sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Histórias de avoinha: As Casa do Comércio na Villa 8


Ensaio 33B – 2ª edição 1ª reimpressão


baitasar


Uso como navalha, a frase dita pelo Gaspá ficô balançando com as risada solta na boca dos dois, inté parecia duas criança fazendo diabrura. O tabernêro com o dedo do meio espichado, todo aprumado como tivesse se exibindo depois da cerimônia feita com a espada, aplico um pequeno corte na textura fininha da entrada e espero pela linha de sangue, parô o relato heroico e puxô a última brasa viva do paiêro. Ameaçô jogá as cinza do peito na penumbra da taberna, mais engasgô com os escombro cinzento. Ficô desengonçado, armava e desarmava a limpeza da goela. Nada saia ou entrava. A rouquidão presa no peito. A vontade de se livrá do engasgo não tirava o engasgo. Não bastava tê a vontade. Ele se parecia com um cachorro perdido nas ruas que ninguém dá atenção. Não bastava querê saí das rua, precisava tê um lugá pra ficá e acomodá as mania.

Quando o tabernêro ficô com a cô azulada a freguesia levantô, mais não deu passo atrás nem pra frente, queria oiá meió... só isso. O siô da Hora colocô as duas mão no balcão sem tê qualqué serventia. O oiá de diabrura agora parecia de nojo. Nessa altura dos acontecimento o Gaspá já tava roxo e babando. As vista estarrecida não parecia acreditá qui ele se terminava assim: engasgado, na frente da freguesia; desalinhado, desaprumado, deselegante, babando, sem despedida. Acaso, desse no jeito de se explicá, tinha certeza qui ia partí sem pecado. E se Deus fosse justo mesmo sem a extrema-unção do siô padre. Não parecia tê mais jeito de salvação desse lado do balcão.

Uma das freguesia do tabernêro era o covêro do cemitério branco. O homê da enterração continuava sentado. Foi o único qui não levantô, parecia sabê onde aquela confusão ia terminá. Oiava e esperava. Uma das mão metida no bolso acariciava a fita de fazê as medida; na otra, o copo com a destilada misturada na água. Não mostrava tá sorrindo nem parecia tê preocupação.

Na porta da rua, o povaréu se ajuntô. A curiosidade da coisa ruim nos otro atrai inté em começo de escuridão. Uns queria vê a cara da morte, otros apostava que ela não ia aparecê. O empurra daqui e puxa dali não ajudava o desengasgue do moribundo babão. O Juca da Botica dos aviamento corria pela rua da praia, preocupado qui não havia de corrê mais rápido com medo da estrada escurecendo, foi avisado do pedido de ajuda urgente: socorro de vida. Pelo retrato falado, achava qui não tinha socorro de serventia, mais, na dúvida, foi resolvê o chamado nem qui fosse só pra ficá oiando e anunciá o fim do balconista. Quando chegô foi logo avisando qui precisava passá

Com licença, obrigado... por favor, preciso passar, foi quando apareceu uma pretinha, vindo de qualqué lugá. Ela pegô a cabeça do Gaspá com as duas mão e colocô a boca preta na boca roxa do tabernêro. Assoprô e puxô o qui assoprô, cuspiu as cinza com sangue no chão. O tabernêro deu um grito de pavô qui parecia tê amaldiçoado toda a Villa. Babava verméio na boca e escorria a mesma cô do nariz, mais ele tinha voltado do lugá da escuridão e respirava desengasgado do desespero de ficá lá

O que foi isso, Gaspar?

Nervosismo, sinhô da Hora.

Ninguém tirava os pé nem as vista, todos qui podia ficava com a visão no lugá onde tava o tabernêro; lá fora, um dos preto qui ninguém viu quem foi, mais qui só podia sê coisa de preto, anunciô qui o tabernêro não aceitô o convite da muié da foice e voltô do compromisso com a morte depois de recebê o tranco do encosto. Pronto, foi o qui bastô pra corrê na Villa qui o tabernêro foi salvo da escuridão pela graça e vontade dum encosto. Quando o Juca afastô os curioso, um a um, e colocô as vista no tabernêro, o susto do pió acontecê já tinha passado. E as pessoas já procurava acomodá nas história o qui cada um contava do jeito qui viu

O que aconteceu, Gaspar?

Nervosismo, Juca.

O covêro da Villa branca largô a fita das medida, tirô a mão do bolso e pediu otra dose da pinga. O tabernêro ergueu a destilada aguada e anunciô

Essa é na conta da casa!

Vida longa, Gaspar!

A freguesia levantô pra modo de sê servida no balcão. Um e um, com o seu copo pra recebê a destilada misturada na água, a fila foi nascendo e crescendo inté no balcão. As coisa na taberna já tava se livrando das vista com curiosidade. A vida começava se acomodá nas festa da bebida, das conversa mole e dos atrevimento

Gaspar, ocê precisa conversar aqui com o Juca. E pedir um aviamento para essa tosse vermelha.

Estou na sua disposição, meu amigo, é só passar lá na botica, o Juca não tinha a distinção dos doutô, mais na prática do dia-a-dia e nas coisa de febre pouca ou sangramento pequeno ele inté arriscava os seus palpite e aconselhamento

Não carece... foi só nervosismo, o tabernêro ergueu a destilada pura, qui deixava escondida atrás do balcão, sem as mistura da água pra desencorpá o gosto e aumentá os lucro, serviu um, dois, três dedo, nos dois copo. Ofereceu um copo pro Juca e o otro ficô na mão do siô da Hora

Não bebo em serviço, Gaspar. e preciso voltar que o escurecimento já tá brabo.

A vontade é sua, Juca.

O socorrista fez as despedida do costume, precisava voltá pra botica

Até mais ver, sinhô Afonso da Hora. E ocê, Juca, aparece na botica.

Inté mais ver, Juca.

Depois qui o Juca saiu, a taberna já tava parecendo como antes do nervosismo do Gaspá, um belo ofício de serví as pessoa sem pressa. Um lugá onde as obrigação ficava vagando, escondida pelos canto. O apuro de tosse trancada do Gaspá já tava disfarçado. O tabernêro subiu um brinde pras menina da cô negra. Nos últimos tempo, o tabernêro parecia tê grudado nas ideia as pretinha

Salve a dobradura fininha qui as negrinhas carregam e que dá tanto gosto rompê! Salvem as negrinhas!

Foi tudo num só gole.

Então, ela respondeu o chamado. Apareceu na porta, nas costa do tabernêro: a pretinha do socorro. Vinha descoberta da cintura pra cima. Carregava nos óio a transparência das tristeza qui ninguém se importava vê. A carapinha tava rala, recém crescendo do corte com navalha. O rosto tinha três sulco na testa, parecia linha feita pra continuação do nariz. Nas feição de lado do vulto mais três marca, parecia estreitá a distância da linha grossa dos lábio com a volta da nuca. Era as marca qui contava do seu lugá de antes, feita pelas mão segurando ferro-velho afiado. Umas tinha as marca do lugá angola, otras do congo, benguela, cabinda. As preta mina e muitas otras. As marca dela fazia anunciação do lugá qui veio e provocava as memória, negava o rechaço das lembrança escondida. As marca anunciava qui o lugá dela não era aqui, foi roubada do seu lugá de vivê as alegria, as tristeza, as cantoria, as dança, as reza, quase tudo ficô lá. O qui não ficô, ela trouxe nas lembrança, nas marca e no choro qui fez virá cantoria.

A pretinha passô pela cortina de pano cinza e caminhô inté o Gaspá. Não parecia tê muito tamanho. Ela parô no lado do tabernêro. Ele pareceu não tê gostado daquela aparição, mais desviô as vista da freguesia e oiô a menina. Ela continuava oiando a transparência, ele oiava a gula qui não sabia controlá. Os dois continuava em silêncio. A aparição lhe fez siná de aproximação. O Gaspá dobrô a cabeça e virô as vista de lado, pra modo de escutá meió. Esperô o cochicheio da pretinha qui não se demorô, mais parecia não tê muita força, quase não podia rompê o silêncio da morte

Agora, não.

Ela esbugaiô as vista. O tabernêro sabia desconjuntá as boa intenção e as ruindade, também. Era grosseiro, desatencioso e gritadô. Gostava de ganhá no grito. Anunciava as mentira do mesmo jeito qui as suas pouca verdade. Não dava importância pras menina nem pros poeta

Volte, lá para dentro, a pretinha de pouco tamanho saiu na disparada, parecia tá virando fumaça. Ela não sabia o qui tinha dado errado

O que foi isso, Gaspar?

A pergunta do siô da Hora lhe fez pensá as banalidade da resposta

Essa mulherada, meu amigo, apontô com os óio a pretinha qui desaparecia na cortina cinza.

O siô da Hora esticô as vista da cobiça e da curiosidade. Oiô com argúcia, depois com ironia, por cima do balcão, voltô as vista no homê nada requintado, mais perturbado na confiança. Parecia qui ardia em febre. Não viu nenhum feitio de muié. Caminhô sua atenção lá e cá, inté qui firmô as vista no tabernêro. Sentiu um estremecimento qui mais se pareceu um arrepio. Não pensô qui viu, mais teve o pressentimento qui o Gaspá deixô de sê o mesmo qui sempre foi

Como ocê está, homem de Deus?

O otro não parecia tê escutado a pergunta de afligimento do siô da Hora, continuava sua falação estranha

Essa mulherada, tanto faz serem as negras ou brancas, estão sempre querendo se mostrá com as suas maneiras de cozinhar. Uma querendo ser melhor que a outra.

Quem, Gaspar?

O tabernêro balanceô a cabeça num lado e otro, parecia na procura de alguém. Um pequeno fio verméio tinha escapado pelo canto da boca e ficô pendurado. Seco. Anunciando qui a aparência da saúde boa não era mais boa

O sinhô não viu? A pretinha veio me chamar para jantar, como se eu pudesse fechar a taberna e me sentar para apreciar sua comida.

Não vi ninguém, Gaspar.

