sábado, 31 de março de 2012

Pero no cambia mi amor...

Mercedes Sosa

Todo cambia


Todo Cambia
Julio Numhauser


Cambia lo superficial
cambia también lo profundo
cambia el modo de pensar
cambia todo en este mundo

Cambia el clima con los años
cambia el pastor su rebaño
y así como todo cambia
que yo cambie no es extraño

Cambia el mas fino brillante
de mano en mano su brillo
cambia el nido el pajarillo
cambia el sentir un amante

Cambia el rumbo el caminante
aunque esto le cause daño
y así como todo cambia
que yo cambie no extraño

Cambia todo cambia
Cambia todo cambia
Cambia todo cambia
Cambia todo cambia

Cambia el sol en su carrera
cuando la noche subsiste
cambia la planta y se viste
de verde en la primavera

Cambia el pelaje la fiera
Cambia el cabello el anciano
y así como todo cambia
que yo cambie no es extraño

Pero no cambia mi amor
por mas lejos que me encuentre
ni el recuerdo ni el dolor
de mi pueblo y de mi gente

Lo que cambió ayer
tendrá que cambiar mañana
así como cambio yo
en esta tierra lejana

Cambia todo cambia
Cambia todo cambia
Cambia todo cambia
Cambia todo cambia

Pero no cambia mi amor...

sexta-feira, 30 de março de 2012

O espírito ficou se derramando

XXI (2ª) - No se puede hacer la revolución sin las mujeres 


filho doente é uma tristeza que não para de preocupar
baitasar
Dom Juan foi até a sua camioneta e retornou com a sua filha Aryani no colo, enquanto dona Lara carregava o menino Chiado nos braços e o pequenino leporino pesava em meu colo. Pela primeira vez sofria o sofrimento de mãe — Um filho doente é uma tristeza que não para de preocupar.
A Angélyca e o Crespo caminhavam apoiados um no outro, já tinham idade e peso para andar sobre as próprias pernas. As caras não eram nada boas. Entramos na botica e ficamos em pé, não havia cadeiras, ali não era um consultório de doutor. Um balcão e prateleiras repletas de ervas, plantas e chás.
Dom Juan olhou às prateleiras e não pode desviar-se de resmungar — Em alguma delas está à cura para os meus filhos — o farmacêutico de chás e ervas enfiou os dentes na boca, eles ficavam guardados em um aquário com água verde, atrás do balcão, como enfeites para aqueles peixinhos dourados, nervosos e incansáveis. Ficou enfiando e tirando até que se ajeitaram — O diabo era achar a cura certa. — continuou pensando pela garganta, quando estava nervoso lhe era impossível pensar quieto, consigo mesmo — O segredo é saber escolher a ajuda na proteção contra o olho do mal... — o patrão levou um susto com a entrada da mulher do seu Floratil — Não diga esse nome aqui dentro. — Desculpe, dona Flora. — Não peça perdão para mim, mas pra ela. — e apontou a imagem da Mãe de todas as mães. Dom Juan se virou para a Santa imagem e ofereceu o olhar mais suplicante e sincero da sua vida — Peço perdão, minha Mãe, a Senhora por certo já ouvia falar da minha boca suja, mas as crianças não têm culpa do pai que têm, a Senhora bem sabe que o pai não se escolhe nem se enfrenta... — Dom Juan, dom Juan... — O que foi Lara? — Ela já te conhece e sabe que não foi por mal, vamos deixar o seu Floratil examinar as crianças — as mães são práticas quando os filhos adoecem ou sentem fome, os homens se perdem em culpas e lamúrias. Eles crescem para algumas coisas da vida e as elas para outros acontecimentos.

O boticário enfiou o termômetro na boca dos maiores e no sovaco dos menores, marcava no relógio que carregava pendurado num dos bolsos da calça o tempo de medir a temperatura nos seus jovens adoentados. Continuou com prudência olhando daqui e dali. Não viu nenhum inchaço no pescoço ou embaixo dos braços. Não sabia o que tinha pela frente, além de ver as crianças abatidas e curvadas até o chão como flor murcha
(Com febre todas estão, mas parece que não ta aumentando. Seria bom desenrolar as crianças das mantas.) (Qual o seu melhor palpite?) — o velho boticário ajeitou os dentes na boca, não queria ser mal compreendido
(Quebrante.) (Não me diga.) (Não têm bubão ou dores, se tivesse que apostar diria que um quebrante foi espalhado pelos filhos.) (Olho grande nas crianças... o senhor acha mesmo...) (Minha filha, é o que parece.) (E o que se faz?) (Levá-los para casa, controlar a febre com banhos e compressas de vinagre na sola dos pés, água fria na testa... várias vezes.) (Só isso?) (Amanhã, bem cedinho, trazer as crianças que a Flora faz a benzedura.) — o patrão olhou para a mulher do boticário e lhe reconheceu no ofício de aposentada da mãe
— Cuidado com as crianças... pior que a enfermidade é a parte do olho grande — as palavras da velha não saiam dos meus pensamentos silenciosos.
Quando chegamos os doentes foram para os seus quartos. Depois da acomodação das crianças, dona Lara foi para a cozinha preparar um caldo de galinha. Dom Juan mediu a febre e os gemidos de um por uma. Quem gemia mais era mais reconfortado. Calçado e Anadyr também tombaram, mas não se lamentavam. O guri com dor de barriga e a guria com cólicas. Foram esquecidos no sono.
Dom Juan mediu e anotou as medidas, junto com os horários. Usava as manias da leiteria para não perder o controle de cada vaca: la cantidad de agua de tomar, la medida de los piensos que comían y la cantidad de leche producida. Tudo foi para a caderneta. Amanhecia e os dois estavam exaustos. Ficaram se revezando nos cuidados e nas medidas durante toda à noite. Pareceu que o clarear do dia trouxe mais alento e disposição às crianças.
Cuidei de dormir com o menino Leopoldino no quarto de la Vieja
(O que la Vieja acha que acontece?) (Amanhã, todos vão estar com manchinhas pelo corpo.)
Dom Juan e dona Lara acordaram do sono que não fechou os olhos, tinham cabelos do corpo desalinhados, olhos inchados, as mãos se moviam mais lentas e desatinadas com a negação do sono, mas a manhã despertou com boas notícias — Parece que o sono que nos falta sobrou neles. — Estão melhores, acho que o susto do pior já passou. — pareceu que o clarear do dia trouxe mais alento e disposição às crianças.
Era acalmar um e outra resmungava do acordamento
(Mãe, eu não to com fome!) (Mãe, eu quero ir no banheiro!) (Dona Lara, deixa que eu levo a Aryani.) (Obrigada, Preta.) — levei um susto com aquele tratamento de agradecimento, pensei: una noche de sueño perdido con oración y sanación me puede ayudar
(E os outros, dona Lara?) (Ficam na cama.) — todos respiravam mais aliviados e acomodados com as boas notícias
(Querida, prepara um café.)
Depois do café, Dom Juan foi mundo afora, direto para a sala das vacas. No caminho chegou a desconfiar que dona Lara estava certa em não querer que ele saísse de casa. Bem, já era tarde para mudanças de planos, julgou consigo mesmo. E foi em frente.
Percebeu, mas não deu importância ao descuido — O pior já passou.
E tratou de cuidar das vacas leiteiras e dar ordens aos cholos. Como nos tempos de antes, tudo estava no seu controle. O trabalho e o tempo se encarregaram de fazer Dom Juan esquecer que tinha filhos adoentados pelo quebrante. A barriga vazia lhe fez lembrar que tinha uma casa, uma família e uma mulher, sentiu falta da sua comida pronta e quentinha — Hora do descanso!
Encontrou os filhos arriados até os pés e as preocupações retornaram — As crianças estão com febre alta e umas bolhinhas de água pelo corpo. — Vamos levar no doutor Lázaro! — enrolaram o menor. Mostrando um era como mostrar todos. Os demais ficaram recomendados de não sair da cama — Levantar só pra ir ao banheiro, entenderam?
Eu e la Vieja ficamos no cuidado dos sobreviventes — O que la Vieja acha que acontece? — Amanhã, todos vão estar com bolhinhas pelo corpo — E o que vamos fazer? — Esperar... e acalmar a febre — foi o que fizemos até que os três voltaram ao campo de guerra.
O diagnóstico do doutor Lázaro: varicela
(Não coçar as feridas que vão aparecer.) (O doutor explicou que vem por aí umas bolhinhas cheias de aguinha, depois aparece uma casquinha nas bolhas e vocês vão ter muita coceira...) (E não pode coçar, senão o remendo fica pior que o soneto.)
La Vieja me chamou para aplicar rezas de proteção — Não precisa adoecer por estar ajudando — o espírito de la Vieja ficou se derramando em mim, bastava ter olhos para ver.


