Ensaio 44B – 2ª edição 1ª reimpressão
baitasar
O Capitão continuava sentado nas pedra da beirada do rio, parecia com um capitão-do-mato no descanso desavisado. Um mulato com oiá de branco. O cipó de boi enrolado e protegido na cintura. Naqueles dias, um hôme bão num deixava de tê uso próprio das bota qui abria os caminho do mato, o saco com o instrumental do paiêro, a arma de cortá, a arma de atirá e o cipó de boi. O Capitão mulato carregava o instrumental do paiêro, a arma de cortá e o cipó de boi. Nunca aceitô oferecimento do siô da Hora pra fazê uso da arma qui atira, não tem necessidade, carrego tudo que preciso no meu cinturão da segurança.
Coisa simples, mais qui encaminhava o descanso ou a luta no seu gosto: um facão pros trabáio do roçado ou arma de cortá pela metade a valentia dos preto arruacêro. Num era hôme de confiá nos otro, menos ainda, deixá a incumbência do serviço na vontade dos preto. Com ele num tinha querê ou não querê, tarefa dada precisava sê terminada, o chão da senzala não me merece confiança, tão sempre de cantoria e feitiçaria. Quanto mais apanham mais fazem cantoria e dança. Não me enganam, tão sempre tecendo tramas e fugas pra algum quilombo. Lidá com esses negros dá muito trabalho, não se pode confiá nos vagabundos, se vestem com os tecidos mais gastos pra esmolarem alguma coisa. Os capachos que se submetem e não reclamam são raríssimos, dóceis apenas por medo do pelourinho. É preciso ter cautela com os cochichos, não dá pra confiá em vagabundo ou capacho.
Num tinha confiança nos preto nem na pólvora. Confiava só nas mão e na língua. Não dava trégua nos nome feio qui soletrava pra humilhá, criô os próprio ditado, o negro é besta de carga ou bandido, não existe nenhum bom. Escravo não tem índole, só precisa obedecer o dono. Cantá ou dançá faz perder a atenção no trabalho. Esses negros da cantoria e dançaria não respeitam nada, só quem controla é a mão com o cipó de boi. Ocês são capacho de rico, besta de carga, vagabundo, bandido, ignorante, cada palavra de uso fazia crescê um ódio no bastardo qui não sabia tê explicação.
Provocava ele mesmo, não achava justa a sua mulatice de preto. Fiô da escrava Rita. Sem pai.
Ele tava sempre na procura de algum revoltado. Queria sabê os nome pra fazê castigo preventivo, se não fez ainda vai fazer. A criação vem do exemplo. Não deixo por conta. Não quero saber das cantorias e danças do demônio. Essa feitiçaria não respeita ninguém, mas se aquietam quando o cipó de boi entra em ação. Têm medo mas não têm vergonha, há vezes em que é preciso ser mais duro e cruel do que se quer, mas quem ensina tem essa sina de ser chamado de malvado.
Podia passá hora e mais hora de conversa com ele mesmo. Num tinha pai pra chamá de pai nem amigo pra escutá sua falação. Acostumô com o retraimento dos branco e o descampado dos preto na sua volta.
Sentado na beirada do rio, ou no lombo do cavalo, era o mesmo desconfiado em prontidão. Controlava com as vista o paiêro e os dois preto qui desembarcava as madêra da carroça e descascava as tábua no barco do siô da Hora. Num gostava daquele serviço secreto com os dois preto, isso não é serviço sigiloso, fungava e mascava o fumo, é um serviço que pra ser sigiloso esses dois negros precisam perder a língua, caso o sinhô da Hora continue desimbestado com essa mania de serviço secreto.
A lua tava sumida. O fumo enrolado na páia. O barco do siô da Hora encostado na esquina das água, no meio do capinzá, embalando com o vai e vem das água mansa. A madêra disfarçada de donativo voltando, atolando o barco nas água. Generosa. Atenciosa. Foi e não ficô. Voltô. Sem reclamação.
O Capitão continuava fazendo o gerenciamento da movimentação toda, controlava os alarido. Num tinha chiliqui no feitio de enrolá a páia nos montinho de fumo, era pacientoso, mais não fazia o mesmo gosto de cuidado com os preto. Parecia tá sempre preparado pro avisado e o desavisado. Num confiava nos preto na escuridão, também num confiava nas claridade do dia, tem negro atrevido que escapa com toda a clareza do dia, mas na cerração do escuro o cuidado precisa ser redobrado.
