ninguém se pode queixar destas coisas.  Uma irmã de minha mãe teve-o depois de quatorze anos!. . . e se visses que lindeza de criança!
YERMA
            (Com ansiedade) – Que fazia?
MARIA
            Chorava como um tourinho, com a força de mil cigarras cantando ao mesmo tempo, e nos molhava, e nos puxava as tranças, e quando fazia quatro meses nos enchia a cara de arranhões.
YERMA
            (Rindo) – Mas essas coisas não doem.
MARIA
            Eu sei!. . .
YERMA
            Ora!  Eu vi minha irmã dar de mamar ao filho com o peito cheio de gretas e lhe produzia uma grande dor, mas era uma dor fresca, boa, necessária à saúde.
MARIA
            Dizem que se sofre muito com os filhos.
YERMA
            Mentira. Isso é o que dizem as mães fracas, queixosas.  Para que os têm?  Ter um filho não é ter um ramo de rosas.  Precisamos sofrer, para vê-los crescer.  Acho que nisso se vai metade do nosso sangue.  Mas isso é bom, sadio, belo. Toda mulher tem sangue para quatro ou cinco filhos, e quando os filhos não vêm, o sangue torna-se veneno, como me vai acontecer.
MARIA
            Não sei o que tenho.
YERMA
            Sempre ouvi dizer que, da primeira vez, as mulheres têm medo.
MARIA
            (Tímida) – Vamos a ver. . .  Como coses bem. . .
YERMA
            (Apanhando o embrulho) – Dá cá.  Cortarei duas roupinhas.  E isto?
MARIA
            São as fraldas.
YERMA
            Está bem. (Senta-se)
MARIA
            Então. . . até logo. (Aproxima-se e Yerma toma-lhe amorosamente o ventre nas mãos)
YERMA
            Não corras pelas pedras da rua.
MARIA
            Adeus.  (Beija-a e sai)
YERMA
            Volta, assim que puderes
(Yerma fica na mesma atitude do começo. Apanha a tesoura e começa a cortar.  Entra Victor.)
            Olá, Victor.
VICTOR
            (Sério, de aspecto grave) – Por onde anda João?
YERMA
            Pelo campo.
VICTOR
            Que está cosendo?
YERMA
            Estou cortando umas fraldas.
VICTOR
            (Sorrindo) – Muito bem!
YERMA
            (Rindo) – Vou botar-lhes uma cercadura de renda.
VICTOR
            Se for menina, dar-lhe-ás teu nome.
YERMA
            (Tremendo) – Como?
VICTOR
            Alegro-me por ti.
YERMA
            (Quase sufocada) – Não. . . não são para mim.  São para o filhinho de Maria.
VICTOR
            Bem, pois vamos a ver se, com o exemplo, te animas. Nesta casa faz falta uma criança.
YERMA
            (Com angústia) – Se faz!
VICTOR
            Pois, para a frente! Dize ao teu marido que pense menos no trabalho. Quer juntar dinheiro e há de juntá-lo, mas para quem o deixará, quando morrer? Eu me vou com as ovelhas. Dize ao João que recolha as duas que me comprou. E quanto ao resto. . . É preciso lavrar mais fundo!
                                               (Vai-se embora sorrindo.)
YERMA
            (Com paixão.)
                        É isso! Lavrar mais fundo!
                        Pois, meu filho, dir-te-ei que sim,
                        despedaçada me dou a ti.
                        Sofre a cintura que te ofereço
                        para ser teu primeiro berço!
                        Quando, meu filho, virás a mim?
                        Quando teu corpo cheire a jasmim!
(Yerma, que em atitude pensativa se levanta e corre para o lugar onde esteve Victor e respira, –  fortemente como se aspirasse ar de montanha – vai depois para o outro lado da sala, como à procura de alguma coisa, e de lá volta a sentar-se, e torna a pegar na costura. Começa a coser, e fica de olhos fitos num ponto.)


Cortina



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É uma obra popular de caráter trágico, ambientada em Andaluzia, no início do século XX. Yerma é uma mulher que vive o drama de não poder conceber um filho. ... Desesperada, Yerma descobre que o seu marido não deseja ter filhos e, enlouquecida entre o desejo de conceber um filho e a sua impossibilidade, ela...
Num ambiente rural, Yerma é casada com João há dois anos e vinte dias. Não têm filhos, mas ela os deseja intensamente. Esse é seu drama e sua maior preocupação. É uma das raras casadas do vilarejo que não os têm. A tradição ali é esta: casar e ter filhos. Na casa, falam constantemente nisso. Tornou-se o problema do casal. Maria, a amiga, espera um bebê, para quem Yerma faz um enxoval. E Víctor, um ex-namorado, é uma presença incômoda: uma perda do passado e um presente proibido. Passa-se um ano. Yerma vai levar almoço ao marido que trabalha no campo, como fazem outras mulheres. Encontra uma velha que teve 14 filhos, dos quais morreram 6. Falam de filhos e de casamentos com e sem amor. Encontra também duas raparigas, uma que deixou o filho em casa sozinho; outra que ainda não tem filhos, como Yerma. O diálogo gira em torno do papel das mulheres naquela sociedade. Entre confidências, Yerma revela que seu casamento com Juan resultou de uma imposição do pai; e sugere que só Victor lhe despertou sentimentos mais fortes, quando eram mais jovens Yerma encontra Víctor e fica mais evidente que ainda há um clima entre eles. Chega João que a manda para casa, dizendo que não volta para dormir em casa. Vai ficar vigiando a água, pouca nessa região, para não ser roubada. Dois anos mais tarde...

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