sexta-feira, 29 de julho de 2016

Smile

Charles Chaplin




Nat King Cole






Smile


Smile, though your heart is aching
Smile, even though it's breaking
When there are clouds in the sky
You'll get by

If you smile
With your fear and sorrow
Smile and maybe tomorrow
You'll see the sun come shining through, for you

Light up your face with gladness
Hide every trace of sadness
Although a tear maybe ever so near
That's the time you must keep on trying
Smile, what's the use of crying?
You'll find that life is still worthwhile
If you'll just smile

That's the time you must keep on trying
Smile, what's the use of crying?
You'll find that life is still worthwhile
If you'll just smile






Michael Jackson







Sorria


Sorria, embora seu coração esteja doendo
Sorria, mesmo que ele esteja partido
Quando há nuvens no céu
Você sobreviverá

Se você apenas sorri
Com seu medo e tristeza
Sorria e talvez amanhã
Você verá o sol brilhando, para você

Ilumine sua face com alegria
Esconda todo rastro de tristeza
Embora uma lágrima possa estar tão próxima
Este é o momento que você tem que continuar tentando
Sorria, o que adianta chorar?
Você descobrirá que a vida ainda vale a pena
Se você apenas sorrir

Este é o momento que você tem que continuar tentando
Sorria, de que adianta chorar?
Você descobrirá que a vida ainda vale a pena
Se você apenas sorrir






The Shadow of Your Smile Jazz Improvisation on Tenor Sax







Manhattan Jazz Orchestra







Sandro Scuoppo







Diana Theodora Suciu







Sadao Watanabe







Smile on Tenor Sax




Memórias Póstumas de Brás Cubas: Bacharelo-me

Machado de Assis


Memórias Póstumas de Brás Cubas








CAPÍTULO XX / BACHARELO-ME







Um grande futuro! Enquanto esta palavra me batia no ouvido, devolvia eu os olhos, ao longe, no horizonte misterioso e vago. Uma ideia expelia outra, a ambição desmontava Marcela. Grande futuro? Talvez naturalista, literato, arqueólogo, banqueiro, político, ou até bispo, — bispo que fosse, — uma vez que fosse um cargo, uma preeminência, uma grande reputação, uma posição superior. A ambição, dado que fosse águia, quebrou nessa ocasião o ovo, e desvendou a pupila fulva e penetrante. Adeus, amores! adeus, Marcela! dias de delírio, jóias sem preço, vida sem regímen, adeus! Cá me vou às fadigas e à glória; deixo-vos com as calcinhas da primeira idade. 

E foi assim que desembarquei em Lisboa e segui para Coimbra. A Universidade esperava-me com as suas matérias árduas; estudei-as muito mediocremente, e nem por isso perdi o grau de bacharel; deram-mo com a solenidade do estilo, após os anos da lei; uma bela festa que me encheu de orgulho e de saudades, — principalmente de saudades. Tinha eu conquistado em Coimbra uma grande nomeada de folião; era um acadêmico estroina, superficial, tumultuário e petulante, dado às aventuras, fazendo romantismo prático e liberalismo teórico, vivendo na pura fé dos olhos pretos e das constituições escritas. No dia em que a Universidade me atestou, em pergaminho, uma ciência que eu estava longe de trazer arraigada no cérebro, confesso que me achei de algum modo logrado, ainda que orgulhoso. Explico-me: o diploma era uma carta de alforria; se me dava a liberdade, dava-me a responsabilidade. Guardei-o, deixei as margens do Mondego, e vim por ali fora assaz desconsolado, mas sentindo já uns ímpetos, uma curiosidade, um desejo de acotovelar os outros, de influir, de gozar, de viver, — de prolongar a Universidade pela vida adiante...




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Texto-fonte: 
Obra Completa, Machado de Assis, 
Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994. 


Publicado originalmente em folhetins, a partir de março de 1880, na Revista Brasileira.


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Leia também:

Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo XIX / A Bordo


Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo XXI / O Almocreve



Маяковский

Маяковский. Последняя любовь, последний выстрел. 2013. Особая Папка.




A Extraordinária Aventura vivida por Vladimir Maiakóvski no Verão na Datcha












Gente é para brilhar

A tarde ardia em cem sóis
O verão rolava em julho.
O calor se enrolava
no ar e nos lençóis
da datcha onde eu estava,
Na colina de Púchkino, corcunda,
o monte Akula,
e ao pé do monte
a aldeia enruga
a casca dos telhados.
E atrás da aldeia,
um buraco
e no buraco, todo dia,
o mesmo ato:
o sol descia
lento e exato
E de manhã
outra vez
por toda a parte
lá estava o sol
escarlate.
Dia após dia
isto
começou a irritar-me
terrivelmente.
Um dia me enfureço a tal ponto
que, de pavor, tudo empalidece.
E grito ao sol, de pronto:
¿Desce!
Chega de vadiar nessa fornalha!

E grito ao sol:
¿Parasita!
Você aí, a flanar pelos ares,
e eu aqui, cheio de tinta,
com a cara nos cartazes!

E grito ao sol:
¿Espere!
Ouça, topete de ouro,
e se em lugar
desse ocaso
de paxá
você baixar em casa
para um chá?

Que mosca me mordeu!
É o meu fim!
Para mim
sem perder tempo
o sol
alargando os raios-passos
avança pelo campo.
Não quero mostra medo.
Recuo para o quarto.
Seus olhos brilham no jardim.
Avançam mais.
Pelas janelas,
pelas portas,
pelas frestas
a massa
solar vem abaixo
e invade a minha casa.
Recobrando o fôlego,
me diz o sol com a voz de baixo:
¿Pela primeira vez recolho o fogo,
desde que o mundo foi criado.
Você me chamou?
Apanhe o chá,
pegue a compota, poeta!

Lágrimas na ponta dos olhos
- o calor me fazia desvairar, eu lhe mostro
o samovar:
¿Pois bem,
sente-se, astro!

Quem me mandou berrar ao sol
insolências sem conta?
Contrafeito
me sento numa ponta
do banco e espero a conta
com um frio no peito.
Mas uma estranha claridade
fluía sobre o quarto
e esquecendo os cuidados
começo
pouco a pouco
a palestrar com o astro.
Falo
disso e daquilo,
como me cansa a Rosta²,
etc.
E o sol:
¿Está certo,
mas não se desgoste,
não pinte as coisas tão pretas.
E eu? Você pensa
que brilhar
é fácil?
Prove, pra ver!
Mas quando se começa
é preciso prosseguir
e a gente vai e brilha pra valer!¿
Conversamos até a noite
ou até o que, antes, eram trevas.
Como falar, ali, de sombras?
Ficamos íntimos,
os dois.
Logo,
com desassombro
estou batendo no seu ombro.
E o sol, por fim:
¿Somos amigos
pra sempre, eu de você,
você de mim.
Vamos, poeta,
cantar,
luzir
no lixo cinza do universo.
Eu verterei o meu sol
e você o seu
com seus versos.

¿O muro das sombras,
prisão das trevas,
desaba sob o obus
dos nossos sóis de duas bocas.
Confusão de poesia e luz,
chamas por toda a parte.
Se o sol se cansa
e a noite lenta
quer ir pra cama,
marmota sonolenta,
eu, de repente,
inflamo a minha flama
e o dia fulge novamente.
Brilhar para sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
Gente é pra brilhar
que tudo o mais vá pra o inferno,
este é o meu slogan
e o do sol.











*



"Cada um ao nascer
traz sua dose de amor,
mas os empregos,
o dinheiro,
tudo isso,
nos resseca o solo do coração.
Sobre o coração levamos o corpo,
sobre o corpo a camisa,
mas isto é pouco.
Alguém
imbecilmente
inventou os punhos
e sobre os peitos
fez correr o amido de engomar. Quando velhos se arrependem.
A mulher se pinta.
O homem faz ginástica
pelo sistema Muller.
Mas é tarde.
A pele enche-se de rugas.
O amor floresce,
floresce,
e depois desfolha."



*



"Deus, que será de ti quando eu morrer?
Eu sou teu cântaro (e se me romper?)
A tua água (e se me corromper?)
Sou teu agasalho, teu afazer.
Vai comigo o significado teu."




*



"Fiz ranger as folhas de jornal
abrindo-lhes as pálpebras piscantes.
E logo
de cada fronteira distante
subiu um cheiro de pólvora
perseguindo-me até em casa.
Nestes últimos vinte anos
nada de novo há
no rugir das tempestades.

Não estamos alegres,
é certo,
mas também por que razão
haveríamos de ficar tristes?
O mar da história
é agitado.
As ameaças
e as guerras
havemos de atravessá-las,
rompê-las ao meio,
cortando-as
como uma quilha corta
as ondas."













Vladimir Vladimirovič Majakovskij - Documentário








Dom Casmurro: Prazo Dado

Machado de Assis

Dom Casmurro




CAPÍTULO XXIII
PRAZO DADO 




— Preciso falar-lhe amanhã, sem falta; escolha o lugar e diga-me. 

