sexta-feira, 30 de outubro de 2015

José Craveirinha (Moçambique)

Poetas da Língua Portuguesa (2)




Grito Negro


Eu sou carvão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
e fazes-me tua mina, patrão.
Eu sou carvão!
E tu acendes-me, patrão,
para te servir eternamente como força motriz
mas eternamente não, patrão.
Eu sou carvão
e tenho que arder sim;
queimar tudo com a força da minha combustão.
Eu sou carvão;
tenho que arder na exploração
arder até às cinzas da maldição
arder vivo como alcatrão, meu irmão,
até não ser mais a tua mina, patrão.
Eu sou carvão.
Tenho que arder
Queimar tudo com o fogo da minha combustão.
Sim!
Eu sou o teu carvão, patrão.



Poema de José Craveirinha in Karingana Ua Karingana [Era uma vez] (1974)






Um homem não chora



Acreditava naquela historia
do homem que nunca chora.

Eu julgava-me um homem.

Na adolescência
meus filmes de aventuras
punham-me muito longe de ser cobarde
na arrogante criancice do herói de ferro.

Agora tremo.
E agora choro.

Como um homem treme.
Como chora um homem!





Quero Ser Tambor


Tambor está velho de gritar
Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
corpo e alma só tambor
só tambor gritando na noite quente dos trópicos.

Nem flor nascida no mato do desespero
Nem rio correndo para o mar do desespero
Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero
Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.

Nem nada!

Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra
Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra
Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra.

Eu
Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala
Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.

Oh velho Deus dos homens
eu quero ser tambor
e nem rio
e nem flor
e nem zagaia por enquanto
e nem mesmo poesia.
Só tambor ecoando como a canção da força e da vida
Só tambor noite e dia
dia e noite só tambor
até à consumação da grande festa do batuque!
Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
só tambor!


quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Teatro Pedagógico: o corretivo da reprovação para uma cabeça-de-vento

Parábolas de uma Professora



o corretivo da reprovação para uma cabeça-de-vento


baitasar e paulo e marko




nossa concepção de mundo e nossa forma de agir é partida em pedaços. nossa avaliação escolar divide e subdivide os saberes num mosaico, toda puta é fatiada em partes para conseguir sobreviver, Não beija, mas chupa, O quê, Não sabes que as putas não beijam os clientes, mas chupam a sua freguesia, E daí, Nada, nada, volta a dormir, querido

Falamos, discursamos e debatemos sobre aprovar e reprovar como se estivéssemos avaliando uma safra de vinho, um doce caseiro. estamos relatando de homens e mulheres, adolescentes e crianças, nossos alunos, nossas alunas, não de números ou estatísticas, mas de gente que em sua maioria foram e são humilhadas na sua condição de sonhar, considerados indignos na sua luta para sobreviver.

apesar da escola

Paulo, tu falas de reprovação e esquece que trabalhamos em escolas por ciclos de desenvolvimento e que, portanto, infelizmente, não permitem a reprovação dos alunos que não alcançam os requisitos mínimos para serem aprovados.

assisto atônita às observações de meus colegas, sei que o professor do corredor é cúmplice de meus pensamentos. quer-se justificar a reprovação por um mecanismo natural e biológico, construindo um discurso que justifica as desigualdades por leis da natureza e da cultura; uns são mais capazes do que outros, uns se esforçam mais que outros. estes excluídos entram na estatística dos evadidos, mas na verdade não foram só excluídos fisicamente, mas também simbolicamente. no espaço da sala de aula o conhecimento é privatizado. acredito no marko, podemos vencer o desafio de uma escola diferente, através da formação permanente no coletivo, na reflexão rigorosa e crítica de nossa prática, buscando entendê-la e transformá-la. mas não temos o que é necessário para mudar. o que? vontade, não queremos nos construir enquanto educadores progressistas. penso tudo isso, pois sei que esta é minha opção, minha trajetória de vida, a minha história. acredito que precisamos progredir, melhorar nossas vidas e acabar com a miséria. basta diminuir a gula. o consumo que nos aparenta felicidade é o mesmo que nos mata de insatisfação permanente

o botto já entrou cansado na discussão. sofre pelas disputas íntimas de solicitar seu afastamento, ou não, tem um estado de esgotamento que o impede de estar alegre neste trabalho. vem se arrastando já alguns anos, premido pela necessidade de cumprir sua carga horária, mas sabe que apenas a executa de maneira precária, sem nada acrescentar. quer uma escola sem alunos. precisa de uma escola sem crianças. reza por um casarão abandonado e mal-assombrado, infestado de bruxas e bruxos. ah, esses gringos e o seu dia das bruxas. e eu, por que não me desafio a falar aqui e agora, interrogo-me, continuo calada, eu e o professor do corredor que esconde o seu coração-caverna. resguardado na caverna enquanto transita por nós

Botto, a fala do Paulo refere-se à educação como um todo. Aos inúmeros brasis que não assistimos nos jornais televisivos, não lemos nos jornais nem ouvimos nas rádios.

Lia, isso tem tudo a ver com o nosso trabalho.

Eu sei, Eliza.

Estamos esquecendo das muitas vezes que entramos num conselho de classe planejando maneiras, com a legislação em vigor nas mãos, sempre estamos ao lado da lei, para fazermos a retenção dos alunos no ano seguinte. Esse ano ele nos escapa, mas no ano que vem... Vamos colocá-la em uma turma de progressão, já que nestas turmas é possível retê-la...

Mas se querem números que tal este, no ano passado, na outra escola, onde também trabalho, os alunos da quinta série foram aprovados num percentual de cinqüenta e cinco crianças para cada cem alunos. Trinta e uma crianças para cada cem alunos foram reprovadas e quatorze alunas para cada cem crianças se evadiram, abandonaram, foram excluídas. A conta totalizante é simples, mas muito difícil de ser feita pela escola, temos um total de cinqüenta e cinco crianças para cada cem alunos que lograram sucesso na quinta série e quarenta e cinco crianças para cada cem alunos que receberam o fracasso como justo prêmio pela sua incapacidade de se adaptar as exigências da escola destes professores. Qual a resposta dada a este desafio? Aumento da média de aprovação! Por quê? As crianças não se esforçam, acham que não dá nada, não estudam, então, laço nelas.

E não é verdade? Elas se esforçam? Por favor!

a eliza apresentou números bem conhecidos, mas deixados em alguma gaveta escondida da memória. abro minhas gavetas e me deixo ficar sofrendo com as lembranças que não são apenas minhas, de todos e todas que habitam nosso universo. são lembranças sem nomes ou rostos que vão surgindo nessa minha superfície envelhecendo. haviam-me penetrado. e me neguei fingir que gostava. nunca acreditei que não existiam diferenças entre aprender e ensinar com amor ou no desamor. sinto-me partindo para o meu passado de aprovar ou reprovar, ouvindo ao longe, diminuindo, escapando os sons de vozes que se negam calar e se deixar engolir

Não se iludam, pois não me iludo, quando mudar o nosso patrão de mentirinha, o prefeito ou o governador, troca-se a roupa ideológica da educação e o reprovar retorna sem nenhuma cerimônia, com a plena aprovação dos professores. Finalmente, poderemos retornar a prática castradora de exigir a reprovação dos alunos que teimam em seguir desorientados.

isso lia, pensar o que não se pensa não pensar é decorar

Enquanto seguem sendo ignorados e excluídos os pensadores da consciência que deveriam comandar nossa embarcação com poemas pedagógicos e a prática da libertação.