quinta-feira, 29 de março de 2012

"Vingança"

Lupicínio Rodrigues





Vingança
Lupicínio Rodrigues


Eu gostei tanto,
Tanto quando me contaram
Que ihe encontraram
Bebendo e chorando
Na mesa de um bar,
E que quando os amigos do peito
Por mim perguntaram
Um soluço cortou sua voz,
Não ihe deixou falar.
Eu gostei tanto,
Tanto, quando me contaram
Que tive mesmo de fazer esforço
Prá ninguém notar.
O remorso talvez seja a causa
Do seu desespero
Ela deve estar bem consciente
Do que praticou,
Me fazer passar tanta vergonha
Com um companheiro
E a vergonha
É a herança maior que meu pai me deixou;
Mas, enquanto houver força em meu peito
Eu nao quero mais nada
Só vingança, vingança, vingança
Aos santos clamar
Ela há de rolar como as pedras
Que rolam na estrada
Sem ter nunca um cantinho de seu
Pra poder descansar

Rhapsody in Blue


Gershwin plays Gershwin


terça-feira, 27 de março de 2012

Fresno - Porto Alegre

Eu não queria dizer adeus





Porto Alegre
Fresno


Faz frio em Porto Alegre toda noite
E de longe eu não posso te ver
Então me perco em pensamentos de um passado
Que há muito tempo eu quero esquecer
Eu só quero falar que ao teu lado
Eu tava errado, eu nunca consegui viver
Mas só eu sei de você

Só não queria dizer adeus
(É que eu tinha tanto pra contar)
Eu não queria dizer

Eu volto há tanto tempo e cada vez
Parece que o meu tempo não passou
Eu não encontro nada que me dê motivo
Outra vez pra procurar o que sobrou
Eu vivo condenado e sem saída
De um passado que parece não ter fim
Você não sabe de mim

Só não queria dizer adeus
(É que eu tinha tanto pra cantar)
Eu não queria perder o que sempre foi meu
Pois não há alguém que possa te amar
Pois não há alguém que possa nos salvar

Eu não queria dizer adeus
(É que eu tinha tanto pra contar)
Só não queria perder o que sempre foi meu
É que eu tinha tanto pra cantar
Eu não queria dizer adeus

domingo, 25 de março de 2012

Escrito nas Estrelas


Tetê Espíndola




Escrito nas Estrelas

Tetê Espíndola


Você pra mim foi o sol
De uma noite sem fim
Que acendeu o que sou
E renasceu tudo em mim

Agora eu sei muito bem
Que eu nasci só pra ser
Sua parceira, seu bem
E só morrer de prazer

Caso do acaso
Bem marcado em cartas de tarôt
Meu amor, esse amor
De cartas claras sobre a mesa
É assim
Signo do destino
Que surpresa ele nos preparou
Meu amor, nosso amor
Estava escrito nas estrelas
Tava, sim

Você me deu atenção
E tomou conta de mim
Por isso minha intenção
É prosseguir sempre assim
Pois sem você, meu tesão
Não sei o que eu vou ser
Agora preste atenção
Quero casar com você

"Maysa"

Manuel Bandeira




Maysa
Manuel Bandeira


Um dia pensei um poema para Maísa
“Maísa não é isso
Maísa não é aquilo
Como é então que Maísa me comove me sacode me buleversa me hipnotiza?

Muito simplesmente
Maísa não é isso mas Maísa tem aquilo
Maísa não é aquilo mas Maísa tem isto
Os olhos de Maísa são dois não sei quê dois não sei como diga dois Oceanos Não-Pacíficos

A boca de Maísa é isto isso e aquilo
Quem fala mais em Maísa a boca ou os olhos?
Os olhos e a boca de Maísa se entendem os olhos dizem uma coisa e a boca de Maísa se condói se contrai se contorce como a ostra viva em que se pingou uma gota de limão
A boca de Maísa escanteia e os olhos de Maísa ficam sérios
meu Deus como os olhos de Maísa podem ser sérios e como a boca de Maísa pode ser amarga!
Boca da noite (mas de repente alvorece num sorriso infantil inefável)”

Cacei imagens delirantes
Maísa podia não gostar
Cassei o poema.

Maísa reapareceu depois de longa ausência
Maísa emagreceu
Está melhor assim?

Nem melhor nem pior
Maísa não é um corpo
Maísa são dois olhos e uma boca
Essa é a Maísa da televisão
A Maísa que canta
A outra eu não conheço não
Não conheço de todo
Mas mando um beijo para ela.



Sexo, isso e ócio

Meu Amor, Minha Flor, Minha Menina - Zeca Baleiro





Meu Amor, Minha Flor, Minha Menina
Zeca Baleiro


Meu amor minha flor minha menina
Solidão não cura com aspirina
Tanto que eu queria o teu amor

Vem me trazer calor, fervor, fervura
Me vestir do terno da ternura
Sexo também é bom negócio
O melhor da vida é isso e ócio
Isso e ócio

Minha cara, minha Carolina
A saudade ainda vai bater no teto
Até um canalha precisa de afeto
Dor não cura com penicilina

Meu amor minha flor minha menina
Tanto que eu queria o teu amor
Tanto amor em mim como um quebranto
Tanto amor em mim, em ti nem tanto

Minha cora minha coralina
mais que um goiás de amor carrego
destino de violeiro cego

Há mais solidão no aeroporto
Que num quarto de hotel barato
Antes o atrito que o contrato

Telefone não basta ao desejo
O que mais invejo é o que não vejo
O céu é azul, o mar também

Se bem que o mar as vezes muda,
Não suporto livros de auto-ajuda
Vem me ajudar, me dá seu bem

Meu amor minha flor minha menina
Tanto que eu queria o teu amor
Tanto amor em mim como um quebranto
Tanto amor em mim, em ti nem tanto

Could You Be Loved

Bob Marley




Could You Be Loved
Bob Marley



Could you be loved and be loved?
Could you be loved and be loved?

Don't let them fool ya,
Or even try to school ya! Oh, no!
We've got a mind of our own,
So go to hell if what you're thinking is not right!
Love would never leave us alone,
A-yin the darkness there must come out to light.

Could you be loved and be loved?
Could you be loved, wo now! - and be loved?

(The road of life is rocky and you may stumble too,
So while you point your fingers someone else is judging you)
Love your brotherman!
(Could you be - could you be - could you be loved?
Could you be - could you be loved?
Could you be - could you be - could you be loved?
Could you be - could you be loved?)

Don't let them change ya, oh! -
Or even rearrange ya! Oh, no!
We've got a life to live.
They say: only - only -
only the fittest of the fittest shall survive -
Stay alive! Eh!

Could you be loved and be loved?
Could you be loved, wo now! - and be loved?

(You ain't gonna miss your water until your well runs dry;
No matter how you treat him, the man will never be satisfied.)
Say something! (Could you be - could you be - could you beloved?
Could you be - could you be loved?)
Say something! Say something!
(Could you be - could you be - could you be loved?)
Say something! (Could you be - could you be loved?)
Say something! Say something! (Say something!)
Say something! Say something! (Could you be loved?)
Say something! Say something! Reggae, reggae!
Say something! Rockers, rockers!
Say something! Reggae, reggae!
Say something! Rockers, rockers!
Say something! (Could you be loved?)
Say something! Uh!
Say something! Come on!
Say something! (Could you be - could you be - could you beloved?)
Say something! (Could you be - could you be loved?)
Say something! (Could you be - could you be - could you beloved?)
Say something! (Could you be - could you be loved?)