O tabernêro serviu todo o copo e tomô num gole só. Precisô dobrá o corpo pra não mostrá a máscara da dô. As mão apoiada nos ombro da pretinha não deixô ele dobrá inté o chão.

_________________________

Leia também:

As Casa do Comércio na Villa 7
Ensaio 32B – 2ª edição 1ª reimpressão


As Casa do Comércio na Villa 9
Ensaio 34B – 2ª edição 1ª reimpressão

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

75 é um bão número

Tina Turner




Ike & Tina Turner - River Deep Mountain High (original 1966)






Ike & Tina Turner - Take you higher




Ike & Tina Turner - River Deep Mountain High 1971





River Deep Mountain High





Tina Turner & David Bowie -Tonight (Private Dancer Tour 1985)





Tina Turner & Chuck Berry - Rock n roll music





Tina Turner & Mick Jagger Live AID 1985





Tina Turner & Rod Stewart - "Get Back" & "Hot Legs" - Live 1981





Acid Queen - Tommy





Private Dancer





The Best





Goldeneye





Tina Turner - We Don't Need Another Hero




Auto-ajuda: Testamento

Vinícus e Toquinho






Testamento

Toquinho e Vinícius


De: Toquinho - Vinícius de Moraes

Você que só ganha pra juntar
O que é que há, diz pra mim, o que é que há?
Você vai ver um dia
Em que fria você vai entrar

Por cima uma laje
Embaixo a escuridão
É fogo, irmão! É fogo, irrnão!

Falado

Pois é, amigo, como se dizia antigamente, o buraco é mais embaixo...

E você com todo o seu baú, vai ficar por lá na mais total solidão,

pensando à beça que não levou nada do que juntou: só seu terno de

cerimônia. Que fossa, hein, meu chapa, que fossa...

Cantado

Você que não pára pra pensar
Que o tempo é curto e não pára de passar
Você vai ver um dia, que remorso!

Como é bom parar
Ver um sol se pôr
Ou ver um sol raiar
E desligar, e desligar

Falado

Mas você, que esperança... Bolsa, títulos, capital de giro, public

relations (e tome gravata!), protocolos, comendas, caviar, champanhe

(e tome gravata!), o amor sem paixão, o corpo sem alma, o pensamento

sem espírito
(e tome gravata!) e lá um belo dia, o enfarte; ou, pior ainda, o

psiquiatra

Cantado

Você que só faz usufruir
E tem mulher pra usar ou pra exibir
Você vai ver um dia
Em que toca você foi bulir!
A mulher foi feita
Pro amor e pro perdão
Cai nessa não, cai nessa não

Falado

Você, por exemplo, está aí com a boneca do seu lado, linda e

chiquérrima, crente que é o amo e senhor do material. É, amigo, mas

ela anda longe, perdida num mundo lírico e confuso, cheio de canções,

aventura e magia. E você nem sequer toca a sua alma. É, as mulheres

são muito estranhas, muito estranhas

Cantado

Você que não gosta de gostar
Pra não sofrer, não sorrir e não chorar
Você vai ver um dia
Em que fria você vai entrar!

Por cima uma laje
Embaixo a escuridão
É fogo, irmão! É fogo, irmão!




Per Vivere un Grande Amore







Como dizia o poeta






Sei lá.. a vida tem sempre razão







Canto de Oxum






Tarde em Itapoã





segunda-feira, 24 de novembro de 2014

X - Contos Africanos

O enterro da bicicleta



Nelson Saúte



A aldeia foi sacudida com a notícia da morte do deputado. Todas as mortes são notícia em nossa terra, mas aquela foi invulgar. A consternação colheu também as aldeias mais próximas. Sem dúvida que aquele era um acontecimento para se escrever nos armoriais da povoação em que ele era a única personalidade carismática. Não era a primeira vez que empreendia aquela viagem de bicicleta até à vila, onde apanhava o machimbombo[1] que o levava ao distrito e, de lá, para a capital da província, de onde se situava o parlamento. Nenhum dos habitantes daquelas terras alguma vez ouvira falar de leões. Falava-se, sim, de crocodilos que, não raro, devoravam crianças desprevenidas que tentavam atravessar para a margem adversa do rio. Contava-se inclusive a história de uma mãe que velou a cabeça do filho, dado que o corpo fora engolido por um crocodilo no rio. Aquele leão foi o primeiro de que se ouviu falar e, provavelmente, ouvir-se-á falar por muitos anos. Parece que o deputado ainda revelou alguma bravura quando se confrontou com a situação. Não fugiu, olhou frontalmente o animal, sem medo da sua juba e dos seus rugidos. Mas não estavam em igualdade de circunstâncias: as forças e armas eram tremendamente desiguais. O leão levou a melhor, tanto mais que do homem apenas restou uma bicicleta retorcida e alguns farrapos da sua roupa. A aldeia parou durante dias para os seus funerais.

Quando deputado seguia para a capital, a aldeia parava para saudá-lo. A cerimônia decorria nas primeiras horas da manhã. Os habitantes da aldeia eram formalmente convidados para dele se despedirem na véspera. Havia aqueles que mesmo assim madrugavam para ir à machamba[2], mas à hora dos cumprimentos estavam na fila. Formavam-se duas longas filas por onde ele passava saudando os seus eleitores. Ninguém poderia duvidar: estava ali uma figura da aldeia, talvez a maior. Via-se na forma como o homem era celebrado, com cantos corais, coreografias populares, batuque e dança que levanta poeira.

O homem era conhecido por possuir uma extensa biografia, mas sobretudo sublinhava-se a sua passagem heroica pela luta armada. Aliás, o momento fundador da nacionalidade tinha sido esse para os seus exaltadores. Era um homem predestinado, indubitavelmente: não teve uma infância como as outras, cedo os seus ombros carregaram a pátria. Não se falava, como os outros meninos, de uma pueril passagem pela profissão de pastor de gado. Fora professor, isso sim, dizia-se com ênfase, uma profissão nobre. Cedo havia de se envolver em atividades políticas. Teve que abandonar a sua aldeia e rumar a Norte, para juntar-se à luta. Regressou com a independência e não quis experimentar a vida da grande cidade, não que temesse seus perigos, as tentações que devoraram os revolucionários, a miragem que viu soçobrar muitos dos seus companheiros. Retornou à sua aldeia porque acreditava que era um homem do campo e lá tinha uma missão. Na verdade, aquela já não era a aldeia que deixara, mas muitos dos habitantes eram ainda do seu tempo. Vivia agora numa aldeia comunal e destacava-se nas atividades políticas.

Caserna e os sonhos. Agora estavam distantes. Olhava e sorria. Tinha uma corrosiva ironia no olhar, mas não perdia a modéstia nem a fleuma nas longas reuniões do partido, no parlamento ou na aldeia.

Muito se dizia também do deputado. Não foi ele que escolheu a mulher, foi-lhe atribuída pelo chefe. Isso lá no mato.

"Queres chegar à independência? Não vês que estão ali muitas camaradas?"

A pontaram para uma solteira. Assim desposara a mulher com quem vivia e partilhava sua vida. Acontece que o homem vivia alheio a esses boatos e prosseguia animado com a sua atividade. Frequentemente descia para a capital, hospedava-se no hotel do partido. Ali não faltava nada, mesmo quando lá fora tudo escasseava. Era o tempo das bichas[3] e do cartão do racionamento. O prato de que mais gostava no hotel era caldeirada de cabrito. Um Lada[4] vinha apanhá-lo e dirigia-se ao parlamento.

Na aldeia onde vivia o deputado não havia um único automóvel. Por aquela rua, a única, de poeira e sem árvores, por vezes passavam bicicletas. Era uma rua sem o sobressalto dos motores, apenas com crianças que brincavam debaixo do sol quando não tinham aulas. Nos dias em que o deputado regressava da capital, a rua enganalava-se. Duas crianças eram preparadas para oferecer uma coroa de flores, que lhe era colocada sobre o pescoço. Muito gostava de vê-las a marchar, com passos sincronizados, como se fazia nos dias festivos da capital. O deputado cumprimentava toda a gente com delicadeza. O seu regresso era não só motivo de festa na aldeia, mas também de frenesim.

O homem, depois dos cumprimentos da aldeia, dirigia-se à casa, onde lhe esperavam um balde de água quente para se banhar e comida diligentemente preparada pela mulher. Enquanto isso, os seus inúmeros filhos não o largavam, tentando saber que prensas o pai trouxera da grande cidade. mais tarde reunia-se com as personalidades da aldeia e fazia uma longa banja[5], contando episódios das viagens, as pessoas com quem falara, o contato com os altos dirigentes do partido e da Nação. O deputado repetia fielmente os discursos proferidos na tribuna do parlamento, argumentando sobre as vitórias da revolução, vituperando o inimigo. Os seus olhos cresciam, os gestos eram largos, a sua eloquência transformava-o numa figura mítica. Quem o ouvisse apenas poderia convencer-se de que estava ali o presidente, fazendo um daqueles seus discursos.

O homem era o orgulho daquela remota aldeia, que vivia das machambas, de algum gado, mais do que nada. A água escasseava, mas havia um rio não muito longe, pelo qual as mulheres percorriam aqueles quilómetros com bidões à cabeça. As casas de adobe[6], muitas delas caiadas, hieráticas. Na varanda uma cama feita de palha, onde os homens se deitavam na modorra das tardes do tempo de calor. Havia ali um posto sanitário, muito precário, onde a velha parteira atendia a todo tipo de doentes. A árvore mais frondosa tinha uma gigantesca copa que fazia uma sombra enorme, capaz de albergar todas as crianças que aprendiam acocoradas. Era uma aldeia pobre, mas os seus habitantes eram felizes. O deputado gostava de o referir nos encontros em que participava quando relatava os progressos da sua terra.