Para a teimosia teremos o corretivo da reprovação!

num mundo transtornado vivo o melhor dia da minha vida porque estou viva, ainda. de quantos mundos tenho escapado, me pergunto. acaso, puramente acaso, são as vidas dos mundos vividas? em uma mulher transformada vivo a melhor vida do meu dia com muito humor e alegria. mas a quantos mundos tenho voltado, torno a perguntar inconformada. descaso, apenas descaso, permite minha vinda? em um sonho transportado em vidas que não foram minhas corro atrás enquanto caminhas. sou professora do acaso ou por acaso



Minha pima qer de anversario um buqe de flores eum eumcolarar de perolas de todas as cores e dois burrinho mansos mascndo chiclete. meus colegas e eu continuamos as tentativas tardias de visitar de novo as nossas histórias pessoais que descobrimos pertencem a todos. a dor é a mesma em todos. a ossada a ser descoberta do chão tem o mesmo laço de sangue, o mesmo código de miséria, Professor Abá, é a minha vez, sempre é a vez de alguém, minha vontade é perguntar a quem quiser me prestar atenção, Quando será a minha vez? seria um bom exercício de respeito ao outro ceder alguma vez a sua vez. sem alarde ou gritos, xingamentos, apenas se deixar ficar para trás, e outra, mais outra, e mais outra, Eu esto muito felise de estar na fente do contutador e fascer meus pequenos texto cudar anatureza para não jogar toco de sigarro quando vosse estar de rijido o seu carro na estrada. gosto de encontrar meus colegas felizes, se descobrindo existir na escola dos professores e sua educação escolar, Qual é mesmo a senha, professor? a única senha possível tem que ser o amor, Elaestamuito animada para apreder a ler e escrvever mesmo ainda não sadendo ler todas as palavras, descbriu que oslivrospodem ser otimo s çompanheos junto voçe vai apreender muitas coisase vai desçobrir queler e escrsrever são coisas gosas det, tento também ficar animada, Professor Abá, como posso escrever? as perguntas se repetem na busca da palavra correta, suas letras são escolhidas corretamente, mas teimam em se manter embaralhadas. são medonhas estas letrinhas que se juntam com outras e formam sons iguaizinhos, bem parecidinhos, Posso escrever meu nome ou apelido, O que o senhor acha que devo fazer, as perguntas querem respostas com os desígnios corretos. existem regras que têm de ser obedecidas, não queremos desrespeitar nenhuma delas, Vocabulario casa gato pata cine cota lema havia mamae telvisao camihhao rlima opalaco eplhaou esplhau a palhou de milho na velha pilha de telha batalha repolho trabolh balancilhhac sorrio, também gosto de trabalhar estas palavrinhas em separado do texto, mas confesso que não gosto tanto quanto a professora, ela repete bastante este exercício, Que palavra é essa, professor, as dúvidas se repetem, não parecem com pressa de seguir em frente, Eu te esgrevo para saber como voce esta de saude e tabem pra te dizer que esta carta e a peimer. momentos simples e de afeto se duram por muito tempo na escrita, carinhos e preocupações que não posso falar, mas escrevo, finalmente, estou escrevendo, espero que você consiga me ler, Professor, posso entrar na sala do sexo, as coisas e os assuntos estavam tranqüilos demais, Onde fica esta sala, o piá quer saber onde fica o compartimento onde se faz o sexo, penso logo na minha cama e nas loucuras que sonho fazer. desmaios, suspiros, mais desmaios seguidos, até que algo me impede de prosseguir. mais uma vez e mais de uma vez grito por socorro, sinto uma vermelhidão se apoderar da minha alma, Eu estavo comuna cara de brabo, e adianta ficar com cara amarrada, cara de brabo, se nada se resolve no silêncio da palavra, Tô digitando a senha e volta como falha, alguém pode me ajudar, pedem apoio, dicas, entregam-se, Como faz a letra maiúscula, algumas não sei, ainda bem, que não tenho que respondê-las, uma professora sem respostas seria ridículo, não me atreveria dizer, Sou ignorante neste assunto, tenho medo de errar. falar em público ou na turma é uma tortura. fico nervosa e esqueço tudo, minha cabeça fica vazia, vira uma cabeça-de-vento.

outra noite, um colega disse mansamente, A nossa professora não fala, Como assim, eu quis saber, Ela não fala, fica sentada o tempo todo e resmunga alguma coisa e acabou, Acabou o quê, Não fala mais, fica parada olhando não sei pra onde, Vai ver que ela está triste e quer ficar calada, Puxa, que tristeza mais comprida, que não acaba nunca e se repete sem terminar, As pessoas são diferentes umas das outras, Mas como é que a gente vai aprender no silêncio, Vocês deveriam perguntar por que ela na fala, Não adianta, ela não fala.

levantada me preparo para sair da sala. gostaria de conhecer pessoas legais que estejam a fim de oferecer o seu coração, Mas como saber, ir interrogando, acreditando ou continuar desconfiando que ninguém é legal, Quem é, me pergunto. as pessoas se escondem muito bem e dão botes certeiros, Alguém sabe com se escreve o acento do vovô, meu deus, a quanto tempo não penso no meu avô, na minha avoinha querida, sempre brincando e nos protegendo, oferecendo balas. quando viemos para esta cidade alojadora dos retirados da terra, eles ficaram na roça. enxada na mão. chapéu de palha na cabeça. resignados com nossas escolhas. não nos esperam mais, sabem que não voltaremos, Vão com Deus, Precisando, voltem, Meus filhos, se cuidem, Não esqueçam da gente, Voltamos um dia, A gente espera. não se volta de nada quando nunca se chega, sempre de passagem, Chegam por aqui do avesso, Lá, vida de dureza, enxada na mão e sol na cabeça de palha. reza pela chuva em tempo certo. a gente desistiu e ficaram as enxadas enferrujando, ancinhos banguelas, descolorindo. entramos na cidade pelo açougue e viramos carne moída, guisado de segunda classe. gente de terceira ou nenhuma serventia, peso morto a ser carregado. nem aprendi a nossa letração de letras e já ensinam com palavras mais esquisitas ainda, O quê, Amigo professor muito obrigado por vose insinar conosco. também gosto de ter amigos, mas os tenho muito pouco, gostaria de tê-los em maior quantidade, queria que as pessoas fossem amigas, Circunflexo, o professor responde numa pompa que eu e os meus colegas não acreditamos na sua ignorância, começa por nos provocar mais dúvidas, Circo o quê, minha colega de dentes podres ficou tão espantada com o som pomposo do professor abá. saiu do seu silêncio tímido para perguntar sobre qual circo ele se referia, Estou na quar serie gosto de matematica faso tudo quea professora manda gostaria de pasar. é preciso aprender que não se deve fazer tudo o que nos mandam nem mesmo a professora, nem mesmo o professor, talvez, a fome, Impossível resistir a fome, Apanhar da fome forma o silêncio da resignação.

hoje, vou entrar no grupo do papo-furado e beicinho adocicado. eis um bom lugar pra se ficar de vez em quando, repouso perfeito, um lugar pra se jogar conversa fora, apenas ficar dizendo e ouvindo as palavras sem nenhuma outra intenção que ficar escutando e falando, escrevendo furado, zoando, mentindo, Não gosto quando os guris da rua venham comer aqui porque eles não respeita os outros fiquam falando nome patodomundo e tira olugar dos outros. a fome se junta com a vontade de comer e o varado de comer não reconhece o outro faminto, Eu também não gosto do medo que eles nos trazem, Mas o que fazer, Professor tem um que outro que não vai adiantar dar comida e tratar bem, eles viraram para o outro lado, Eu não, entro nos grupo do namoro, Olha aí gente, um assunto que eu não domino, procuro e procuro e nunca encontro, ninguém quer namorar só por namorar, Sei como que é. já vêm reconhecendo o terreno pelo tato, pelo cheiro, apalpando, apertando, me sinto o próprio alimento dos miseráveis, Qual é oseu nome qual é asua idade onde voê mora como voê é qual é tua altura oque você faz você tem filhos é casada sim ou não qual é asua altura, Mais um ligeirinho, quer tudo antes de se oferecer em respostas. impossível que não saiba conversar sobre o amor e de como se oferece para a vida e para uma mulher, Professor, posso sentar-me em frente a este computador, magia, estamos aprendendo até como perguntar sem deixar dúvidas sobre o que queremos saber.

mundo de malucos num mundo insano. enlouquecido. engolindo-nos em sulcos de arado estranho. seus sons e olhos nos querem em torno de si. não reconhecem que foi amanhecido o tempo de amar. somos aqueles em pranto, chorando o luto. não escapamos da dor na multidão imensa. isso é a solidão. dispersa ela cai em todos meus tormentos. respiro aos poucos, apreendendo teu sabor de suco, Professor, estou escrevendo coisas sem fé neste nosso mundo, digo para o distraído de mim, continuo só na solidão em mim, Não demora pra midizer o que vai querer demim pois quero tudo com voce, Meu Deus, quero gritar, não sei gritar, levo a mão à boca para calar-me. aprendi a me calar. querer tudo de alguém é insuportável até pra deus. mesmo ele que suporta os nossos erros e nos recebe de braços abertos, Eis a nossa imperfeição, não perdoamos sem amor, queremos tudo perfumado, Pra quê vai servir, nos pergunta, eu não sei lê. não entendem porque ela não é parecidinha com as gostosonas da televisão, os chinelos são havaianas, são falsos, temos medo do que não conseguimos ver além dos nossos olhos e nariz de verniz


 
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terça-feira, 27 de outubro de 2015

