Parábolas e pedagogia
Ensaio
Ensaio
I
baitasar
Uma tarde
perfeita, viver uma vida perfeita, outra terça-feira, mas em outro lugar
— Com licença, peço desculpas pelo atraso.
— é o Paulo que se anuncia num atraso, interrompendo a reunião. — Estava
fazendo a releitura de um texto com alguns alunos, o tempo foi passando na sua
medida, mas enfim, cheguei atrasado para a reunião.
O professor
Paulo é possuidor de um carisma muito grande, entre todos, que de alguma
maneira, ou por alguma razão, privam da sua palavra e suas reflexões sobre
educação. Começa por ser um velhinho de cabelos brancos e longos, um andar
calmo e curtinho como se não tivesse pressa em chegar, o que parece lhe
interessar é o percurso e o caminho percorrido. Sua voz é tranqüila e clara,
não deixa dúvidas sobre a sua intenção ao falar, seus olhinhos parecem sempre
em busca de tudo que possa ser visto e aprendido na intenção de unir a ação com
o pensamento — Parabéns, professor! Já é muito difícil uma leitura de frases
com estes alunos, imagine uma releitura, chamo a isto de magia, o máximo da
bruxaria nos dias de hoje. Enfim, temos o nosso mago!
Observo a
enferma Ofélia, não é possível que fique calada frente a tamanho disparate!
Busco com o olhar o professor do corredor. Não está! Como o necessito. Deus
havia sido a minha mais importante carência, mas a ele necessito mais que a
Deus. Não é possível que fique calada, sempre acreditei na possibilidade de
construção de uma escola diferente, voltada para as práticas da conscientização,
da inclusão, da autonomia, da participação, da auto-organização, da libertação,
da alegria, da cidadania. Enfim, a construção de uma escola verdadeiramente
democrática. Deixo Paulo e Marko sozinhos... Calei e não encontro resposta — Professora
Ofélia, então é verdadeira a lenda que comenta ser uma escola vazia, sem suas
crianças, um imenso casarão mal-assombrado, onde só ficam as bruxas!
Eis uma
reunião que promete, a Lia mostra sua capacidade de combate na ironia que
brinca com o deboche, tudo é dito sem ingenuidade. Eis as manobras das forças
reacionárias e progressistas durante o combate ou na iminência dele, se
posicionam, medem as forças, granjeiam aliados, agrupam-se. Não existe lirismo
neste combater nem sangramentos aparentes, as conseqüências estão depositadas
no fazer ou deixar de fazer nas aulas, os seus efeitos se concretizam nas
maneiras de ensinar arrogante para alguém ou nos desejos humildes de aprender
junto
— Querida professora, a mim parece
importante chamar a atenção para quantas e quantas vezes sucumbimos frente a
falas destrutivas e desesperançadas, que nos fragmentam e nos implodem em
pequeninos pedaços voadores, transformando em poeira nossas tentativas íntimas.
Nas muitas e mais tantas oportunidades em que isto acontece, não o sabemos se
ocorre por intenção deliberada ou por não sabermos pensar e sentir diferente.
Guardamos silêncio para o enfrentamento final quando o bem vencerá
definitivamente o mal. Eis o imobilismo na crença que haverá somente um embate
e que todos os desgastes dos afrontamentos anteriores se dão sem razão. Ao
assumir uma posição critica e não lírica deixamos de assumir os defeitos e
dificuldades dos outros para estabelecer parcerias razoáveis de comprometimento
com a esperança, dentro de uma práxis libertadora do outro em mim que retorna
ao outro que está fora de mim.
Não há
fadas ou benfeitores, todos e todas nós precisamos caminhar com as próprias
pernas, errando ou acertando, mas nos basta - por agora - o movimento. Parando
vez que outra para estabelecer diálogos íntimos, produzindo alguns
enfrentamentos pessoais, fixando regras de ação e deixando o coração livre para
voar os maiores e melhores sentimentos da esperança, não se deixar vencer pela
insônia do medo e ficar escondido. Levantar da cômoda cadeira e retirar o disco
do toca-disco, virar o vinil e tocar o lado B, movimento e reflexão, quanta
sonoridade no vinil, nem tudo que é novo supera em qualidade o antigo — Não se
opta pelo novo apenas como conseqüência da novidade, decide-se pelo novo
através da reflexão que temos do velho e do desejo de fazer nascer diferente do
antigo.
— Concordo, Lia, aquilo que é novo, a
notícia ou a colheita, não nos embaraça tanto, quanto o novo que chega pelas
idéias de fazer diferente. Não se diz querer o novo das ideias por astúcia ou
ingenuidade, pois tanto uma como a outra farão da novidade mentiras diárias.