No dia em que foi conhecida a notícia da morte do deputado, os miúdos não tiveram aulas, as mamanas[7] regressaram cedo da machamba, os homens se reuniram na casa do mais velho dos aldeões. O deputado era um homem de uma certa idade, mas havia anciãos na aldeia, que tinham outra autoridade. A rua de poeira, onde perfilavam os habitantes da aldeia para receber a figura singular da terra, era um horizonte de tristeza e desolação. Os meninos recolheram-se. Não se ouviam as gargalhadas que atravessavam os dias, nem os gritos dos que chamavam pelos seus, apenas um ou outro galo cacarejava extemporâneo. Um profundo silêncio baixara com a poeira da rua.

A velha parteira fechara o posto sanitário. Não tinha muitos doentes. Era uma situação de emergência. Foi encarregue de acompanhar e amparar a viúva. Outras mamanas também assomaram à porta da casa do deputado com a mesma missão, enquanto os homens tentavam uma saída para aquele imbróglio. Os filhos do falecido foram distribuídos pelas famílias mais próximas para brincarem com outras crianças.

Os madodas[8] foram unânimes: um funeral condigno impunha-se. Mas antes de tudo era preciso resgatar o que sobrara do infausto encontro entre o homem e o animal naquela viagem fatídica do deputado. As notícias não eram animadoras. Só havia a bicicleta para testemunhar a violência da refrega. Mesmo a bicicleta, havia quem asseverasse, já vinha muito desfigurada. A peleja tinha sido de meter medo. Mas tinha que haver um funeral. Porém, não havia corpo para enterrar. O mais-velho por vezes rompia o seu silêncio proverbial e falava olhando para a imensidão do céu:

"A alma do morto só descansa quando enterramos o seu corpo."

Um outro, do grupo, interrogou-se:

"Como havemos de vestir o luto se não enterrarmos o homem?

A despeito formaram-se várias comissões. As reuniões e a azáfama se haviam apoderado de todos. A aldeia preparava-se para se curvar à memória e em homenagem ao seu mais ilustre filho, o deputado da Nação.

"Ele merece um funeral de Estado!"

Quase ninguém entendeu aquela frase desabrida, aquela enfática proclamação. As ideias sucediam-se:

"Temos que construir um mausoléu."

Também ninguém sabia o que significava aquela palavra que encerrava uma evidente grandiloquência. Apenas o professor, que era uma lenda da aldeia, se recordava do significado daquela estranha coisa que tinha sido invocada. Ele explicaria complicando:

"Mausoléu é um sepulcro suntuoso."

Mais confusão. O homem do partido, que fizera aquela eloquente proposta, encheu os pulmões de orgulho e rematou:

"Mausoléu é um lugar onde se enterram os grandes. Enterram é um força de expressão. Na verdade, eles são depositados em gavetas."

Sem discordar, houve quem atalhasse:

"Os grandes, afinal, não estão depositados numa cripta?"

"Sim, os nossos grandes descansam na cripta, mas esses são os grandes nacionais, outros assim como o deputado merecem também o nosso respeito, mas é um exagero fazer uma estrela como aquela construída na praça dos heróis à entrada da capital. Por isso, a ideia do mausoléu. podíamos propor às autoridades que se fizesse um mausoléu para a ilustre figura da nossa aldeia."

O proponente di-lo com tamanho entusiasmo que ficara depois a olhar em volta à espera da anuência dos outros. O mais-velho, dono da casa, confirmou que era um homem sensato, coisa que se atinge também com a idade. Interrogou, derrubando os argumentos do homem que representava o partido:

"Essa coisa de cripta faz-se com adobe e se cobre com capim?"

A ideia de construir seja o que fosse estava deitada por terra. Foram discutidas outras hipóteses. A verdade é que toda a gente estava de acordo: o deputado teria umas exéquias fúnebres à sua altura, uma homenagem sentida de toda a população, mais nada de ideias estapafúrdias, nada de proselitismos.

Depois, viriam certamente representantes de outras povoações, até da vila e da cidade, quem sabe um representante da própria Nação? Afinal, tratava-se de um eleito do povo. Era preciso providenciar alojamento para essas visitas insignes e seu respectivo acompanhamento. foram organizadas casas para os receber e uma comissão dos madodas avançou para recuperar a bicicleta ou aquilo que dela sobrava: os despojos da guerra.

Estava decidido: seria sepultada a bicicleta, far-se-ia uma urna, que seria velada e enterrada como se o próprio dono se tratasse.

"Só assim a alma do homem descansará."

Ninguém se opôs e pareceu que a ideia era mesmo brilhante. A comissão das exéquias já estava no terreno, a comissão da logística e responsável por visitas desdobrava-se. Começaram os ensaios dos cânticos pela comissão das atividades culturais que funcionava na aldeia nos dias festivos como a data da independência e outras ocasiões. Sempre que uma figura importante desembarcava naquele lugar, mesmo o próprio deputado tinha sido agraciado inúmeras vezes com aqueles cânticos. Era uma mamana da OMM[9] que cuidava do assunto e, ao que parece, mostrava uma indubitável competência. A comissão da ornamentação tratou de colher flores silvestres das mais variadas. À entrada da casa do deputado havia uma coroa enorme e o percurso que foi traçado do lugar onde sairia a urna até ao cemitério foi igualmente enganalado.

Nenhum pormenor escapou. Havia duas bandeiras apenas na aldeia. Uma por estrear, que viera com o administrador do distrito e fora guardada para ocasiões solenes; a outra estava rota. Ambas foram postas a meia haste. Os miúdos desenharam bandeiras nas folhas centrais dos cadernos e prenderam-nas com paus de caniço à entrada das casas. Vieram visitas de longe: o administrador, representantes de outras aldeias, uma alta figura que ninguém sabia identificar. A aldeia toda compareceu na manhã do funeral e concentrou-se junto do palanque que ficava num descampado que servia de campo de futebol para os miúdos. Quase todos envergavam roupa que denunciava o luto e tinham os rostos compungidos de dor e tristeza.

A urna impunha num pequeno estrado. Foi coberta por capulanas[10], as bandeiras, as duas únicas que existiam não eram suficientes para todo o féretro. Os convidados tinham lugares sentados, assim como as autoridades locais e aqueles que se haviam deslocado para a cerimônia. A viúva e os nove filhos do deputado estavam sentados na primeira fila, do lado esquerdo, num banco sem costas, por onde passaria a enorme fila dos que lhes prestavam homenagem.

O velório tinha sido marcado para as primeiras horas, o sol foi célere a atingir o rosto dos presentes. As mulheres cantavam. O chefe da célula do partido fez o elogio fúnebre, seguiram-se mensagens, antes de os homens da aldeia carregarem, compungidos, aquela enorme e disforme urna. O cortejo percorreu o trajeto indicado, os cantos e os acenos dos que se despediam do deputado são insequecíveis. Chegados ao cemitério houve mais elogios antes de a urna descer à terra.

No final, houve lavagem de mão, em casa do defunto. A cerimônia do chá tinha muita gente e aí as conversas, nos círculos dos homens, já denunciavam que havia alguma descontração. os forasteiros começaram a despedir-se a meio da tarde para empreenderem a viagem de regresso. De repente, surgiu um burburinho e começaram a juntar-se pessoas. Chegara, não muito tempo antes, um mensageiro. O homem fizera tudo para chegar antes dos funerais da defunta bicicleta. Poré, houve percalços que o atrasaram pelo caminho. À sua volta estavam apenas os homens que haviam comparecido àquele último ritual de despedida do deputado. As mulheres mantinham-se num grupo à parte. O mensageiro caiu fatigado, sempre com a língua de fora. Ainda tentaram reanimá-lo. Estava morto antes de revelar o que lhe trouxera de tão longe.


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Nelson Saúte nasceu em 1967, em Lourenço Marques (hoje Maputo), Moçambique. Saúte, que viveu os anos de guerra em Moçambique na década de 1980, tinha apenas sete anos queando o país se tornou independente. Muito de sua literatura traz ecos desse período da história moçambicana. Formado em ciências da comunicação, foi professor e jornalista.





Contos africanos dos países de língua portuguesa /
Albertino Bragança... [et al.] ; organizadora Rita Chaves ; ilustrador Apo Fousek. - 1.ed. - São Paulo ; Ática, 2009.





[ 1] Ônibus (N.E.)
[ 2] Lavras, pequenas propriedades cultivadas. (N.E.)
[ 3] Filas. (N.E.)
[ 4] Carro fabricado na antiga União Soviética muito frequentemente nos países africanos que contaram com o apoio dos países socialistas para a independência. (N.E.)
[ 5] Fala, encontro. (N.E.)
[ 6] Grande tijolo de argila, seco ou cozido ao sol, às vezes acrescido de palha ou capim para fazê-lo mais resistente. (N.E.)
[ 7] Termo que designa mulheres mais velhas, por alusão ao vocábulo do ronga, língua falada no sul de Moçambique. (N.E.)
[ 8] Indivíduos maduros, dignos de respeito. (N.E.)
[ 9] Organização da Mulher Moçambicana. (N.E.)
[10] Panos utilizados no vestuário feminino em Moçambique de diversas maneiras: cobrindo o corpo, como um vestido, ao redor do quadril, como um saia, enrolado na cabeça etc. As capulanas também estão muito presentes em rituais. (N.E.)



Federico García Lorca (España)

Los Poetas del Amor (15)



Preciosa y el aire


Su luna de pergamino
Preciosa tocando viene
por un anfibio sendero
de cristales y laureles.
El silencio sin estrellas,
huyendo del sonsonete,
cae donde el mar bate y canta
su noche llena de peces.
En los picos de la sierra
los carabineros duermen
guardando las blancas torres
donde viven los ingleses.
Y los gitanos del agua
levantan por distraerse,
glorietas de caracolas
y ramas de pino verde.


*

Su luna de pergamino
Preciosa tocando viene.
Al verla se ha levantado
el viento que nunca duerme.
San Cristobalón desnudo,
lleno de lenguas celestes,
mira la niña tocando
una dulce gaita ausente.

Niña, deja que levante
tu vestido para verte.
Abre en mis dedos antiguos
la rosa azul de tu vientre.