Teatro Pedagógico: quebra-cabeças

Parábolas de uma Professora



quebra-cabeças


baitasar e paulo e marko




perco a confiança na escola. os alunos perdem a confiança de aprender em nossa habilidade, talento e vontade de educar. reprovamos sem levar em conta a avaliação da aprendizagem de tudo que não sabemos medir. perdemos os pequenos ou grandes trabalhos que deveriam ter sido entregues e não foram. ficaram esquecidos em casa. em alguma gaveta, em cima da mesa. afinal, tinham grande ou nenhuma importância? jamais houve discussões dos conteúdos que não soubemos. ignoramos modos de proceder ou agir que não percebemos, sonhos que desconhecemos, vontades que quebramos, vozes que não escutamos. e reprovamos quando as mudanças de comportamento chegam muito tarde. de que adianta apresentar sua marcha para frente, muito no final do ano letivo? usamos a linha de tempo para definir o espaço de avaliação permitido. às mudanças possíveis do aluno não encobre todo um ano de desleixo e incapacidades, então, reprovamos. tantas horas tantos minutos tanta vida

Aguinaldo, eu me sinto muito oprimida pelo movimento constante e inexaurível dos ponteiros do relógio que anuncia a cada tic tac: ‘o tempo se esgota’. Preciso buscar meus filhos na escola. Teremos mais algum aviso ou discussão relevante?

acemira impacientemente indicava não querer mais papo-furado nem diagonal em curva. a medida da duração dos fenômenos esgotara sua capacidade de refletir. vivemos o tempo que se esgota antes de começar. cansara e tinha as têmporas latejando. expressava no olhar uma disposição de adeus. a escola que se acabe ou bum. as crianças se eduquem nas ruas, onde parece haver mais sabedoria, a famosa sabedoria popular. no final, solicitava o seu esquecimento e que fizéssemos todos de conta que morreu. implorava: não apareçam com missa de sétimo dia

Paulo, se nossos alunos estão desaforados e recusamos sua deseducação, somos seus opressores?

Desaforados? Meu Deus, eles estão em luta corporal! Gente em que mundo vocês vivem? Estamos apanhando com palavrões! Empurrões! Ameaças! Socos! Tijoladas!

Opressores? Meus deuses, esses pequenos marginais são as vítimas? Essas prematuras barrigas e indecentes bundas oferecidas são as vítimas? Nós, somos nós as sacrificadas nesta epidemia diária!

o aguinaldo balançou com a intervenção da acemira e da cabayba. e as ameaças com olhares raivosamente fulminantes. a raiva que nega a vida energiza apenas o egoísmo do individualismo, mas continuou o pequeno broto desta discussão. a polêmica sem afetação é difícil. somos fáceis de sermos os enganados com este discurso de salvadores da pátria das chuteiras ou descalça ou descamisada. é tudo a mesma coisa na fantasia de ter os sonhos brilhando no néon falso de uma humanidade que necessita de salvadores e gerentes. um mundo colorido por mentiras e fraudes, feito um pastel vazio, sem recheio, habitado por pequenos presentinhos trocados no abrigo. bolinhos ou pãezinhos. beicinhos adocicados. não precisamos de amores exagerados ou exasperados, gritando palavras de ordem, indicando caminhos com setas imensas que impedem o olhar por quem passa. a vida não se repete sempre igual, mas precisamos acordar para a vida que se quer e também me quer amorosa lúcida amorosa comprometida amorosa

Reclamamos e proclamamos nossas dores exigindo que outro faça a sua parte e a nossa, afinal os fantasmas são os mesmos.

Eliza, se grito com minhas alunas e meus alunos e não os quero correndo livres e quando correm digo aos berros que estão correndo pelo deserto: eu sou o caminho. A verdade é a minha. Eles precisam seguir por aqui, pois estou coberto do amor por minha sabedoria, consigo salvar a todos nós, eu e vocês. Todos são meu brinquedo, um pouco de exagero com o cachorrinho ou gatinho que me espera e que me dança quando chego. Nada de mal os alcançará enquanto forem os meus brinquedos. Meus momentos serão os vossos momentos e assim não desaparecerão do mundo, brotaram, novamente, até serem colhidos para enfeitar nossos vasos sanitários, sem uso. Como voltar e caminhar ao teu lado se eu estou um passo a frente com os ombros arqueados do peso carregado e sem coragem de parar? Brincar? Não temos tempo. É preciso seguir e marchar ao encontro deste tempo das vacas gordas que se passa e nada espera. Vou vivendo a sucessão dos anos dias horas, que me envolve sem passado presente futuro para teus convites de chás e bolos. Sou a minha e a tua voz, não precisa e nem sabes o que falar. Nem todo dia é dia de viver. Aguinaldo, com sinceridade, responda: como não fugir de alguém assim, tão completa, em si mesma? Juro que tanto ardor por si, em nome de todos, me assusta e acaba com minha boa fé. Como construir uma ou várias vidas novas, onde se constrói esta nova consciência? Num casarão vazio é impossível!

Camila, você está sugerindo para esquecermos os conteúdos e nos determos sobre os métodos?

Gurias e guris, por que não posso construir, também, o conhecimento com meus alunos e alunas através da sua forma de falar e registrar suas histórias? Como vou aprender com minha pequena aluna manicure ou jogadora de sinuca ou cuidadora de crianças pequenas, que se sustenta e também alimenta?

Camila, reaprenderei nos sonhos que tive escutando. Que tal os sonhos dos meninos com a bola? Ninguém vive para sofrer. A escola que conheço não sabe e não pergunta sobre aquilo que os olhos infantis enxergam, somos os professores e eles e elas são apenas as alunas e os alunos perdidos que nos buscam para mudar no mundo, Correm risco de vida se não me escutam, grito, Correm risco de identidade se não questionam minha conversa entornada, murmuro entre um pesadelo e outro, navegando pelos mares da vida sem leme, acompanhando os ventos e tufões e parando na calmaria. Cultura popular e sabedoria popular subsistem aos apelos que nos consomem às recordações antigas. A oratória dos velhos e das velhas é um tapa na cara de sujeitos e predicados normais. Os caminhos precisam ser escolhidos por todos e todas misturados na balbúrdia dos sonhos de humanidade.

sinto-me apaixonada e andando no campo afora, tomando mate amargo com folhas moídas grossas. o vento da liberdade me batendo ao rosto. a palma da mão aquecida pelo seio moreno da cuia enquanto nossos dedos metidos uns por entre os outros nos fazem caminhar lado a lado, ao mesmo passo. passos sólidos e seguros. nosso abrigo da alma, onde a cada dia tenho mais vontade de viver pertinho da tua vida, te sentindo colado, abrigado em mim. acordei com o espírito em desordem e com o coração em alvoroço, ainda apaixonada e te amando. como é difícil acordar calada. o amor faz com que o tempo pare? vontade de ver vontade de escutar vontade de tocar vontade de aninhar, vontade de sentir tuas mãos e ouvir, te amo! ando, por estes dias, amando-te ferozmente. querendo-o em todo instante sem juízo, como se a vida fosse esgotar daqui a pouco. saudade. deixar o tempo passar sem adonar-se de ninguém, igual ele passa e não nos pede consentimento

Aliás, Eliza, não querer se apossar de nada nem ninguém, deveria ser a nossa tentação. Quero somente contar os causos, protegido pelo meu poncho, seguido pelo meu pingo, assim, apenas indo pelo rincão, encontrando os amigos sem as marcas de arreios de couro, deitando nas palhas, ouvindo as vozes que chegam da estância. Tenho outro caminho, vivo as belezas e as dores da minha pele negra ou escura ou parda. Carrego em minha história sofrimentos e degradações, mas também correm em meu sangue as lembranças históricas de reis e rainhas, Quem sabe da minha herança de raça? A minha dor é apenas uma exposição cronológica de fatos?

também quero saber enquanto procuro pelo olhar que continua pairando acima. ausente

Aguinaldo, eu não acredito em trabalho apolítico. Mesmo quando negamos nosso envolvimento político na prática pedagógica estamos exercendo política em todos os seus sentidos. O ato de negar que temos uma cara política em nossa prática pedagógica não nos faz mulheres e homens apolíticos, talvez ingênuos, mas, na maioria das vezes, astutos senhores da palavra que modifica ou faz permanecer inalterada nossa condição de senhores, pois a vida em comunidade nos necessita, pensamos, a ideologia da negação atualiza e protege seu investimento em nós, perdoa nossa omissão, mas temos como prêmio a perda dos nossos sonhos. O rufar dos tambores da vida evoca ação, não basta gritar amém, santo amém, senhor. É preciso sentir o fio da lâmina nos rasgando em sulcos nas alturas e descobrir que nossa neutralidade é uma mentira.