Creio que José Dias achou desusado este meu falar. O tom não me saíra tão imperativo como eu receava, mas as palavras o eram, e o não interrogar, não pedir, não hesitar, como era próprio da criança e do meu estilo habitual, certamente lhe deu idéia de uma pessoa nova e de uma nova situação. Foi no corredor, quando íamos para o chá; José Dias vinha andando cheio da leitura de Walter Scott que fizera a minha mãe e a prima Justina. Lia cantado e compassado. Os castelos e os parques saíam maiores da boca dele, os lagos tinham mais água e a "abóbada celeste" contava alguns milhares mais de estrelas cintilantes. Nos diálogos, alternava o som das vozes, que eram levemente grossas ou finas, conforme o sexo dos interlocutores, e reproduziam com moderação a ternura e a cólera. 

Ao despedir-se de mim, na varanda, disse-me ele: 

— Amanhã, na rua. Tenho umas compras que fazer, você pode ir comigo, pedirei a mamãe. É dia de lição? 

— A lição foi hoje. 

— Perfeitamente. Não lhe pergunto o que é; afirmo desde já que é matéria grave e pura. 

— Sim, senhor. 

— Até amanhã. 

Fez-se tudo o melhor possível. Houve só uma alteração; minha mãe achou o dia quente e não consentiu que eu fosse a pé; entramos no ônibus, à porta de casa. 

— Não importa, disse-me José Dias; podemos apear-nos à porta do Passeio Público. 



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Texto de referência:

Obras Completas de Machado de Assis, vol. I,
Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994.

Publicado originalmente pela Editora Garnier, Rio de Janeiro, 1899.

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Leia também:

Dom Casmurro: Capítulo XXII / Sensações Alheias

Dom Casmurro: Capítulo XXIV / De Mãe e de Servo

quarta-feira, 27 de julho de 2016

13. Do Livro do Desassossego - Há muito tempo que não escrevo - Bernardo Soares

Fernando Pessoa



13. Do Livro do Desassossego - Bernardo Soares 




133.


"Para mim, se considero, pestes, tormentas, guerras, são produtos da mesma força cega, operando uma vez através de micróbios inconscientes, outra vez através de raios e águas inconscientes, outra vez através de homens inconscientes."

* * *


138.

"Há uma erudição do conhecimento, que é propriamente o que se chama erudição, e há uma erudição do entendimento, que é o que se chama cultura. Mas há também uma erudição da sensibilidade."

"Condillac começa o seu livro célebre, «Por mais alto que subamos e mais baixo que desçamos, nunca saímos das nossas sensações». Nunca desembarcamos de nós. Nunca chegamos a outrem, senão outrando-nos pela imaginação sensível de nós mesmos. As verdadeiras paisagens são as que nós mesmos criamos, porque assim, sendo deuses delas, as vemos como elas verdadeiramente são, que é como foram criadas. Não é nenhuma das sete partidas do mundo aquela que me interessa e posso verdadeiramente ver; a oitava é a que percorro e é a minha."

* * *


139.

"Há muito tempo que não escrevo. Têm passado meses sem que viva, e vou durando, entre o escritório e a fisiologia, numa estagnação íntima de pensar e de sentir. Isto, infelizmente, não repousa: no apodrecimento há fermentação."

* * *


144.

"É domingo e não tenho que fazer. Nem sonhar me apetece, de tão bem que está o dia. Gozo-o com uma sinceridade de sentidos a que a inteligência se abandona. Passeio como um caixeiro liberto. Sinto-me velho, só para ter o prazer de me sentir rejuvenescer."

* * *


148.

"O homem perfeito do pagão era a perfeição do homem que há; o homem perfeito do cristão a perfeição do homem que não há; o homem perfeito do budista a perfeição de não haver homem."

"Tudo quanto o homem expõe ou exprime é uma nota à margem de um texto apagado de todo. Mais ou menos, pelo sentido da nota, tiramos o sentido de que havia de ser o do texto; mas fica sempre uma dúvida, e os sentidos possíveis são muitos."

* * *


149.

"Não é fácil distinguir o homem dos animais, não há critério seguro para distinguir o homem dos animais. As vidas humanas decorrem da mesma íntima inconsciência que as vidas dos animais. As mesmas leis profundas, que regem de fora os instintos dos animais, regem, também, de fora, a inteligência do homem, que parece não ser mais que um instinto em formação, tão inconsciente como todo instinto, menos perfeito porque ainda não formado.

«Tudo vem da sem-razão», diz-se na Antologia Grega."

"A Ironia é o primeiro indício de que a consciência se tornou consciente. E a ironia atravessa dois estádios: o estádio marcado por Sócrates, quando disse «sei só que nada sei», e o estádio marcado por Sanches, quando disse «nem sei se nada sei». O primeiro passo chega àquele ponto em que duvidamos de nós dogmaticamente, e todo o homem superior o dá e atinge. O segundo passo chega àquele ponto em que duvidamos de nós e da nossa dúvida, e poucos homens o têm atingido na curta extensão já tão longa do tempo que, humanidade, temos visto o sol e a noite sobre a vária superfície da terra."

* * *


152.

"Pasmo sempre quando acabo qualquer coisa. Pasmo e desolo-me. O meu instinto de perfeição deveria inibir-me de acabar; deveria inibir-me até de dar começo. Mas distraio-me e faço. O que consigo é um produto, em mim, não de uma aplicação de vontade, mas de uma cedência dela. Começo porque não tenho força para pensar; acabo porque não tenho alma para suspender. Este livro é a minha cobardia."

* * *


155.

"Escrevo demorando-me nas palavras, como por montras onde não vejo, e são meios-sentidos, quase-expressões o que me fica, como cores de estofos que não vi o que são, harmonias exibidas compostas de não sei que objectos. Escrevo embalando-me, como uma mãe louca a um filho morto."




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Do Livro do Desassossego - Bernardo Soares
Bernardo Soares (heterônimo de Fernando Pessoa)
Fonte: http://www.cfh.ufsc.br/~magno/


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Leia também:


12. Do Livro do Desassossego - fui tudo, nada vale a pena - Bernardo Soares




Mother

John Lennon




#eutivepaitenhomãe










Mother


Mother, you had me
But I never had you
I wanted you
But you didn't want me
So
I, I just got to tell you
Goodbye
Goodbye
Father, you left me
But I never left you
I needed you
But you didn't need me
So
I, I just got to tell you
Goodbye
Goodbye
Children, don't do
What I have done
I couldn't walk
And I tried to run
So
I, I just got to tell you
Goodbye
Goodbye
Mama don't go
Daddy come home
Mama don't go
Daddy come home
Mama don't go
Daddy…










Mãe


Mãe, você me teve, mas eu nunca a tive
Eu te quis, você não me quis
Então eu, eu apenas tenho que lhe falar
Adeus, adeus
Pai, você me deixou, mas eu nunca o deixei
Eu precisei de você, você não precisou de mim
Então eu, eu apenas tenho que lhe falar
Adeus, adeus


Crianças, não façam o que eu fiz
Eu não pude caminhar e eu tentei correr
Então eu, eu apenas tenho que lhes falar
Adeus, adeus


Mamãe não vá
Papai vem para casa

Mamãe não vá
Papai vem para casa

Mamãe não vá
Papai vem para casa

Mamãe não vá
Papai vem para casa

Mamãe não vá
Papai vem para casa

Mamãe não vá
Papai vem para casa

Mamãe não vá
Papai vem para casa

Mamãe não vá
Papai vem para casa

Mamãe não vá
Papai vem para casa

Mamãe não vá
Papai vem para casa



quinta-feira, 21 de julho de 2016

Rayuela - Julio Cortázar: Capítulo 25


Capítulo 25


    Hubiera sido preferible que Gregorovius se callara o que solamente hablara de Adgalle, dejándola fumar tranquila en la oscuridad, lejos de las formas del cuarto, de los discos y de los libros que había que empaquetar para que Horacio se los llevara cuando consiguiera una pieza. Pero era inútil, se callaría un momento esperando que ella dijese algo, y acabaría por preguntar, todos tenían siempre algo que preguntarle, era como si les molestara que ella prefiriese cantar Mon p’tit voyou o hacer dibujitos con fósforos usados o acariciar los gatos más roñosos de la rue du Sommerard, o darle la mamadera a Rocamadour.

-Alors, mon p’tit voyou –canturreó la Maga -, la vie, qu’est-ce qu’on s’en fout...

-Yo también adoraba las peceras –dijo rememorativamente Gregorovius -. Les perdí todo afecto cuando me inicié en las labores propias de mi sexo. En Dubrovnik, un prostíbulo al que me llevó un marino danés que en ese entonces era el amante de mi madre la de Odessa. A los pies de la cama había un acuario maravilloso , y la cama también tenía algo de acuario con su colcha celeste un poco irisada, que la gorda pelirroja apartó cuidadosamente antes de atraparme como a un conejo por las orejas. No se puede el miedo, Lucía, el terror de todo aquello. Estábamos tendidos de espaldas, uno al lado del otro, y ella me acariciaba maquinalmente, yo tenía frío y ella me hablaba de cualquier cosa, de la pelea que acababa de ocurrir en el bar , de las tormentas de marzo...Los peces pasaban y pasaban, había uno, negro, un pez enorme, mucho más grande que los otros. Pasaba y pasaba como su mano por mis piernas, subiendo, bajando...Entonces hacer el amor era eso, un pez negro pasando y pasando obstinadamente. Una imagen como cualquier otra, bastante cierta por lo demás. La repetición al infinito de un ansia de fuga, de atravesar el cristal y entrar en otra cosa.