*

Preciosa tira el pandero
y corre sin detenerse.
El viento-hombrón la persigue
con una espada caliente.

Frunce su rumor el mar.
Los olivos palidecen.
Cantan las flautas de umbría
y el liso gong de la nieve.

¡Preciosa, corre, Preciosa,
que te coge el viento verde!
¡Preciosa, corre, Preciosa!
¡Míralo por dónde viene!
Sátiro de estrellas bajas
con sus lenguas relucientes.


*

Preciosa, llena de miedo,
entra en la casa que tiene,
más arriba de los pinos,
el cónsul de los ingleses.

Asustados por los gritos
tres carabineros vienen,
sus negras capas ceñidas
y los gorros en las sienes.

El inglés da a la gitana
un vaso de tibia leche,
y una copa de ginebra
que Preciosa no se bebe.

Y mientras cuenta, llorando,
su aventura a aquella gente,
en las tejas de pizarra
el viento, furioso, muerde.







Facundo Cabral (Argentina)



Te Quiero


Te dije, te digo y te dire
porque el amor es para siempre.
Te digo por ejemplo,
te quiero ahora que hace calor
y ayer que llovia.
En las mañanas nubladas
y en las noches abiertas.
Te quiero, te quiero de pie, tendida,
dormida y despierta
Te quiero a la una, a las dos,
a las tres y a las siempre.
Te quiero, te quiero en la casa
y te quiero en el camino
Te quiero después antes y ahora mismo
Te quiero
Te quiero, porque me quieres
y toda tu me lo gritas
Te quiero porque en ti comienzo
y termino

Te quiero porque nos encontramos
y nos perdemos uno en el otro
Digamos que te quiero con todos los que soy
incluyendome a mi mismo.
Aunque Tu Sabes Mi Amor
que cuando digo te quiero
es Dios que Te embellece a traves del amor
Y yo soy la encargada de tan bella tarea
es decir cada vez que yo te digo te quiero
ÉL te dice: Te quiero







Sor Juana Inés de la Cruz (México)



Contiene Una Fantasía Contenta Con Amor Decente


Deténte, sombra de mi bien esquivo,
imagen del hechizo que más quiero,
bella ilusión por quien alegre muero,
dulce ficción por quien penosa vivo.

Si al imán de tus gracias atractivo
sirve mi pecho de obediente acero,
¿para qué me enamoras lisonjero,
si has de burlarme luego fugitivo?

Mas blasonar no puedes satisfecho
de que triunfa de mí tu tiranía;
que aunque dejas burlado el lazo estrecho

que tu forma fantástica ceñía,
poco importa burlar brazos y pecho
si te labra prisión mi fantasía.



sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Histórias de avoinha: As Casa do Comércio na Villa 7


Ensaio 32B – 2ª edição 1ª reimpressão


baitasar


As noites mais procurada na taberna dos moiado do Gaspá era a quarta depois da dominguêra. O atrativo era o jogo do osso. Jogo de sorte e infelicidade, mais qui também dependia do jeito de lançá o osso. Uma atração boa, mais em nada superiô aos atrativo das otras noite.

O sucesso da quarta noite tinha muito qui agradecê ao recolhimento da castidade do corpo e das reza fervorosa na dominguêra. As intenção de santidade durava das manhã do domingo inté a noite do osso. Quando as imperfeição da vida rompia com a perfeição da castidade caseira. O deleite pecante cortava as amarra. Era o tempo de chocá a paciência e esperá o arrependimento do penitente na próxima dominguêra.

O vivente pecante entrava Villa a dentro buscando da terra amaldiçoada e desconhecida do malfeito a sua rendição. Caçava a abertura do galpão e a manada desamparada do bom pasto. A vida da vida pode sê uma viagem ao redô do medo, resignada, lição cansada e mal escutada, um pouco afogada pelo tempo. E pode não sê nada, só vida qui não tem cura.

Na quinta noite, os convidado ficava reunido na mesa do carteado. O gritedo do jogo do osso era mudado para o feitio de jogá em silêncio. Era preciso observá e pensá as adivinhação de quem tava blefando ou tava forte nas carta de mão. Não é jogo de criancinha. Quem entrava, se tava ganhando, não podia levantá inté o perdedô desistí de revê o qui tinha perdido. O arruinado ficava de tentação em tentação agarrado na próxima jogada. As amarra da vitória vai ganhá soltura? Mudará de lado? E o barqueiro da fartura vai sorrí no seu cais?

O perdedô acredita qui não vai perdê pra sempre.

Os amigo do Gaspá sem os cuidado de não emprobecê era cuidado com rigô. Ele era testemunha de tudo e o juiz. Quando o perigo do fantasma da bancarrota ameaçava desabá, ele virava o anjo da guarda qui dava o siná pra colocá o desorientado no rumo da casa

Perder os ovos do galinheiro não é o mesmo que perder as galinhas e o galinheiro... rapaz, ocê precisa colocá o juízo e a cabeça no travesseiro.

Os instrumento de marcá o tempo da jogatina era as estrela. O jogo do carteado ia inté a escuridão da noite desaparecê com o saimento das estrela, antes do amanhecido se firmá. Quando um qui otro jogadô ameaçava não querê saí, desembestado de querê continuá depenando o perdido, na sua frente, o espanolito era chamado. Os cativo da jogatina tinha qui pará e escutá a conversa do Gaspá. Ele falava qui tudo precisa se terminá inté o amanhece, e parava, respirava entre uma ou duas tragada do paiêro

Meus amigos, tudo tem ordenação e aconselhamento. Pensem comigo: o sol aparece durante o dia, as estrelas à noite, nesse andamento da conversa, as carta já tava recolhida e amontoada na mesa, tudo tinha parado pra escutá o Gaspá, se ocês estão querendo ver o sol à noite, vão deixá de apreciar as estrelas, ninguém mostrava gosto de se mexê; otra parada, otra tragada, o nevoêro qui saia do peito do tabernêro cercava tudo, e se ocês olharem para o céu procurando as estrelas, durante o dia, vão perder as coisas boas do sol. É simples. É assim. O galpão do Gaspar abre com as estrelas e fecha antes da aparição do sol. E se os amigos não entenderem isso, ficarão sem as estrelas da próxima noite. Vão para casa, meus amigos, todos precisamos assentá a cabeça. E fazer as contas.

As palavra do espanolito mais a forma dele sabê convencê qui na maré de subida o barco precisa saí, nunca lhe obrigô usá mais qui a voz pra modo de sê acatado. Ele era uma sólida porta de entrada e saída da jogatina

O sinhô é muito amável.

É isso... está na hora de paramos.

Voltem sempre, mas é hora de atenderem ao chamado das suas casas.

Na sexta noite, as atração não era a jogatina qui não parava, mais os encanto amoroso. A noite dos sonho. As donzela era cedida pela Maria Cobra, dona da Casa dos 7 Pecado. O Gaspá ajeitava o bailado. Não cansava. Não se deixava cansá. Não tinha piedade do próprio corpo. As regra era dura e firme: as menina podia aceitá intimidade qui fosse das mão, mais o arremate precisava sê feito na Casa dos 7 Pecado, melhó abastecida com os arreio, os cavalo de sela e as louça, tudo preparado pra acalmá as força do apego.

O galpão dos fundo foi o primeiro clube de divertimento barato, sabido, apreciado e liberal da Villa. Ele existiu sem existí. Um crime necessário como tanto otro. As divergência de interesse podia sê resolvida com doação e reza. Generosidade e caridade. O Gaspá nunca perdeu uma dominguêra nem a vêiz de ajoelhá no confessionário. Achava bão confessá um segredo qui ia continuá segredo

Sinhô Padre, não vamos entrá num conflito sem necessidade. Um fim de mundo sem divertimento é apenas uma terra fronteiriça, um povoamento de machos e fêmeas. E de mais a mais, se não existir o pecador, não temos necessidade da igreja. A santidade não precisa ter um lugar, ela tá em todo lugar, é tudo santo.

Deus lhe abençoe, meu filho. Nosso Sinhô há de lhe perdoar, mas reze 7 Ave Maria e 7 Pai Nosso, por cada dia que o seu comércio fica aberto. E pense melhor os oferecimento de divertimento da sua casa, nossa Villa sem igreja não é uma vila, mas apenas um fim de mundo.

Eles sabia e conhecia tanto as força do vento quanto à eficácia e a calmaria do tempo, nenhum descuidava das aparência.

A Casa dos Molhado tinha destilado, vinho, jogo do osso, mesa do carteado e encontro amoroso. Não tinha o refúgio da alcova. Esse serviço era concentrado na casa de alcance da Maria Cobra e nas cercania das ruas da praia. Os dois gostava de gabá as duas casa. Eles tinha uma confraria qui não permitia, nem pouco nem muito, comentário sobre os visitante casual, muito menos, qualqué fofoca sobre os visitadô amiudado. A difamação não era um serviço das duas casa. Isso de enternecê, impressioná e julgá, em nome do Siô, ficava pra sê feito depois das dominguêra. Assustava os dois, como as pessoa do bem esqueceu a ternura do jovem Siô. A igreja do Pedro qui renegô o jovem Siô continuava esperando o galo fazê a sua cantoria, mais ele não cantô, então, a negação continua. Acho inté qui o Siô já sabia, talvez, não porque fosse Filho de Deus, mais porque conhecia o homem e a mulher, melhó qui a ele mesmo, quando anunciô a subida das pedra da Igreja em cima da pedra da negação de Pedro. O caminho ia continuá difícil.

O espanolito conheceu otras casa qui oferecia as mesma utilidade, mais sem o atendimento, o divertimento e o resguardo qui os dois telhêro oferecia. No causo da Casa dos Molhado tinha inté fogo de chão pra esquentá o mate. As moça pra noite dos encontro amoroso era escolhida oiando direto nas vista e apontando o dedo. Não queria nenhuma mocinha de pouco uso.