É preciso descobrir os testículos arrancados e não se acusar do descuido. Não se arrancam os ovos do escroto, senão como sina de obediência absoluta. Não me machuquem mais, pois sou vago e imparcial, sou de vocês.

O que foi isso, Anita?

Desculpem, uma invenção para desviar.

A neutralidade nunca existiu. Claro, que podemos continuar fingindo que não temos outras intenções que proteger crianças, jovens e adultos tão desprotegidos, afirmando que somente a escola o fará melhor, pois somos o caminho e a luz.

ficamos em silêncio tentando entender a camila a eliza a cabayba a acemira o aguinaldo o paulo o marko, será isso mesmo? como somos tão lentinhos e lentinhas para entender o óbvio, escutava no silêncio daquele agrupamento. ainda não entenderam que aprovar ou reprovar é somente uma questão ideológica, assumida pela sociedade que nos diz como devemos vender nossas aulas. não existe teoria da educação que reforce o reprovar como necessário para o aprender e apreender. ninguém aprende porque reprovou, fica-se sabendo porque passamos a estabelecer relações que no antes não conseguíamos organizar

Mas e os conhecimentos pedagógicos alicerçados na experiência do professor devem ser esquecidos?

o professor aguinaldo consciente dos olhares fulminantes da acemira continuava animado e disposto. queria aprofundar as questões que não estavam na pauta da reunião, mas que invariavelmente se tornavam, como a visão estimulante de uma maçã a sua primeira mordida, mais saborosas e carnudas na doce volúpia do pecado. qual pecado? quem decide, isto pode ou não pode

Querido Aguinaldo, Não existe a neutralidade, a não ser na imaginação inocente de educadores escravizados, que não conseguem nem ao menos sonhar com a sua libertação. Melhor dito, não se reconhecem escravos, nem opressores...

Se choram de vítimas!

Fazem promessas tolas e não se mostram. Não são traidores quando inventam desculpas para sair do show, nem cruéis quando pedem desculpas institucionais por suas mentiras. A pedagogia neutra se torna especialmente cruel quando nega a existência histórica da outra maneira de ensinar conteúdos, com todos os sentidos e prazeres, conceitos submetidos às nossas condições limitadas de vida para agir na sua amplitude. Ninguém existe em cima do muro, pois não existe muro. O que encontro são cercas de arame farpado com pontas de fio prontas para machucar, não se consegue ficar apoiado em cercas farpadas, estamos de um lado ou de outro, mas podemos estar envolvidos por correntes ou submetidos em cavernas. Dizemos que ensinamos quando apenas estamos transcrevendo obras já pensadas, textos já escritos, nossa palavra não trás uma compreensão nova ou uma re-leitura do já lido, nossa tradução é literal sem chances para o pensamento do novo que sempre vem, estatisticamente, talvez, quem sabe, nunca se tenha usado tanto a “cópia xerográfica”, em uma abundância de imitação e reprodução. Terminamos empurrados para um canto sem amorosidade e esquecidos.

quem irá nos escutar? ninguém escuta nossos desabafos. a menina vem e passa e não nos olha. precisamos perceber que estamos em um mundo de informação instantânea, não depende de nós para chegar no seu destino cada vez mais impessoal, rápido e decidido longe da escola. não fazemos nenhuma diferença! nossa diferença, neste mundo frio e mecânico, está no caráter amoroso que podemos emprestar as informações que chegam aos homens e as mulheres, viventes deste nosso tempo. nossa missão humana é maior que mostrar contas e verbos, ou avaliar ditados. temos a missão inalienável de apresentar o ser humano afetivo aos nossos alunos. o mundo já se encarregou de mostrar-nos como pode envolver aos homens e as mulheres e tornar as pessoas inumanas no ódio, na ganância e no jogo das aparências e poder, cabe a escola com seus professores e professoras mostrar e provar que existe amorosidade no conhecimento. expor à vista que existe responsabilidade nas decisões tomadas com todos e com todas, pode existir beleza na disputa de idéias com a participação de todos e todas. escolher o diretor da escola não precisa ser uma to de ódio. neste vácuo social de amorosidade, que se apresenta à escola, estamos convidados e convidadas a caminharmos juntos, como homens novos e mulheres novas, forjados e forjadas em cadeiras e mesas de fórmica verde, buscando, mais que aprender vocábulos, discutir e observar e interferir em novas maneiras e formas de escrever e pensar. precisamos fazer diferente do que até hoje foi feito. necessitamos divergir do que fomos ou acreditamos ser. nossos goles de chá não precisam de açúcar ou adoçante.

procuro no dicionário o significado para feliz e encontro algumas indicações que deveriam estabelecer princípios pedagógicos básicos na sua execução, ser feliz é alegria, contentamento, Nosso cotidiano escolar é alegre e nossos alunos e nossas alunas nos procuram com contentamento, pergunto-vos, logo, Nosso fazer pedagógico é feliz, me gritam alienadas senhoras com seus carrões e senhores com seus livrões. preciso de um chá de boldo, tenho cólicas e gases. não me sinto querendo sair, o paulo e o marko são muito bons, gosto muito de escutá-los, é um privilégio conviver com suas reflexões. suas falas me obrigam refletir e olhar com serenidade à minha prática, sem culpas ou vergonhas tolas, nem ufanismos ingênuos de triunfos temporários ao me jurar mudando. pura aflição e nenhum resultado, quando apresentamos, apenas sob outro aspecto e solenemente, uma das nossas tantas faces às pessoas. a novidade é quando colocamos em prática o nosso discurso sem disfarces, pois sabemos de onde ele vem. sem quebra-cabeças



não sou tratada como sapeca quando chego, existo, sou real e vou à frente aos poucos, com a confiança que nos inspiram a bondade e o poder de Deus, me sinto recompensada, enquanto rezo as letras da minha igreja. meus colegas, também querem seus diplomas de doutores, aprovados e alfabetizados, Levanta que este é o meu computador, o grito ecoara por todas as máquinas sem lógica que se olharam momentaneamente com medo do patrão, Cheguei atrasado porque estava jogando uma bolinha. o que nós temos com os seus sonhos de jogar bola, Viva um sonho por vez, sinto vontade de dar conselhos, minha idade o permitiria, Não dá pra ficar assim suado, pergunta já desanimado, eis o primeiro teste de paciência para o professor abá, de novo a vontade de ser estúpida e mandá-lo tomar um banho, para depois, e só depois de perfumado, aparecer, tento e consigo me controlar, não é difícil, Denilsor o melo do Brasil o me palitanha tabano é dia pasota a casada ele teso dão te dosa sodão que ele nha quão renha casa a mosa é do me a fesanão fela é casa da a patão danha do moe noa que pão danha, apenas consegui entender que o jogador denílson é o melhor do brasil, não quis perguntar em que código a mensagem está escrita, Professor, eu estou conversando com uma menina em Manaus, ela perguntou minha idade, o que respondo, perguntam até se devem responder com verdade ou com mentiras, O professor de informaticas que ajuda todos nos a escrever no computador e ler para se alquem na vida para aranjar um emprego melhor. não sei se acredito nesta conversa de ser alguém na vida, me faz parecer e acreditar que não fui ninguém até hoje, apenas mais uma dona de casa mal amada, esperando o intervalo do futebol para ter um sorriso, um carinho. ou o grito de alguém que não me ama querendo a sua cervejinha gelada, quando tudo corre bem, bem dito, às vezes, um empate mal jogado põe tudo a perder, é a cara amarrada, o silêncio, a distância, a falta de carinho. ontem a vitória foi assegurada, mas já estou vacinada com as mudanças de humor e as impotências, Posso escrever qualquer nome, as dúvidas não cessam, não param e não podem parar. as novidades são muitas e estavam represadas no ignorar das pessoas, sabíamos que não sabíamos, mas não sabíamos que a gente sabia tanto, Hoje eu estou muito feliz porque estou esgrevendo alqunhas coisas gue nunca pencei gue pudese escrever. minha colega é feliz por conseguir escrever algumas coisinhas, não acreditava que poderia. acho que a escola por muito tempo também não acreditou nela, tem noites que acho que ainda não acredita, Ninguém quer conversar comigo. esse não consegue encontrar ninguém no computador para bater papo, Vocês sabem o que é um grupo de bate-papo, pergunta aos filhos da ignorância, Meu professor é muito paciente, tem muito jeito para ensinar, por isso acho que vou tentar aprender tudo que puder, tudo ilusão passageira, esta daí, precisa de carinho para aprender mais que as outras de nós. é tão difícil aprender aos gritos de vamos lá, é agora ou nunca. pra mim valeu o nunca, estou tentando até hoje superar o jamais vai aprender. são coisas da vida, Alguém pode, por favor, me ajudar aqui, mais um pedido de socorro, Com guem estou falando guantos anos voce tem gual seu nome onde moras gual seu telefone poderia dizer algumas coisas para nos se concer melhor gual seu esporte favorito o meu eginastica. tentativas de falar escrevendo. conversar ouvindo as letras na tela do computador, Consegui. a vitória pessoal chega para alguns mais cedo que para outros. somos estimulados por estas pequenas vitórias, pequenas certezas, todos podemos conseguir, Pedi pas filha dele manda ascrinças compra uma bebida. escrevemos pequenos diários do nosso cotidiano, montamos aos pouquinhos pequenas historinhas que desenham nossas vidas, Demora pra responder, peço paciência para todos, os aprendizes e os ensinadores. nunca entendi porque tinha que aprender do mesmo jeito, e no mesmo tempo, que as outras, nem porque todos saiam para passear e eu ficava na biblioteca, Eu estou muito feliz de estudar e cada vez aprendo cada vez mais, sinto que todos estamos muito felizes de estarmos juntos aprendendo e nos ensinando, Conseguiu o quê, além do silêncio nada se escuta. para mim, as perguntas não têm respostas fáceis. muitas vezes, não existem. elas permanecem no ar quando anoitece e, ainda estarão lá, ao amanhecer, em obediência pelo dizer ou escrever que virá, Levanta que este é o meu computador.

