"A poeta que o Brasil deixou morrer em silêncio: prêmios não pagaram o aluguel, sopa fria e a palavra como único salário" e que conheci hoje, apenas hoje, quanta demora, até que a curiosidade intelectual me fez acessar a Revista Digital Bula, levei um susto, uma vida inteira não basta-se para ler... e lá estava a poeta (como ela mesma gostava de se nomear) Orides Fontela.
Ante de tudo, um pouco da mulher - por ela mesma:
FALATudoserá difícil de dizer:a palavra realnunca é suave.Tudo será duro:luz impiedosaexcessiva vivênciaconsciência demais do ser.Tudo serácapaz de ferir. Seráagressivamente real.Tão real que nos despedaça.Não há piedade nos signose nem no amor: o seré excessivamente lúcidoe a palavra é densa e nos fere.(Toda palavra é crueldade)
A geometria em mosaico
cria o texto labirinto
intrincadíssimos caminhos
complexidades nítidas.
A geometria em florido
plano de minúcias vivas
a geometria toda em fuga
e o texto como em primavera.
A ordem transpondo-se em beleza
além dos planos no infinito
e o texto pleno indecifrado
em mosaico flor ardendo.
O caos domado em plenitude
a primavera.
atraindo
nossa tarefa: ultrapassar
traindo
o acontecer puro
que nos vive.
Nosso crime: a palavra.
Nossa função: seduzir mundos.
Deixando a água original
cantamos
sufocando o espelho
do silêncio.
do seu segundo livro Helianto (Duas Cidades, 1973).
POEMA
Saber de cor o silêncio
diamante e/ou espelho
o silêncio além
do branco.
Saber seu peso
seu signo
– habitar sua estrela
impiedosa.
Saber seu centro: vazio
esplendor além
da vida
e vida além
da memória.
Saber de cor o silêncio
– e profaná-lo, dissolvê-lo
que nos vive.
Nosso crime: a palavra.
Nossa função: seduzir mundos.
Deixando a água original
cantamos
sufocando o espelho
do silêncio.
do seu segundo livro Helianto (Duas Cidades, 1973).
POEMA
Saber de cor o silêncio
diamante e/ou espelho
o silêncio além
do branco.
Saber seu peso
seu signo
– habitar sua estrela
impiedosa.
Saber seu centro: vazio
esplendor além
da vida
e vida além
da memória.
Saber de cor o silêncio
– e profaná-lo, dissolvê-lo
em palavras.
do seu terceiro livro Alba (Roswitha Kempf, 1983).
Inútil a ternura pelo leve
momento a desprender-se do infinito:
frágil, a construção do tempo é morte
do que se atualiza. Mais fecundo
é secundar o pássaro buscando
o momento possível, voo pleno.
Mais fecundo é voar. Mas a ternura
(este pássaro morto abandonado
como forma perdida de nós mesmos)
nos alimenta em sua sombra. Torna-nos
em sombras sem alento. E sofremos
como pássaros frágeis: desprendidos
do voo pleno nos cristalizamos
realizando a morte que vivemos.
do seu livro Rosácea (Roswitha Kempf, 1986).
O espelho dissolve
o tempo
o espelho aprofunda
o enigma
o espelho devora
a face.
do seu livro Teia (Marco Zero, 1996).
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"A própria poeta chegou a dizer mais de uma vez que ela só existia por causa da poesia, que não saberia fazer outra coisa se não estivesse sempre a criar, fosse pela inspiração, fosse pelo trabalho árduo sobre o verso." Trecho do livro Toda palavra é crueldade.
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