O siô Afonso da Hora atendeu ao convite e entrô na Casa dos Molhado, mais avisô qui era só um dedo de prosa e otro da branquinha especial do Gaspá. Os dois se oiô com sorriso de entendimento e tolerância. Era assim qui sempre foi e tinha qui continuá sendo: uma mão lava a otra, as duas lava a cara. O Gaspá deu uma puxada no paiêro, fez avivá a brasa da ponta e colocô ele apoiado no balcão, depois soltô quase toda a fumaça colorida de chumbo qui tinha no peito. Ergueu as duas mão acima da cabeça e abriu o sorriso maió qui tinha

Sinhô Afonso da Hora saiba que é mui honroso para essa humilde casa de muitos divertimentos lhe receber. Uma pena que o sinhô não pode comparecer no último serão, a noite das meninas, o siô da Hora agradeceu a hospitalidade daquele acolhimento com uma pequena inclinação da cabeça

Não faltará oportunidade, meu amigo.

O tabernêro inclinô-se atrás do balcão. O paiêro queimando. Voltô com dois copo mais o vidro com a pinga especial, foi uma pena o sinhô não ter visto com os próprios olhos. Nenhuma donzela. Maria Cobra fez as escolha no propósito do meu agrado. Não quero as donzelas, são muito metidas com o choro e pouco compromisso com os serviços do divertimento, derramô a destilada nos dois copo e ofereceu um pro siô da Hora com a mão do coração, cacoete de oferecê o mate, leva tempo para ensinar as boas maneiras que os convidados esperam elas, o siô da Hora ergueu o seu copo na direção do Gaspá, depois inté a boca, tomô numa talagada e lhe retrucô

O amigo diz isso porque nunca tratou de se enfiar em uma negrinha toda assustada. O branco dos olhos revirados. A boca escancarada, sem barulhos. Em silêncio. O relho na altura das vistas. Vou lhe confessar, o vivente fica com uma fúria que se precipita em usar o cravo na ferradura. Ela sabe que se gritar não terá ajuda, mas receberá o castigo da empunhadura do relho, o tabernêro tornô a derramá a pinga transparente nos dois copo

Essas apertadinhas são as melhores, o Gaspá empurrô o copo na direção do siô da Hora, o riso soltô-se da cara e esparramô pelo salão

Minha vontade, Gaspar... não têm como irem contra. Eu mando, não peço. A putinha que demora para aprender a lição da obediência recebe o castigo que educa melhor que todas as palavras do mundo. As negrinhas tremem, Gaspar! É bonito de ver...

E o que o sinhô acha do uso que faço desse dedo?

O siô da Hora notô qui o tabernêro parecia com mais rouquidão, desde a última prosa qui eles havia tido um com o otro. As palavra dita pelo amigo parecia mais desnivelada e crespa, vêiz qui otra, ele precisava acalmá a tosse com uma longa tragada. Apesá do repuxo e dos esguicho da voz, ele aparentava tá normal como sempre teve. Não parecia qui morria de algum mal, pelo menos, naquele dia, parecia pleno e robusto, um homê qui não tinha do qui se queixá da vida

E essa finura toda, Gaspar? O vivente resolveu virar lasca de polegada?

É verdade, sinhô da Hora. Parece que as extravagâncias do apetite me abandonaram, depois do dito, enfiô o dedo varapau apelidado como o maió de todos, o terceiro dos cinco, no copo da destilada e levô na boca. Chupô com um estalo de contentamento. O maió tava sempre com a unha mais crescida de todas. Ele mostrava nos cuidado das unha qui tinha feitio de pouco caso com a limpeza do corpo. Apontô o dedo pro siô da Hora e não conteve a vontade de dizê glória de si mesmo.

Na Villa, as aparência e os fingimento dava mais valô se o aparentado soubesse dizê mais do qui a feitura feita; mostrá como obra feita o qui tava ainda pra começá, mesmo qui a intenção fosse começá pra não terminá. O mais prestigiado parecia sê decente, dedicado e honesto, mais era tudo contrabandista de escravo, uns a mais, otros a menos, mais eles gostava da servidão qui comprava quando pagava pra tê as máquina feita com alma, com direito apenas à vida.

O Gaspá lembrô do paiêro queimando do jeito qui foi largado no balcão. Pegô o fumegante e tragô fundo, assoprô quase toda fumação do peito. Uma ventania de tabaco. Ergueu o maió de todos, a unha parecia rasgá aquela fina camada de vapô e tabaco. Limpô a garganta antes de mostrá os encanto da sua diversão

Esse não fraqueja!


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As Casa do Comércio na Villa 8
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quinta-feira, 20 de novembro de 2014

"Fantasmas del medio mundo"

Oscar Massita










Negro da Gaita

Cesar Passarinho





Negro da gaita
César Passarinho


Mata o silêncio dos mates, a cordeona voz trocada
E a mão campeira do negro, passeando aveludada
Nos botões chora segredos, que ele juntou pela estrada

(Quando o negro abre essa gaita
Abre o livro da sua vida
Marcado de poeira e pampa
Em cada nota sentida)

Quando o pai que foi gaiteiro, desta vida se ausentou
O negro piá solitário, tal como pedra rolou
E se fez homem proseando, com a gaita que o pai deixou

E a gaita se fez baú para causos e canções
Do negro que passa a vida, mastigando solidões
E vai semeando recuerdos, por estradas e galpões



Composição: Gilberto Carvalho / Airton Pimentel ·




La Memoria
León Grieco





La Memoria
Leon Gieco


Los viejos amores que no están,
la ilusión de los que perdieron,
todas las promesas que se van,
y los que en cualquier guerra cayeron.

Todo está guardado en la memoria,
sueño de la vida y de la historia.

El engaño y la complicidad
de los genocidas que están sueltos,
el indulto y el punto final
a las bestias de aquel infierno.

Todo está guardado en la memoria,
sueño de la vida y de la historia.

La memoria despierta para herir
a los pueblos dormidos
que no la dejan vivir
libre como el viento.

Los desaparecidos que se buscan
con el color de sus nacimientos,
el hambre y la abundancia que se juntan,
el mal trato con su mal recuerdo.

Todo está clavado en la memoria,
espina de la vida y de la historia.

Dos mil comerían por un año
con lo que cuesta un minuto militar
Cuántos dejarían de ser esclavos
por el precio de una bomba al mar.

Todo está clavado en la memoria,
espina de la vida y de la historia.

La memoria pincha hasta sangrar,
a los pueblos que la amarran
y no la dejan andar
libre como el viento.

Todos los muertos de la A.M.I.A.
y de la Embajada de Israel,
el poder secreto de las armas,
la justicia que mira y no ve.

Todo está escondido en la memoria,
refugio de la vida y de la historia.

Fue cuando se callaron las iglesias,
cuando el fútbol se lo comió todo,
que los padres palotinos y Angelelli
dejaron su sangre en el lodo.

Todo está escondido en la memoria,
refugio de la vida y de la historia.

La memoria estalla hasta vencer
a los pueblos que la aplastan
y no la dejan ser
libre como el viento.

La bala a Chico Méndez en Brasil,
150.000 guatemaltecos,
los mineros que enfrentan al fusil,
represión estudiantil en México.

Todo está cargado en la memoria,
arma de la vida y de la historia.

América con almas destruidas,
los chicos que mata el escuadrón,
suplicio de Mugica por las villas,
dignidad de Rodolfo Walsh.

Todo está cargado en la memoria,
arma de la vida y de la historia.

La memoria apunta hasta matar
a los pueblos que la callan
y no la dejan volar
libre como el viento.



Composição: León Gieco ·

Poesia Africana: Luandino Vieira (Angola)

Poesia Africana  - 03




Canção pára Luanda


A pergunta no ar
no mar
na boca de todos nós:
– Luanda onde está?
Silêncio nas ruas
Silêncio nas bocas
Silêncio nos olhos


– Xê
mana Rosa peixeira


– Mano
Não pode responder
tem de vender
correr a cidade
se quer comer!


“Ola almoço, ola amoçoéé
matona calapau
ji ferrera ji ferrerééé”
– E você
mana Maria quitandeira
vendendo maboque
os seios-maboque
gritando
saltando
os pés percorrendo
caminhos vermelhos
de todos os dias?
“maboque m’boquinha boa
dóce dócinha”


– Mano
não pode responder
o tempo é pequeno
para vender!


Zefa mulata
o corpo vendido
batom nos lábios
os brincos de lata
sorri
abrindo seu corpo


– seu corpo-cubata!
Seu corpo vendido
viajado
de noite e de dia.
– Luanda onde está?


Mana Zefa mulata
o corpo cubata
os brincos de lata
vai-se deitar
com quem lhe pagar
– precisa comer!


– Mano dos jornais
Luanda onde está?
As casas antigas
o barro vermelho
as nossas cantigas
trator derrubou?


Meninos nas ruas
caçambulas
quigosas
brincadeiras minhas e tuas
asfalto matou?
– Manos
Rosa peixeira


quitandeira Maria
você também
Zefa mulata
dos brincos de lata
– Luanda onde está?


Sorrindo
as quindas no chão
laranjas e peixe
maboque docinho
a esperança nos olhos
a certeza nas mãos
mana Rosa peixeira


quitandeira Maria
Zefa mulata
– os panos pintados
garridos
caídos
mostraram o coração.
– Luanda está aqui!







Amadeu Kazunde (Moçambique)




Entre o calor das tuas pernas 



Entre o calor da tuas pernas
sobressai firme e vigorosa
numa atitude de lascúdia
a rosa dos meus desejos.
E vejo em cada curva das suas pétalas
milhões de gestos provocantes
que me inundam o corpo
com milhões de riachos prateados
Entre o calor das tuas pernas
desabrocha muda e esperançosa
a rosa dos meus desejos.
Por ela vivo uma ânsia profunda
de ver chegar o dia
em que me deliciarei diluído
no seu aroma inebriante.
E nesse dia,
milhões de forças gritantes
percorrerão o meu sangue
e galgarei sobre a montanha sagrada
abrindo trilhos por entre o mar de flores
penetrarei embriagado
nas cavernas negras e alagadas
de paredes desejosas
e descarregarei
todo o meu furor bastante
sobre os recantos mais profundos
dos subterrâneos conquistados
do jardim afrodisíaco
E então
regressarei flácido mas ressuscitado
e sobre a montanha sagrada
dormirei um sonho profundo!