-Quién sabe –dijo la Maga-.A mí me parece que los peces ya no quieren salir de la pecera, casi nunca tocan el vidrio con la nariz.

    Gregorovius pensó que en alguna parte Chestov había hablado de peceras con un tabique móvil que en un momento dado podía sacarse sin que el pez habituado al compartimiento se decidiera jamás a pasar al otro lado. Llegar hasta un punto del agua, girar, volverse, sin saber que ya no hay obstáculo, que bastaría seguir avanzando...

-Pero el amor también podría ser eso –dijo Gregorovius -.Qué maravilla estar admirando a los peces en su pecera y de golpe verlos pasar al aire libre, irse como palomas. Una esperanza idiota, claro. Todos retrocedemos por miedo de frotarnos la nariz con algo desagradable. De la nariz como límite del mundo, tema de disertación. ¿Usted sabe cómo se le enseña a un gato a no ensuciar en las habitaciones? Técnica del frotado oportuno. ¿Usted sabe cómo se le enseña a un cerdo a que no se coma la trufa? Un palo en la nariz, es horrible. Yo creo que Pascal era más experto en narices de lo que hace suponer su famosa reflexión egipcia.

-¿Pascal? –dijo la Maga -.¿Qué reflexión egipcia?

    Gregorovius suspiró. Todos suspiraban cuando ella hacía alguna pregunta. Horacio y sobretodo Etienne, porque Etienne no solamente suspiraba sino que resoplaba, bufaba y la trataba de estúpida. “Es tan violeta ser ignorante”, pensó la Maga, resentida. Cada vez que alguien se escandalizaba de sus preguntas, una sensación violeta, una masa violeta envolviéndola por un momento. Había que respirar profundamente y el violeta se deshacía, se iba por ahí como los peces, se dividía en multitud de rombos violetas, los barriletes en los baldíos de Pocitos, el verano en las playas, manchas violeta contra el sol y el sol se llamaba Ra y también era egipcio como Pascal. Ya casi no le importaba el suspiro de Gregorovius, después de Horacio poco podían importarle los suspiros de nadie cuando hacía una pregunta, pero de todos modos siempre quedaba la mancha violeta por un momento, ganas de llorar, algo que duraba el tiempo de sacudir el cigarrillo con ese gesto que estropea irresistiblemente las alfombras, suponiendo que las haya.


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terça-feira, 19 de julho de 2016

06. A Metamorfose - Nessa altura, o chefe de escritório - Franz Kafka

Franz Kafka


Capítulo 1

06 A Metamorfose - Nessa altura, o chefe de escritório - Franz Kafka




Nessa altura, o chefe de escritório estava já completamente tresloucado; Gregório, não resistiu ao ver o café a correr, cerrou as mandíbulas com um estalo. Isto fez com que a mãe gritasse outra vez, afastando-se precipitadamente da mesa e atirando-se para os braços do pai, que se apressou a acolhê-la. Mas agora Gregório não tinha tempo a perder com os pais. O chefe de escritório nas escadas; com o queixo apoiado no corrimão, dava uma última olhadela para trás de si. Gregório deu um salto, para ter melhor a certeza de ultrapassá-lo; o chefe de escritório devia ter-lhe adivinhado as intenções, pois, de um salto, venceu vários degraus e desapareceu, sempre aos gritos, que ressoavam pelas escadas.

Infelizmente a fuga do chefe de escritório pareceu pôr o pai de Gregório completamente fora de si, embora até então se tivesse mantido relativamente calmo. Assim, em lugar de correr atrás do homem ou de, pelo menos, não interferir na perseguição de Gregório, agarrou com a mão direita na bengala que o chefe de escritório tinha deixado numa cadeira, juntamente com um chapéu e um sobretudo, e, com a esquerda, num jornal que estava em cima da mesa e, batendo com os pés e brandindo a bengala e o jornal, tentou forçar Gregório a regressar ao quarto. De nada valeram os rogos de Gregório, que, aliás, nem sequer eram compreendidos; por mais que baixasse humildemente a cabeça, o pai limitava-se a bater mais fortemente com os pés no chão. Por trás do pai, a mãe tinha escancarado uma janela, apesar do frio, e debruçava-se a ela segurando a cabeça com as mãos. Uma rajada de vento penetrou pelas escadas, agitando as cortinas da janela e agitando os jornais que estavam sobre a mesa, o que fez que se espalhassem algumas páginas pelo chão. Impiedosamente, o pai de Gregório obrigava-o a recuar, assobiando e gritando como um selvagem. Mas Gregório estava pouco habituado a andar para trás, o que se revelou um processo lento. Se tivesse uma oportunidade de virar sobre si mesmo, poderia alcançar imediatamente o quarto, mas receava exasperar o pai com a lentidão de tal manobra e temia que a bengala que o pai brandia na mão pudesse desferir-lhe uma pancada fatal no dorso ou na cabeça. Finalmente, reconheceu que não lhe restava alternativa, pois verificou, aterrorizado, que, ao recuar, nem sequer conseguia controlar a direção em que se deslocava-se, assim, sempre observando ansiosamente o pai, de soslaio, começou a virar o mais rapidamente que pôde, o que, na realidade, era muito moroso. Talvez o pai tivesse registrado as suas boas intenções, visto que não interferiu, a não ser para, de quando em quando e à distância, lhe auxiliar a manobra com a ponta da bengala. Se ao menos ele parasse com aquele insuportável assobio! Era uma coisa que estava a pontos de fazê-lo perder a cabeça. Quase havia completado a rotação quando o assobio o desorientou de tal modo que tornou a virar ligeiramente na direção errada. Quando, finalmente, viu a porta em frente da cabeça, pareceu-lhe que o corpo era demasiadamente largo para poder passar pela abertura. É claro que o pai, no estado de espírito atual, estava bem longe de pensar em qualquer coisa que se parecesse com abrir a outra portada, para dar espaço à passagem de Gregório. Dominava-o a ideia fixa de fazer Gregório regressar para o quarto o mais depressa possível. Não aguentaria de modo algum que Gregório se entregasse aos preparativos de erguer o corpo e talvez deslizar através da porta. Nesta altura, o pai estava porventura a fazer mais barulho que nunca para obrigá-lo a avançar, como se não houvesse obstáculo nenhum que o impedisse; fosse como fosse, o barulho que Gregório ouvia atrás de si não lhe soava aos ouvidos como a voz de pai nenhum. Não sendo caso para brincadeiras, Gregório lançou-se, sem se preocupar com as conseqüências, pela abertura da porta. Um dos lados do corpo ergueu-se e Gregório ficou entalado no umbral da porta ferindo-se no flanco, que cobria porta branca de horrorosas manchas. Não tardou em ficar completamente preso, de tal modo que, por si só, não poderia mover-se, com as pernas de um dos lados a agitarem-se tremulamente no ar e as do outro penosamente esmagadas de encontro ao soalho. Foi então que o pai lhe deu um violento empurrão, que constituiu literalmente um alívio, e Gregório voou até ao meio do quarto, sangrando abundantemente. Empurrada pela bengala, a porta fechou-se violentamente atrás de si e, por fim, fez-se o silêncio.



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Universidade da Amazônia
A Metamorfose
de Franz Kafka de Franz Kafka

NEAD – NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Av. Alcindo Cacela, 287 – Umarizal CEP: 66060-902 Belém – Pará Fones: (91) 210-3196 / 210-3181 www.nead.unama.br

E-mail: uvb@unama.br

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Leia também:

05. A Metamorfose - Ouçam só — disse o chefe de escritório na sala contígua  - Franz Kafka

07. A Metamorfose - Foi apenas ao anoitecer  - Franz Kafka

"Deja la vida volar"

Víctor Jara 



"Deja la vida volar"


En tu cuerpo a flor de fuego tiene paloma
Un temblor de primaveras palomitai
Un volcan corre tu venas


Y mi sangre como grasa tiene paloma
En tu cuerpo quiero hundirme palomitai
Hasta el fondo de tu sangre


El sol morira, morira
La noche vendra, vendra


Envuelvete en mi cariño
Deja la vida volar
Tu boca junto a mi boca
Paloma palomitai


Ay palomai ay palomai


En tu cuerpo flor de fuego tiene paloma
Una llamarada mia palomita
Que a calmado mi deliria


Ahora volemos libre tierna paloma










5. Contos de Lima Barreto - Milagre do Natal

Lima Barreto



Milagre do Natal  



O BAIRRO DO ANDARAÍ é muito triste e muito úmido. As montanhas que enfeitam a nossa cidade, aí tomam maior altura e ainda conservam a densa vegetação que as devia adornar com mais força em tempos idos. O tom plúmbeo das árvores como que enegrece o horizonte e torna triste o arrabalde.

Nas vertentes dessas mesmas montanhas, quando dão para o mar, este quebra a monotonia do quadro e o Sol se espadana mais livremente, obtendo as coisas humanas, minúsculas e mesquinhas, uma garridice e uma alegria que não estão nelas, mas que se percebem nelas. As tacanhas casas de Botafogo se nos afigura assim; as bombásticas “vilas” de Copacabana, também; mas, no Andaraí, tudo fica esmagado pela alta montanha e sua sombria vegetação.

