Olho para o corpo defunto de uma barata
Recreio
baitasarJá íamos além da metade de março, mas ainda não havia caído a ficha. Estou saindo. Esse é meu último ano na escola. Poucas coisas mudaram de verdade, diria mesmo que nada mudou. Acho que coisa nenhuma muda de verdade. Tudo bem, a gente na volta das férias sempre comenta
(Guria, como você cresceu!)
Ou
(Júnior, o que te deu na cabeça de pendurar esse piercing?)
Ou ainda
(Você está ótima.) (Isso mesmo, você tá lindinha!) (Tu é gata assim ou tu te faz?) (Olha a minha cara de apaixonada!)
Mesmo que a verdade seja diferente do que se diz. Eu mesmo to quase sempre fazendo isso. Não tenho cara de chamar ninguém de ridículo. Eu sou o mais bufo de todos. Nem me deixo mostrar naquela aflição indiferente que estou sentido da pobre criatura. Não que eu ache que assim faço alguma diferença, eu e nada é a mesma coisa. Não que eu não seja ridículo, também, mas eu me toco e fico na minha, puxando o ar garganta abaixo. É uma guerra permanente. Eu sou a mais indigente e miserável das criaturas
(Coitado, não melhora.)
As mudanças não acontecem comigo, mas deixar a escola, ai meu Deus. Isso é um troço que o tempo não vai parar. Continuará me engolindo. A minha vida é a água servida dentro do copo. Às vezes, tenho a sensação que eu sou bebido aos goles. A mão que segura o copo parece mais aflita que a própria sede. Dá calafrios e tremores na barriga. E a temporada desta despedida chegou. Galera, eu confesso, não sei do que vou sentir falta, mas o medo parece o meu fim
(Não estou preparado, sinto frios e tremores na barriga.)
Vou ao banheiro, todas as manhãs, e fico por lá. Dor de barriga direto. Cólicas. No sábado e no domingo estou ótimo, chega segunda-feira começa a correria. Outro dia, meu pai fez um comentário acidental, que de casual não tinha nada
(E aí filho, preparado para o vestibular da federal?)
Aumentaram minhas cólicas. Dores ocas de uma sede insaciável. Nunca usei tanto a bombinha. Ser aprovado no vestibular da federal significa muita poupança nas contas da família.
Mas não abro a boca, estou assustado. Estou caminhando com os pés descalços e a sede se mistura com a ilusão das aquarelas de letras que lutam por mim. A minha voz vem escrita nestas folhas coloridas de preto e branco. Estou construindo meu mundo com pequenos cacos que recolho nas praias ou nos lixões. E precisa ser com um passo de cada vez. Sou uma carcaça reciclável. O ar entra e a barriga sai, o ar sai e a barriga entra. O quarto fica escuro, e tenho medo, e o quarto se ilumina. É difícil, preciso me segurar ou andar por aí com rolos de papel higiênico ou bombinhas de inalação, perguntando
(O que será feito de mim?)
Recebendo como resposta olhares piedosos e conselhos de conforto resignado
(A vida é assim mesmo, meu filho, tira de uns e oferece demais a outros.)
Último ano na escola e venho querendo tudo com olhos de despedida. Uns malucos já notaram que eu to meio de canto. Mas não quero ficar dizendo
(Já estou com saudades.)
Coisas do tipo
(Vamos manter contato.) (A gente se vê, por aí!)
Vou ter que conviver na boa com tudo isso. As minhas dúvidas e o desejo inevitável de mudar o mundo. Virar o meu mundo de cabeça para baixo. Outras coisas vão acontecendo. Ninguém para. Nada empaca. Vou para um canto medir o pico do fluxo respiratório. Pra mim esse aparelho medidor é tão importante quanto um termômetro ou o aparelho de medir a violência arterial do papai, pois assim como a temperatura e a pressão, a minha asma pode ser mais bem controlada quando é medida. O medidor do pico do fluxo avalia o fluxo de ar no momento da expiração
(Vocês sabem o que é isto de expiração?)
É a expulsão do ar dos pulmões
(É como soprar uma vela.)