Aguinaldo Fonseca (Cabo Verde)




Mãe Negra


A mãe negra embala o filho.

Canta a remota canção

Que seus avós já cantavam

Em noites sem madrugada.

Canta, canta para o céu

Tão estrelado e festivo.

É para o céu que ela canta,

Que o céu

Às vezes também é negro.

No céu

Tão estrelado e festivo

Não há branco, não há preto,

Não há vermelho e amarelo.

—Todos são anjos e santos

Guardados por mãos divinas.

A mãe negra não tem casa

Nem carinhos de ninguém...

A mãe negra é triste, triste,

E tem um filho nos braços...

Mas olha o céu estrelado

E de repente sorri.

Parece-lhe que cada estrela

É uma mão acenando

Com simpatia e saudade...




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Poesia Africana - 02

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Histórias de avoinha: As Casa do Comércio na Villa 6


Ensaio 31B – 2ª edição 1ª reimpressão



baitasar




As gentarada do siô da Hora, qui existiu antes dele e ficô existindo nele, não veio junto com os carregamento de navio qui escoltô os avoengo da siá Casta. Os passagêro das estrada de terra leva mais andamento pra chegá no fim do mundo. Fica vagueando como estradêro, gosta de usá os caminho pra experimentá os lugá. As estrada das água têm otro costume com os vento. Otra ligereza. Os aventurêro da Hora demorô pra entendê qui o vento no fim do mundo descia assubiando e cantava subiando.

O fim do mundo é um só, mais dá de usá muitos caminho pra chegá aqui. Tudo tricotado pelo vento e abonançado pelo tempo entre um chimarrão e um causo na beirada do fogo de chão. Chegá, inté é uma coisa de alguma facilidade, basta se aconselhá com os grito das lufada do minuano. 
Quando a gentada da Hora acreditô qui sabia: chegô. Ficá é otra conversa. É otro costume qui precisa aprendê. E quando teve entendimento qui era preciso esquentá e esfriá, num mesmo dia, sem muito queixume: ficô. E foi assim, muito tempo depois dos desbravadô da casta os aventurêro da Hora chegô e ficô.

Eles tinha mais assanhamento qui vontade de conquistá com o suô da testa as terra liberta, um chão rude qui ainda não tinha sido domado. Léguas de terra qui sobrava sem tê uso e com precisão de sê tomada pelo usança. O siô da Hora cresceu sem o costume de derramá o suô da testa nas terra de plantação, trabaio de preto não era o seu trabaio. Não bastava tê as terra, tinha qui tê os escravo pra dá serventia pras terra. Saiu de casa pra procurá as terra já com os escravo. Não demorô pra conhecê a siá Casta, junto com as preta da terra

Essas terras serão minhas ou não me chamo Afonso da Hora, ele decidiu qui ia tê as terra, a moça siá, as preta, os preto, tudo nas mão dele

Coitada da moça...

Coitada? Por quê? Acaso, não lhe trato bem? Não lhe alterno o amargo e o doce? Ajusto os mesmos cuidados com as negras e as brancas. Os jeitos são quase os mesmos.

Não tenho queixume... nem o mifio. Mais o siô não qué a moça com a mesma vontade qui qué se adoná das posse dela, parô de falá. Não ia sê ela, a mucama, mãe do fio bastardo do siô da Hora, qui ia reclamá qualqué coisa qui fosse

Quero a sinhá e as terras que vêm junto com a moça, o pacote todo, mas não se entristeça, vou levar ocê junto com o menino.

Não carece...

Isso não tem discussão... se eu quero, vai acontecer. E se eu não quero, não vai existir nem vai nascer, parô a conversa, não queria levá o nervosismo pra cama, queria a mucama sem enervamento, arrematô aquela conversação com a voz mais doce qui pode inventá, ocê não sabe como é difícil não querer o que não se quer.

A mucama se enrolô antes de levantá, foi colocá as vista no fio soneando. Gostava de tê os óio de homê do siô da Hora, era quando podia mostrá o seu podê, o seu valô, ele resmungando, ela fingindo sê ouvidora. O menino soneando.

Voltô e deixô caí a vestimenta do improviso. Subiu na cama e deitô no seu siô, mais tava séria, inté pareceu tê zelo de rivalidade

Ela não vai sabê sê muié desavergonhada.

Como ocê?

Como essa preta, ela continuô lhe provocando com a língua

Ocê acertô... não quero só a moça, mas quero as terras e a fidalguia aos meus pés. Vou ter as três.

As quatro.

Tudo.

O casório funcionô. Em parte.

A fidalguia da Villa não lhe chamava quando tinha os encontro pra pensá as tramoia de tirá vantagem. Ele inté recebia chamado de comparecimento nas coisa decorativa, os aparecimento de bajulação. Mais os ajuntamento com azoeira de angu, os decisório sobre os comportamento dos vilêro, nos dia e nas noite, era coisa qui só os bambambã da finura fidalga recebia chamado, e apelo de encorajamento pra modo de comparecê.

A roda de conversa deles era silenciosa, um qui otro falava, os qui não falava tava ali pra concordá. Eles não tinha costume de batuque com dança, sapateado e palma. O siô da Hora não tinha apelo de tamanha camaradagem num mundo nem notro. Tava sozinho naquela guerra. Quem só qué fazê o qui qué termina desajudado. Não tinha onde confiá nem onde amarrá o seu burro, mais ele tinha tempo de esperá. Sabia qui mais tempo, menos tempo, a Villa ia lembrá de não esquecê sua generosidade. Não havia como sabê de do seu cafuá nem da catimba de dá e depois tirá.

Gostava de caminhá assubiando.

Parô os pé e os assubiu. Ele tava parado, oiando de frente pra Casa dos Molhado, propriedade do espanolito Gaspá Espanhol, um homem forte e atarracado, parecido com um destes castiço das banda do rio Uruguai. O Gaspá mantinha sua casa de comércio vendendo o gênero alimentício líquido. Não misturava as freguesia com os compradô das Casa de Seco e Molhado, tudo escolhido, uma gentarada qui vai numa casa não ia na otra, vêiz qui otra, inté ia, conforme as conveniência da necessidade. Não vendia xarope pra não tê confusão com os aviamento do Juca dos Remédio. Colocava à venda cana da pura e vinho, as mesmas mercadoria de interesse da Casa do Lagarto, propriedade do Fanho, mais cada um com as suas catimba de misturá o qui não é pra ficá sendo. Um feitiço dengoso de encumpridá os lucro e os barulho da cuíca

Buenas noite, sinhô Afonso da Hora, o siô da Hora firmô as vista na porta aberta. Colocado depois do balcão tava o espanolito, com a cara redonda, a vasta cabelêra cacheada e o robusto bigode, tudo isso iluminado pelo fusco fusco do cortejo fúnebre do dia e as pouca claridade da lamparina

Buenas noites, El Gaspar Espanhol!

O estalo da batida da mão do espanholito no balcão saiu porta afora

Entre, sinhô da Hora, o aceno das mãos lhe aumentava o entusiasmo pro convite

Gaspar, num outro dia, o siô da Hora desfez o convite, mais não o entusiasmo do bodeguêro

O sinhô é quem sabe, o Gaspá retrucô a resposta num feitio qui fez parecê qui o siô da Hora tava desperdiçando alguma bajulação qui só podia sê feita no interiô da bodega, a casa é simples, mas tem lugar para todos, sinhô da Hora. Entre!


O siô Afonso da Hora entrô. As vista quase não precisô acomodação, as iluminura dentro e fora da taberna já tava quase com o mesmo brilho opaco. No balcão, o fumo de corda todo enrolado num feitio de cobra braba, a palha seca ao lado

Quer que eu faça um para o amigo?

Um outro dia, Gaspar, o tabernêro continuô picando o fumo

A boa bebida, o fumo e mais a jogatina não podem faltar. O sinhô não concorda?

Nem as mulheres, Gaspar... nem as mulheres podem faltar, o rastro do fumo picado se misturava com o suô dos clientes evaporando da cana batizada qui o Gaspar servia. Os cheiro subia inté encontrá a fumaça da lamparina de querosene e a cobertura das telha de barro, depois caia na cabeça e nos ombro da freguesia. Tudo qui é gente, não importava se era das fidalguia ou povaréu, sabia dos galpão qui ficava nos fundo. A continuação escondida da Casa Grande dos Molhado não tinha lamba, as vêiz, tinha zunzum e zanga, qui a sabedoria e os mistério do Gaspá tratava de resolvê. Ele tinha tudo camuflado no fundo do balcão.

E pra entrá no galpão dos fundo só com o convite do espanolito. Ele vigiava com cuidado os ataque de nervo da honestidade

Aqui, não temos que fingir nenhuma falsidade de escrúpulos. Na Casa dos Molhado não é lugar de traição, o que acontece aqui fica aqui, se o convidado não aguenta que fique com as domingueiras, as conversas no casarão da administração, as tramoias políticas do conselho da municipalidade, e sempre se pode escolher ficar em casa... com o tricô da sinhá. O sinhô da Hora me permite?

Fique na sua vontade.

O tabernêro inclinô-se na lamparina do balcão e aproximô o paiêro da chama. Puxô o ar do cigarro enrolado inté uma brasa se acendê na otra ponta. Tirô o cigarro da boca e assoprô quase tudo qui puxô, mirô pra cima, na direção do telhado de barro.