Você Poderia Ser Amado?
Bob Marley


Você poderia amar e ser amado?
Você poderia amar e ser amado?

Não deixe eles te enganar
Ou mesmo tentar ferrar você! Oh, não!
Nós temos a nossa própria mente
Então vá para o inferno se o que você está pensando não é certo!
O amor nunca nos deixaria sozinhos,
Na escuridão deverá aparecer a luz.

Você poderia amar e ser amado?
Voce poderia amar, agora! - e ser amado?

A estrada da vida é rochosa e você pode tropeçar também,
Então enquanto você aponta seu dedo outro alguém esta julgando você
Ame seu irmão!
Você poderia - você poderia - você poderia amar?
Você poderia - você poderia amar?
Você poderia - você poderia - você poderia amar?
Você poderia - você poderia amar?

Não deixe eles mudarem você, oh!
Ou mesmo rearranjá-lo! Oh, não!
Nós temos uma vida para viver.
Eles dizem: somente, somente,
Que somente o mais adaptado dos mais adaptados deve viver,
Permaneça vivo! Eh!

Você poderia amar e ser amado?
Voce poderia amar, agora! - e ser amado?

Você não vai perder sua água, até que o seu poço seque.
Não importa como você o trata, o homem nunca ficará satisfeito.
Diga Algo! Você poderia - você poderia - você poderia amar?
Você poderia - você poderia amar?
Diga Algo! Diga Algo!
Você poderia - você poderia - você poderia amar?
Diga Algo! Você poderia - você poderia amar?
Diga Algo! Diga Algo! Diga Algo!
Diga Algo! Diga Algo! Você poderia se amar?
Diga Algo! Diga Algo! Reggae, reggae!
Diga Algo! Rockers, rockers!
Diga Algo! Reggae, reggae!
Diga Algo! Rockers, rockers!
Diga Algo! Você poderia se amar?
Diga Algo! Uh!
Diga Algo! Vamos lá!
Diga Algo! Você poderia - você poderia - você poderia amar?
Diga Algo! Você poderia - você poderia amar?
Diga Algo! Você poderia - você poderia - você poderia amar?
Diga Algo! Você poderia - você poderia amar?