têm coisas que não se muda de uma aula para outra, precisa de uma vida inteira para se aprender, Suor, pergunta-se e não consegue nem disfarçá-lo, corre pela testa, desce por suas bochechas gordas e vermelhas, invade suas axilas e escorre nas suas costas, num sulco único que conduz as pernas, Onde, eis uma pergunta que mexe com minha capacidade de ser gentil quando estou profundamente irritada, conto até dez para evitar o estrago, consigo mais uma vez, Gosto de estudar e quero aprender mais, quero aprender as matemáticas e fazer a continuação, se Deus quiser. também, gosto de todas as professoras. aprendi bastante este ano, me sinto como minha colega, gostando e amando todos que se envolvem com a gente, aqui na escola, É belo modelar uma estátua, só não é belo amar uma estátua, preciso do sangue fervendo, em completa ebulição, Desemprego, eu não consigo emprego eles não cojia ma pesoa eles pedem rejerencia a minia patoa. querida, eles pedem referência até pra gente entrar na escola, muitos não entram por sua classificação como bomba, aluno-bomba, é tanto papel que nem vale a pena guardar, rasgo e ponho fora, Pra quê vai servir... Eu não sei lê, não entendem porque ela não é parecidinha com as gostosonas da televisão, os chinelos não são havaianas, são verdadeiros, mas faço lembrar que a sua voz continua a mesma. voltei a estudar para melhorar de vida e encontrar um amor de verdade. precisamos ter onde deixar os filhos, Ainda terei os meus, precisarei da escola. lá na vila a polícia só entra pra juntar o corpo, ninguém pode denunciar, Policial e políticos são todos corruptos, O inferno é aqui e agora, O dinheiro e a bala matam e matam
 


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Parábolas de uma Professora

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Obrigado, Milton!

Milton Nascimento



O Que Foi Feito Devera





O Que Foi Feito Devera

Elis Regina


O que foi feito, amigo, de tudo que a gente sonhou
O que foi feito da vida, o que foi feito do amor
Quisera encontrar aquele verso menino
Que escrevi há tantos anos atrás
Falo assim sem saudade, falo assim por saber
Se muito vale o já feito, mais vale o que será
Mas vale o que será

E o que foi feito é preciso conhecer para melhor prosseguir
Falo assim sem tristeza, falo por acreditar
Que é cobrando o que fomos que nós iremos crescer
Nós iremos crescer, outros outubros virão
Outras manhãs, plenas de sol e de luz
Alertem todos alarmas que o homem que eu era voltou
A tribo toda reunida, ração dividida ao sol
E nossa Vera Cruz, quando o descanso era luta pelo pão
E aventura sem par
Quando o cansaço era rio e rio qualquer dava pé
E a cabeça rolava num gira-girar de amor
E até mesmo a fé não era cega nem nada
Era só nuvem no céu e raiz
Hoje essa vida só cabe na palma da minha paixão
Devera nunca se acabe, abelha fazendo o seu mel
No pranto que criei, nem vá dormir como pedra e esquecer
O que foi feito de nós


Composição: Fernando Brant / Márcio Borges / Milton Nascimento




Travessia






Travessia

Milton Nascimento



Quando você foi embora fez-se noite em meu viver
Forte eu sou, mas não tem jeito
Hoje eu tenho que chorar
Minha casa não é minha e nem é meu este lugar
Estou só e não resisto, muito tenho pra falar


Solto a voz nas estradas, já não quero parar
Meu caminho é de pedra, como posso sonhar
Sonho feito de brisa, vento vem terminar
Vou fechar o meu pranto, vou querer me matar


Vou seguindo pela vida me esquecendo de você
Eu não quero mais a morte, tenho muito o que viver
Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer
Já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver


Solto a voz nas estradas, já não quero parar
Meu caminho é de pedra, como posso sonhar
Sonho feito de brisa, vento vem terminar
Vou fechar o meu pranto, vou querer me matar


Vou seguindo pela vida me esquecendo de você
Eu não quero mais a morte, tenho muito o que viver
Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer
Já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver



Composição: Fernando Brant / Milton Nascimento



Coração de Estudante






Canção da América






Maria Maria





Maria, Maria

Milton Nascimento



Maria, Maria
É um dom, uma certa magia
Uma força que nos alerta
Uma mulher que merece
Viver e amar
Como outra qualquer
Do planeta





Maria, Maria
É o som, é a cor, é o suor
É a dose mais forte e lenta
De uma gente que ri
Quando deve chorar
E não vive, apenas aguenta





Mas é preciso ter força
É preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria
Mistura a dor e a alegria





Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida





Mas é preciso ter força
É preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria
Mistura a dor e a alegria





Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida





Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!

Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!!

Lá Lá Lá Lerererê Lerererê

Lá Lá Lá Lerererê Lerererê

Hei! Hei! Hei! Hei!

Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!

Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!

Lá Lá Lá Lerererê Lerererê!

Lá Lá Lá Lerererê Lerererê!




Mas é preciso ter força
É preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria
Mistura a dor e a alegria





Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho, sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida





Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!

Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!!

Lá Lá Lá Lerererê Lerererê

Lá Lá Lá Lerererê Lerererê

Hei! Hei! Hei! Hei!

Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!

Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!

Lá Lá Lá Lerererê Lerererê!

Lá Lá Lá Lerererê Lerererê!


Composição: Fernando Brant / Milton Nascimento



Cálice



Gil e Chico, mas sem o Milton...




Gilberto Gil explica a música "Cálice"


domingo, 25 de outubro de 2015

Histórias de avoinha: a lenta eternidade de num sê mais

Ensaio 64B – 2ª edição 1ª reimpressão 


a lenta eternidade de num sê mais 


baitasar



o medo da morte num parece sê coisa pouca. E num é. O desjuntamento da vida é prosa qui arroto nenhum desdenha. Nem antes. Nem agora. Nem depois. Uns inté finge qui num morre e fica pra semente. Pode inté sê qui alguma semente seja quase a mesma coisa, mais quase tumbém num é coisa. Num adianta fingí esquecimento da vida com medo da morte e querê sabê antes da morte mais qui ela qué mostrá. Desocupá a vida e virá desaparecimento num precisa aprendê. Vai acontecê. Num tem birra nem choro qui muda o qui já tá escrito qui vai terminá. Mais num tem necessidade estudá a lição da morte mais qui estudá a lição da vida. Estudo descabido. Tudo vira desaparecimento e cabe no lugá qui é um não-lugar. Num tem assunto qui muda isso. Nem beicinho adoçado. Num carece precisá tê nome. Pode inté sê qui avoinha num tá com sabedoria pra ensiná, mais avoinha tumbém acabô. Ficô desaproveitada na vida. Os vivo carece aprendê e se ensiná da vida, num precisa sabê da morte mais qui da vida

a villa num tava preparada pra avoinha nem pra ameaça do siô padre acabá com a dominguêra. Era o mesmo qui fechá as porta do paraíso. Os vilêro num aceitava essa decisão de deixá os sacramento do pai fiô e espritu santu dentro do casarão fechado e as gentes boa do lado qui num tá dentro. A fome do pão e a sede da uva. O corpo e o sangue do sacramento. A confirmação da graça. A doçura das reza adoça a grosseria e o descuido