O PFE esperado para cada um, tem por base a idade, sexo e altura
(Já sei, ninguém sabe o que é PFE.)
Paro de falar com o espelho, procuro respirar com mais tranqüilidade. Preciso voltar para a aula
(Ë uma forma curta e fácil de dizer Pico do Fluxo Expiratório.)
Quando a asma está sob controle, o fluxo de ar é normal ou muito próximo do valor esperado. Porém, mesmo antes da percepção dos sintomas de uma crise de asma, o pico do fluxo expiratório pode estar diminuído, evidenciando a obstrução das vias aéreas. A desconfiança que uma crise se aproxima.
O sistema de semáforo foi estabelecido para ser um guia de ajuda para os pacientes no manejo da asma.
Assim que o meu PFE foi estabelecido, todos os meus esforços devem ser feitos para manter os valores no mínimo em torno de 80% deste valor. Cada cor do “semáforo” indica:
Zona verde - PFE entre 80% e 100% do melhor PFE esperado: SIGA - Você deve estar relativamente livre de sintomas e pode manter os medicamentos em uso.
Zona amarela - PFE entre 50% e 80% do PFE esperado: ATENÇÃO - A asma está piorando. Um aumento temporário na medicação para a asma é indicado. Se você usa medicação crônica, a terapia de manutenção irá provavelmente precisar ser aumentada. Entre em contato com seu médico para ajustar seu tratamento.
Zona vermelha - PFE abaixo de 50% do PFE esperado: PERIGO - O controle da asma está falhando. Use seu broncodilatador inalatório. Se o PFE não retornar à zona amarela, entre em contato com seu médico imediatamente, ou inicie o tratamento orientado para os momentos de exacerbação da asma.
Este sistema de semáforo é apenas uma recomendação para simplificar o manejo da asma. O sucesso do controle da asma depende da parceria entre o paciente e o médico
(E os pais, é o que sempre repete o Dr. Paulo.)
Nenhuma novidade com a mensalidade da escola que subiu. O PFE permanece na zona verde.
As paredes pichadas foram pintadas de branco. Ingênua perda de tempo. O PFE se sustenta na zona verde.
O professor de filosofia é novo. O PFE não passa da zona amarela.
O dia amanhece frio e a funcionária passou cera no piso da sala de aula. O PFE se embrenha na zona vermelha.
E assim, fui construindo um mundo verde, amarelo e vermelho.
Olho para o corpo defunto de uma barata. Não sei do que esse estúpido e nojento animal morreu, mas está ali, deitada de costas. Imóvel. Não sinto compaixão nem piedade. Uma trilha de formigas começa a desconjuntar aquele esqueleto marrom inerte. É rápido. Aquelas piranhas da cidade apenas deixam os rastros do seu carreiro. Desistir é fácil, basta perder a vontade de sonhar. Talvez, essa barata tenha se percebido apenas uma barata e desistiu. Não conseguiu imaginar-se diferente
(Eu não sou uma barata!)
É isso, talvez a morte seja apenas uma coisa de desistir e ficar imóvel pela eternidade. Desconsertando cada uma das partes, esperando a poeira. Tudo vira pó. Somos um quebra-cabeças sendo desmontado peça por peça, todos os dias. Não tem como ressuscitar, pelo menos, do mesmo jeito.
Os computadores ganharam tela plana. Eu continuo arredondando o peito. Parece que ando na contramão da ciência e da tecnologia. Tudo está se aplainando e enquanto eu sigo arredondando o peito. É tudo um grande plano de ingestão de porcarias desnecessárias. Quero ser um grande escritor, desses que fazem alguma diferença na vida das baratas.
Desenharam uma quadra de handebol no pátio da escola. Desperdício, porque aqui na escola só treinam voleibol. O esporte da televisão, das medalhas, das vitórias, as pessoas não querem saber de derrotados
(Quantas das nossas vidas serão desperdiçadas?)