Ele tava na incumbência de vigiá o serviço escondido e a embarcação das madêra qui foi donativo anunciado na missa dominguêra. Na manhã da missa o siô da Hora sentiu as vista dos amigo religioso direto nele, foi quando o siô padre anunciô aquela doação generosa, quero agradecer ao ilustre filho desta terra, sinhô Afonso da Hora, e sua bela e querida esposa, dona Casta, a generosa doação do madeirame para o prosseguimento da obra Santa.
Deus seja louvado!
Para sempre seja louvado!
Amém!
O Capitão tava no fundo da igreja já com as ordem de planejá o recolhimento das tábua mais valiosa e fazê retorná pra serraria da fazenda. Era isso qui tava sendo feito. O chimarrão tinha qui esperá. Não podia tê claridade do fogo, sem fogo num ia tê água na fervura, não tem necessidade iluminá a escuridão. Não queremos chamá a atenção de nenhuma assombração. É preciso trabalhá em silêncio, tava lembrado da clareza das palavra do siô
Capitão, não queremos atrair atenção de gente sem índole e com mania de bisbilhotice, o recado tinha sido claro e direto, o serviço é secreto e no escuro, longe do trapiche, entendeu?
Entendido, siô afonso da Hora.
O patrão lhe metia nos apuro, num perguntava se podia sê feito, como nunca lhe chamava de fiô; um fiô destapado e coração sempre apertado, tinha veiz qui quase subia inté a goela a vontade de reclamá, mais controlava o apuro. Num mexia nenhum nervo. Segurava a raiva. Espantava o desconsolo. Desanimava. Animava. Tava sempre fingindo, inté qui a fúria escapô da vigilância, criolo de merda, cuidado! essas tábuas não podem molhá!
Foi quebrado o silêncio do serviço secreto no descampado da esquina das água. Num conseguiu evitá. O bastardo precisava mostrá pros debaixo quem qui mandava. Existe gente assim, num basta comandá, subí na vida, tem qui dominá a esperança do otro. O Capitão queria um pouco mais, ele queria branquiá. Passá pros lado di lá. Num corria atrás do amô. Sabia qui ia morrê sem o nome do siô da Hora, num ia tê a reconhecença do pai como pai. Num queria sê só alforriado, queria casá com moça branca, branquiá os fiô.
Então, num mostrava os dente se num fosse pra mordê os preto, ocês têm ânsia de serem escravos, trabalhá até morrerem. Quem são ocês pra reclamarem direitos sobre a própria vida?
Um infame aborroscado.
Tudo era causo de castigo no modo de pensá do bastardo. Era e num era nada, tinha e num tinha nada. Fiô sem pai da escrava Rita. A preta qui o siô fez questão de levá junto depois do casório com siá Casta. A dona de tudo lhe deu importância nenhuma, preste atenção, sinhô Afonso, meu marido. Vosmecê pode ter as escravas que quiser, mas não me arrume uma branca.
A mãe do bastardo num era nada, num era nem muié. O degenerado num era nada. Num era fiô. Queria se dá importância de uso pro hôme qui era o pai, mais não odia sê dito qui era o pai. O bastardo tinha ânsia de sê o fiô, mais ele e a vida dele, os fiô qui ia fazê e a família qui ia tê, não conta. Não existe. Um fiô qui era apaniguado num passava disso, num era nada. Foi um tempo qui não sentia dó nem pena dos preto, fazia gosto de riscá o côro dos escravo com sangue e sal. Gostava de anunciá com riso de contentamento, na primeira luz do dia, acordei com o pensamento de não acabá o dia sem fazer salmora de sangue, os preto sabia qui o anúncio se cumpria mais cedo ou tarde, no mesmo dia.
Ali, tava ele. Em pé, na beirada do rio. Os três escravizado parado. O silêncio do serviço secreto quebrado. Um grito qui saiu do seu destempero de não sê o qui qué sê. Lembrô as recomendação do pai de fora dele, façam o embarque do jeito mais escondido possível, sem conversa, sem badalo do sino. Um serviço que nunca existiu. Ocês não existem, o aviso do siô é lei nas parte de dentro das terra qui ele manda e desmanda, num tem escravo metido à besta
Capitão... Capitão...
O Josino quis aproveitá o descuido do grito e o desconcerto do bastardo, o que foi, negro, o adulterado pelo nascimento meio preto, meio branco, qui carregava uma das vista verde do pai mais a vista preta da mãe, sentô. Respondeu o chamado com uma pergunta, mais não parô de vigiá os dois preto carregadô, voltô nos trabáio do paiêro. Acomodô a boca e a posição das vista, a verde nos preto; a preta, no paiêro.