Isso, não!

num tem vivo qui sabe escutá os ensinamento dos espritu, é assim, num tem otro jeito, é dois mundo diferente. Num dá pra ficá nos dois. E ocê, mifioneto, tem certeza qui é o espritu de avoinha palavreando ou é as lembrança da avoinha em ocê? O auditório de bode-irmão qui parecia desanimado subiu nos pé. O ameaço papal formô um desagradável e áspero encontro. As mão dos bode se fechô, as do siô padre gesticulava e pedia quietude. Mais paciência. Ninguém parecia dá atenção nas palavra dita da boca do siô padre inté ela sê dita e saí da boca zanzando de ouvido em ouvido

Ameaço só é dado aos inimigos!

gritô um bode anônimo, que sem nome é todos os bode. Mais ruim qui sê bode sem nome é num sê bode, sê os bicho qui cuida da comodidade dos bode. O teatro na plateia precisava sê do mesmo tamanho do ameaço, mais o siô padre num parecia sê do tipo fácil qui pode sê intimado, inté purqui o seu chefe mandava em tudo, Meus filhos! A dor ensina o pecador que rezar é bom e dá alívio, e parô, sabia qui a gritaria podia ficá maió qui o ferimento podia doê, sabia quando num tava no agrado dos bode

As domingueiras e os enforcamentos são bons atrativos para aliviar a raiva. E adoçar a vida comendo caramelo e rapadura. E não é só isso, sinhô Padre. Todos sabemos que rezar ensina e matar educa. Não podemos ficar só com a educação!

uma terra de hôme bondoso e muié piedosa qui num suportava os domingo na villa sem as dominguêra ou enforcamento. A luz das manhã no dia do descanso era meió rezando ou babando. Triste. Mais as pessoa doce da bondade fazia parecê alegre. Uns torcia pra tudo acabá logo, otros preferia qui num fosse tão logo. Depois da chegada do marcado, o siô padre subia no palanque da forca e aproveitava pra anunciá os recado do seu deus. Falava doce pro candidato da forca, mais deixava claro, no palavrório dito, qui era meió tê o amedrontamento da valentia, pedí arrependimento e fugí do inferno. Valentia só ao lado de deus. Só o arrependimento em vida salvava da morte eterna

erguia a mão e a voz pra anunciá, Em nome do Pai Filho e Espírito Santo, o sinhô Deus o perdoa, mas a lei dos homens não pode lhe perdoar. Seja feita a justiça dos homens para a honra e a glória do Sinhô.

enquanto o siô padre descia do palco, o algoz ajustava a corda no meió lugá do pescoço. Depois dos ajuste feito esperava o siná do magistrado-juiz da villa. A dô pode inté ensiná, mais num educa. Mifioneto, oiá a dô alheia desembaraçado da própria dô é a derrota da vida. A vitória alimentosa da morte é quando o medo vence

as família ficava reunida na praça das árvore dos enforcado. As criança solta. Correndo. Chorando. Comendo rapadura. As moça, caramelo. Otras fazendo birra. As mais mocinha namorando de longe. Oiando sem oiá. As beata esfregando as coxa. Retorcendo as mão. Úmida. Incendiava a praça. A corda impaciente. A corda esticada. Uma qui otra boca rezando. Rogando alguma graça. Esperando a porta da morte se abrí e algum perdão pudesse escapá. Um ruído. Um vento. Tocá a dô e a doença. A salvação. A verdade. A praça dos enforcado era o último refúgio do perdão. A morte pública. O teatro. Esperando alguma desgraça. A corda num podia arrebentá. Os marido e as esposa encontrava a intenção de num medí as palavara, E se a corda desatar, marido?

Isso não vai acontecer, mulher. Mas caso aconteça, não muda nada. É só melhorar o nó. Nada mais. E continuar a cerimônia.

É certo enforcar duas vezes o mesmo homem?

Ordem de juiz é para ser cumprida.

E vosmecê acredita nisso?

Bandido bom é bandido morto. Se uma, duas, três vezes... não importa.

enforcamento marcado era pescoço quebrado, num tinha mudança do castigo. E domingo sem dominguêra era risco exagerado. O silêncio da futura morte era rompido pelos avisos do ambulante vendendo as rapadura mais dura e os caramelo mais açucarado da villa, Quebra-queixo! Doce! Melado! Caramelo! Venha adoçar mais sua vida!

as mãe gritando os nome dos fiô perdido naquele alvoroço murmurativo. Os encantadô das mocinha desprevenida cochichando. Segredinho amoroso. As reza das beata. A benção do padre. E o estalo do pescoço. O gemido murcho do inútil. O mijo escorrendo da perna inté o chão. Menos um bandido ruim mais um bandido bão. O silêncio da ponta da corda esticada balançando tranquilo. O caminho inté o otro mundo sendo feito. As rapadura quebra-queixo colocando mais doce na vida, Que seja infinito o que nos faz bem, mulher! Um domingo abençoado para nós, meu marido!

Essa decisão do Padre não é concebível!

o legisladô bicão levantô a voz mais qui a maioria daquela assembleia. Reforçô o assunto da feitura do imposto provisório e o erguimento da obra santa, Nada muito pesado que faça doer nem tão leve que não fosse valer o esforço para tamanha incomodação.

Não é para tanto, voltô a dizê o magistrado juiz

as lei foi tramada pra corrigí os nosso defeito. Depois foi inventado o magistrado juiz qui lê as lei e pune os nosso defeito conforme as lei feita. Mais pensando meió, a vida é cheia das armadilha dos egoísmo e vaidade, num tem nada inventado pra lê a cabeça do magistrado juiz. Nem corrigí os defeito dele. Ou foi ele qui inventô deus? Se foi, ele é mais qui deus

os bode dobrô os joêio e já tava no seu lugá de sentá. A teatração exigia mais calma, meió comedimento e maió perícia com os palavreado. Os aviso foi dum lado e otro, mais num ia diminuí o tamanho dos ânimo exaltado. Podia parecê, mais num era queda de braço entre o bem e o mal, o céu e o inferno. Era preciso tê cuidado de cismá com as força metida naquela confusão. O magistrado juiz recomeçô o qui num tinha terminado de dizê, Não é para tanto esse assunto da lista dos doadores ou a lei do imposto da Santa. Não podemos transformar isso tudo em penalidade aos nossos cidadãos do bem. Ajudou, sobe; não ajudou, desce!

o siô padre num se ergueu nas perna, mais subiu a voz pra cima do palavreado do magistrado juiz

É bem assim, mas é claro, também, quem ajuda fica mais acima nas considerações e agradecimentos finais da missa. Acho justo. Quem ajuda menos, sobe, é claro, mas não tanto. E quem não ajuda não vai descer, mas o tamanho da ajuda marca a medida da altura para cima nas redondezas do céu. Ou o tempo de permanência no mesmo lugar, uma espécie de reformatório.

o chefe das pulícia pediu o uso do palavrório e anunciô o qui já se sabia, ele gostava de buscá o meliante descumpridô das lei. Queria sabê se era pra fazê cumprí as lei da doação. Mais cabia ao magistrado juiz enxergá as medida qui cada pilantra e malfeitô merecia tê. Acreditava qui pilantra só aprende com a dô. Era sua obrigação fazê o pilantra apanhá. Num gostava, pelo menos, era o dito pelo chefe das pulícia, mais depois de colocá as mão no fugitivo das lei ele esperava o palavreado do magistrado juiz, O incomodo é que na maioria das vezes não é possível esperar pelo sinhô Magistrado Juiz, nem pelo inferno. Tem negro que pede pelo corretivo, gostava de repetí esse seu lema favorito quando perdia um qui otro preto pelo falecimento

Isso tudo é balela!

Conversa mole!