Cúpula Jazz Hollabrunn 1985

Airto Moreira & Flora Purim Group


sexta-feira, 23 de março de 2012

Ó mangas, ó changas, ó tangas, ó mirabelas, ó caga verrumas

XX (2ª) - No se puede hacer la revolución sin las mujeres 

e com a mão fazia o sinal da cruz
baitasar


Anadyr, segundo dona Lara, era a única que parecia com vocação para tetas e esterco. A mãe saia de qualquer calmaria quando o assunto eram as filhas entre as vacas. Não tinha discurseira que lhe deixava mais triste e sem valor de mãe. Encerrava a palestra com uma sonora ordem para todos calarem a boca. Pronto, tudo se resolvia no silêncio
(Anadyr vem cá, vamos pintar as unhas) (Mãe!) (Vamos colocar um esmalte bem vermelho...) (Mãe!) — a guria já pegara até o jeito do pai em apertar e espremer, nada muito animador para os planos maternos. Não apreciava o perigo para os usos das mãos, isso quando a menina tinha apenas 13 anos
(Mãe, com essas unhas vermelhas as vacas vão negar o leite) (Pois que se neguem, teu pai há de achar um jeito) — uma luta e nenhuma chance, as mães não desistem esse é o sentido da sua vida: nunca rendirse
(Querida, olhe a boneca linda que a mamãe comprou!) (Bonita...) — pegava o brinquedo de enfeite pelos braços, como se espremesse tetas, era pequena e bem feita, até para a mãe não havia muito mais a fazer
(Umas com tanto e outras com nada...) (O que foi... mamãe?) (Espelho, minha filha.) (O que tem o espelho de tão importante?) (As tuas irmãs não saem da frente do espelho e essa filha...) (O que tem eu?) (... parece que tem medo de se olhar.) (Não preciso de espelhos para apertar e espremer.) (Vai precisar para casar.) (Os homens não usam espelhos.) (Mas casam com a opinião do espelho.) — saia resmungando que aquela sua filha precisava tratamento por não se olhar no espelho, se culpava porque a menina não queria melhoras aqui ou ali, não era a sua imagem nem em semelhança.
Todas acordavam dos devaneios del sueño después de comer, menos os meninos, esses já estavam longe dos xingamentos e ordens de implicância da patroa — Anadyr pode começar a lavar a louça! — Mãe, isso é serviço pra Preta — La chola já está com o teu irmão... quer trocar? — ¡Mierda!
As batidas do coração daquela casa se pareciam com um terremoto e precisavam do sacrifício daquelas mulheres — Mãe! A Angélyca não quer secar a louça — Meninas! — A Aryani não faz nada — Vai chegar o tempo dela, o teu já chegou — Vamos Angélyca, seca essa louça de uma vez só — Droga! — a patroa podia aturar os palavrões do patrão, afinal, era um homem, e eles não vivem sem palavrões e putas — Cuidado com a boca, minha filha — mas as suas filhas seriam finas e educadas mulheres — E as panelas? — Coloca um pouco de água na chaleira e dá um fervura — Saco! — Anadyr, você está ficando desbocada — Odeio ficar na cozinha — Querida... — Isso é serviço de mulherzinha.
O pequeno leporino me salvava da confusão depois do almoço, tinha a mania de fome com minha teta pequena. As duas queriam ficar inertes. Precisava de um grande esforço para não fechar os olhos, não bocejar, não deitar a cabeça nas penas do travesseiro. O tempo se arrastava em voltas naquele quarto, até que o guri dormia: eu fechava os olhos. Os dois ficavam inertes.
Dona Lara estava feliz naquele início de tarde, Dom Juan prometeu que iriam passear até a Ribanceira. Uma casa de descanso construída pelo avô do marido, num barranco de frente para as areias e a imensidão das águas. O ar salgado ou a distância das leiteiras parecia revigorar na esposa os desejos de concubina depravada, desajustada com as boas maneiras e comportamentos das mulheres da sua procedência — Preta, não é que eu faça fingimentos aqui ou lá, o problema é a imaginação, não tem regras por lá — eu continuava em silêncio, sabia o meu lugar e não arredava o pé do meu papel de escutadora calada.
Depois que o patrão e os dois filhos, Anadyr e Calçado, voltavam para os estábulos se iniciavam os preparativos para o descanso na casa da Ribanceira. A casa da família nas margens do mar foi presente dos marinheiros ao velho Caracão, por serviços prestados durante rebelião dos fardados inconformados com alguma coisa.
O velho não quis medalha nem distinção de honraria, se encantou com aquele pedaço de terra que iniciava no encontro das águas nas areias, se ia até a parte mais alta do barranco, cerca de 200 metros para cima e 50 para os lados — Vou construir um sítio de refúgio dos apertos da cidade e das leiteiras — foi a frase que restou daquele homem. Dona Lara não conheceu o velho Caracão, mas repetia que o homem foi um atinado.
Na primeira vez, fiquei com a boca aberta — Não acredito que possa existir lugar mais bonito — a cor da luz do dia adormecendo mergulhava sob as águas salgadas daquela enseada, me fazia lembrar do Paraíso, olhando tanta beleza, quase duvidei que pudesse existir La Montaña com tanto sofrimento e fome injusta. A natureza tinha o elixir da imortalidade. Aquela harmonia e beleza, por certo, reinventava a fertilidade da dignidade e do amor. A fusão do mundo num único lugar, o Paraíso dos padres.
As águas tranquilas chegavam nas areias brancas e não cobiçavam incomodar, se desenrolavam salgadas até ficarem estendidas, depois recuavam silenciosas para dentro do mar. Afastado das areias, mar adentro, se avistava um rochedo imponente que dizem apareceu sem mais nem menos, coisas que só os moradores afundados sentiram de perto, um estremecimento nas águas. Não demorou e os nativos escolheram o apelido: La Piedra del Caracão.
Um ponto nas águas que parecia existir para os olhos preenchendo o espaço entre a vida nas salgadas e nos céus, como uma divinação cósmica para acessar e voar para outros mundos.
La Vieja acreditava que naquelas pedras estava a porta para o outro mundo possível. Um lugar onde a natureza do céu e do homem se tornava um só espírito, um só caminho — Niña Preta, quando o meu espírito voar de mim leva as minhas sementes até aquelas pedras — Eu prometo, Vieja.
Para dona Lara viajar até a Ribanceira era como desmanchar a rotina: despertarse limpiar cocinar amamantar, descansar después del mediodía y se parar na janela, vendo o ir e vir das pessoas. O patrão saiu para os estábulos depois das estripulias del sueño y después de comer dona Lara, confirmou que saiam no final do dia até a Ribanceira. A aventura estava prestes a começar — Mãe, a minha garganta ta doendo. — O que foi, meu filho? — o menino se queixava de dor e frio — Deixa a sua mãe dar uma olhada... abre a boca. — ela reclamou que estava muito vermelha. Aproximou os lábios da testa do menino e sentiu um pequeno rubor de calor
(Querido, acho que tu tens febre.) (É?) — a fêmea estava alertada pela percussão do afeto materno, o sentido de preservar a cria.
O tambor do alarme tocava no ritmo das batidas do coração, são batidas diferentes — Preta, chama la Vieja!— Ah, mãe... — Tu e teus irmãos não se cuidam, eu não posso fazer nada. — E o passeio na Ribanceira? — Resolvemos depois, vamos esperar pela benzedura de la Vieja. — Merda! — Menino! — Sempre eu...
Saiu do quarto do garoto. Foi procurar algum chá, sempre teve algo para as emergências. Sabia que la Vieja não gostava de fazer benzeduras na gente de casa e fazia um tempo que não fazia nos de fora, mas, por certo, este não seria um empecilho para a sogra — Havia chegado o tempo dessa velha mostrar alguma utilidade.
Muitas das mais antigas rezas usadas por la Vieja eram de um tempo em que a Lua e o Sol eram abundantes e as orações encantavam as pessoas para proteger dos espíritos perigosos — Mãe! — O que foi, Angélyca? — Eu vou vomitar... — Calma, menina... a mamãe já vai te ajudar — aproximou os lábios da menina. Não tinha febre.
Usava todas as armas disponíveis às mães para o achego das crias. Primeiro procurava dissipar o medo invocando a proteção da Mãe de todos, a Mãe do menino Jesus. Depois, um exame geral pelo aspecto dos filhos, procurando pelos sinais mais comuns às doenças de crianças, algumas perguntas decoradas — Dói aonde, filhinha — e outras e depois outras que ouviu de outras mães na fileira da hóstia. Até localizar o desconforto. Coisas mais simples ela mesma cuidava — Querida, você não está com febre. — É? — É só a barriga que está doendo? — É.
La Vieja chegou e repetiu o que a dona Lara já sabia — Não é bom fazer benzedura em gente da família.
Seus filhos precisavam deste encantamento sobrenatural, disto, ela tinha certeza — Vamos procurar a benzedura da velha Flora — esposa do seu Floratil. Quando desconfiava que a urgência precisava das rezas e de remédio de doutor, não pensava mais que uma vez — Vamos procurar o doutor Lázaro — reforço para as rezas. Chamou pelo Crespo — Vai chamar teu pai, meu filho... diz que temos doentes em casa. — Ta certo, mãe. — Um pé lá e outro cá.
O garoto subiu na garupa do Aveia, sumiu em velocidade de urgência e voltou num assopro de vento sobre as próprias pegadas — O pai já vem, ta terminando o reparte da ração das leiteiras. — quanto tempo se passou não se teve como saber, quando o espremedor chegou não encontrou dois, mas quatro de cama e as pegadas do sol se enfiando no subchão.
Primeiro o Chiado, depois a Angélyca, logo em seguida tombaram Anadyr e Crespo. La Vieja rezava oração pra quebrante, se resolveu por agir pelo tempo que era perdido se esperando uma solução
(Ó mangas, ó changas, ó tangas, ó mirabelas, ó caga verrumas, ó mija-fivelas, ó caralhos, ó bugalhos, ó peidos meus e da Maria e do Matheus, por que banana não comeste tu, por que não enfiaste o dedo no cu? Por que não me disseste que quebrante tinhas, que eu te curava com três alhos, com três caralhos, com três bugalhos, com três fios, com três pavios, com três puta-que-os-pariu.) — e com a mão fazia o sinal da cruz.
(O que está a ocorrer?) (Não sei, Dom Juan, as crianças não vão bem.) (Vamos levar na botica do seu Floratil.) (Ele cerra as portas junto com o sol.) (Vamos e pedimos ajuda, a criatura não vai se negar.)
Enrolaram um cobertor em cada uma das crianças — Anadyr e Calçado tomem conta da casa. — Tudo bem, mãe. — Cuidado com o meu neném. — Acho que o miúdo precisa que se atente de cuidado, dona Lara. — Ele, também? — saíram carregando o reparte dos filhos. Eu seguia com o leporino no colo.
Quando chegamos na botica as luzes do lampião elétrico estavam acessas, mas as portas fechadas. Dom Juan desceu da camioneta e bateu palmas — Seu Floratil! — esperou alguns segundos e tornou a acionar a cigarra da sua garganta — Seu Floratil! — Já estou indo, um bocadinho de calma.
O homem dos remédios tinha um andar arrastado pelo tempo que não parava de lhe comer a dignidade. Numa primeira olhadela não reconheceu o leiteiro — Quem é? — Os Caraca, seu Floratil. — Na madrugada todo gato é pardo. — e ele não gostava da escuridão nem de gatos. Avançou mais um passo — Desculpem os cuidados, mas as sombras estão atrevidas e a bandidagem ta brotando a esmo. — mesmo aquela bondade de cuidar os doentes não lhe trazia nenhuma garantia. Esqueceu os óculos, voltou até o balcão — Seu Floratil... — Já vou, já estou indo. — a paciência é uma virtude para quem precisa de ajuda e algum favor — Sou eu, Dom Juan. — O que lhe acontece, meu filho? — As crianças estão com alguma coisa... — Já levou no doutor? — O homem já saiu pra suas pescarias. — o doutor Lázaro só abria mão destas pescarias se estivesse desconfiando de algum nascimento da sua responsabilidade. O seu Floratil que não é doutor, mas o dono da botica de medicamentos em tinturas e glóbulos concordou em dar uma olhadinha nas crianças. Ele aprendeu a manipular os remédios com o pai, mas depois que chegaram as injeções, comprimidos, analgésicos e remédios fabricados em série, as pessoas doentes foram diminuindo a cada ano na botica — Ta certo... me traga as crianças... — sai doutor, entra doutor, e o seu Floratil ficava: no cuesta nada soportar el capricho de los viejos.

quarta-feira, 21 de março de 2012

O Amor

Gal Costa





Um dia, quem sabe,
ela, que também gostava de bichos,
apareça
        numa alameda do zoo,
sorridente,
      tal como agora está
         no retrato sobre a mesa.