Aquele qui começô aquela conversa arriscada chegô pará de falá, pensô qui seria meió adiá ou esquecê aquela prosa, mais a língua num conseguiu ficá escondida na boca, num teve ninguém nas redondeza, vivo ou morto, pra lhe avivá da demasia. A muié Milagres tava longe, nas ocupação dela, atenta qui ficava com as coisa do seu amô, inté qui tentô, meu preto, tem tempo pra tudo. Ocê precisa pacientá, ele num colocô na prática os aviso do amô. Deu resposta sem birra, ela tava na ponta da língua, cansada de sê engolida, num quero proteção, quero reparação. Eu quero sê um hôme livre, minha preta.
Ela continuava na volta com o coração agoniado. Ela sabia, as muié sempre sabe antes, tava desassossegada, ocê é o meu siô do coração, o siô da Milagres, num tem branco qui manda no coração da Milagres, meu preto... escuta o siô da Milagres qui ocê tem dentro
Posso lhe fazê pergunta?
O adulterado não mexeu com nada na cara desconfiada. Esperô terminá o fumigadô e lhe oiô o tempo duma piscadela. Enfiô o paiêro terminado na saca dos pronto. E começô otro, fale logo, mas cuidado com a gritaria, os dois não podia mais recuá do palavrório, o qui ia perguntá nem o otro qui não ia responde
Essas tábua se parece muito com as tábua largada no Largo da Quitanda... num faz muito dia...
O Capitão da vista verde ficô acautelado, nenhum naco do peçonho se mexeu. A voz não saiu do feitio pensado, tava gelada. Vontade num faltô, mais num deu nenhum grito. Nem foi sussurro, saiu desacertada de vida, parecida com o chocaio da boiquira antes do bote, isso não foi pergunta, criolo.
A língua do Josino ficô assanhada, achô qui a conversa podia se alongá. Não escutô o qui não foi dito, é só uma desconfiança, Capitão.
A boiquira tava toda enroscada, pronta pro bote, isso é conversa de assunto que não interessa pro criolo. Ocê só tem uma obrigação no pensamento, no caso de pensá, é claro, apenas um cuidado: fazer o serviço pro modo de não sofrer os horrores do inferno. Eu sou o inferno!
Milagres suplicô qui ele deixasse a língua escondida na boca fechada, se escutô num obedeceu, pensava qui as tábua era pra tê uso na obra Santa...
E desde quando criolo pensa?
Tem veiz qui é preciso sabê do perigo qui pode deitá o fogo na casa. O Josino num parô pra escutá. Na escuridão, num reparô na vista esverdeada o portão do inferno. Ou fez qui não reparô. Continuô falando enquanto ia buscá as tábua na carroça inté o barco, pelo feitio das prancha, esse reparte nem chegô descê no cantêro da obra Santa.
Ele tinha razão, mais tê razão num importava no caso daquele serviço secreto, num parecia coisa boa. Ninguém ia acreditá qui as prancha ficô encilhada, esperando as providência de retirada com ordenança do siô da Hora. O moço bão dava com uma das mão, tirava com a otra e vendia sem avisá o Governadô. A madêra doada voltava nas mão do doadô pra sê vendida. Um jeito fácil de aumentá riqueza e desfilá as aparência de bão moço.
O Capitão acabô mais um paiêro, levantô da pedra. Caminhô inté o Josino. Parô na frente do preto. A prancha apoiada no costado do preto. Os óio dum grudado nas vista do otro, tão perto qui os dois achatado quase se tocaiava, criolo... não meta o nariz onde não é devido, ocê acaba comido de sobremesa. Isso é assunto qui não cabe na boca do criolo. Mas se ocê insistir com a curiosidade, aquela negra que lhe espera, e parece não saber o que é melhor pra ela, vai receber notícia que não será boa. Isso eu lhe garanto.
Os pé do Josino afundava no rio, a prancha lhe enfiava pra dentro da garganta da água, tavam lhe bebendo, isso num tem nada com a Milagres.
Isso não é ocê que decide, na verdade, ocê não decide nada. Só obedece. Ela vai saber que o criolo dela fugiu e não volta mais. Deixada pra trás. E o siô Afonso vai precisá se colocá na cama da negra pra fazer mais um bastardo.
Num tinha fim aquele caminho, num tinha fim a cansêra, talvez com a luz da manhã.