A única mudança pra valer foi a chegada da Júlia. Gente, essa menina é corajosa. Sair do colégio público, no último ano do médio, e vir pro nosso, não é pra qualquer um, muito mais difícil pras meninas. Lá ela tem as amigas e amigos de muito tempo, aqui é um recomeço, desde as amizades até a maneira dos professores ensinarem ou fingirem. E guri vive nas ruas, conhece todo mundo, cada um é mais maluco que o outro
(Escola pública nivela por baixo.)
Mas ela é muito boa. Em todos os sentidos, e costumes, e olhares. Tem uma cor maravilhosa. Por essa menina eu poderia me apaixonar
(Não sei se quero.)
Recreio!
Puxa, tenho que parar de ficar viajando com essa mania – ou obsessão? - de escrever um diário. Parece ladainha de papel e caneta. Já estamos no intervalo livre e não lembro o que aconteceu na sala de aula. É minha obrigação me concentrar mais quando estou dentro da tenda dos milagres. Do contrário, esse não será meu último ano na Imaculada Sagrada. E a universidade federal terá que esperar mais para contar com a minha inteligência artificial.
A fila do barzinho é imensa. Nem sei como cheguei aqui. A lógica diz que foi caminhando, mas me refiro ao tempo entre sair da sala de aula e chegar à fila do barzinho, tudo feito no piloto maquinal. É como estar lendo um livro, e lá na página trinta, não lembrar o que se leu nas vinte e nove páginas anteriores. Somos máquinas
(Sou um mecanismo locomotor de pensar, sentir e respirar imperfeito.)
Tanto tempo nesta escola e nenhum amigo. Nenhuma amiga. Apenas conhecidos e colegas.
Mais na frente está a Cândida e a sua turma, insatisfeita com a fila. Não, eu estou insatisfeito com a fila. Mas reconheço o meu lugar
(A Cândida?)
Bem, essa está provocada a tomar parte naquela disputa por lugares. Demonstrar o seu poder de influência
(Meninas, se ficarmos nesta renga vamos perder o recreio.) (Isso eu sei, mas o que fazer?)
Pergunta Pati.
A fria e vaidosa Cândida, quando responde, tem o olhar decidido e raivoso
(Vamos estabelecer novas regras.)
(Como?)
Quer saber Leila
(Meninas nós somos ou não as gossip girls do terceiro ano?) (É isso mesmo.) (Ninguém separa nossa amizade!) (Nem a língua...)
Respondem harmoniosas as duas babonas ao chamado da líder. Acho que a Cândida funciona para as meninas mais como um ídolo do que uma liderança. Ela as magnetiza e as deixa amareladas da própria vontade. Seguidoras não querem pensar. Eu não quero pensar na minha falta de ar. Baratas não pensam, só reagem por instinto.
Cândida dá uma piscadela e as meninas se vão para o começo da fila. Tomam uma vaia estrondosa. Passam por suas cabeças cheias de vento, balas, bolinhas de papel, chicles cuspidos. A gritaria é gigante. As câmaras de vídeo espalhadas pelo pátio alarmam o disciplinador. O controlador chega e quer entender
(Gente, vocês me contam o que está acontecendo ou vou ter que pedir as imagens das câmaras?)
As meninas do primeiro ano começam as acusações que chegam de todos da fila. O disciplinador aponta para as três
(Elas são metidas à besta.)
Repetem em coro as demais meninas. Claro, que o tumulto estava estabelecido. Todos chegavam para saber o que acontecia
(As gurias vão brigar.)
O disciplinador na intenção de acabar com aquele desequilíbrio, decreta
(Meninas, vocês têm duas opções. Continuam na fila onde estavam ou saem e vão para o pátio.) (Isso não é justo.)
Procura argumentar Leila
(Escolham!)
Cândida pega no braço das duas e saem sob os gritos e vaias. Foram escolhidas para saírem. Não escolheram sair. Lançam um olhar de ódio e promessas às meninas do primeiro ano
(Essas baratas, não perdem seu tempo por esperar.) (Vamos dar o troco.) (Merda, elas não conhecem hierarquia?) (Meninas, cuidado com os palavrões.) (Quando a gente estava no primeiro ano cedia o lugar.)