Sê convidado pra jogatina no galpão do espanolito mostrava o respeito qui o convocado carregava na bolsa. Tinha convite qui era disputado palmo a palmo, o suô da agonia. Tinha vêiz qui a tentação da jogatina chegava no paroquiano e não descia mais do lombo do coitado. À noite se ia e o atrativo do galpão continuava montando nos agoniado. Aquela expiação era mais cobiçada qui os cuidado com a família. E, em vêiz da paz e libertação, recebia a cobrança do desaparecimento da própria riqueza. A vida podia ficá mais dolorosa depois da jogatina. O feitio pra não perdê o perdido na mesa das aposta era entregá a própria vida. O morto se paga. O único proveito qui tira é deixá a vida menos dolorosa; sem sede, sem fome, sem vergonha. Um sono imenso da espera qui não acaba; não tem rosto, não tem gosto, não tem nada, apenas um sono qui não acaba. Tem quem gosta de repetí qui fica do morto as história divertida: é dito nos preparativo pra colocá o morto na terra os papelão qui fez, um qui otro, e só, por causo qui não cabe dizê maldade nem blasfema muito sobre o morto. Os vivo se liga no morto pela cumplicidade com as dô qui sentiu e guardô no armário, as risada qui deu da vida qui podia tê tido. E o qui o morto tem? Nada. Nem a vontade de sê enjoativo e frio ou obstinado e sorridente. E a mesa da jogatina? Nenhum remorso. Cinzenta, dura e sem vômitos. Otra noite. Otro desgraçado. Nenhum rancô, apenas um sono qui não acaba e um morto qui não acorda. Os óio fixo, as órbita parada, sem o clarão da viveza.

O silêncio opaco qui não vê e não fala.

A montanha qui não levanta e não anda.

Mais os convite continuava disputado palmo a palmo.



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Manoel de Barros

Los Poetas del Amor (16)




Manoel de Barros:
um inventor de palavras que desvê o mundo




Os deslimites da palavra

Ando muito completo de vazios.
Meu órgão de morrer me predomina.
Estou sem eternidades.
Não posso mais saber quando amanheço ontem.
Está rengo de mim o amanhecer.
Ouço o tamanho oblíquo de uma folha.
Atrás do ocaso fervem os insetos.
Enfiei o que pude dentro de um grilo o meu
destino.
Essas coisas me mudam para cisco.
A minha independência tem algemas




'Só dez por cento é mentira'







Difícil fotografar o silêncio





Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada, a minha aldeia estava morta. Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã. Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado. Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada. Preparei minha máquina de novo. Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado. Fotografei o perfume. Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o perdão. Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre. Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com maiakoviski – seu criador. Fotografei a nuvem de calça e o poeta. Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa
Mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.





Um Bem-Te-Vi






Escova






O Livro das Ignoranças








O livro sobre nada

É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez.
Tudo que não invento é falso.
Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
Tem mais presença em mim o que me falta.
Melhor jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário.
Sou muito preparado de conflitos.
Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.
O meu amanhecer vai ser de noite.
Melhor que nomear é aludir. Verso não precisa dar noção.
O que sustenta a encantação de um verso (além do ritmo) é o ilogismo.
Meu avesso é mais visível do que um poste.
Sábio é o que adivinha.
Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições.
A inércia é meu ato principal.
Não saio de dentro de mim nem pra pescar.
Sabedoria pode ser que seja estar uma árvore.
Estilo é um modelo anormal de expressão: é estigma.
Peixe não tem honras nem horizontes.
Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas quando não desejo contar nada, faço poesia.
Eu queria ser lido pelas pedras.
As palavras me escondem sem cuidado.
Aonde eu não estou as palavras me acham.
Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
Uma palavra abriu o roupão pra mim. Ela deseja que eu a seja.
A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.
Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos.
Esta tarefa de cessar é que puxa minhas frases para antes de mim.
Ateu é uma pessoa capaz de provar cientificamente que não é nada. Só se compara aos santos. Os santos querem ser os vermes de Deus.
Melhor para chegar a nada é descobrir a verdade.
O artista é erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito.
Por pudor sou impuro.
O branco me corrompe.
Não gosto de palavra acostumada.
A minha diferença é sempre menos.
Palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria.
Não preciso do fim para chegar.
Do lugar onde estou já fui embora.




O apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.



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O encantamento incurável da poesia:


PataTiva do Assaré (Brasil)
Los Poetas del Amor (15)

sábado, 8 de novembro de 2014

PataTiva do Assaré (Brasil)

Los Poetas del Amor (15)




pATAtIVA dO aSSARÉ








Sou Cabra da Peste


Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas nunca esmorece, procura vencê,
Da terra adorada, que a bela cabôca 
De riso na bôca zomba no sofrê.

Não nego meu sangue, não nego meu nome,
Olho pra fome e pergunto: o que há?
Eu sou brasilêro fio do Nordeste,
Sou Cabra da Peste, sou do Ceará.

Tem munta beleza minha boa terra,
Derne o vale à serra, da serra ao sertão.
Por ela eu me acabo, dou a prope vida,
É terra querida do meu coração.

Meu berço adorado tem bravo vaquêro
E tem jangadêro que domina o má.
Eu sou brasilêro fio do Nordeste,
Sou Cabra da Peste fio do Ceará.

Ceará valente que foi muito franco
Ao guerrêro branco Soares Moreno,
Terra estremecida, terra predileta
Do grande poeta Juvená Galeno.

Sou dos verde mare da cô da esperança,
Qui as água balança pra lá e pra cá.
Eu sou brasilêro fio do Nordeste,
Sou Cabra da Peste, sou do Ceará.

Ninguém me desmente, pois, é com certeza,
Quem qué vê beleza vem do Cariri,
Minha terra amada pissui mais ainda,
A muié mais linda que tem o Brasi.

Terra da jandaia, berço de Iracema,
Dona do poema de Zé de Alencá
Eu sou brasilêro fio do Nordeste,
Sou Cabra da Peste, sou do Ceará.





O Poeta da Roça


Sou fio das mata, cantô da mão grossa,
Trabaio na roça, de inverno e de estio,
A minha chupana é tapada de barro,
Só fumo cigarro de páia de mio.

Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argum menestrê, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola,
Cantando, pachola, à percura de amô.

Não tenho sabença, pois nunca estudei,
Apenas eu seio o meu nome assiná,
Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre,
E o fio do pobre não pode estudá.

Meu verso rastêro, singelo e sem graça,
Não entra na praça, no rico salão,
Meu verso só entra no campo da roça,

Nas pobre paioça, da serra ao sertão.

Só canto o buliço da vida apertada,
Da liga pesada, das roça e dos eito
E às vêz, rescordando a feliz mocidade,
Canto uma sôdade que mora em meu peito.

Eu canto o cabôco com suas caçada,
Nas noite assombrada que tudo apavora,
Por dentro da mata, com tanta corage
Topando as visage chamada caipora.

Eu canto o mendigo de sujo farrapo,
Coberto de trapo e mochila na mão,
Que chora pedindo o socorro dos home,
E tomba de fome, sem casa e sem pão,

E assim, sem cobiça dos cofre luzente,
Eu vivo contente e feliz com a sorte,
Morando no campo, sem vê a cidade,
Cantando as verdade das coisa do Norte.









Abaixo acompanha a tradução (como bem disse meu amigo e colega Manoel: " Guimarães Rosa ninguém se atreveu traduzir, afinal o homem era um membro da ABL, ele fez um grande esforço para escrever do jeito que escreveu. Já o PataTiva... )


Era um modelo perfeito 
A mulher que mais amei, 
Linda e simpática de um jeito 
Que eu mesmo dizer não sei. 
Era bela, muito bela; 
Para comparar com ela, 
Outra coisa eu não arranjo 
E por isso tenho dito 
Que se anjo é mesmo bonito, 
Era o retrato dum anjo. 
Sei que alguém não me acredita, 
Mas eu digo com razão, 
Foi a mulher mais bonita 
De cima de nosso chão; 
Era mesmo de encomenda 
E do amor daquela prenda 
Eu fui o merecedor, 
Eu era mesmo sozinho 
Dono de todo carinho 
Daquele anjo encantador. 
Era bem firme a donzela, 
Só em mim vivia pensando. 
Quando eu olhava ela, 
Ela já estava me olhando. 
Para a gente conversar 
Quando eu não ia, ela vinha, 
Um do outro sempre bem perto 
Nosso amor dava tão certo 
Quem nem faca na bainha. 
E por sorte ou por capricho, 
Eu tinha prata, ouro e cobre. 
Dinheiro em mim era lixo 
Em casa de gente pobre. 
Nós nunca perdíamos ato 
De cinema e de teatro 
De drama e mais diversão, 
Não faltava coisa alguma, 
As notas eu tinha de ruma 
Para nós andar de avião. 
Meu grande contentamento, 
Não havia mais maior 
E nossos dois pensamentos 
Pensava uma coisa só. 
Para desfrutar a minha vida 
Perto de minha queria 
Eu não poupava dinheiro. 
Tanta sorte nós tivemos 
Que muitas viagens fizemos 
Nas terras do estrangeiro. 
E quando nós se trajava 
E saía a passear 
O povo todo arredava 
Para ver nos dois passar 
Cada qual mais prazenteiro 
Deste nosso mundo inteiro 
Nós dois éramos os mais feliz 
Vivíamos nas altas rodas 
E só trajava nas modas 
Dos modelos de Paris. 
Assim a vida corria 
E o prazer continuava 
Aonde um fosse o outro ia 
Onde um tivesse o outro estava; 
Para festa de posição 
Das mais alta ingorfação 
Nunca faltava convite 
Para dizer a verdade 
A nossa felicidade 
Já passava dos limites 
Era boa a nossa sorte 
E não mudava um segundo
Ninguém pensava na morte 
E o céu era aqui no mundo. 
Na refeição nós comia 
Das melhores iguarias 
Sem falar de carne e arroz 
E por isso muita gente 
Ficava rangendo os dentes 
Com ciúmes de nós dois. 
Foi uma coisa badeja 
A vida que eu desfrutei, 
Mas para quem tiver inveja 
Dessa vida que levei 
Com tanta felicidade, 
Eu vou dizer a verdade, 
Pois não engano ninguém. 
Aquele anjinho risonho 
Eu vi foi durante um sonho; 
Mulher nunca me quis bem! 
A história não foi verdade, 
Todo sonho é mentiroso 
Aquela felicidade 
De tanto luxo e de gozo 
Sem o menor sacrifício, 
Foi negócio fictício, 
Não foi coisa verdadeira. 
Eu fiquei dando o cavaco:
 “Este alimento fraco 
Só dá para sonhar besteira.” 
De noite eu tinha jantado 
Um mucunzá sem tempero 
E acordei alvoroçado 
Sem mulher e sem dinheiro; 
Ainda reparei bem 
Para vê se via alguém 
De junto de minha rede 
Mas, em vez de tudo aquilo 
Só ouvi cantando o grilo 
Nos buracos da parede. 
Quando acordei estava só 
Sem ter ninguém do meu lado, 
Era muito mais melhor 
Que eu não tivesse sonhado. 
Quem já vai no fim da estrada 
Levando a carga pesada 
De sofrimento sem fim, 
Doente, cansado e fraco 
Vem um sonho enchendo o saco 
Piorar quem já está ruim.”