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Leia também:
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Ensaio 43B – 2ª edição 1ª reimpressão
O baobá é da terra qui é do baobá
baitasar
O Capitão continuava sentado nas pedra da beirada do rio, parecia com um capitão-do-mato no descanso desavisado. Um mulato com oiá de branco. O cipó de boi enrolado e protegido na cintura. Naqueles dias, um hôme bão num deixava de tê uso próprio das bota qui abria os caminho do mato, o saco com o instrumental do paiêro, a arma de cortá, a arma de atirá e o cipó de boi. O Capitão mulato carregava o instrumental do paiêro, a arma de cortá e o cipó de boi. Nunca aceitô oferecimento do siô da Hora pra fazê uso da arma qui atira, não tem necessidade, carrego tudo que preciso no meu cinturão da segurança.
Coisa simples, mais qui encaminhava o descanso ou a luta no seu gosto: um facão pros trabáio do roçado ou arma de cortá pela metade a valentia dos preto arruacêro. Num era hôme de confiá nos otro, menos ainda, deixá a incumbência do serviço na vontade dos preto. Com ele num tinha querê ou não querê, tarefa dada precisava sê terminada, o chão da senzala não me merece confiança, tão sempre de cantoria e feitiçaria. Quanto mais apanham mais fazem cantoria e dança. Não me enganam, tão sempre tecendo tramas e fugas pra algum quilombo. Lidá com esses negros dá muito trabalho, não se pode confiá nos vagabundos, se vestem com os tecidos mais gastos pra esmolarem alguma coisa. Os capachos que se submetem e não reclamam são raríssimos, dóceis apenas por medo do pelourinho. É preciso ter cautela com os cochichos, não dá pra confiá em vagabundo ou capacho.
Num tinha confiança nos preto nem na pólvora. Confiava só nas mão e na língua. Não dava trégua nos nome feio qui soletrava pra humilhá, criô os próprio ditado, o negro é besta de carga ou bandido, não existe nenhum bom. Escravo não tem índole, só precisa obedecer o dono. Cantá ou dançá faz perder a atenção no trabalho. Esses negros da cantoria e dançaria não respeitam nada, só quem controla é a mão com o cipó de boi. Ocês são capacho de rico, besta de carga, vagabundo, bandido, ignorante, cada palavra de uso fazia crescê um ódio no bastardo qui não sabia tê explicação.
Provocava ele mesmo, não achava justa a sua mulatice de preto. Fiô da escrava Rita. Sem pai.
Ele tava sempre na procura de algum revoltado. Queria sabê os nome pra fazê castigo preventivo, se não fez ainda vai fazer. A criação vem do exemplo. Não deixo por conta. Não quero saber das cantorias e danças do demônio. Essa feitiçaria não respeita ninguém, mas se aquietam quando o cipó de boi entra em ação. Têm medo mas não têm vergonha, há vezes em que é preciso ser mais duro e cruel do que se quer, mas quem ensina tem essa sina de ser chamado de malvado.
Podia passá hora e mais hora de conversa com ele mesmo. Num tinha pai pra chamá de pai nem amigo pra escutá sua falação. Acostumô com o retraimento dos branco e o descampado dos preto na sua volta.
Sentado na beirada do rio, ou no lombo do cavalo, era o mesmo desconfiado em prontidão. Controlava com as vista o paiêro e os dois preto qui desembarcava as madêra da carroça e descascava as tábua no barco do siô da Hora. Num gostava daquele serviço secreto com os dois preto, isso não é serviço sigiloso, fungava e mascava o fumo, é um serviço que pra ser sigiloso esses dois negros precisam perder a língua, caso o sinhô da Hora continue desimbestado com essa mania de serviço secreto.
A lua tava sumida. O fumo enrolado na páia. O barco do siô da Hora encostado na esquina das água, no meio do capinzá, embalando com o vai e vem das água mansa. A madêra disfarçada de donativo voltando, atolando o barco nas água. Generosa. Atenciosa. Foi e não ficô. Voltô. Sem reclamação.
O Capitão continuava fazendo o gerenciamento da movimentação toda, controlava os alarido. Num tinha chiliqui no feitio de enrolá a páia nos montinho de fumo, era pacientoso, mais não fazia o mesmo gosto de cuidado com os preto. Parecia tá sempre preparado pro avisado e o desavisado. Num confiava nos preto na escuridão, também num confiava nas claridade do dia, tem negro atrevido que escapa com toda a clareza do dia, mas na cerração do escuro o cuidado precisa ser redobrado.