Era numa rua desse bairro que morava Feliciano Campossolo Nunes, chefe de seção do Tesouro Nacional, ou antes e melhor: subdiretor. A casa era própria e tinha na cimalha este dístico pretensioso: “Vila Sebastiana”. O gosto da fachada, as proporções da casa não precisam ser descritas: todos conhecem um e as outras. Na frente, havia um jardinzinho que se estendia para a esquerda, oitenta centímetros a um metro, além da fachada. Era o vão que correspondia à varanda lateral, quase a correr todo o prédio. Campossolo era um homem grave, ventrudo, calvo, de mãos popudas e dedos curtos. Não largava a pasta de marroquim em que trazia para a casa os papéis da repartição com o fito de não lê-los; e também o guarda-chuva de castão de ouro e forro de seda. Pesado e de pernas curtas, era com grande dificuldade que ele vencia os dois degraus dos “Minas Gerais” da Light, atrapalhado com semelhantes cangalhas: a pasta e o guarda-chuva de “ouro”. Usava chapéu de côco e cavanhaque.

Morava ali com uma mulher mais a filha solteira e única, a Mariazinha.

A mulher, dª Sebastiana, que batizara a vila e com cujo dinheiro a fizeram, era mais alta do que ele e não tinha nenhum relevo de fisionomia, senão um artificial, um aposto. Consistia num pequeno pince-nez de aros de ouro, preso, por detrás da orelha, com trancelim de seda. Não nascera com ele, mas era como se tivesse nascido, pois jamais alguém havia visto dª Sebastiana sem aquele adendo, acavalado no nariz, fosse de dia, fosse de noite. Ela, quando queria olhar alguém ou alguma coisa com jeito e perfeição, erguia bem a cabeça e toda Dª Sebastiana tomava um entono de magistrado severo.

Era baiana, como o marido, e a única queixa que tinha do Rio cifrava-se em não haver aqui bons temperos para as moquecas, carurus e outras comidas da Bahia, que ela sabia preparar com perfeição, auxiliada pela preta Inácia, que, com eles, viera do Salvador, quando o marido foi transferido para São Sebastião. Se se oferecia portador, mandava-os buscar; e, quando, aqui chegavam e ela preparava uma boa moqueca, esquecia-se de tudo, até que estava muito longe da sua querida cidade de Tomé de Sousa.

Sua filha, a Mariazinha, não era assim e até se esquecera que por lá nascera: cariocara-se inteiramente. Era uma moça de vinte anos, fina de talhe, poucas carnes, mais alta que o pai, entestando com a mãe, bonita e vulgar. O seu traço de beleza eram os seus olhos de topázio com estilhas negras. Nela, não havia nem invento, nem novidade como – as outras.

Eram estes os habitantes da “Vila Sebastiana”, além de um molecote que nunca era o mesmo. De dois em dois meses, por isso ou por aquilo, era substituído por outro, mais claro ou mais escuro, conforme a sorte calhava.

Em certos domingos, o Sr. Campossolo convidava alguns dos seus subordinados a irem almoçar ou jantar com eles. Não era um qualquer. Ele os escolhia com acerto e sabedoria. Tinha uma filha solteira e não podia pôr dentro de casa um qualquer, mesmo que fosse empregado de fazenda.

Aos que mais constantemente convidava, eram os terceiros escriturários Fortunato Guaicuru e Simplício Fontes, os seus braços direitos na seção. Aquele era bacharel em Direito e espécie de seu secretário e consultor em assuntos difíceis; e o último chefe do protocolo da sua seção, cargo de extrema responsabilidade, para que não houvesse extravio de processos e se acoimasse a sua sub-diretoria de relaxada e desidiosa. Eram eles dois os seus mais constantes comensais, nos seus bons domingos de efusões familiares. Demais, ele tinha uma filha a casar e era bom que...

Os senhores devem ter verificado que os pais sempre procuram casar as filhas na classe que pertencem: os negociantes com negociantes ou caixeiros; os militares com outros militares; os médicos com outros médicos e assim por diante. Não é de estranhar, portanto, que o chefe Campossolo quisesse casar sua filha com um funcionário público que fosse da sua repartição e até da sua própria seção.

Guaicuru era de Mato Grosso. Tinha um tipo acentuadamente índio. Malares salientes, face curta, mento largo e duro, bigodes de cerdas de javali, testa fugidia e as pernas um tanto arqueadas. Nomeado para a alfândega de Corumbá, transferira-se para a delegacia fiscal de Goiás. Aí, passou três ou quatro anos, formando-se, na respectiva faculdade de Direito, porque não há cidade do Brasil, capital ou não, em que não haja uma. Obtido o título, passou-se para a Casa da Moeda e, desta repartição, para o Tesouro. Nunca se esquecia de trazer o anel de rubi, à mostra. Era um rapaz forte, de ombros largos e direitos; ao contrário de Simplício que era franzino, peito pouco saliente, pálido, com uns doces e grandes olhos negros e de uma timidez de donzela.

Era carioca e obtivera o seu lugar direitinho, quase sem pistolão e sem nenhuma intromissão de políticos na sua nomeação.

Mais ilustrado, não direi; mas muito mais instruído que Guaicuru, a audácia deste o superava, não no coração de Mariazinha, mas no interesse que tinha a mãe desta no casamento da filha. Na mesa, todas as atenções tinha dª Sebastiana pelo hipotético bacharel:

– Porque não advoga? perguntou dª Sebastiana, rindo, com seu quádruplo olhar altaneiro, da filha ao caboclo que, na sua frente e a seu mando, se sentavam juntos.

– Minha senhora, não tenho tempo...

– Como não tem tempo? O Felicianinho consentiria – não é Felicianinho?

Campossolo fazia solenemente:

– Como não, estou sempre disposto a auxiliar a progressividade dos colegas.

Simplício, à esquerda de dª Sebastiana, olhava distraído para a fruteira e nada dizia. Guaicuru, que não queria dizer que a verdadeira razão estava em não ser a tal faculdade “reconhecida”, negaceava:

– Os colegas podiam reclamar.

Dª Sebastiana acudia com vivacidade:

– Qual o que! O senhor reclamava, Senhor Simplício?

Ao ouvir o seu nome, o pobre rapaz tirava os olhos da fruteira e perguntava com espanto:

– O que, dª Sebastiana?

– O senhor reclamaria se Felicianinho consentisse que o Guaicuru saísse, para ir advogar?

– Não.

E voltava a olhar a fruteira, encontrando-se rapidamente com os olhos de topázio de Mariazinha. Campossolo continuava a comer e dª Sebastiana insistia:

– Eu, se fosse o senhor ia advogar.

– Não posso. Não é só a repartição que me toma o tempo. Trabalho em um livro de grandes proporções.

Todos se espantaram. Mariazinha olhou Guaicuru; dª Sebastiana levantou mais a cabeça com pince-nez e tudo; Simplício que, agora, contemplava esse quadro célebre nas salas burguesas, representando uma ave, dependurada pelas pernas e faz pendant com a ceia do Senhor – Simplício, dizia, cravou resolutamente o olhar sobre o colega, e Campossolo perguntou:

– Sobre o que trata?

– Direito administrativo brasileiro.

Campossolo observou:

– Deve ser uma obra de peso.

– Espero.

Simplício continuava espantado, quase estúpido a olhar Guaicuru. Percebendo isto, o mato-grossense apressou-se:

– Você vai ver o plano. Quer ouvi-lo?

Todos, menos Mariazinha, responderam, quase a um tempo só:

– Quero.

O bacharel de Goiás endireitou o busto curto na cadeira e começou:

– Vou entroncar o nosso Direito administrativo no antigo Direito administrativo português. Há muita gente que pensa que no antigo regímen não havia um Direito administrativo. Havia. Vou estudar o mecanismo do Estado nessa época, no que toca a Portugal. Vou ver as funções dos ministros e dos seus subordinados, por intermédio de letra-morta dos alvarás, portarias, cartas régias e mostrarei então como a engrenagem do Estado funcionava; depois, verei como esse curioso Direito público se transformou, ao influxo de concepções liberais; e, como ele transportado para aqui com d. João VI, se adaptou ao nosso meio, modificando-se aqui ainda, sob o influxo das idéias da Revolução.

Simplício, ouvindo-o falar assim dizia com os seus botões: “Quem teria ensinado isto a ele?”

Guaicuru, porém, continuava:

– Não será uma seca enumeração de datas e de transcrição de alvarás, portarias, etc. Será uma coisa inédita. Será coisa viva.

Por aí, parou e Campossolo com toda a gravidade, disse:

– Vai ser uma obra de peso.

– Já tenho editor!

– Quem é? perguntou o Simplício.

– É o Jacinto. Você sabe que vou lá todo o dia, procurar livros a respeito.

– Sei; é a livraria dos advogados, disse Simplício sem querer sorrir.

– Quando pretende publicar a sua obra, doutor? perguntou Dª Sebastiana.

– Queria publicar antes do Natal, porque as promoções serão feitas antes do

Natal, mas...

– Então há mesmo promoções antes do Natal, Felicianinho?

O marido respondeu:

– Creio que sim. O gabinete já pediu as propostas e eu já dei as minhas ao diretor.

– Devias ter-me dito, ralhou-lhe a mulher.

– Essas coisas não se dizem às nossas mulheres; são segredos de Estado, sentenciou Campossolo.

O jantar foi acabando triste, com essa história de promoções para o Natal.