O Amor
Caetano Veloso
(Sobre um poema de Vladimir Maiakovski)

Talvez quem sabe um dia 
Por uma alameda do zoológico
Ela também chegará 
Ela que também amava os animais
Entrará sorridente assim como está 
Na foto sobre a mesa
Ela é tão bonita 
Ela é tão bonita que na certa eles a ressuscitarão
O século trinta vencerá 
O coração destroçado já
Pelas mesquinharias
Agora vamos alcançar
Tudo o que não podemos amar na vida
Com o estelar das noites inumeráveis
Ressuscita-me ainda que mais não seja
Porque sou poeta 
E ansiava o futuro
Ressuscita-me 
Lutando contra as misérias do cotidiano
Ressuscita-me por isso
Ressuscita-me 
Quero acabar de viver o que me cabe
Minha vida para que não mais existam amores servis
Ressuscita-me para que ninguém mais tenha de sacrificar-se
por uma casa, um buraco
Ressuscita-me 
Para que a partir de hoje
A partir de hoje
A família se transforme
E o pai
Seja pelo menos o Universo
E a mãe
Seja no mínimo a Terra
A Terra
A Terra




O Amor

Maiakovski


Um dia, quem sabe,
ela, que também gostava de bichos,
apareça
        numa alameda do zoo,
sorridente,
      tal como agora está
         no retrato sobre a mesa.
Ela é tão bela,
      que, por certo, hão de ressuscitá-la.
Vosso Trigésimo Século
ultrapassará o exame
de mil nadas,
  que dilaceravam o coração.
Então,
       de todo amor não terminado
seremos pagos
     em enumeráveis noites de estrelas.
Ressuscita-me,
     nem que seja só porque te esperava
como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano!
Ressuscita-me,
      nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
      Quero viver até o fim o que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravo
de casamentos,
     concupiscência,
       salários.
Para que, maldizendo os leitos,
   saltando dos coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro.
Para que o dia,
   que o sofrimento degrada,
não vos seja chorado, mendigado.
E que, ao primeiro apelo:
- Camaradas!
Atenta se volte a terra inteira.
Para viver
      livre dos nichos das casa.
Para que
   doravante
a família
     seja
o pai,
     pelo menos o Universo;
a mãe,
     pelo menos a Terra.


(1923)



As dores do mundo

Hyldon


As Dores do Mundo
Hyldon


O teu olhar, caiu no meu
A tua boca na minha se perdeu
Foi tão bonito, tão lindo foi
E eu nem me lembro o que veio depois

A tua voz dizendo amor
Foi tão bonito que o tempo até parou
De duas vidas u .. ma se fez
E eu me senti nascendo outra vez

E eu vou esquecer de tudo
Das dores do mundo
Não quero saber quem fui, mas sim o que sou

E vou esquecer de tudo
Das dores do mundo
Só quero saber do seu, do nosso amor

Sorriso Negro

Dona Ivone Lara




Sorriso Negro
Dona Ivone Lara


Um sorriso negro
Um abraço negro
Traz felicidade
Negro sem emprego
Fica sem sossego
Negro é a raiz de liberdade 2x

Negro é uma cor de respeito
Negro é inspiração
Negro é silêncio é luto
Negro é a solidão
Negro que já foi escravo
Negro é a voz da verdade
Negro é destino é amor
Negro também é saudade

Um sorriso negro
Um abraço negro
Traz felicidade
Negro sem emprego
Fica sem sossego
Negro é a raiz de liberdade

Negro é uma cor de respeito
Negro é inspiração
Negro é silêncio é luto
Negro é a solidão
Negro que já foi escravo
Negro é a voz da verdade
Negro é destino é amor
Negro também é saudade

Um sorriso negro
Um abraço negro
Traz felicidade
Negro sem emprego
Fica sem sossego
Negro é a raiz de liberdade

domingo, 18 de março de 2012

De Pernas Pro Ar

Automákina Universo Deslizante

automakina@depernasproar.com.br


GRUPO DE TEATRO DE PERNAS PRO AR

Apresenta

TEATRO DE RUA

Agenda: Março 2012

23/03 - O LANÇADOR DE FOGUETES

ONDE: MORRINHOS DO SUL/RS “ Ginásio Municipal de Esportes “ Rua José Frederico Borges, s/ nº - 10h - SESC

23/03 - MIRA

ONDE: MORRINHOS DO SUL/RS - Ginásio Municipal de Esportes – Rua José Frederico Borges, s/ nº - 15h 30min - SESC

24/03 - O LANÇADOR DE FOGUETES

ONDE: PORTO ALEGRE/RS - 10h - Praça Tabira, Av. Guaiba, Zona Sul - SEMANA DE PORTO ALEGRE

25/03 - MIRA

ONDE: LAGEADO/RS - Parque Theobaldo Dick - Rua João Abott, s/n - 17h - SESC

26/03 - MIRA

ONDE: VENANCIO AIRES/RS - Travessa São Sebastião Martir - 20h - SESC

29/03 - MIRA

ONDE: SANTA CRUZ DO SUL/RS - Praça da Bandeira “ Rua Marechal Floriano, s/n - 15h - SESC

Vá CUrTIr!





Na Sombra de Uma Árvore

Hyldon



Na Sombra de Uma Árvore
Hyldon


Larga de ser boba e vem comigo
Existe um mundo novo e quero te mostrar
Que não se aprende em nenhum livro
Basta ter coragem pra se libertar, viver, amar

De que valem as luzes da cidade
Se no meu caminho a luz é natural
Descansar na sombra de uma árvore
Ouvindo os pássaros cantar, cantar, é...