Ele tava na incumbência de vigiá o serviço escondido e a embarcação das madêra qui foi donativo anunciado na missa dominguêra. Na manhã da missa o siô da Hora sentiu as vista dos amigo religioso direto nele, foi quando o siô padre anunciô aquela doação generosa, quero agradecer ao ilustre filho desta terra, sinhô Afonso da Hora, e sua bela e querida esposa, dona Casta, a generosa doação do madeirame para o prosseguimento da obra Santa.
Deus seja louvado!
Para sempre seja louvado!
Amém!
O Capitão tava no fundo da igreja já com as ordem de planejá o recolhimento das tábua mais valiosa e fazê retorná pra serraria da fazenda. Era isso qui tava sendo feito. O chimarrão tinha qui esperá. Não podia tê claridade do fogo, sem fogo num ia tê água na fervura, não tem necessidade iluminá a escuridão. Não queremos chamá a atenção de nenhuma assombração. É preciso trabalhá em silêncio, tava lembrado da clareza das palavra do siô
Capitão, não queremos atrair atenção de gente sem índole e com mania de bisbilhotice, o recado tinha sido claro e direto, o serviço é secreto e no escuro, longe do trapiche, entendeu?
Entendido, siô afonso da Hora.
O patrão lhe metia nos apuro, num perguntava se podia sê feito, como nunca lhe chamava de fiô; um fiô destapado e coração sempre apertado, tinha veiz qui quase subia inté a goela a vontade de reclamá, mais controlava o apuro. Num mexia nenhum nervo. Segurava a raiva. Espantava o desconsolo. Desanimava. Animava. Tava sempre fingindo, inté qui a fúria escapô da vigilância, criolo de merda, cuidado! essas tábuas não podem molhá!
Foi quebrado o silêncio do serviço secreto no descampado da esquina das água. Num conseguiu evitá. O bastardo precisava mostrá pros debaixo quem qui mandava. Existe gente assim, num basta comandá, subí na vida, tem qui dominá a esperança do otro. O Capitão queria um pouco mais, ele queria branquiá. Passá pros lado di lá. Num corria atrás do amô. Sabia qui ia morrê sem o nome do siô da Hora, num ia tê a reconhecença do pai como pai. Num queria sê só alforriado, queria casá com moça branca, branquiá os fiô.
Então, num mostrava os dente se num fosse pra mordê os preto, ocês têm ânsia de serem escravos, trabalhá até morrerem. Quem são ocês pra reclamarem direitos sobre a própria vida?
Um infame aborroscado.
Tudo era causo de castigo no modo de pensá do bastardo. Era e num era nada, tinha e num tinha nada. Fiô sem pai da escrava Rita. A preta qui o siô fez questão de levá junto depois do casório com siá Casta. A dona de tudo lhe deu importância nenhuma, preste atenção, sinhô Afonso, meu marido. Vosmecê pode ter as escravas que quiser, mas não me arrume uma branca.
A mãe do bastardo num era nada, num era nem muié. O degenerado num era nada. Num era fiô. Queria se dá importância de uso pro hôme qui era o pai, mais não odia sê dito qui era o pai. O bastardo tinha ânsia de sê o fiô, mais ele e a vida dele, os fiô qui ia fazê e a família qui ia tê, não conta. Não existe. Um fiô qui era apaniguado num passava disso, num era nada. Foi um tempo qui não sentia dó nem pena dos preto, fazia gosto de riscá o côro dos escravo com sangue e sal. Gostava de anunciá com riso de contentamento, na primeira luz do dia, acordei com o pensamento de não acabá o dia sem fazer salmora de sangue, os preto sabia qui o anúncio se cumpria mais cedo ou tarde, no mesmo dia.
Ali, tava ele. Em pé, na beirada do rio. Os três escravizado parado. O silêncio do serviço secreto quebrado. Um grito qui saiu do seu destempero de não sê o qui qué sê. Lembrô as recomendação do pai de fora dele, façam o embarque do jeito mais escondido possível, sem conversa, sem badalo do sino. Um serviço que nunca existiu. Ocês não existem, o aviso do siô é lei nas parte de dentro das terra qui ele manda e desmanda, num tem escravo metido à besta
Capitão... Capitão...
O Josino quis aproveitá o descuido do grito e o desconcerto do bastardo, o que foi, negro, o adulterado pelo nascimento meio preto, meio branco, qui carregava uma das vista verde do pai mais a vista preta da mãe, sentô. Respondeu o chamado com uma pergunta, mais não parô de vigiá os dois preto carregadô, voltô nos trabáio do paiêro. Acomodô a boca e a posição das vista, a verde nos preto; a preta, no paiêro.
