Sétimo Poema
Dormitei na noite coberta de frio
Enquanto sonhava
Com a tempestade que me cobria
Quando subtilmente
Entreabri os olhos
E despertei sobressaltada
Ouvindo uivos e ganidos do vento furioso a lamentar-se.
Subi os degraus da solidão
E ouvi
O vento chamar por mim,
Como quem diz:
— "Sai, Sai, procura os filhos que pariste perdidos algures pelas savanas distantes das praias ensolaradas africanas".
O medo entranhou-se-me
Nas veias ensanguentas da carne
Estremecendo a medula dos cérebros
Que tão dificilmente carrego.
O vento estava furioso comigo
E a chuva castigava-me inocente.
Estava tudo coberto e enevoado,
A água escorria e encobria
Todas as portas dos vizinhos desconhecidos,
Nenhum som era desenhado na terra figura da chuva forte.
Chovia simplesmente
Saí...
E meu corpo sacudiu estonteante
Ao embate do vento
E da chuva na pele
Sangrava violentamente o espírito desesperado
Que lutava pelo escasso espaço a circular pelas artérias,
Lutava para me manter à tona.
Os pulmões vomitavam os sons lindos da morte.
Estava a morrer
Enquanto o mundo fugia devagar
Por toda aquela maré.
Já todos tinham ido embora,
Tinham todos fugido da chuva
E do vento
Gritando os nomes sonantes dos parentes
Já falecidos lá longe pelas velhas matas do Maiombe.
Estava a morrer,
Mas ecoei os ecos dos mortos
Enquanto lutava para chegar ao único sítio
Onde seria feliz
à sombra da minha árvore.
Despertei,
Não choveu
Eram as lágrimas de uma criança que me molhavam.
Finalmente a verdade
Estava linda e purpurina
Saciando a fome e sede à solidão,
Quando de entre as mãos sujas,
Do Carteiro amarfanhado,
Estremeci ao tocar na mensagem
Vinda dos roseirais.
Mandaram-me os delírios da discórdia,
Os insultos de paixões sovinas egoístas.
Mandaram-me o corpo e
A mulher negra tão amada.
Mandaram-me o filho,
Por mim mal parido.
Lágrimas correram ao ter nas mãos
A mensagem que não tinha,
O cheiro doce dos roseirais,
Nem a cor mimosa das flores sensuais.
Continha, sim, finalmente a verdade;
Das epopeias de um amor repudiado.
Faltava pouco amor,
Para te encontrar então nas esquinas
Mais queridas das cidades,
Que em múltiplos orgasmos imorais,
Naufragávamos juntos para além,
Além dos roseirais...
Não estou em lugar nenhum
Nem sítio para ir tenho eu,
o que me esconda
ou projeta – o tecto – não tenho.
um colo macio, onde possa derramar
toda essa mágoa,
que me amarga o corpo
e me dilacera as entranhas.
"... com o poema de Branco, tem-se aqui uma mãe apática, que não tem mais forças para dar amor, e um filho que sofre pela sua falta." p.86. Larissa da Silva Lisboa Souza, Dissertação de Mestrado, UF de São Carlos, 2015
Ao espelho os olhos grandes
aclamam amor.
Os lábios grossos,
capazes das mais belas palavras
calam-se.
O pouco que sou...
Esconde-se por detrás.
da figura baixa, oca
e óssea.
Borro a cara com picassos;
Oculto as mãos como Napoleão;
E o corpo por detrás de farrapos.
"A fragilidade do corpo do eu-lírico, nesse texto, é acentuada. “O pouco que sou” é o verso que sintetiza o poema, nas partes que moldam o corpo no tecido dos sofrimentos. Os “olhos grandes”, talvez porque choram? Pois num corpo franzino, magro, sofrido pela fome, pela miséria, o que se sobressai é o olhar de medo, de delírio e a sofreguidão pelo amor. “Os lábios grossos”, aqueles que antes tanto falavam, hoje “calam-se”. “O pouco” que “Esconde-se/por detrás/da figura baixa, oca/e óssea”, demonstra a fragilidade total desse sujeito." p.87 Larissa da Silva Lisboa Souza, Dissertação de Mestrado, UF de São Carlos, 2015
Ana Maria José Dias Branco nasceu na Lunda Norte aos 24 de Maio de 1967. Obras Publicadas: «Meu Rosto e Minhas Magoas» (1997) e «A Despedida de Mim»
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