sexta-feira, 16 de março de 2012

El amor por el dinero

XIX (2ª) - No se puede hacer la revolución sin las mujeres


Um trabalho bom e fácil
baitasar
Para dona Lara, durante anos, o seu único homem teve no sono o sonho da sua produção de leite. Determinado e desajustado com o destino lhe mandando — Me gano la vida — o bicho cabeludo se empenhou para realizar a tarefa que desenhou a si mesmo, como se o lápis estivesse na própria mão do desenhista
(Um dia verei minhas vacas ligadas aos sugadores de tetas!) (O que é isso, homem?) (Ventosas que regulam e obram a transfusão branca.) — tudo igual aos folhetos propagandistas.
Minha amiga, esses propagandistas são uns rola-bosta que vivem de vender caldo de lama, usam as bolas de excremento para depositar seus ovos. Não confio nesta gente que se acha completa em si mesma, mensageiros da natureza e das sobreações humanas — Mulher, a vida é isso de aprontar os sonhos e ficar tentando até ver acontecer — ¿Y el amor? — Amor e sexo já temos... faltam as ventosas.
Por aqueles dias, antes do cumprimento do sonho de comprar as mãos mecânicas, precisava de vinte mortos de fome para apertar as mesmas tetas que depois passou a espremer com dois empregados controlando as mãos de borracha. Com as vistas cheias de cuidado no mecanismo espremedor, sorria com conta dos rios de leite para as mamadeiras e xícaras da cidade — Menos de molestar a los cholos, más tiempo para perder el tiempo — assim a máquina acabou substituindo homens e mulheres, o metal e borrachas incansáveis trocando músculos cansados e famintos: desempleados de la modernidad.
La Vieja me perguntava aonde mais as máquinas iriam se meter. Nunca me arrisquei responder, mas por previsão de futuro quis fazer o que as máquinas jamais teriam competência — El amor por el dinero — um trabalho bom e fácil — Los hombres aman el sexo, então, por que não me pagarem? – eles nos trazem as doenças e a culpa é nossa. Nunca quis ganhar nenhum prêmio, apenas respeito e dinheiro, ser cortejada e conquistada, pena que os clientes de prostitutas são diferentes, não perdem tempo conquistando uma mulher.
A religião é ruim para o trabalho, faz sentir culpa. Não tenho religião, não tenho culpas.
Não posso ser vista no trabalho, preciso seguir na margem das ruas; para as mulheres sou imoral e suja: el cielo castiga a las mujeres con envidia.
(Preta!) – ainda hoje, a patroa sabe como me tirar dos pensamentos e me empurrar para o infortúnio dos seus quefazeres. O passado parece que não nos sai do presente.
Um a um, os filhos e o marido chegavam ao contorno da mesa de dona Lara, ela os espantava para o banho.
Os primeiros eram Calçado e Anadyr, precisavam arrancar o cheiro das vacas e o leite das mãos cabelos pés. Tomavam o banho juntos. O menino não tinha o olho esquerdo, arrancado quando ele lutou com o tio Seti, para se vingar do ataque a sua mãe. O tio e o olho sumiram. Dizem que la Vieja, triste pela morte do filho e sorridente pela coragem do neto, juntou o olho do chão e o lançou ao céu para se juntar a Lua.
Na Lua Nova, Calçado sente muitas dores que diminuem na crescente até se curar da dor na Lua Cheia, para começar a adoecer do olho na Lua Minguante. No banho, Anadyr pede para que ele feche o olho que vê, ele responde que sim, mas não há jeito de fechar o olho que está na lua e tudo vê. Então, para que fechar aquele olho que não enxerga? Os dois se divertem com essa brincadeira.
Dom Juan chegava abrindo panelas e experimentado os cheiros — Saia dessas panelas, vá lavar as mãos e os pelos.
Os filhos saiam no atacado das manhãs e chegavam a granel para o almoço, eram os jeitos de cada um e uma, criaturas únicas para dona Lara que vivia em devoção permanente: cuidar y garantizar la supervivencia de su descendencia. Era como procurar nas próprias entranhas os ventos do ar que não se podiam ver fortes ou brisas amenas de refrescamento — ¡El almuerzo está listo!
Ela sempre estava pronta para influenciar as forças mágicas dos alimentos, satisfazendo o ponto da fome dos seus filhos e marido que nunca sentiram ameaças descabidas. Com ela estavam em segurança, tinha o poder invisível de libertar quem estava preso. Foi escolhida pela boa sorte e as boas orações da sua mãe para o casamento feliz.
A primeira chamada era dada dez minutos antes de sentarem à mesa. Os relógios chegavam desacertados. Ela reajustava os ponteiros, a cada novo chamado à mesa — Anadyr, Angélyca, Aryani — quando terminavam seus gritos as três meninas já estavam sentadas. Cheiravam a algazarra.
Nada dos meninos — Meninos a comida esfria! — nenhum se apresentava à mesa. Depois do segundo convite, o pai fazia a sua convocação — Rapazes desçam, já! — o comando de quem tem o direito e o poder.
Chegavam em correria e se colocavam em seus lugares.
Dom Juan na cabeceira da mesa, as meninas sentadas de um lado, Anadyr, Angélyca e Aryani. Os meninos do outro lado, Calçado, Crespo e Chiado. Na cabeceira oposta estava dona Lara, e do seu jeito, deitado na cesta de vime, estava o pequeno leporino que dormia indiferente com as conversas.  A mesa estava posta quando chegava la Vieja, ela sentava ao lado da mais nova e defronte a mim, a cuidadora do caçula dorminhoco: becerro mamador.
Tudo e todos prontos: se inicia la oración de la familia
(Senhor Bom Deus, cheio de misericórdia, queremos agradecer o alimento desta família e pedir que a graça da sua bondade jamais nos abandone. Amém.) (Amém!) — respondia o coro cristão.
Ninguém contestava, apenas viravam e reviravam suas impaciências enquanto sonhavam com a libertação da fome.
Naquela casa, ninguém sabia das histórias de judeus cristãos, nem das cruzadas de mulçumanos cristãos, nem das traições revelações pregos cruz. O pequeno Leopoldino ainda não sabia do inferno, nem do céu, nem das histórias de fogueiras e mortes em nome do bem. Apenas recebeu a água santa, não importava o cano da pia enferrujado, ela precisava da cruz e jurar amor obediente — La religión se interpone en el camino, hace que todos se sienten culpables — em verdade vos digo, não precisava tê-lo feito, não precisava de tamanho embaraço, tudo em nome daquela cruz de traições revelações, tudo escrito por homens confiantes na própria memória e outras memórias em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém. Viva os jesuítas, libertaram os indígenas e los cholos das magias e crendices, bastava acreditarem nos ensinamentos.
O silêncio dava sua vez às conversas e comentários daquela manhã, a mãe servia a todos com seus sabores preferidos. Primeiro era servido o dono da casa, depois os dois maiores: Anadyr y Calçado; tinham serviços nos estábulos, por toda à tarde. Depois de la Vieja, as demais crianças, para só depois chegar o tempo de dona Lara e o meu. Eu sentava temporariamente na cadeira do menino Leopoldino. Um arranjo para deixar o menino no alcance e costume de todos. Sem algazarras.
Lembro que papá sempre era servido antes de todos, não porque era papá, mas por ser o mais velho. Os velhos têm a sua importância por conhecer os desejos e segredos de la Montaña, sabem as rezas e o jeito de fazer os pedidos à Mãe Terra e ao Céu. As normalidades mudam de lado, influenciadas pelo jeito que as histórias são contadas dos velhos para os jovens.
Por lá, na cidade dos Caraca, os velhos não são muito escutados, não têm força nos braços e pernas e ficam estorvos para os jovens que querem fazer riquezas. Se o patrão deixasse na vontade da dona Lara, la Vieja já estaria num sanatório. Ela lembrava ao marido que se a sua mãe fosse viva estaria num sanatório para ser melhor cuidada. Não haveria de querer a velha em sua casa — Você faça o que quiser com sua mãe, com a minha... decido eu: ela fica!
Mas enfim, parecia que tudo seguia em ordem de oração à vida. As únicas formalidades naquela mesa eram a homilia do agradecimento, a ocupação determinada dos lugares de cada um e a distribuição das comidas por dona Lara. Não havia nenhum decreto explícito ou determinação de Dom Juan, apenas o desejo de servir bem, como foi ensinado a menina, desde antes do nascimento da mãe de su madre. Ela carregava com naturalidade a herança genética de algo que sempre foi assim, e, naquilo que dependia dela, continuaria sendo.
A cozinheira esposa mãe gostava de servir, mas o preparo das refeições a deixava triste, exausta do pensamento. Os tempos da cozinha eram os tempos das decisões e concretudes, não esperavam mais que o seu tempo de cozimento. Aquilo que estava pronto aprontado estava, e o momento não podia ser adiado, todos precisavam estar à mesa.
Então, aquela mulher provedora, circulava desenvolta no entorno dos seus convidados diários, para servir o alimento às suas barrigas vazias. Saco vazio não para em pé, nem se sustenta pelos ventos ou calmarias. O cotidiano cansa, digere e fala em sonhos e assombramentos, as convicções enfraquecem e diluem as aventuras de atrevimento com a chegada da fome. Aquela mulher e sua comida eram continuidade e amorosidade. Jamais poderia ser um apêndice à força de fazer do alimento a comida, o impulso ou a vontade de fazer a vida. Suas mãos modificavam grãos folhas ervas carnes, cortadas grandes ou rentes, amassados ou sovadas, mãos vorazes que defendiam seus cultivos como se estivessem encontrando a vertente da água mais límpida a descer pelo vale. Suas pernas se abriam generosas e oferecidas como os pulmões se abrem para o ar, desnudados de vergonhas, seus pelos se descobriam como a vegetação emaranhada, perigosa e pronta para cegar com seu fogo quente e úmido.
A gratidão e a consideração são hábitos herdados de antepassados de antes destes pais e seus avós, gente já virada poeira e mesmo assim donos de tantas histórias, outras mais, tudo adequado com a sua vontade de domesticar os mais jovens, os mais rebeldes, os mais descrentes. Explicavam o próprio passado contando recontando, criando recriando das histórias as próprias memórias.
Outra verdade, vos digo: minha querida, não reconheço no transitório a eternidade, es la muerte que es el verdadero poder. Essa definição me agrada. Morrer é um poder definitivo sobre todos. As memórias da morte esmagam a vida e determinam os lugares de cada um, em nome da memória de si mesma, temos medo de ir para o outro mundo porque perderemos as penas brilhantes e verdes desse mundo. Bobagens, tudo foi ordenado e construído pelo deus das montanhas, da chuva e da primavera. Enquanto o relógio da serpente não desperta a minha vez de apaziguar esse deus, continuemos nossa conversa sobre outro tempo, o caos ordenado dos Caraca à mesa dos alimentos.
Os lugares devidos foram preenchidos na medida em que as crianças vinham ao mundo e se diplomavam como pequenos adultos. Capturados. Apenas por conveniência de Dom Juan, que deixava os ensinamentos de educação na mesa das refeições com a mulher. As crianças mais crianças eram acomodadas próximas de dona Lara. As meninas de um lado e os meninos de outro, os menores sempre ao alcance da mãe. As meninas na direita de Dom Juan e à esquerda da mãe, os meninos na direita da mãe e à esquerda de Dom Juan. Frente a frente, mais próximos do pai estão Anadyr e Calçado, depois Angélyca e Crespo, Aryani e Chiado, la Vieja de frente comigo, eu... com os olhos enfiados no prato vazio.
O pequeno Leopoldino continua dormindo depois de mamar até sangrar o peito da mãe. Todos servidos. Chegava o momento da patroa. A única a fazer, servir e quase a última a comer. Começava a sentir a própria fome depois que todos estavam servidos do seu alimento. Ela era o alento.
Em seguida de todos chegava minha vez: a soldada reservista em prontidão. Depois de tudo acabado chegaria a necessidade de acalmar o leporino.
As tardes se movimentavam sozinhas. Não precisavam de ajuda.
Anadyr e Calçado retornavam para os estábulos.
As meninas se acudiam com as arrumações da cozinha. Serviços de mulher. Os meninos colocavam seus calçados de bola e saiam para jogar futebol na várzea do riacho. Passavam o tempo, entre o almoço e à noite, correndo atrás da bola. Eram os divertimentos de homem, Menos mal, ficava repetindo, dona Lara — Yo sé lo que hacen y donde están — esse futebol salva-nos a todos.
Dom Juan retirava, em nome do resguardo da digestão e das farras com dona Lara, um tempinho de sono leve. Nada muito comprido, apenas passava pelo sono, apenas passava pela dona Lara. No estábulo das vacas não havia necessidade de espremer e puxar, nem fazer a repartição do leite, mas a limpeza e a comida das tetudas não esperavam, enfim, o dia era longo e as tarefas duravam muito, monótonas cansativas repetitivas. O intervalo do almoço era bem-vindo, no entanto as tarefas não tiravam descanso.
O filho repetia o velho Caraca e fez planos para os filhos passarem pela vacaria, um a um. As meninas precisavam do convencimento da mãe. Ela não via necessidade das gurias metidas em esterco e leite, não combinava com seus sonhos de educação na capital — Dinheiro jogado fora, se é para as meninas trabalharem em estábulo — Mas amorzinho, é tradição da família — tradição por tradição, para dona Lara e as mulheres da família: lugar de la mujer está en la cama y la cocina.