Aquele qui começô aquela conversa arriscada chegô pará de falá, pensô qui seria meió adiá ou esquecê aquela prosa, mais a língua num conseguiu ficá escondida na boca, num teve ninguém nas redondeza, vivo ou morto, pra lhe avivá da demasia. A muié Milagres tava longe, nas ocupação dela, atenta qui ficava com as coisa do seu amô, inté qui tentô, meu preto, tem tempo pra tudo. Ocê precisa pacientá, ele num colocô na prática os aviso do amô. Deu resposta sem birra, ela tava na ponta da língua, cansada de sê engolida, num quero proteção, quero reparação. Eu quero sê um hôme livre, minha preta.
Ela continuava na volta com o coração agoniado. Ela sabia, as muié sempre sabe antes, tava desassossegada, ocê é o meu siô do coração, o siô da Milagres, num tem branco qui manda no coração da Milagres, meu preto... escuta o siô da Milagres qui ocê tem dentro
Posso lhe fazê pergunta?
O adulterado não mexeu com nada na cara desconfiada. Esperô terminá o fumigadô e lhe oiô o tempo duma piscadela. Enfiô o paiêro terminado na saca dos pronto. E começô otro, fale logo, mas cuidado com a gritaria, os dois não podia mais recuá do palavrório, o qui ia perguntá nem o otro qui não ia responde
Essas tábua se parece muito com as tábua largada no Largo da Quitanda... num faz muito dia...
O Capitão da vista verde ficô acautelado, nenhum naco do peçonho se mexeu. A voz não saiu do feitio pensado, tava gelada. Vontade num faltô, mais num deu nenhum grito. Nem foi sussurro, saiu desacertada de vida, parecida com o chocaio da boiquira antes do bote, isso não foi pergunta, criolo.
A língua do Josino ficô assanhada, achô qui a conversa podia se alongá. Não escutô o qui não foi dito, é só uma desconfiança, Capitão.
A boiquira tava toda enroscada, pronta pro bote, isso é conversa de assunto que não interessa pro criolo. Ocê só tem uma obrigação no pensamento, no caso de pensá, é claro, apenas um cuidado: fazer o serviço pro modo de não sofrer os horrores do inferno. Eu sou o inferno!
Milagres suplicô qui ele deixasse a língua escondida na boca fechada, se escutô num obedeceu, pensava qui as tábua era pra tê uso na obra Santa...
E desde quando criolo pensa?
Tem veiz qui é preciso sabê do perigo qui pode deitá o fogo na casa. O Josino num parô pra escutá. Na escuridão, num reparô na vista esverdeada o portão do inferno. Ou fez qui não reparô. Continuô falando enquanto ia buscá as tábua na carroça inté o barco, pelo feitio das prancha, esse reparte nem chegô descê no cantêro da obra Santa.
Ele tinha razão, mais tê razão num importava no caso daquele serviço secreto, num parecia coisa boa. Ninguém ia acreditá qui as prancha ficô encilhada, esperando as providência de retirada com ordenança do siô da Hora. O moço bão dava com uma das mão, tirava com a otra e vendia sem avisá o Governadô. A madêra doada voltava nas mão do doadô pra sê vendida. Um jeito fácil de aumentá riqueza e desfilá as aparência de bão moço.
O Capitão acabô mais um paiêro, levantô da pedra. Caminhô inté o Josino. Parô na frente do preto. A prancha apoiada no costado do preto. Os óio dum grudado nas vista do otro, tão perto qui os dois achatado quase se tocaiava, criolo... não meta o nariz onde não é devido, ocê acaba comido de sobremesa. Isso é assunto qui não cabe na boca do criolo. Mas se ocê insistir com a curiosidade, aquela negra que lhe espera, e parece não saber o que é melhor pra ela, vai receber notícia que não será boa. Isso eu lhe garanto.
Os pé do Josino afundava no rio, a prancha lhe enfiava pra dentro da garganta da água, tavam lhe bebendo, isso num tem nada com a Milagres.
Isso não é ocê que decide, na verdade, ocê não decide nada. Só obedece. Ela vai saber que o criolo dela fugiu e não volta mais. Deixada pra trás. E o siô Afonso vai precisá se colocá na cama da negra pra fazer mais um bastardo.
Num tinha fim aquele caminho, num tinha fim a cansêra, talvez com a luz da manhã.
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O baobá é da terra qui é do baobá
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