quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Poesia Africana: Luandino Vieira (Angola)

Poesia Africana  - 03




Canção pára Luanda


A pergunta no ar
no mar
na boca de todos nós:
– Luanda onde está?
Silêncio nas ruas
Silêncio nas bocas
Silêncio nos olhos


– Xê
mana Rosa peixeira


– Mano
Não pode responder
tem de vender
correr a cidade
se quer comer!


“Ola almoço, ola amoçoéé
matona calapau
ji ferrera ji ferrerééé”
– E você
mana Maria quitandeira
vendendo maboque
os seios-maboque
gritando
saltando
os pés percorrendo
caminhos vermelhos
de todos os dias?
“maboque m’boquinha boa
dóce dócinha”


– Mano
não pode responder
o tempo é pequeno
para vender!


Zefa mulata
o corpo vendido
batom nos lábios
os brincos de lata
sorri
abrindo seu corpo


– seu corpo-cubata!
Seu corpo vendido
viajado
de noite e de dia.
– Luanda onde está?


Mana Zefa mulata
o corpo cubata
os brincos de lata
vai-se deitar
com quem lhe pagar
– precisa comer!


– Mano dos jornais
Luanda onde está?
As casas antigas
o barro vermelho
as nossas cantigas
trator derrubou?


Meninos nas ruas
caçambulas
quigosas
brincadeiras minhas e tuas
asfalto matou?
– Manos
Rosa peixeira


quitandeira Maria
você também
Zefa mulata
dos brincos de lata
– Luanda onde está?


Sorrindo
as quindas no chão
laranjas e peixe
maboque docinho
a esperança nos olhos
a certeza nas mãos
mana Rosa peixeira


quitandeira Maria
Zefa mulata
– os panos pintados
garridos
caídos
mostraram o coração.
– Luanda está aqui!







Amadeu Kazunde (Moçambique)




Entre o calor das tuas pernas 



Entre o calor da tuas pernas
sobressai firme e vigorosa
numa atitude de lascúdia
a rosa dos meus desejos.
E vejo em cada curva das suas pétalas
milhões de gestos provocantes
que me inundam o corpo
com milhões de riachos prateados
Entre o calor das tuas pernas
desabrocha muda e esperançosa
a rosa dos meus desejos.
Por ela vivo uma ânsia profunda
de ver chegar o dia
em que me deliciarei diluído
no seu aroma inebriante.
E nesse dia,
milhões de forças gritantes
percorrerão o meu sangue
e galgarei sobre a montanha sagrada
abrindo trilhos por entre o mar de flores
penetrarei embriagado
nas cavernas negras e alagadas
de paredes desejosas
e descarregarei
todo o meu furor bastante
sobre os recantos mais profundos
dos subterrâneos conquistados
do jardim afrodisíaco
E então
regressarei flácido mas ressuscitado
e sobre a montanha sagrada
dormirei um sonho profundo!









Aguinaldo Fonseca (Cabo Verde)




Mãe Negra


A mãe negra embala o filho.

Canta a remota canção

Que seus avós já cantavam

Em noites sem madrugada.

Canta, canta para o céu

Tão estrelado e festivo.

É para o céu que ela canta,

Que o céu

Às vezes também é negro.

No céu

Tão estrelado e festivo

Não há branco, não há preto,

Não há vermelho e amarelo.

—Todos são anjos e santos

Guardados por mãos divinas.

A mãe negra não tem casa

Nem carinhos de ninguém...

A mãe negra é triste, triste,

E tem um filho nos braços...

Mas olha o céu estrelado

E de repente sorri.

Parece-lhe que cada estrela

É uma mão acenando

Com simpatia e saudade...




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Antonio Cardoso (Angola)
Poesia Africana - 02

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