quarta-feira, 14 de março de 2012

VII - Contos Africanos


O dia em que explodiu Mabata-bata

Mia Couto


De repente, o boi explodiu. Rebentou sem um múúú. No capim em volta choveram pedaços e fatias, grãos e folhas de boi. A carne eram borboletas vermelhas. Os ossos eram moedas espalhadas. Os chifres ficaram num qualquer ramo, balouçando a imitar a vida, no invisível do vento.

O espanto não cabia em Azarias, o pequeno pastor. Ainda há um instante ele admirava o grande boi malhado, chamado de Mabata-bata. O bicho pastava mais vagaroso que a preguiça. Era o maior da manada, régulo da chifraria, e estava destinado como prenda de lobolo[1] do tio Raul, dono da criação. Azarias trabalhava para ele desde que ficara órfão. Despegava antes da luz para que os bois comessem o cachimbo[2] das primeiras horas.

Olhou a desgraça: o boi poeirado, eco de silêncio, sombra de nada.

“Deve ser foi um relâmpago.” Pensou

Mas relâmpago não podia. O céu estava liso, azul sem mancha. De onde saíra o raio? Ou foi a terra que relampejou?

Interrogou o horizonte, por cima das árvores. Talvez o ndlati, a vê do relâmpago, ainda rodasse os céus. Apontou os olhos na montanha em frente. A morada do ndlati era ali, onde se juntam os todos rios para nascerem da mesma vontade da água. O nadlati vive nas suas quatro cores escondidas e só destapa quando as nuvens rugem na rouquidão do céu. É então que o nadlati sobe aos céus, enlouquecido. Nas alturas se veste de chamas, e lança o seu vôo incendiado sobre os seres da terra. Às vezes atira-se no chão, buscando-o. Fica na cova e aí deita a sua urina.

Uma vez foi preciso chamar as ciências do velho feiticeiro para escavar aquele ninho e retirar os ácidos depósitos. Talvez o Mabata-bata pisara uma réstia maligna do ndlati. Mas quem podia acreditar? O tio, não. Havia de querer ver o boi falecido, ao menos ser apresentado uma prova do desastre. Já conhecia bois relampejados: ficavam corpos queimados, cinzas arrumadas a lembrar o corpo. O fogo mastiga, não engole de uma só vez, conforme sucedeu-se.

Reparou em volta: os outros bois, assustados, espalharam-se pelo mato. O medo escorregou dos olhos do pequeno pastor.

— Não apareças sem um boi, Azarias. Só digo: é melhor nem apareceres.

A ameaça do tio soprava-lhe aos ouvidos. Aquela angústia comia-lhe o ar todo. Que podia fazer? Os pensamentos corriam-lhe como sombra mas não encontravam saída. Havia uma só solução: era fugir, tentar os caminhos onde não havia mais nada. Fugir é morrer de um lugar e ele, com os seus calções rotos, um saco velho a tiracolo, que saudade deixava? Maus-tratos, atrás dos bois. Os filhos dos outros tinham direito da escola. Ele não, não era filho. O serviço arrancava-o cedo da cama e devolvia-o ao sono quando dentro dele já não havia resto de infância. Brincar era só com os animais: nadar o rio na boleia do rabo do Mabata-bata, apostar nas brigas dos mais fortes. Em casa, o tio adivinhava-lhe o futuro:

— Este, de maneira que vive misturado com a criação há de casar com uma vaca.

E todos se riam, sem quererem saber da sua alma pequenina, dos seus sonhos maltratados. Por isso, olhou sem pena para o campo que ia deixar. Calculou o dentro do seu saco: uma fisga[3], frutos do djambalau[4], um canivete enferrujado. Tão pouco não pode deixar saudade. Partiu na direção do rio. Sentia que não fugia: estava apenas a começar o seu caminho. Quando chegou ao rio, atravessou a fronteira da água. Na outra margem parou à espera nem sabia de quê.

Ao fim da tarde a avó Carolina esperava Raul à porta de casa. Quando chegou ela disparou a aflição:

— Essa horas e o Azarias ainda não chegou com os bois.

— O quê? Esse malandro vai apanhar muito bem, quando chegar.

— Não é que aconteceu uma coisa, Raul? Tenho medo, esses bandidos...

— Aconteceu brincadeiras dele, mais nada.

Sentaram na esteira e jantaram. Falaram das coisas do lobolo, preparação do casamento. De repente, alguém bateu à porta. Raul levantou-se interrogando os olhos da avó Carolina. Abriu a porta: eram os soldados, três.

— Boa noite, precisam alguma coisa?

— Boa noite. Vimos comunicar o acontecimento: rebentou uma mina esta tarde. Foi um boi que pisou. Agora, esse boi pertencia daqui.

Outro soldado acrescentou:

— Queremos saber onde está o pastor dele.

— O pastor estamos à espera — respondeu Raul. E vociferou: — Malditos bandos!

— Quando chegar queremos falar com ele, saber como foi sucedido. É bom ninguém sair na parte da montanha. Os bandidos andaram espalhar minas nesse lado.

Despediram. Raul ficou, rodando à volta das suas perguntas. Esse sacana do Azarias onde foi? E os outros bois andariam espalhados por aí?