Dª Sebastiana quis ainda animar a conversa, dirigindo-se ao marido:

– Não queria que me dissesses os nomes, mas pode acontecer que seja o promovido o doutor Fortunato ou... o “Seu” Simplício, e eu estaria prevenida para a uma “festinha”.

Foi pior. A tristeza tornou-se mais densa e quase calados tomaram café.

Levantaram-se todos com o semblante anuviado, exceto a boa Mariazinha, que procurava dar corda à conversa. Na sala de visitas, Simplício ainda pôde olhar mais duas vezes furtivamente os olhos topazinos de Mariazinha, que tinha um sossegado sorriso a banhar-lhe a face toda; e se foi. O colega Fortunato ficou, mas tudo estava tão morno e triste que, em breve, se foi também Guaicuru.

No bonde, Simplício pensava unicamente em duas coisas: no Natal próximo e no “Direito” de Guaicuru. Quando pensava nesta, perguntava de si para si: “Quem lhe ensinou aquilo tudo? Guaicuru é absolutamente ignorante”. Quando pensava naquilo, implorava: “Ah! Se Nosso Senhor Jesus Cristo quisesse...”

Vieram afinal as promoções. Simplício foi promovido porque era muito mais antigo na classe que Guaicuru. O ministro não atendera a pistolões nem a títulos de Goiás.

Ninguém foi preterido; mas Guaicuru que tinha em gestação a obra de um outro, ficou furioso sem nada dizer.

Dª Sebastiana deu uma consoada à moda do Norte. Na hora da ceia, Guaicuru, como de hábito, ia sentar-se ao lado de Mariazinha, quando dª Sebastiana, com pincenez e cabeça, tudo muito bem erguido, chamou-o:

– Sente-se aqui a meu lado, doutor, aí vai sentar-se o “Seu” Simplício.

Casaram-se dentro de um ano; e, até hoje, depois de um lustro de casados ainda teimam.

Ele diz:

– Foi Nosso Senhor Jesus Cristo que nos casou.

Ela obtempera:

– Foi a promoção.

Fosse uma coisa ou outra, ou ambas, o certo é que se casaram. É um fato. A obra de Guaicuru, porém, é que até hoje não saiu...



Careta, Rio, 24-12-1921.


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Leia também:

4. Contos de Lima Barreto - Manel Capineiro 

6. Contos de Lima Barreto - A Sombra do Romariz


domingo, 17 de julho de 2016

foi assim que aconteceu pra sempre

Jimmy Page Robert Plant



#daqui 200 anos os humanos ainda estarão ouvindo e falando sobre jimipage





























foi assim que aconteceu


LED ZEPPELIN LIVE 1969

Blue train

John Coltrane



John William Coltrane


#saxofonista e compositor de jazz, o maior sax tenor do jazz








Hamlet, Carolina do Norte, 23 de setembro de 1926 — Long Island, Nova Iorque, 17 de julho de 1967




Equinox






a música de Coltrane foi tomando progressivamente uma dimensão espiritual que iria consagrar seu legado musical



Spiritual






Prêmio Pulitzer de Música em 2007, por sua "perita improvisação, musicalidade suprema e um dos ícones centrais na história do jazz"



sábado, 16 de julho de 2016

8.O Livro dos Abraços - Celebração da realidade - Eduardo Galeano

Eduardo Galeano


8. O Livro dos Abraços


Celebração da realidade


Se a tia de Dámaso Murúa tivesse contado sua história a Garcia Márquez, talvez a Crônica de uma morte anunciada tivesse outro final. 

Susana Contreras, que é como se chama a tia de Dámaso, teve em seus bons tempos a bunda mais incendiaria de todas as que ondularam na cidadezinha de Escuinapa e em todas as comarcas do golfo da Califórnia. 

Há muitos anos, Susana se casou com um dos numerosos galãs que sucumbiram ao seu remelexo. Na noite de núpcias, o marido descobriu que ela não era virgem. Então soltou-se da ardente Susana como se ela contagiasse de peste, bateu a porta e foi-se embora para sempre. 

O despeitado desandou a beber nos botequins, onde os convidados da festa continuavam a farra. Abraçado aos amigos, ele se pôs a mastigar rancores e a proferir ameaças, mas ninguém levava a sério seu tormento cruel. Com benevolência o escutavam, enquanto ele segurava, macho forte, as lágrimas que aos borbotões lutavam para sair, mas depois lhe diziam que a notícia não era de nada, que não desse bola, que claro que Susana não era virgem, que a cidade inteira sabia menos ele, e que afinal esse era um detalhe que não tinha a menor importância, e deixa de ser babaca, meu irmão, que a gente só vive uma vez. Ele insistia, e no lugar de gestos de solidariedade recebia bocejos. 

E assim foi avançando a noite, aos trambolhões, em triste bebedeira cada vez mais solitária, até o amanhecer. Um atrás do outro, os convidados foram dormir. A alvorada encontrou o ofendido sentado na rua, completamente sozinho e exausto de tanto se queixar sem que ninguém desse atenção. 


O homem já estava se cansando de sua própria tragédia, e as primeiras luzes desvaneceram a vontade de sofrer e de se vingar. 

No meio da manhã tomou um bom banho e um café bem quente e ao meio-dia voltou, arrependido, aos braços da repudiada. 

Voltou desfilando, em passo de grande' cerimônia, vindo lá da outra ponta da rua principal. Ia carregando um enorme ramo de rosas, encabeçando uma longa procissão de amigos, parentes e público em geral. A orquestra de serenatas fechava a marcha. A orquestra soava a todo vapor, tocando para Susana, à maneira de desagravo, La negra consentida e Vereda tropical. Com essas musiquinhas, tempos atrás, ele tinha se declarado a ela.


A arte e a realidade/1

Fernando Birri ia filmar o conto do anjo, de Garcia Márquez, e me levou para ver os cenários. No litoral cubano, Fernando tinha fundado um povoado de papelão e o tinha enchido de galinhas, de caranguejos gigantes e de atores. Ele ia fazer o papel principal, o papel de um anjo depenado que cai na terra e fica trancado num galinheiro. 

Marcial, um pescador do lugar, tinha sido solenemente designado Alcaide-Mor daquele povoado de cinema. Depois das formais boas-vindas, Marcial nos acompanhou. Fernando queria me mostrar uma obra-prima do envelhecimento artificial: uma gaiola desmantelada, leprosa, mordida pela ferrugem e por uma imundície antiga. Essa ia ser a prisão do anjo, depois de sua fuga do galinheiro. Mas no lugar daquele bagulho sabiamente arruinado pelos especialistas, encontramos uma gaiola limpa e bem armada, com suas barras perfeitamente alinhadas e recém-pintadas de dourado. Marcial ficou inchado de orgulho ao mostrar-nos aquela preciosidade. Fernando, metade atônito, metade furioso, quase o comeu vivo: 

O que é isto, Marcial? O que é isto? 

Marcial engoliu saliva, ficou rubro, agachou a cabeça e coçou a barriga. Então confessou: 

Eu não podia permitir. Não podia permitir que metessem naquela gaiola imunda um homem bom como o senhor.


A arte e a realidade/2

Eraclio Zepeda fez o papel de Pancho Villa em México Insurgente, o filme de Paul Leduc, e fez tão bem que desde então tem gente que acha que Eraclio Zepeda é o nome que Pancho Villa usa quando trabalha no cinema. 

Estavam em plena filmagem, numa aldeia qualquer, e as pessoas participavam em tudo o que acontecia, de modo muito natural, sem que o diretor desse palpite. Pancho Villa tinha morrido há meio século, mas ninguém se surpreendeu que ele aparecesse por ali. Certa noite, depois de uma intensa jornada de trabalho, algumas mulheres se reuniram na frente da casa onde Eraclio dormia, e pediram que ele intercedesse pelos presos. Na manhã seguinte, bem cedinho, ele foi falar com o prefeito. 

Foi preciso que o general Villa viesse, para que fizessem justiça — comentaram as pessoas.


A realidade é uma doida varrida 

Diga uma coisa. Diga se o marxismo proíbe comer vidro. Quero saber. 

 Foi em meados de 1970, no oriente de Cuba. O homem estava lá, plantado na porta, esperando. Pedi desculpas. Disse a ele que era pouco o que eu entendia de marxismo, uma coisinha ou outra, pouquinha, e que era melhor consultar um especialista em Havana. 

Já me levaram para Havana — disse —. Os médicos de lá me examinaram. E também o comandante. Fidel me perguntou: "Vem cá, será que o seu caso não é de ignorância?" 

Porque comia vidro, tinham tomado seu carnê da Juventude Comunista: 

Aqui, em Baracoa, abriram um processo. 

 Trígimo Suárez era miliciano exemplar, cortador de cana de primeira fila e trabalhador de vanguarda, desses que trabalham vinte horas e recebem oito, sempre o primeiro a acudir para tombar cana ou atirar tiros, mas tinha paixão pelo vidro: 

Não é vício — explicou —. É necessidade. 

Quando Trígimo era mobilizado para colheita ou guerra, a mãe enchia sua mochila de comida: punha algumas garrafas vazias, para o almoço e o jantar, e de sobremesa, tubos de lâmpada fluorescente usada. Também punha algumas lâmpadas queimadas, para o lanche. 

