sábado, 15 de outubro de 2016

O Brasil nação - v1: Prefácio - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim



O Brasil nação volume 1




Prefácio do autor


“Lança o teu Ato, a tua Palavra, no Universo sempre em vida,

sempre em trabalho: é o sêmen que não pode perecer...”

(Th. Carlyle, Sartor Resartus)

Este livro, que fecha uma série destinada a estudar as condições feitas à nação brasileira – O Brasil na América, O Brasil na História, sendo o desenvolvimento de um mesmo pensamento, quebra, no entanto, a perspectiva social e política antes projetada. Não foi mais possível devisar os destinos desta pátria nos plainos da normalidade. Os conceitos, intensos e sentidos sobre o futuro, romperam o dique da ordem preexistente, como a despedaçar muralhas de cativeiro, e, em condensação penetrante, passaram ao novo modo de conhecer e julgar a sorte do povo brasileiro. 

Quando a vida em meditação já se estende por muitos decênios, a consciência ansiada, a inteligência jamais satisfeita no conhecer o que interessa; quando, mergulhados no fluxo do pensamento geral, somos por ele arrastados, reagindo a cada impressão nova, haurindo o ensinamento por todos os veios de onde ele venha; aceita-se, finalmente, o conceito bergsoniano, e que já o era de C. Peice, de W. James, de Fechner: que a verdade é uma condensação de experiência, e o conhecimento tem de ser surpreendido diretamente, rapidamente, no transmutar das coisas. O estudo propriamente dito, quando muito, dará o método, ou a atitude que nos permite alcançar o conhecimento na fugacidade do seu transluzir. 

Há, no entanto, que só o afeto predispõe para essa condensação de experiência em que se institui a verdade. Por isso mesmo, todo legítimo pensamento, antes de ser pensado, foi sentimento-desejo, em projeção para a vontade. Compreenda-se o brasileiro, senhor do seu pensamento, e que, em face do momento, não pode ser um cético, nem se resigna ao desinteresse: dá conceito ao que sente, rompendo com as fórmulas correntes, para afirmar a indispensável renovação. E examina, então, as doutrinas políticas como expressão abstrata de movimentos sociais, variando de valor em função dos mesmos movimentos. É quando se impõe a verdade: as doutrinas de ordem soberana, intransigente e definitiva, são aberrações. Envelhecendo, morre-nos o ardor revolucionário – quando ele é feito de insofrida ambição; morre-nos, talvez, a confiança na própria ação; mas o conceito – condensação de experiência tem mais razão, e é mais seguro. Do caráter, vai-se o que valia, apenas, como processo de extensão pessoal, e tudo que assim se perde, destaca o cerne da convicção com que se encara o destino, e que já é fidelidade do indivíduo a si mesmo. E explica-se que não sejam da velhice as abdicações morais, nem os perjúrios desclassificadores. 

Como não chegar às afirmações que concluem estas páginas? 

Assisti, se bem que obscuro humilde, a todas as lutas, transes e contendas da implantação do regime republicano, para ver, logo, ao cabo de um decênio, largarem-se os homens à ceva bruta, que, fossada, foi a lameira onde desapareceu o pouco de brio dos dirigentes. Sistematizando, apenas, os feitos: que requisitório a fazer contra o mundo todo dos governantes – personagens, métodos, concepções, efeitos e resultados!... Não poderia, porém, ser tal o intuito de quem só quer, do passado, a lição que aproveite ao futuro. Assinale-se, tão somente, para dar medida à extensão desses efeitos: a mudança de regime teve longa e profunda repercussão sobre a mentalidade dos políticos... Em que consistiu essa repercussão? Eliminou as poucas e esparsas noções de um desenvolvimento moral. Foi um aspecto da vida que desceu absolutamente das consciências dirigentes. Foi rápida a queda, e, da infância, o regime passou a uma senilidade de vícios, fortes, porque eram, e são, coesos e completos, como processos: opinião e ação conjuntas, pensamentos e caracteres em inteira harmonia – a harmonia indestrutível dos apetites. 

Uma república deve ser conduzida na política de caracteres definitivos, senhores dos seus destinos, e que não possam descer. Ora, isto como nos governamos e a obra de criaturas temerosas, antes de tudo, de serem descidas, que nenhuma fez uma subida no seu esforço. E tanto que, consagrada indiscutivelmente a República nestes últimos vinte anos, vimo-la definida na inteira degradação dos costumes políticos. Já nem importam os nomes, que eles não modificariam esse parecer. Contudo, ensinaram muito, esses vinte últimos anos: tudo que se poderia aprender, de um mundo totalmente podre. Foram de crise no Ocidente, foram a ultimação do regime já definido. Aprendi, então, como os nossos dirigentes são incapazes de compreender e realizar a democracia, como temem a liberdade, que nunca conheceram; aprendi como se mostra a degradação de uma classe por definição de escol; como se organiza o Estado para a exclusiva injustiça, até a torpeza e o roubo; como é preciso não ser honesto, nem sincero, nem apto... Vi como evolui a corrupção, como se consagra a infâmia e a ignorância, como é livre o poder para atentar contra as mais humanas das tradições brasileiras – a da bondade e compaixão... E, assim, se fez o esquema das qualidades precisas a um político para ser estadista na República brasileira... 

Houve a inevitável reação, ao menos para a coragem de dizer o que me pareceu necessária verdade.

Rio de Janeiro, julho de 1928.



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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira



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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).


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