Cândida salivava a ofensa sofrida, no olhar apenas ódio às mortais
(Não lembro.) (Cala a boca Pati, você não lembra de nada.) (Elas não têm respeito.) (Vamos ensinar consideração às meninas.) (Quem não ta com a gente... ta contra)
Resolvi sair de perto dessas meninas da roupagem de figurino. Parecem bichinhos de estimação. O cérebro e o coração delas se comportam como se tudo fosse um desfile de moda. Preconceituosas. Caminham e sonham com as cores e o brilho dos vestidinhos plissados e babados em camadas. Eu posso não ter ar para respirar, mas não perdi o cérebro ou o coração, ainda
(Ta... e ai, o que ta olhando?)
As bermudas não têm o volume do corte, mas o calibre do corpo. Para essas meninas tudo é uma passarela de marcas. Saio de fininho.
Vou atrás de outros ares. É preciso mudar. Até penso em firmar o olhar delas com o meu, mas pergunto pra mim se vale à pena, e não vale. Não é que eu seja um covarde, não tenho medo dessas barraqueiras de rosa, mas me pergunto no que isso iria dar. A gente se estranha e eu não vou bater em mulher, no final de tudo vou ter que duelar com o Gustavo e o Dalton. Eu não sou grandão nem fortão, então, eu vou ter que achar soldados do mesmo tamanho. Acho melhor, não. Elas lá e eu aqui. Vou fazer uma vingança literária. Não é o que vocês estão pensando, sem mentiras ou calúnias. Nada de baixaria. Serão suplex, sabem como é, bonequinhas de reserva. Mas chega desse papo.
Lá estavam Júlia, Tamires e o Charles. Esses três não se conheciam, mas perceberam que a simpatia do início pode se transformar em amizade. Precisam apenas dar uma chance para o dia-a-dia. Rirem juntos, fazerem confidências e, também, por que não, chorarem juntos. O convívio quase diário está deixando marcas de estima e confiança. Ninguém se declara amigo de alguém, como algo que vem de um contrato unilateral. Uma frase que vem de um lado só. Eu sou teu amigo e pronto. Nem é suficiente convidar a outra pessoa para serem amigos ou amigas. A confiança e a estima precisa ser construída nos detalhes, nos suspiros e na verdade das intenções. A camaradagem precisa de tempo para se tornar algo real. A inimizade, pelo contrário, pode surgir inesperadamente, sem nenhuma razão aparente. Às vezes, as pessoas olham e não gostam do que vêem ou não sabem o quê ver e dizer. Repetem, apenas, o que lhes foi ensinado. Com esses três, não está acontecendo assim. Estão se dando o tempo de conhecer um ao outro, sem pressa
(Júlia, como vai com o trabalho de língua estrangeira?) (Tamires, é muito diferente lá da minha outra escola.) (Vai te acostumando, por aqui, a maioria faz cursinho de alguma língua exótica.) (Charles, é só um pouco mais complicado, mas eu vou conseguir.) (Precisando ajuda é só fazer sinal de fumaça.) (Vou precisar de muita ajuda em física.) (Ih, nessa daí, a gente se ferra junto.) (Ai, meu Deus, vocês também?) (Sufoco todos os anos.)
Coitados, eu também.
Como são pouco prováveis as ideias, os conceitos, os assuntos da física na minha vida. Uma caretice só. E gente, eu não quero ser físico. Eu vou ser escritor. Já estou fazendo literatura. O problema é que ainda não me encontraram. E estou me desperdiçando com essas teorias quânticas e amarrações químicas. Eu curto o mundo das semânticas. Por ora, só quero decifrar a química do amor. Adoro brincar com as palavras e seus significados. Não quero demonstrar teoremas. Escolho que os professores de língua portuguesa e literatura me revirem ao avesso. É fácil. Que todos os outros professores joguem esse meu corpo num calabouço a pão e água. Mandem livros todos os dias para minha prisão. Quando me libertarem vão descobrir que nunca estive preso. Prefiro o mundo das palavras e intenções gramaticais. Renego o planeta dos senos e co-senos, dos recordes e marcas esportivas. Não gosto de futebol, o mundo não espera nada de mim além das notas
(E daí, o que eu posso fazer? Não gosto do cheiro de suor!) (Será que tenho algum problema?)