Cresceremos com as ideias do novo fazer e pensar, na discussão permanente entre
mim e o eu, entre o eu e o nós, entre o nós e o todo, entre o todo e o que repito
que é meu, pois sempre retorno ao início que sou eu. Minha dor não é nova, mas
meu sorriso está diferente. Estou refletido em mim mesmo, clareando e esclarecendo
minhas próprias perguntas - Sou astuto, ingênuo ou progressista? - por ora, já
me basta responder por está investigação, permanentemente atento, mesmo que
sofrendo muito com o esforço, mas em movimento.
Fico
animada e acrescento que superando estes papéis mágicos e autoritários,
precisamos de novos olhares sobre o nosso quê fazer na escola, sacudindo a
poeira do tempo e descobrindo aos poucos um novo eu que já existia, permanecia
escondido pela poeira da imperturbabilidade ingênua ou solércia medrosa. — Professor,
por favor, sente-se. Vamos continuar.
O professor
Paulo senta-se calmamente na fórmica verde e menos dura e menos fria da sua
cadeira pedagógica, se eu pudesse acabaria com a pedagogia. Pior que a
possibilidade de matar as pessoas, é a maneira como transforma todos em bonecos
de pau — Calma, Anita... isso é apenas parte da contenda, não é traição.
Sinceramente
não sei se a pedagogia é uma traição - ou seu uso ou desuso – mas sua
intencionalidade desvela as diferentes concepções de mundo que cada pedagogo
carrega consigo... — Anita, por acaso somos pedagogos.
— Por acaso ou por intenção? O que é ser
um pedagogo? Qual seu objeto de estudo? O que é afinal a pedagogia? Uma ciência
pensada para dar conta de muitas ciências dentro de uma instituição chamada
escola? Aí começa o emaranhado, o lio, Como podemos dar conta de todo o saber
científico para ensiná-lo na escola? Criamos os programas, os conteúdos, os
métodos, as estratégias...
— Eis o começo da traição aos miseráveis.
— olho para o professor Paulo.
Sei, que através dos tempos, de acordo com os diferentes
momentos históricos, tivemos construções importantes no campo da pedagogia no
sentido de transformar as práticas coercitivas, disciplinadoras, autoritárias. Lembro
de citar Gramsci com sua pedagogia crítica, Frenet com a escola nova, Makarenko
com a pedagogia socialista, Paulo Freire com a pedagogia libertadora. Outros de
agora, outros que virão, mas me interessa perguntar: — Eles foram traidores?
— Foram traídos...
— me responde o professor do corredor — O que pensas deles? — tento envolvê-lo
nessa nossa pequena peça de oratória
— Todos eles
pensaram uma nova escola a partir da utopia da construção de sociedade baseada
em princípios solidários, onde a pedagogia estaria a serviço da construção
desse ideário... — minha provocação está aceita — O que deu errado?
— Olhamos para
o mundo, mas basta olhar para a África, América Latina, veremos a fome, as
favelas, as desigualdades extremas e, talvez, tenhamos alguma resposta. As
pessoas não estão preocupadas com justiça social, estão treinando recursos
humanos nas grandes corporações, amestradores de mentes e adestradoras de
corações.
— Mas que feio,
o professor generalizar tanto assim... — a Ofélia não vai nos afastar da
discussão com suas provocações. Não deixo que ele se aparte da
discussão
— O que deu certo?
O professor
do corredor para e responde com outra pergunta
— Ou o que poderá dar certo? Uma pedagogia
da esperança? Uma pedagogia do possível? O que é possível fazer em uma
sociedade onde se duvida da possibilidade de pensar em solidariedade e,
principalmente, como construir os conceitos de justiça e ética numa sociedade
dominada pelo consumismo e individualismo?
Concordo,
mas não basta fazermos a leitura da realidade e dos saberes existentes em
determinada comunidade — Até onde precisamos ir?
— Ao céu e inferno, precisamos compreender
como quem interpreta a sua própria realidade, não há outra saída, creio, a qual
não seja estar junto das pessoas mais humildes, falar, escutar, dialogar,
aceitar, meter a colher, mudar nosso modo de vê-los, deixar que nos ensinem e
nos toquem. Fazer, não para teorizar em cima, com relatos em seminários, mas
para mudar a nossa vida. Pensando assim a pedagogia não é uma traição, é uma
ferramenta de mudança, desde que assim o façamos, ou melhor, desde que assim a
entendemos, mas tudo isso exige disciplina e método dialético, com toda certeza.
— O abismo nos espera, professor?
— E nós, a quem esperamos? Um cavaleiro
inexistente, o último voo do flamingo...
— Quem sabe...
Paro meus
devaneios.
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