Trígimo me levou na casa dele, no bairro Camilo Cienfuegos, em Baracoa. Enquanto conversávamos, eu bebia café e ele comia lâmpadas. Depois de acabar com o vidro, chupava, guloso, os filamentos. 

O vidro me chama. Eu amo o vidro como amo a revolução. 

Trígimo afirmava que não havia nenhuma sombra em seu passado. Ele nunca tinha comido vidro alheio, exceto uma vez, uma vez só, quando estava louco de fome devorou os óculos de um companheiro de trabalho.



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Titulo original: El libro de los abrazos Primeira edição em junho 1991. Tradução: Eric Nepomuceno Revisão: Ana Teresa Cirne Lima, Ester Mambrini e Valmir R. Cassol Produção: Jó Saldanha e Lúcia Bohrer ISBN: 85.254.0306-0 G151L Galeano, Eduardo O livro dos abraços / Eduardo Galeano; tradução de Eric Nepomuceno. - 9. ed. - Porto Alegre: L&PM, 2002. 270p.:il.;21cm 1. Ficção uruguaia. I.Título. CDD U863 CDU 860(895)-3 Catalogação elaborada por Izabel A. Merlo, CRB 10/329. Texto e projeto gráfico de Eduardo Galeano © Eduardo Galeano, 1989


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Leia também:

7.O Livro dos Abraços - A arte para as crianças - Eduardo Galeano

9.O Livro dos Abraços - Crônica da cidade de Havana - Eduardo Galeano

Edgar Allan Poe - O Gato Preto - 01

Edgar Allan Poe




#conto de terror, mistério e morte



01. O Gato Preto


Para a muito estranha embora muito familiar narrativa que estou a escrever, não espero nem solicito crédito. Louco, em verdade, seria eu para esperá-lo, num caso em que meus próprios sentidos rejeitam seu próprio testemunho. Contudo, louco não sou e com toda a certeza não estou sonhando. Mas amanhã morrerei e hoje quero aliviar minha alma. Meu imediato propósito é apresentar ao mundo, plena, sucintamente e sem comentários, uma série de simples acontecimentos domésticos. Pelas suas conseqüências, estes acontecimentos, me aterrorizam, me torturaram e me aniquilaram. Entretanto, não tentarei explicá-los. Para mim, apenas se apresentam cheios de horror. Para muitos, parecerão menos terríveis do que grotescos. Mais tarde, talvez, alguma inteligência se encontre que reduza meu fantasma a um lugar comum, alguma inteligência mais calma, mais lógica, menos excitável do que a minha e que perceberá nas circunstâncias que pormenorizo com terror apenas a vulgar sucessão de causas e efeitos, bastante naturais.

Salientei-me desde a infância, pela docilidade e humanidade de meu caráter. Minha ternura de coração era mesmo tão notável que fazia de mim motivo de troça de meus companheiros. Gostava de modo especial de animais e meus pais permitiam que eu possuísse grande variedade de bichos favoritos. Gastava com eles a maior parte do meu tempo e nunca me sentia tão feliz como quando lhes dava comida e os acariciava. Esta particularidade de caráter aumentou com o meu crescimento e, na idade adulta, dela extraia uma de minhas principais fontes de prazer. Àqueles que tem dedicado a afeição a um cão fiel e inteligente pouca dificuldade tenho em explicar a natureza ou a intensidade da recompensa que daí deriva. Há qualquer coisa no amor sem egoísmo e abnegado de um animal que atinge diretamente o coração de quem tem tido freqüentes ocasiões de experimentar a amizade mesquinha e a fidelidade frágil do simples Homem.

Casei-me ainda moço e tive a felicidade de encontrar em minha mulher um caráter adequado ao meu. Observando minhas predileções pelos animais domésticos, não perdia ela a oportunidade de procurar os das espécies mais agradáveis. Tínhamos pássaros, peixes dourados, um lindo cão, coelhos, um macaquinho e um gato. Este último era um belo animal, notavelmente grande, todo preto e de uma sagacidade de espantar. Ao falar da inteligência dele, mulher que no íntimo não tinha nem um pouco de superstição, fazia freqüentes alusões à antiga crença popular que olhava todos os gatos pretos como feiticeiras disfarçadas. Não que ela se mostrasse jamais séria preocupação a respeito desse ponto, e eu só menciono isso final, pelo simples fato de, justamente agora, ter-me vindo à lembrança.

Plutão - assim se chamava o gato - era o meu preferido e companheiro. Só eu lhe dava de comer e ele me acompanhava por toda a parte da casa, por onde eu andasse. Era mesmo com dificuldade que eu conseguia impedi-lo de acompanhar-me pelas ruas. Nossa amizade durou, desta maneira, muitos anos, nos quais , meu temperamento geral e meu caráter - graças à diabólica esperança - tinham sofrido (coro de confessá-lo) radical alteração para pior. Tornava-me dia a dia mais taciturno, mais irritável, mais descuidoso dos sentimentos alheios. Permiti me mesmo usar linguagem brutal para com minha mulher. Por fim, cheguei mesmo a usar de violência corporal. Meus bichos, sem dúvida, tiveram que sofrer essa mudança de meu caráter. Não somente descuidei-me deles, como os maltratava.

Quanto a Plutão, porém, tinha para com ele, ainda, suficiente consideração que me impedia de maltratá-lo, ao passo que não tinha escrúpulos em maltratar os coelhos, o macaco ou mesmo o cachorro, quando, por acaso ou por afeto, se atravessavam em meu caminho. Meu mal, contudo, aumentava, pois que outro mal se pode comparar ao álcool?

E, por fim, até mesmo Plutão, que estava agora ficando velho e, em conseqüência, um tanto impertinente, até mesmo Plutão começou a experimentar do meu mau temperamento.



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Leia também:

Edgar Allan Poe - O Gato Preto - 02




O Gato Preto (áudio-book)




A sua gata é como a noite? Ama demais sua pretinha?



Adélia Prado - O Desbunde (Brasil)

Adélia Prado






"um anjo esbelto, desses que tocam trombeta"





O Desbunde



Tinha, como direi, eu, que sou uma senhora a seu modo pacata e até pudica, uma, ou melhor, um derrière esplendido. Não é preciso ser homem pra essas avaliações. Firme em definidos e perfeitos contornos, rebelde ao disfarce das saias e anáguas daquele tempo, inscrevia-se na cara de sua dona, que, movendo os olhos como as ancas, subia a rua em falsa pudicícia, apregoando-se: tenho. Os homens ficavam loucos. Eu era mocinha boba e escutei no armazém do Calixto ele dizer pro Teodoro, meu futuro marido, naquele tempo preocupado em fazer bodoques de goma: eh, ferro! O Vicente não vai dar conta daquela ali, não. É preciso muita saúde. Calixto falava com o Teodoro do que eu suspeitava serem os tesouros da Oldalisa e ela nem aí, toda toda, sobe e desce rua. Exatamente o que era me escapava, só podia ser coisa de homem e mulher. Felicitei-me por estar viva e participar de segredos tão excitantes. O Vicente era muito magrinho, não jogava bola, não nadava, "não salientava em nada", o Vicente Cisquim. Pois foi dele que a Raimunda — como o Calixto chamou ela naquele dia — gostou. Casaram e tiveram pencas de filhos. O Calixto ficou chupando o dedo. Ser bonitão e dono de armazém não contou ponto pra ele. Pois é, falou o Teodoro, hoje, assim que botou o pé em casa: O que é a tecnologia, hein? Tecnologia? É o avanço da medicina. Teodoro falava era do avanço do tempo. Tou aqui matutando, disse ele, porque a Oldalisa escolheu o Vicente, não tem base. Tô vendo aquela dona pegando as compras no caixa e... Plim! Era ela, a velha senhora. A Oldalisa do Vicente? É. O Vicente estava junto? Não. Estava com duas alianças e um menino, neto dela com certeza. Será que o Vicente morreu da praga do Calixto? Acho que não, porque eu procurei o traseiro da Oldalisa e nada da olda, só mesmo a lisa, magra e murcha. Ter encontrado a Oldalisa expropriada de seu dote mais tentador deixou Teodoro bem filosofante sobre as agruras do corpo. Teria ele também sido um apaixonado da Oldalisa e eu corrido sérios riscos? Porque amor não olha idade, não é mesmo? Agora, daquela do escritório eu tive, medo não, por causa de meus outros poderes, tive inveja. A uma cintura de vespa seguia-se, instruída e fatal, o que a Oldalisa trazia com inocência. Batia à máquina, agarradinha no Teodoro, de saia justa e batom cor de sangue. O apelido dela na firma era Corrosiva, e foi Teodoro quem pôs. Se chamava Rosiva, a perigosa. Imagina o risco que eu corri.



Adélia Prado - Filandras - Editora Record - Rio de Janeiro, 2001, pág. 51.

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Adélia Prado - O Amor (Brasil)



quinta-feira, 14 de julho de 2016

la piel de América en mi piel... Mercedes

Canción Con Todos





#étempo de lutar, #étempo de resistir, sempre étempo de ouvir La Negra dentro e fora das escolas








Salgo a caminar
por la cintura cósmica del sur
piso en la región
más vegetal del tiempo y de la luz
siento al caminar
toda la piel de américa en mi piel
y anda en mi sangre un río
que libera en mi voz su caudal.
sol de alto perú rostro bolivia, estaño y soledad un verde brasil 

besa a mi chile cobre y mineral subo desde el sur hacia la 
entraña américa y total pura raíz de un grito
destinado a crecer y a estallar.
todas las voces, todas
todas las manos, todas
toda la sangre puede
ser canción en el viento.
¡canta conmigo, canta
hermano americano
libera tu esperanza
con un grito en la voz!