Meu mundo gira na volta do lápis e mergulha no papel. Gosto de escrever, outros gostam de esportes, namorar. Esperem aí, não tirem conclusões apressadas, eu também gostaria de namorar, mas o problema é que não namorei ninguém, ainda. É meio complicado de explicar que eu gosto de uma coisa que nunca provei, mas é isso, to louco pra botar em prática o meu romantismo. Eu sou muito romântico
(Vocês não acreditam?)
Deixa pra lá, volto ao que interessa,
(Júlia, por que você veio pra cá?) (Meus pais não podem pagar um cursinho pré-vestibular.) (E daí?) (Aqui, será o meu cursinho.) (Júlia!) (O que foi, Tamires?) (Por um ano você vai perder a chance de disputar no vestibular com os alunos da escola pública!) (Hein!) (Menina, você não sabe que agora tem a tal das cotas pelo Enem?) (Cotas?) (Não sei bem como funciona, mas aqui na escola no ano passado foi uma bateção de boca.) (É?) (Júlia, na discussão rolou muito ódio.) (Por quê?) (Vagas, minha amiga.) (Preconceito, meninas.) (Mas elas não vão por fim às injustiças que você experimentou na carne.) (Não há um remédio definitivo.) (Gente, não sei muito bem do que vocês falam, mas as duas escolas são muito diferentes.) (Nós sabemos, por isso escolhemos estar aqui.) (Será que eu posso me inscrever nesse ProUni?)
Acho que estão todos confusos. Aqui, é assunto tabu.
Enem, prouni, cotas e mais siglas e abreviamentos. Nem vou tentar ajudar.
Escutamos o sinal de término do recreio. Todos nos dirigimos para as salas de aula. Parecemos um bando de resignados. O ruído da sirene foi substituído pelo canto Gregoriano, música de velho. Continuamos nossas conversas caminhando para o remate. Ninguém atrasa. Somos o adereço que embeleza e finaliza essa obra de disciplina. É muito bala observar a nós mesmos. No final, também, não sei se deveria ser diferente. De qualquer jeito, escolhi estar aqui.
Apenas, que em alguns lugares a desilusão é maior que em outros. Sei lá, é que eu queria que fosse diferente. Mais gostoso, com mais vida. As aulas de história, por exemplo, aprendo mais nos filmes que vejo no cinema, quase nada com os trabalhinhos copiados da internet. Não se tem o que fazer. É isso, faltam os debates, as disputas das ideias sem chiliques. Preciso de professores que me façam falar sem ter um faniquito de ar comprimido. Discutir as minhas ideias. Mostrar o que pensamos e o que achamos disso ou daquilo. Parece que os professores têm medo da nossa língua e dos seus ouvidos. Queremos nos mostrar para quem quiser ver.
Em todo caso, já estou no brete da porta, uso a bombinha, mais um passo e pronto, preciso sentar. As patricinhas também entram e o mundo irreal vem com elas. Ainda discutem o lance da fila. Os guris caminham pela sala e fazem troça um com o outro
(O Gustavo amarelou!) (Garfão, dá um tempo.) (Amarelou!) (O que foi?)
Quer saber o Paulo Ricardo, já se deliciando com a brincadeira
(Não tem nada.) (Gustavo, te conheço mais que qualquer um.) (A Lúcia do segundo ano encarou de frente e ele esfumaçou.) (Não acredito.) (Garfão, vai caminhar, vai!) (Gustavo foi alvejado.)
Aquela caçoada só tinha um jeito de acabar, e não adiantava paciência, e não adiantava abuso
(Bem, queridos alunos, o recreio já acabou. Vamos sentar.)
Essa é a irmã Delcina, professora de ensino religioso. Logo, já estaremos rezando. Ela entra com a sua malinha marronzinha escura, bem velhinha, caindo aos pedaços. Passinhos pequeninos e mudos.
Olha na volta, tem um pequeno sorriso nos lábios.
Pede silêncio.
Não entende que vivemos a vida de pernas pro ar. Acho que não entende, mas de qualquer maneira calamos. A vida para.