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Histórias de avoinha: As Casa do Comércio na Villa 5

Ensaio 30B – 2ª edição 1ª reimpressão



baitasar




O siô da Hora acabô com a prosa do Joca, se deixava a falação seguí o rumo do gosto do homem lampião otros causo ia aparecê. O assunto daquela visita na Villa não era os acontecimento acontecido com o tio Biloca, mais o Joca aos grito de encorajamento na despedida, parecendo adivinhá qui o otro caminhava no rumo do próprio enterramento, lembrô otra das dita e desdita do tio Biloca

Não se preocupe com a tal reunião, sinhô Afonso da Hora, o que é da água a água leva!

E o que é da terra os vermes comem, o siô da Hora resmungô como um vivente qui dá uma mordidura sem tê gosto de mordê, arrependido do sabô desconsolado qui já ideava. O problema não era os causo do tio Biloca contado pelo Joca, mais a convocatória do estranho ajuntamento dos prócere da Villa. Fez mais um aceno de despedida e seguiu o caminho assobiando. Pensava meió assoprando uma qui otra cantiga qui lembrava de tê escutado da sua mãinha. Sabia qui ficava desamparado nos primeiro assopro, depois qui voltava as lembrança ele ficava confiado e encolhia a estrada com os pé assobiando.

Oiô no seu arredó. O escurecimento do dia continuava o seu caminho de morrê e nascê. Resolveu usá um atalho pra deixá o caminho mais vagaroso. Era mais curto de tamanho, mais ia tê mais tempo de prosa. Não tinha incomodo de saí e voltá nas rua da Villa, o seu salvo-conduto era a cô da pele. Nunca ia sê parado pra se explicá. Respirô mais fundo qui no seu hábito e sorriu, gostava da sua soltura sem os compromisso da fazenda. Vinha na Villa pra modo de se misturá. Gostava assim, saí da fazenda lhe deixava tê o meió dos dois mundo. Queria o meió dos dois mundo. Podia sê amoroso e cruel, queria sê preto e branco: vivê o meió dos dois mundo. Assobiava e resmungava

Gosto deste estranhamento malfeito e primitivo sobre o corpo das mulheres e dos homens negros, o cabelo, a boca, o nariz, a pele, o sexo; gosto da riqueza e da aparência da felicidade branca, a empunhadura do chicote, a porta da frente nas domingueiras do sinhô Padre: ser o dono das regras e do pecúlio... ter a última palavra, ele inté podia sujá as mão pra conseguí isso tudo, mais não ia mostrá elas suja. E se tivé qui jurá o siô da Hora jura pela alma da mãinha. Tratô de acalmá o espírito amoroso e carinhoso da mãe

Mãe, pode deixar. Não se preocupe, onde quer que a mãezinha esteja. Não sou cordeiro. Sei, sempre tem um imbecil querendo julgar sem compreender, retomô o caminho assobiando, queria sê amado pelos dois mundo, se não fosse pra tanto, podia sobrevivê sem esse amô, mais queria a fidelidade.

Antes, tinha qui acertá o lugá das graça com a nata da nobreza. Sabia qui não teve berço. Sentia pena de si mesmo, inté qui compreendeu qui precisava sê admirado, sê oiado com inveja. Tinha qui fazê as fera morrê de cobiça. Então, conquistô a cama da nobreza villeira: arrumô casório com siá Casta pra desenrolá os nó entre parecê e sê. Precisava fazê nascê um novo homem. Aprendeu aparentá qui era o qui não era. Foi a parte mais banal, quanto mais aparição falsa mais precisava se vendê .

Foi quando cometeu seu primeiro cochilo.

Pensô qui comprô siá Casta, enganô-se. Ela é qui lhe subornô com as pequena colina e as água do rio Gravatahy qui banhava as terra do seu pai. A siá não usô as suas própria terra nem o riacho fundo, uma sanga com vertente de água cristalina, ia lhe assanhá depois, pelo interesse de tê uma família. Como homem ele havia de tê vontade pelos dois. Ela pensava em lhe dominá, com um jeito ou com otro. A filha da nobreza mais pura daquele fim de mundo tinha mais garra afiada qui ele podia evitá.

Carregava no corpo o sangue das gente qui chegô no fim do mundo e viveu pra contá. Lugá duro e mais longe qui o longe. Os primeiro carregamento de barco foi se colocando onde queria e achava meió. Foi deles qui a siá Casta puxô seu agarramento com a terra. Preferia os boi, os cavalo e os preto, qui caminhá nos caminho da Villa. Ela vivia desafinada com as aparência.

Muito tempo antes do conhecimento qui veio tê do siô Afonso da Hora, ela saiu da fazenda do pai pra fazê estudo, sem tê querê ou bisbilhotice de conhecê otros lugá. Cumpriu o ordenamento pra gosto do pai e seu desgosto próprio

Minha filha, o seu pai sabe o que é melhor pra ocê. É preciso aprender mais que os homens destas terras jamais aprenderão. E não vai bastar.

O que preciso aprender o vento me ensina e o tempo trata de acalmar, retrucô como sempre fez, mais obedeceu o pai e se foi buscá os estudo do conhecimento com as palavra, o letramento dos pensamento.

Voltô antes qui o dia traçado pelo pai. Tava meió numas coisa e pió em otras tanta. Quando saiu, ela assustava os moço da fidalguia, no causo qui sabia mandá. E mandava mais qui homem. Assuntava de igual pra igual. Não parecia sê muié de obedecê calada. Nem queria assumí as serventia de sê menos qui um homem.

De novo, assustô os novilho da fidalguia. Assim qui colocô os pé no chão da Villa mostrô a beleza qui aprendeu de tê na rouparia, no caminhá e no falá. Tava mudada. Parecia qui tava. Ela tentava pelo amô qui tinha no pai. Inté aceitô o apelo do siô padre qui queria abrí um ateneu. Tentô uma e duas vez, mais desistiu. Explicô qui achava muita boniteza ensiná, mais não era esse o seu tino. O ateneu teve qui continuá sem a siá Casta

Sinhô Padre, não sinto nada com as crianças além de um formigamento de muita impaciência. Sei que me pareço com uma múmia, não paro de olhar o tic tac da parede. O tempo não passa. Quero estar em qualquer lugar, menos ali. Não gosto das crianças, o siô padre lhe oiô com mais pena qui entendimento, escutava mais não lhe ouvia. Quando tentô falá seus conselho ela não lhe deixô, sinto um desejo imenso de estar em outro lugar, ter uma outra vida. Não quero ensinar ninguém além dos cavalos, do gado e dos negros.

O siô padre aumentô a comiseração, ele sabia, como ninguém, dessa vontade de não sê o qui se é, repetia qui é preciso renová o cacoete de criá hábito, é preciso tê um costume e resistí

Minha filha, vamos rezar...

Não estou precisando rezar, sinhô Padre.

E o quê sinhá Casta vai fazer? Casar?

A moça oiô o siô padre, ele usava vestido, mais as vestimenta não fazia dele uma muié, não entendia; pelo menos, ele não acreditava na má influência do vento qui subia no vestido e acariciava as perna. Queria repetí qui não tinha culpa de não querê ensiná, não conseguia dizê nem deixá de sentí culpa. Um não atinava com o aborrecimento do otro. E só a paciência não bastava

Viver não é simples, sinhô Padre. A vida na cabaña de cavalos e negros é mais simples, só é preciso saber encilhar e mandar. Eles só precisam aprender a obedecer. Não sofrem com a gula nem com a avareza. Não precisam ter preocupação em ter a última palavra em qualquer discussão.

Minha filha, vamos rezar.

A fúria e a vontade de terem o que não podem ter se tira com o cipó de couro. Mas a preguiça e a luxúria dos negros nem com reza braba, sinhô Padre.

Minha filha!

É verdade, sinhô Padre. Coloque-se no meu lugar, é preciso mandar o tempo todo, se ocê não mandar eles não fazem nada, passam o dia jogados pelas sombras e moitas. E à noite, o siô já foi na senzala em noite de cantoria? É quando tem vez a luxúria daqueles corpos negros como carvão, dançam e requebram, coisas que jamais faremos.

Minha filha, vamos rezar.

Ela ajoeiô cheia de culpa. A culpa é mais forte qui o vento e luta com o tempo. A mocinha mais inteligente e bonita da Villa queria tá com o pai. Ficá no lugá da mãe. Descobriu qui ia casá sem tê vontade de casá. Aprendeu inté o uso do tabaco. O seu gosto tava em sê o meió fio qui o seu pai podia tê feito. Ela não ia morrê como a mãe. Não ia abandoná o pai. Não queria tá com nenhum homem, queria tá com o pai.

Pensava qui só tinha uma virtude: sê fia, mais não queria se mostrá uma fia doce e burra. Tinha a brabeza e a vontade de um fio. Encenava. Suas mentira não importava pra ninguém, somente pra ela e o pai. Dois grão de terra na Terra.

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Ensaio 29B – 2ª edição 1ª reimpressão


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