A chuva
Houve, um tempo em que os homens não tinham, como têm hoje, muitas cidades onde nascer, mas apenas duas: cidade do Céu e a cidade da Terra. Por isso só existiam dois reis: o rei do Céu e o rei da Terra.
Os dois reis daquele tempo eram amigos, porque o rei do Céu, apesar de muito poderoso, não era conquistador. Se quisesse ele dominaria o reino da Terra e o teria como escravo. Mas ele se contentava em governar bem o seu reino e, apesar da ajuda dos súditos, ele também trabalhava, para manter tudo em ordem.
O rei do Céu tinha um filho e o rei da Terra uma filha. Não se pode dizer como era o príncipe, mas a princesa – dizem aqueles que a conheceram – era tão bonita que, ao lado dela, até as flores perdiam sua razão de ser.
E a princesa tornou-se moça e o príncipe homem feito. O rei do Céu quis casar o filho e não pensou em nenhuma de suas súditas para nora. Escolheu a filha do rei da Terra para esposa do filho. E como sempre foi lei que o pai escolhesse com quem os filhos deviam se casar, o rei do Céu, sem consultar o príncipe, chamou umas fadinhas, conhecidas como biniguendas, que tinha a seu serviço, para que descessem à Terra a fim de pedir a mão da princesa. Depois de decorarem bem decoradas as palavras do rei, as biniguendas saíram pela porta iluminada de uma estrela e sumiram.
Eram tão rápidas que a própria luz que vinha do céu tinha dificuldade de alcança-las.
E foi junto com a luz da manhã que elas chegaram à única cidade que havia na Terra. Sábias como eram, as biniguendas não precisaram perguntar onde ficava o plácio. Também não necessitaram bater à porta pois, além de rápidas e sábias, eram prodigiosas e assim foram diretamente à sala do trono. Diante do rei, uma das embaixadoras – a mais velha – transmitiu a mensagem do rei do Céu.
O rei da Terra mandou chamar a filha. Muda e com a cabeça baixa, a princesa ouviu o desejo do soberano do Céu e, quando o pai lhe pediu uma resposta, ela disse que amava loucamente um criado do palácio e que não se casaria com nenhum outro homem que não fosse ele. O pai a amava muito e não faria nada que a fizesse infeliz. Depois que ela se retirou, o rei da Terra comunicou às embaixadoras do Céu que ele próprio transmitiria ao soberano celeste a decisão da filha. As biniguendas do céu desapareceram silenciosas.
O rei da Terra também tinha biniguendas misteriosas, rápidas e prodigiosas a seu serviço. Mandou chama-las e colocou-as a par da vontade da filha. As biniguendas terrestres, então, subiram ao Céu levando a resposta. Lá chegando, uma delas – sempre a mais velha – transmitiu a mensagem que traziam da Terra. O rei do Céu levou um choque e ficou furioso. De repente, deu-se conta da força que tinha, e a raiva que sentia levou-o a querer tirar-nos o Sol, a Lua e a levar suas estrelas para muito mais alto. Mas na verdade ele não queria nos castigar e sim realizar os seus propósitos. Depois de pensar muito, descobriu que o único meio de realizar aquele casamento seria levando o namorado da princesa para bem longe. Não se soube como, mas o fato é que o jovem foi tirado do castelo e levado à montanha Danibacuza.
A mãe numa casa da cidade e a noiva no palácio choraram desesperadamente o desaparecimento do jovem plebeu. A mãe lavou com seu pranto a dor da perda do filho. A noiva, depois de chorar muito, desconsolada, abandonou o palácio e saiu pelas montanhas atrás do seu amado.
O rei do Céu acompanhava tudo o que acontecia na Terra. A atitude da princesa enfureceu-o e, agora sim, ele resolveu nos castigar. Manteve o Sol no meio do Céu e seus raios inclementes secaram a terra. Não chovia mais.
Sem vegetação, não havia mais diferença entre estradas, caminhos. E tudo, tudo ficou igual. Alucinada, a princesa andava errante, percorrendo várias vezes os mesmos caminhos. Até que um dia, na hora em que a luz era mais trêmula, ela adivinhou que o seu amado estava em Danibacuza. E, com toda a pressa e determinação que possuía, dirigiu-se para a montanha. Chegou banhada em suor, com um lampejo de alegria saltando-lhe pelos olhos. Mas duas sentinelas armadas com espadas de relâmpagos impediram-na de continuar sua busca. A dor, como uma enorme pedra, caiu sobre o coração da princesa e fez as suas lágrimas transbordarem. De seus olhos brotaram dois fios cheios de nozinhos de água. E essas lágrimas, movidas pelo vento, precipitaram-se sobre a cidade acabando com a seca. Pouco a pouco a filha do rei da Terra foi-se convertendo numa mulher de pedra.
Depois que a chuva parou, os homens saíram à sua procura. Quando a encontraram, nenhum deles quis tocá-la. De volta à cidade, os homens contaram que, em plena montanha, vigiada por sentinelas armadas de relâmpagos, estava a princesa petrificada, de pé. O povo todo aplaudiu o seu reaparecimento.
“É verdade, ela agora é de pedra, mas nos devolveu a chuva”, repetiam.
Certa vez, as chuvas voltaram a ficar escassas. Os homens foram procurar a princesa e a encontraram deitada. A Terra estava bebendo o seu pranto, por isso não chovia. Os homens colocaram a princesa de pé e a chuva voltou a ser intensa e abundante, como quando pela primeira vez deixou de ser dádiva do rei do Céu para ser neta do rei da Terra. Desse dia em diante, os homens passaram a vigiar a posição da princesa para que ela ficasse sempre de pé, até a trazerem para a cidade em que a conheci.
Daí nasceu para esse povo o nome da chuva: nisagié, de nisa, água, e gié, pedra. Como quem diz: água que a pedra chora.
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Contos e Lendas de Amor
Co-edição Latino-americana. Editora Ática. 1986. São Paulo
A chuva (México)
Andrés Henestrosa
Ilustrações de Fuensanta del Cueto Ruiz
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A Boitatá (Brasil)
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