Um hino pela unidade da América... Mercedes

Canción Con Todos





#étempo de lutar, #étempo de resistir, sempre étempo de ouvir La Negra dentro e fora das escolas






Salgo a caminar
por la cintura cósmica del sur
piso en la región
más vegetal del tiempo y de la luz
siento al caminar
toda la piel de américa en mi piel
y anda en mi sangre un río
que libera en mi voz su caudal.
sol de alto perú rostro bolivia, estaño y soledad un verde brasil 

besa a mi chile cobre y mineral subo desde el sur hacia la 
entraña américa y total pura raíz de un grito
destinado a crecer y a estallar.
todas las voces, todas
todas las manos, todas
toda la sangre puede
ser canción en el viento.
¡canta conmigo, canta
hermano americano
libera tu esperanza
con un grito en la voz!









15. Pedro Páramo: … Mañana - Juan Rulfo

Juan Rulfo




15. Pedro Páramo: … Mañana





… Mañana, en amaneciendo, te irás conmigo, Chona. Ya tengo aparejadas las bestias. 

—¿Y si mi padre se muere de la rabia? Con lo viejo que está… Nunca me perdonaría que por mi causa le pasara algo. Soy la única gente que tiene para hacerle hacer sus 43 necesidades. Y no hay nadie más. ¿Qué prisa corres para robarme? Aguántate un poquito. Él no tardará en morirse. 

—Lo mismo me dijiste hace un año. Y hasta me echaste en cara mi falta de arriesgue, ya que tú estabas, según eso, harta de todo. He aprontado las mulas y están listas. ¿Te vas conmigo? 

—Déjamelo pensar. 

—¡Chona! No sabes cuánto me gustas. Ya no puedo aguantar las ganas, Chona. Así que te vas conmigo o te vas conmigo. 

—Déjamelo pensar. Entiende. Tenemos que esperar a que él se muera. Le falta poquito. Entonces me iré contigo y no necesitarás robarme. 

—Eso me dijiste también hace un año. 

—¿Y qué? 

—Pues que he tenido que alquilar las mulas. Ya las tengo. Nomás te están esperando. ¡Deja que él se las avenga solo! Tú estás bonita. Eres joven. No faltará cualquier vieja que venga a cuidarlo. Aquí sobran almas caritativas. 

—No puedo. 

—Que sí puedes. 

—No puedo. Me da pena, ¿sabes? Por algo es mi padre. 

—Entonces ni hablar. Iré a ver a la Juliana, que se desvive por mí. 

—Está bien. Yo no te digo nada. 

—¿No me quieres ver mañana? 

—No. No quiero verte más. 



Ruidos. Voces. Rumores. Canciones lejanas: 


Mi novia me dio un pañuelo con orillas de llorar…

En falsete. Como si fueran mujeres las que cantaran.



Vi pasar las carretas. Los bueyes moviéndose despacio. El crujir de las piedras bajo las ruedas. Los hombres como si vinieran dormidos. 

«... Todas las madrugadas el pueblo tiembla con el paso de las carretas. Llegan de todas partes, topeteadas de salitre, de mazorcas, de yerba de paró. Rechinan sus ruedas haciendo vibrar las ventanas, despertando a la gente. Es la misma hora en que se abren los hornos y huele a pan recién horneado. Y de pronto puede tronar el cielo. Caer la lluvia. Puede venir la primavera. Allí te acostumbrarás a los `derrepentes'; mi hijo. » 

Carretas vacías, remoliendo el silencio de las calles. Perdiéndose en el oscuro camino de la noche. Y las sombras. El eco de las sombras. 

Pensé regresar. Sentí allá arriba la huella por donde había venido, como una herida abierta entre la negrura de los cerros. 

Entonces alguien me tocó los hombros. 

-¿Qué hace usted aquí? 

-Vine a buscar... -y ya iba a decir a quién, cuando me detuve-: vine a buscar a mi padre. 

-¿Y por qué no entra? 

Entré. Era una casa con la mitad del techo caída. Las tejas en el suelo. El techo en el suelo. Y en la otra mitad un hombre y una mujer. 

-¿No están ustedes muertos? -les pregunté. 

Y la mujer sonrió. El hombre me miró seriamente. 

-Está borracho -dijo el hombre. 

-Solamente está asustado -dijo la mujer. 

Había un aparato de petróleo. Había una cama de otate, y un equipal en que estaban las ropas de ella. Porque ella estaba en cueros, como Dios la echó al mundo. Y él también. 

-Oímos que alguien se quejaba y daba de cabezazos contra nuestra puerta. Y allí estaba usted. ¿Qué es lo que le ha pasado? 

-Me han pasado tantas cosas, que mejor quisiera dormir. 

-Nosotros ya estábamos dormidos. 

-Durmamos, pues.



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15. Pedro Páramo: … Amanhã



... Amanhã, ao amanhecer, você vai comigo, Bugra. Já aparelhei os animais. 

— E se meu pai morrer de raiva? Velho do jeito que está... Eu nunca me perdoaria se, por minha causa, acontecesse alguma coisa com ele. Sou a única pessoa que ele tem para fazer as necessidades. E não tem mais ninguém. Qual é essa pressa de me roubar? Aguenta mais um pouquinho. Ele já não demora para morrer. 

— Você me disse isso mesmo há um ano. E até jogou na minha cara a minha falta de valentia, pois já estava, você mesma disse, farta de tudo. Preparei as mulas, que estão prontas. Você vem comigo? 

— Deixa eu pensar. 

— Bugra! Você não sabe quanto eu gosto de você. Não aguento mais de vontade, Bugra. E então você vem comigo ou vem comigo, e já. 

— Deixa eu pensar. Entenda. Temos de esperar que ele morra. Falta um pouquinho. Daí eu vou com você e você não vai nem precisar me roubar. 

— Isso você também me disse faz um ano. 

— E daí? 

— E daí que precisei alugar as mulas. Eu não tenho mais nenhuma. Elas estão lá esperando. Deixa que ele se arranje sozinho! Você está bonita. E é jovem. Não vai faltar uma velha qualquer que venha cuidar dele. Aqui tem alma caritativa de sobra. 

— Não posso.

 — Claro que pode. 

— Não posso. É que me dá pena, sabe? Afinal, ele é meu pai. 

— Então está resolvido. Vou lá ver Juliana, que se derrete por mim. 

— Muito bem. Já não digo mais nada. 

— Não vai querer me ver amanhã? 

— Não. Não quero ver você mais.



Ruídos. Vozes. Rumores. Canções distantes: 

Minha querida me deu um lenço com bainhas de choro... 

Em falsete. Como se fossem mulheres cantando



Vi as carretas passarem. Os bois movendo-se devagar. O ranger das pedras debaixo das rodas. Os homens como se estivessem dormindo. 

... Toda madrugada a cidade treme com a passagem das carretas. Chegam de todos os lados, atopetadas de salitre, de espigas de milho, de erva-do-pará. Gemem suas rodas fazendo as janelas vibrarem, despertando todo mundo. É a mesma hora em que se abrem os fornos e cheira a pão recém-assado. E de repente o céu pode troar. Cair a chuva. Pode chegar a primavera. Lá você vai se acostumar aos “de repentes”, meu filho. 

Carretas vazias, remoendo o silêncio das ruas. Perdendo-se no escuro caminho da noite. E as sombras. O eco das sombras. 

Pensei em voltar. Senti lá no alto o caminho por onde tinha vindo, como uma ferida aberta no negror das colinas. 

Então alguém tocou meus ombros. 

— O que é que o senhor está fazendo aqui? 

— Vim procurar... — e já ia dizer quem, quando parei: — vim buscar meu pai. 

— E por que não entra? 

Entrei. Era uma casa com metade do teto derrubado. As telhas no chão. O teto no chão. E na outra metade um homem e uma mulher. 

— Vocês não estão mortos? — perguntei a eles. 

E a mulher sorriu. O homem me olhou seriamente. 

— Está bêbado — disse o homem. 

— Só está assustado — disse a mulher. 

Havia uma lamparina de querosene. Havia uma cama de palha seca, e uma cadeira de vime e assento de couro onde estavam as roupas dela. Porque ela estava pelada, do jeito que Deus a botou no mundo. E ele também. 

— Ouvimos alguém que gemia e dava cabeçadas na nossa porta. E lá estava o senhor. O que aconteceu? 

— Aconteceram comigo tantas coisas que é melhor querer dormir. 

— Nós já estávamos dormindo. 

— Vamos então dormir. 