— Avó eu não posso ficar assim. Tenho que ir ver onde está esse malandro. Deve ser talvez deixou a manda fugentar-se. É preciso juntar os bois enquanto é cedo.

— Não podes, Raul. Olha os soldados o que disseram. É perigoso.

Mas ele desouviu e meteu-se pela noite. Mato tem subúrbio? Tem: é onde o Azarias conduzia animais, Raul, rasgando-se nas micais[5], aceitou a ciência do miúdo[6]. Ninguém com ele na sabedoria da terra. Calculou que o pequeno pastor escolhera refugiar-se no vale.

Chegou ao rio e subiu às grandes pedras. A voz superior, ordenou:

— Azarias, volta. Azarias!

Só o rio respondia, desenterrando a sua voz corredeira. Nada em toda à volta. Mas ele adivinhava a presença oculta do sobrinho.

— Apareça lá, não tenhas medo. Não vou-te bater, juro.

Jurava mentiras. Não ia bater: ia matar-lhe de porrada, quando acabasse de juntar os bois. No enquanto escolheu sentar, estátua de escuro. Os olhos, habituados à penumbra, desembarcaram na outra margem. De repente, escutou passos no mato. Ficou alerta.

— Azarias?

Não era. Chegou-lhe a voz de Carolina.

— Sou eu, Raul!

Maldita velha, que vinha ali fazer? Trapalhar só. Ainda pisava na mina, rebentava-se e, pior, estourava com ele também.

— Volta em casa, avó!

— O Azarias vai negar de ouvir quando chamares. A mim, há-de ouvir.

E aplicou sua confiança, chamando o pastor. Por trás das sombras, uma silhueta deu aparecimento.

— És tu, Azarias. Volta comigo, vamos para casa.

— Não quero, vou fugir.

O Raul foi descendo, gatinhoso, pronto para saltar e agarrar as goelas do sobrinho.

— Vais fugir para onde, meu filho?

— Não tenho aonde, avó.

— Esse gajo[7] vai voltar nem que eu lhe chamboqueie[8] até partir-se dos bocados — precipitou-se a voz rasteira de Raul.

— Cala-te, Raul. Na tua vida nem sabes da miséria. — E voltou-se para o pastor: — Anda meu filho, só vens comigo. Não tens culpa do boi que morreu. Anda ajudar o teu tio juntar os animais.

— Não é preciso. Os bois estão aqui, perto comigo.

Raul ergueu-se, desconfiado. O coração batucava-lhe o peito.

— Como é? Os bois estão aí?

— Sim, estão.

Enroscou-se o silêncio. O tio não estava certo da verdade do Azarias.

— Sobrinho: fizeste mesmo? Juntaste os bois?

A avó sorria pensando no fim das brigas daqueles dois. Prometeu um prémio e pediu ao miúdo que escolhesse.

— O teu tio está muito satisfeito. Escolhe. Há-de respeitar o teu pedido.

Raul achou melhor concordar com tudo, naquele momento. Depois, emendaria as ilusões do rapaz e voltariam as obrigações do serviço das pastagens.

— Fala o seu pedido.

— Tio: próximo ano posso ir na escola?

Já adivinhava. Nem pensar. Autorizar a escola era ficar sem guia para os bois. Mas o momento pedia fingimento e ele falou de costas para o pensamento:

— Vais, vais.

— É verdade, tio?

— Quantas bocas tenho, afinal?

— Posso continuar ajudar nos bois. A escola só frequentamos da parte de tarde.

— Está certo. Mas tudo isso falamos depois. Anda lá daqui.

O pequeno pastor saiu da sombra e correu o areal onde o rio dava passagem. De súbito, deflagrou um clarão, parecia o meio-dia da noite. O pequeno pastor engoliu aquele todo vermelho, era o grito do fogo estourando. Nas migalhas da noite viu descer o ndlati, a ave do relâmpago. Quis gritar:

— Vens pousar quem, ndalati?

Mas nada não falou. Não era o rio que afundava suas palavras: era um fruto vazando de ouvidos, dores e cores. Em volta tudo fechava, mesmo o rio suicidava sua água, o mundo embrulhava o chão nos fumos brancos.

— Vens pousar a avó, coitada tão boa? Ou preferes no tio, afinal das contas, arrependido e prometente como o pai verdadeiro que morreu-me?

E antes que a ave do fogo se decidisse Azarias correu e abraço-a na viagem da sua chama.

_________________

Mia Couto nasceu em 1955, em Beira, Moçambique. António Emílio Leite Couto ganhou o apelido “Mia” do irmão mais novo. Adotou-o por adorar gatos – quando criança, ele acreditava ser um deles. Antes de ser escritor, Mia Couto cursou medicina e jornalismo, formando-se em biologia. Participou ativamente do processo de independência de Moçambique e foi um dos compositores do hino nacional de seu país. Tem livros publicados no Brasil e em diversos países, dentre os quais figuram os romances Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra, O último voo do flamingo, Terra sonâmbula e o livro de contos O fio das missangas.
Contos africanos dos países de língua portuguesa / Albertino Bragança...[et al.]; organizadora Rita Chaves; ilustrador Apo Fousek – 1ª ed – São Paulo: Ática. 2009. il. – (Para gostar de ler: 44)





[1] Dote que o noivo paga aos familiares da noiva para casar-se com ela. Esse valor leva em conta que, a partir do casamento, a mulher entregará sua força de trabalho a outro grupo familiar. A cerimônia em que se faz a oferta também é chamada de lobolo. (N.E.)
[2] Umidade semelhante ao orvalho. Também se chama de cachimbo o período do ano em que a temperatura cai e a atmosfera fica mais úmida, o inverno. (N.E.)
[3] Bodoque, estilingue.(N.E.)
[4] Fruto de cor escura, muito utilizado para fazer uma espécie de vinho. No Brasil é conhecido como Jamelão. (N.E.)
[5] Árvore nativa da África tropical, coberta de ramos espinhosos. (N.E.)
[6] Criança, menino. (N.E.)
[7] Pessoa cujo nome não se sabe ou se quer omitir, indivíduo de reputação ruim. (N.E.)
[8] Chamboquear, usar o “chamboco”, isto é, um pedaço de madeira parecido com uma matraca, para dar uma surra. (N.E.)

domingo, 11 de março de 2012

Vivo Stayin 'In The Wall - Cera de Áudio

Pink Floyd - Another Brick no PT parede. II The Bee Gees - Alive Stayin '



Alive In The Wall (Pink Floyd vs Bee Gees Mashup) por Cera Áudio Stayin 
MP3 disponível em http://www.waxaudio.com.au


mais um tIJOLO na pAREDE?




sEr o no sEr?





Mother?




Mãe, você acha que eles gostarão dessa música?
Mãe, você acha que eles tentarão quebrar minhas bolas?
Mãe, eu devo construir o muro?

Mãe, eu devo concorrer para presidente?
Mãe, eu devo confiar no governo?
Mãe, eles vão me colocar na linha de fogo?
É apenas um desperdício de tempo?

Silêncio agora baby, baby, não chore
Mamãe irá fazer todos os seus pesadelos virarem verdade
Mamãe vai colocar todos os medos dela em você
Mamãe vai manter você bem debaixo da asa dela

Ela não vai deixar você voar, mas talvez lhe deixará cantar
Mamãe manterá o bebê confortável e acolhedor

(3x)
Oh, baby

Claro que mamãe irá lhe ajudar a construir o muro

Mãe, você acha que ela é boa o suficiente
para mim?
Mãe, você acha que ela é perigosa
para mim?
Mãe, ela vai rasgar seu Menininho em partes?
Mãe, ela irá quebrar meu coração?

Silêncio agora baby, baby, não chore
mamãe vai checar todas as suas namoradas para você
Mamãe não irá deixar ninguém sujo se aproximar
Mamãe vai esperar até chegar em
Mamãe vai sempre descobrir onde você esteve
Mamãe vai manter bebê saudável e limpo

(3x)
Oh, baby

Você sempre será um bebê para mim

Mãe, será que ele precisa ser tão alto?