Se tudo que já foi doado fosse usado com economia, sem abuso das mãos dos pretos, já teríamos erguido duas igrejas! Em vez de uma casa santa, teríamos duas igrejas!

o qui foi feito daquelas pessoa hospitalêra, cantada nos verso da poesia? Num sei num sei se existiu ou é uma lembrança inventada. No meu feitio de lembrá, sempre foi gente qui pisava em quem num jurava lhe sê de uso. É gente dona de gente inté hoje. Veja o exemplo do visconde bomfim. Ele num plantava nem criava nada nas terra qui sua família tomô posse purqui quis tomá. Lá nos arredó do caminho do meio. Deixava os mato ruim crescê, mais avisava qui o plano precisava esperá passá o tempo qui havia de passá. Depois, dia pra mais ou menos, sem pressa de tá desabastecido do pão ou leite, sem dô, sem vento gelado, prudente, sem ficá misturado no amontoado da fome, vendia um qui otro pedacinho das terra no justo preço qui pagô. Pelo mêno, essa era a discursêria dada, toda veiz qui aparecia compradô interessado. Mais tudo qui era do conhecimento sobre o visconde, num acreditava. Num teve preço qui ele pagô, munto mêno, a sua família. Um fiô de grilêro como o visconde num compra terra, quando munto, ele compra o escrituradô pra fazê a papelada duma compra qui nunca existiu. Na continuação, gostava de afirmá qui a lei era boa, mais um pouco dura com gente como ele qui produzia a riqueza da villa. Num se amoldava com os imposto cobrado, A vereança da Câmara não pode ceder nem pode aprovar outro imposto!

sabia qui na causa contra os imposto num tava sozinho, os fala mansa e adocicada tava do seu lado, o lado de num querê imposto. Tinha os calado: gente nebulosa, secreta e duvidosa. Ele num sabia munto o qui eles pensava, mais apostava qui tumbém num pagava. Ninguém paga. Só paga obrigado, Os fazedores das leis enlouqueceram!

a reunião da irmandade virô panela no fogo. E se os tamanho das labareda num diminuí a fartura dos alimento vai queimá

Aumentar os impostos, onde?

No charque e no couro!

A la puta!

o grito de horrô foi dado e saiu do meio pro fundo do casarão. Os bode levantô dos assento. As palavra ia e vinha, dum lado e otro. Tudo borbuiando. O siô padre mexeu nas brasa do fogo com coié de pau, corre o perigo de ficá sem a coié e o pau

Meus filhos, vamos conversar sobre as doações...

Essas doações não chegam?

Nem pensar em aumentos sobre o imposto do charque!

Gran putas!

otro grito de guerra, esse foi mais curto e grosso, um gatilho disparado do meio pra frente. O salão remexido borbuiava embaixo da tapadura da panela. Os cozido secava. A tampa pulava. As janela estremecia, embruiava a barriga dos mais desacostumado

Logo agora, os filhos-das-putas platinas estão de bobagem, querendo compensação para o nosso gado pastar do lado deles. São chantagistas! Desavergonhados!

Mas é a Lei!

Só é Lei o que nos serve! Nós fazemos a Lei!

E se for uma vergonha a Lei?

Padre, a Vergonha deixa de ser uma Vergonha quando se torna Lei!

Está bem. Uma peste assim e precisamos ficar amigos dos fazedores da Lei.

Padre, só permitimos aos amigos redigirem a Lei. Limpamos cuidadosamente os obstáculos que nos atrapalham.

Beba mais um pouco do vinho, Padre.

E o Imperador?

a purugunta do siô padre fez caí o silêncio. Parecido com o silêncio aborrecido do esposo qui chega em casa contrariado, num sopra um ruído, inté qui solta um suspiro qui a esposa agradece, agora ela já pode pensá qui sabe o qui é, Ah, se eu pudesse partir, e ela, a esposa, tumbém solta o seu zumbido de reclamação, Tudo vai melhorar, meu esposo. Vamos comer, otro gemido do esposo, a mesma lamentação, Partir só depois de morrer, uma mancomunação qui se eleva e afasta o corpo da muié e do hôme, mais segura o lugá da boa família nas dominguêra. A luta das aparência parece sê mais ensurdecedora qui a longa e entediante eternidade qui se aproxima

Esse Imperador? Que nenhum monarquista bajulador nos ouça, baixô a voz e a irmandade acompanhô o sigilo, fez mutismo pra ouví a resposta sobre o imperadô, esse tal imperador portugues porque brasileiro ele não é, está mais preocupado com os lençois e as rameiras. É o flagelo da família e dos costumes certos da igreja. Não vai durar muito.

o qui agitava os estancêros era o medo da diminuição dos lucro, num era nenhum sentimento de humanidade ou uma luta por esperança. A luta era pra tê mais qui os otro, parecê sê uma ventania de destruição qui num tem moldura. O cio da longa e entediante eternidade se aproxima com fome de corpo... novo ou véio, tanto faz. Sempre tem fome. A vida num dá conta da fome da morte e inventa as guerra

Já começaram a derrama?

Ainda não, mas é uma questão que o tempo não resolve. Essa confusão vem, mais dia menos dia.

Meus filhos... meus filhos... o charque não é assunto para ser resolvido aqui.

o siô padre num queria um assunto tão amotinadô misturado com as suas doação. Era um tempo de munta desconfiança e revolta dos estancêros com o governo imperiá

Não sinhô Padre! Aqui é um bom lugar para o começo de alguma coisa.

Uma revolta!

Isso mesmo!

Ninguém aguenta mais! Os impostos do comércio do couro e do charque é assunto de muita importância!

o siô padre sabe qui o meió jeito de perdê as amizade é ficá devendo o dinhêro emprestado. E imposto é tomá emprestado pra fazê bão uso pra tudo qui é gente, mais quem decide o qui é gente e o qui gente num é

Os fios-da-puta platinos estão colocando o couro e o charque mais barato direto em São Paulo e no Rio de Janeiro!

os estancêro tava tudo em pé, aos grito disso e daquilo. É gente boa de grito. O padre sentô. A hora de levantá ia voltá. Precisava tê aturamento e confiança. Num podia prevê tudo. Os grito continuava

Se o Governo Imperial não quer baixar os tributos do nosso charque e do nosso couro, então que faça tributação em cima dos platinos!

o siô padre sentado. Ele sabia tê confiança, coisa aprendida com a agonia e a poesia da cruz, mais precisava cuidá de vigiá as blasfêmia e as rachadura das confiança. Ele mesmo já foi o pedaço pervertido de algum imbecil caridoso, em um tempo antes da igreja em sua vida. Sabia qui num podia se descuidá, mais num sabia a hora de fazê silêncio, Meu filho, vosmecê está desatinado, eu sei que aumentar os impostos...

Desculpe, Padre! Mas não sou seu filho. Sou o que o Governo Imperial conhece por sucre. Estancieiro-soldado. E do jeito que os platino são tratados, chega a dar na vontade ficar do lado deles. Riscar no chão outras fronteiras!

o siô padre perdeu o momento de guardá as palavra, mais num perdeu o tino de tudo. Continuô sentado. Num era bão manté aquela discussão toda com o fio do pavio erguido em cima da perna. Inté qui o legisladô bicão pediu otro uso da palavra, já devidamente alevantado

Mas quem foi que anunciou o aumento nos tributos do charque?

o chefe das pulícia da villa num deu tempo pra resposta alguma, ainda com as mão manchada do bode, levantô a voz pra se anunciá na controvérsia

Assim, com esse modo de falar cheio de intrigas e mentiras, vosmecês acabam criando uma guerra civil!


otra veiz o mesmo aviso, ninguém parece escutá



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Leia também:


Histórias de avoinha: somos um acampamento militar
Ensaio 63B – 2ª edição 1ª reimpressão


Histórias de avoinha: uma garrafa de vinho e um naco de queijo
Ensaio 65B – 2ª edição 1ª reimpressão

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Cada um ao nascer traz sua dose de amor

Maiakóvski


Amo

A Lila Brik



COMUMENTE É ASSIM

Cada um ao nascer
traz sua dose de amor,
mas os empregos,
o dinheiro,
tudo isso,
nos resseca o solo do coração.
Sobre o coração levamos o corpo,
sobre o corpo a camisa,
mas isto é pouco.
Alguém
imbecilmente
inventou os punhos
e sobre os peitos
fez correr o amido de engomar.
Quando velhos se arrependem.
A mulher se pinta.
O homem faz ginástica
pelo sistema Müller.
Mas é tarde.
A pele enche-se de rugas.
O amor floresce,
floresce,
e depois desfolha.


GAROTO

Fui agraciado com o amor sem limites.
Mas, quando garoto,
a gente preocupada trabalhava
e eu escapava
para as margens do rio Rion
e vagava sem fazer nada.
Aborrecia-se minha mãe:
“Garoto danado!”
Meu pai me ameaçava com o cinturão.
Mas eu,
com três rublos falsos,
jogava com os soldados sob os muros.
Sem o peso da camisa,
sem o peso das botas,
de costas ou de barriga no chão,
torrava-me ao sol de Kutaís
até sentir pontadas no coração.
O sol se assombrava:
“Daquele tamaninho
e com um tal coração!
Vai partir-lhe a espinha!
Como, será que cabem
neste tico de gente
o rio,
o coração,
eu
e cem quilômetros de montanhas?”