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Rulfo, Juan Pedro Páramo / tradução e prefácio de Eric Nepomuceno. — Rio de Janeiro: BestBolso, 2008. Tradução de: Pedro Páramo ISBN 978-85-7799-116-7 1. Romance mexicano. I. Nepomuceno, Eric. II. Título

Pedro Páramo – Romance mais aclamado da literatura mexicana, Pedro Páramo é o primeiro de dois livros lançados em toda a vida de Juan Rulfo. O enredo, simples, trata da promessa feita por um filho à mãe moribunda, que lhe pede que saia em busca do pai, Pedro Páramo, um malvado lendário e assassino. Juan Preciado, o filho, não encontra pessoas, mas defuntos repletos de memórias, que lhe falam da crueldade implacável do pai. Vergonha é o que Juan sente. Alegoricamente, é o México ferido que grita suas chagas e suas revoluções, por meio de uma aldeia seca e vazia onde apenas os mortos sobrevivem para narrar os horrores da história. O realismo fantástico como hoje se conhece não teria existido sem Pedro Páramo; é dessa fonte que beberam o colombiano Gabriel Garcia Márquez e o peruano Mario Vargas Llosa, que também narram odisseias latino-americanas.



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Leia também:

14. Pedro Páramo: Oí que ladraban los perros - Juan Rulfo

16. Pedro Páramo: La madrugada fue apagando


quarta-feira, 13 de julho de 2016

Memórias Póstumas de Brás Cubas: A Bordo

Machado de Assis


Memórias Póstumas de Brás Cubas








CAPÍTULO XIX / A BORDO







Éramos onze passageiros, um homem doido, acompanhado pela mulher, dois rapazes que iam a passeio, quatro comerciantes e dois criados. Meu pai recomendou-me a todos, começando pelo capitão do navio, que aliás tinha muito que cuidar de si, porque, além do mais, levava a mulher tísica em último grau. 

Não sei se o capitão suspeitou alguma coisa do meu fúnebre projeto, ou se meu pai o pôs de sobreaviso; sei que não me tirava os olhos de cima; chamava-me para toda a parte. Quando não podia estar comigo, levava-me para a mulher. A mulher ia quase sempre numa camilha rasa, a tossir muito, e a afiançar que me havia de mostrar os arredores de Lisboa. Não estava magra, estava transparente; era impossível que não morresse de uma hora para outra. O capitão fingia não crer na morte próxima, talvez por enganar-se a si mesmo. Eu não sabia nem pensava nada. Que me importava a mim o destino de uma mulher tísica, no meio do oceano? O mundo para mim era Marcela. 

Uma noite, logo no fim de uma semana, achei ensejo propício para morrer. Subi cauteloso, mas encontrei o capitão, que junto à amurada, tinha os olhos fitos no horizonte. 

— Algum temporal? disse eu. 

— Não, respondeu ele estremecendo; não; admiro o esplendor da noite. Veja; está celestial! 

O estilo desmentia da pessoa, assaz rude e aparentemente alheia a locuções rebuscadas. Fitei-o; ele pareceu saborear o meu espanto. No fim de alguns segundos, pegou-me na mão e apontou para a lua, perguntando-me por que não fazia uma ode à noite; respondi-lhe que não era poeta. O capitão rosnou alguma coisa, deu dois passos, meteu a mão no bolso, sacou um pedaço de papel, muito amarrotado; depois, à luz de uma lanterna, leu uma ode horaciana sobre a liberdade da vida marítima. Eram versos dele. 

— Que tal? 

Não me lembra o que lhe disse; lembra-me que ele me apertou a mão com muita força e muitos agradecimentos; logo depois recitou-me dois sonetos; ia recitar-me outro, quando o vieram chamar da parte da mulher. — Lá vou, disse ele; e recitou-me o terceiro soneto, com pausa, com amor. 

Fiquei só; mas a musa do capitão varrera-me do espírito os pensamentos maus; preferi dormir, que é um modo interino de morrer. No dia seguinte, acordamos debaixo de um temporal, que meteu medo a toda a gente, menos ao doido; esse entrou a dar pulos, a dizer que a filha o mandava buscar, numa berlinda; a morte de uma filha fora a causa da loucura. Não, nunca me há de esquecer a figura hedionda do pobre homem, no meio do tumulto das gentes e dos uivos do furacão, a cantarolar e a bailar, com os olhos a saltarem-lhe da cara, pálido, cabelo arrepiado e longo. Às vezes parava, erguia ao ar as mãos ossudas, fazia umas cruzes com os dedos, depois um xadrez, depois umas argolas, e ria muito, desesperadamente. A mulher não podia já cuidar dele; entregue ao terror da morte, rezava por si mesma a todos os santos do Céu. Enfim, a tempestade amainou. Confesso que foi uma diversão excelente à tempestade do meu coração. Eu, que meditava ir ter com a morte, não ousei fitá-la quando ela veio ter comigo. 

O capitão perguntou-me se tivera medo, se estivera em risco, se não achara sublime o espetáculo: tudo isso com um interesse de amigo. Naturalmente a conversa versou sobre a vida do mar; o capitão perguntou-me se não gostava de idílios piscatórios; eu respondi-lhe ingenuamente que não sabia o que era. 

— Vai ver, respondeu. 

E recitou-me um poemazinho, depois outro, — uma égloga, — e enfim cinco sonetos, com os quais rematou nesse dia a confidência literária. No dia seguinte, antes de me recitar nada, explicou-me o capitão que só por motivos graves abraçara a profissão marítima, porque a avó queria que ele fosse padre, e com efeito possuía algumas letras latinas; não chegou a ser padre, mas não deixou de ser poeta, que era a sua vocação natural. Para prová-lo, recitou-me logo, de corpo presente, uma centena de versos. Notei um fenômeno: os ademanes que ele usava eram tais, que uma vez me fizeram rir; mas o capitão, quando recitava, de tal sorte olhava para dentro de si mesmo, que não viu nem ouviu nada. 

Os dias passavam, e as águas, e os versos, e com eles ia também passando a vida da mulher. Estava por pouco. Um dia, logo depois do almoço, disse-me o capitão que a enferma talvez não chegasse ao fim da semana. 

— Já! exclamei. 

— Passou muito mal a noite. 

Fui vê-la; achei-a, na verdade, quase moribunda, mas falando ainda de descansar em Lisboa alguns dias, antes de ir comigo a Coimbra, porque era seu propósito levar-me à Universidade. Deixei-a consternado; fui achar o marido a olhar para as vagas, que vinham morrer no costado do navio, e tratei de o consolar; ele agradeceu-me, relatou-me a história dos seus amores, elogiou a fidelidade e a dedicação da mulher, relembrou os versos que lhe fez, e recitou-mos. Neste ponto vieram buscá-lo da parte dela; corremos ambos; era uma crise. Esse e o dia seguinte foram cruéis; o terceiro foi o da morte; eu fugi ao espetáculo, tinha-lhe repugnância. Meia hora depois encontrei o capitão, sentado num molho de cabos, com a cabeça nas mãos, disse-lhe alguma coisa de conforto. 

— Morreu como uma santa, respondeu ele; e, para que estas palavras não pudessem ser levadas à conta de fraqueza, ergueu-se logo, sacudiu a cabeça, e fitou o horizonte, com um gesto longo e profundo. — Vamos, continuou, entreguemo-la à cova que nunca mais se abre. 

Efetivamente, poucas horas depois, era o cadáver lançado ao mar, com as cerimônias do costume. A tristeza murchara todos os rostos; o do viúvo trazia a expressão de um cabeço rijamente lascado pelo raio. Grande silêncio. A vaga abriu o ventre, acolheu o despojo, fechou-se, — uma leve ruga, — e a galera foi andando. Eu deixei-me estar alguns minutos à popa, com os olhos naquele ponto incerto do mar em que ficava um de nós... Fui dali ter com o capitão, para distraí-lo. 

— Obrigado, disse-me ele compreendendo a intenção; creia que nunca me esquecerei dos seus bons serviços. Deus é que lhos há de pagar. Pobre Leocádia! tu te lembrarás de nós no Céu. 

Enxugou com a manga uma lágrima importuna; eu busquei um derivativo na poesia, que era a paixão dele. Falei-lhe dos versos, que me lera, e ofereci-me para imprimi-los. Os olhos do capitão animaram-se um pouco. — Talvez aceite, disse ele; mas não sei... são bem frouxos versos. Jurei-lhe que não; pedi que os reunisse e mos desse antes do desembarque. 

— Pobre Leocádia! murmurou sem responder ao pedido. Um cadáver... o mar... o céu... o navio... No dia seguinte veio ler-me um epicédio composto de fresco, em que estavam memoradas as circunstâncias da morte e da sepultura da mulher; leu-mo com a voz comovida deveras, e a mão trêmula; no fim perguntou-me se os versos eram dignos do tesouro que perdera. 

— São, disse eu. 

— Não haverá estro, ponderou ele, no fim de um instante, mas ninguém me negará sentimento, se não é que o próprio sentimento prejudicou a perfeição... 

— Não me parece; acho os versos perfeitos. 

— Sim, eu creio que... Versos de marujo. 

— De marujo poeta. 

Ele levantou os ombros, olhou para o papel, e tornou a recitar a composição, mas já então sem tremuras, acentuando as intenções literárias, dando relevo às imagens e melodia aos versos. No fim, confessou-me que era a sua obra mais acabada; eu disse-lhe que sim; ele apertou-me muito a mão e predisse-me um grande futuro.





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Texto-fonte: 
Obra Completa, Machado de Assis, 
Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994. 


Publicado originalmente em folhetins, a partir de março de 1880, na Revista Brasileira.


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Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo XX / Bacharelo-me