ADOLESCENTE

A juventude tem mil ocupações.
Estudamos gramática até ficar zonzos.
A mim
me expulsaram do quinto ano
e fui entupir os cárceres de Moscou.
Em nosso pequeno mundo caseiro
brotam pelos divãs
poetas de melenas fartas.
Que esperar desses líricos bichanos?
Eu, no entanto,
aprendi a amar no cárcere.
Que vale comparado com isto
a tristeza do bosque de Boulogne?
Que valem comparados com isto
suspiros ante a paisagem do mar?
Eu, pois,
me enamorei da janelinha da cela 103
da “oficina de pompas fúnebres”.
Há gente que vê o sol todos os dias
e se enche de presunção.
“Não valem muito esses raiozinhos”
dizem.
Eu, então,
por um raiozinho de sol amarelo
dançando em minha parede
teria dado todo um mundo.


MINHA UNIVERSIDADE

Conheceis o francês,
sabeis dividir,
multiplicar,
declinar com perfeição.
Pois, declinai!
Mas sabeis por acaso
cantar em dueto com os edifícios?
Entendeis por acaso
a linguagem dos bondes?
O pintainho humano
mal abandona a casca
atraca-se aos livros
e a resmas de cadernos.
Eu aprendi o alfabeto nos letreiros
folheando páginas de estanho e ferro.
Os professores tomam a terra
e a descarnam
e a descascam
para afinal ensinar:
“Toda ela não passa dum globinho!”
Eu com os costados aprendi geografia.
Não foi à toa que tanto dormi no chão.
Os historiadores levantam
a angustiante questão:
- Era ou não roxa a barba de Barba Roxa?
Que me importa!
Não costumo remexer o pó dessas velharias!
Mas das ruas de Moscou
conheço todas as histórias.
Uma vez instruídos,
há os que propõem
a agradar às damas,
fazendo soar no crânio suas poucas idéias,
como pobres moedas numa caixa de pau.
Eu, somente com os edifícios, conversava.
Somente os canos d'água me respondiam.
Os tetos como orelhas espichando
suas lucarnas atentas
aguardavam as palavras
que eu lhes deitaria.
Depois
noite a dentro
uns com os outros
palravam
girando suas línguas de catavento.


ADULTOS

Os adultos fazem negócios.
Têm rublos nos bolsos.
Quer amor? Pois não!
Ei-lo por cem rublos!
E eu, sem casa e sem teto,
com as mãos metidas nos bolsos rasgados,
vagava assombrado.
À noite
vestis os melhores trajes
e ides descansar sobre viúvas ou casadas.
A mim
Moscou me sufocava de abraços
com seus infinitos anéis de praças.
Nos corações, nos relógios
bate o pêndulo dos amantes.
Como se exaltam as duplas no leito de amor!
Eu, que sou a Praça da Paixão,
surpreendo o pulsar selvagem
do coração das capitais.
Desabotoado, o coração quase de fora,
abria-me ao sol e aos jatos dágua.
Entrai com vossas paixões!
Galgai-me com vossos amores!
Doravante não sou mais dono de meu coração!
Nos demais – eu sei,
qualquer um sabe -
o coração tem domicílio
no peito.
Comigo
a anatomia ficou louca.
Sou todo coração -
em todas as partes palpita.
Oh! quantas são as primaveras
em vinte anos acesas nesta fornalha!
Uma tal carga
acumulada
torna-se simplesmente insuportável.
Insuportável
não para o verso
de veras.


O QUE ACONTECEU

Mais do que é permitido,
mais do que é preciso,
como um delírio de poeta
sobrecarregando o sonho:
a pelota do coração tornou-se enorme,
enorme o amor,
enorme o ódio.
Sob o fardo,
as pernas vão vacilantes.
Tu o sabes,
sou bem fornido,
entretanto me arrasto,
apêndice do coração,
vergando as espáduas gigantes.
Encho-me dum leite de versos
e, sem poder transbordar,
encho-me mais e mais.


CLAMO

Levantei-o como um atleta,
levei-o como um acrobata,
como se levam os candidatos ao comício,
como nas aldeias se toca a rebate
nos dias de incêndio.
Clamava:
“Aqui está, aqui! Tomai-o!”
Quando este corpanzil se punha a uivar,
as donas
disparando
pelo pó, pelo barro ou pela neve,
como um foguete fugiam de mim.
- “Para nós, algo um tanto menor,
algo assim como um tango…”
Não posso levá-lo
e carrego meu fardo.
Quero arremessá-lo fora
e sei, não o farei.
Os arcos de minhas costelas não resistem.
Sob a pressão
range a caixa torácica.


TU

Entraste.
A sério, olhaste
a estatura,
o bramido
e simplesmente adivinhaste:
uma criança.
Tomaste,
arrancaste-me o coração
e simplesmente foste com ele jogar
como uma menina com sua bola.
E todas,
como se vissem um milagre,
senhoras e senhoritas exclamaram:
- A esse amá-lo?
Se se atira em cima,
derruba a gente!
Ela, com certeza, é domadora!
Por certo, saiu duma jaula!
E eu de júbilo
esqueci o jugo.
Louco de alegria
saltava
como em casamento de índio,
tão leve,
tão bem me sentia.


IMPOSSÍVEL

Sozinho não posso
carregar um piano
e menos ainda um cofre-forte.
Como poderia então
retomar de ti meu coração
e carregá-lo de volta?
Os banqueiros dizem com razão:
“Quando nos faltam bolsos,
nós que somos muitíssimo ricos,
guardamos o dinheiro no banco”.
Em ti
depositei meu amor,
tesouro encerrado em caixa de ferro,
e ando por aí
como um Creso contente.
É natural, pois,
quando me dá vontade,
que eu retire um sorriso,
a metade de um sorriso
ou menos até
e indo com as donas
eu gaste depois da meia-noite
uns quantos rublos de lirismo à toa.


O QUE ACONTECEU COMIGO

As esquadras acodem ao porto.
O trem corre para as estações.
Eu, mais depressa ainda,
vou a ti,
atraído, arrebatado,
pois que te amo.
Assim como se apeia
o avarento cavaleiro de Púchkin,
alegre por encafuar-se em seu sótão,
assim eu
regresso ati, amada,
com o coração encantado de mim.
Ficais contentes de retornar à casa.
Ali vos livrais da sujeira,
raspando-vos, lavando-vos,
fazendo a barba.
Assim retorno eu a ti.
Por acaso,
indo a ti não volto à minha casa?
Gente terrena ao seio da terra volta.
Sempre volvemos à nossa meta final.
Assim eu,
em tua direção sempre me inclino
apenas nos separamos
mal acabamos de nos ver.


DEDUÇÃO

Não acabarão com o amor,
nem as rusgas,
nem a distância.
Está provado,
pensado,
verificado.
Aqui levanto solene
minha estrofe de mil dedos
e faço o juramento:
Amo
firme,
fiel
e verdadeiramente.



( Maiakóvski )
(1922 – em Maiacovski – Antologia Poética – tradução E. Carrera Guerra, ed. Max Limonad/SP).

Gabriela Mistral (Chile)

Los Poetas del Amor (33)



La Bailarina

La bailarina ahora está danzando 
la danza del perder cuanto tenía. 
Deja caer todo lo que ella había, 
padres y hermanos, huertos y campiñas, 
el rumor de su río, los caminos, 
el cuento de su hogar, su propio rostro 
y su nombre, y los juegos de su infancia 
como quien deja todo lo que tuvo 
caer de cuello, de seno y de alma.

En el filo del día y el solsticio 
baila riendo su cabal despojo. 
Lo que avientan sus brazos es el mundo 
que ama y detesta, que sonríe y mata, 
la tierra puesta a vendimia de sangre
la noche de los hartos que no duermen 
y la dentera del que no ha posada.

Sin nombre, raza ni credo, desnuda 
de todo y de sí misma, da su entrega, 
hermosa y pura, de pies voladores. 
Sacudida como árbol y en el centro 
de la tornada, vuelta testimonio.

No está danzando el vuelo de albatroses 
salpicados de sal y juegos de olas;
tampoco el alzamiento y la derrota 
de los cañaverales fustigados.
Tampoco el viento agitador de velas, 
ni la sonrisa de las altas hierbas.

El nombre no le den de su bautismo. 
Se soltò de su casta y de su carne 
sumiò la canturía de su sangre 
y la balada de su adolescencia.

Sin saberlo le echamos nuestras vidas 
como una roja veste envenenada 
y baila así mordida de serpientes 
que alácritas y libres la repechan, 
y la dejan caer en estandarte 
vencido o en guirnalda hecha pedazos.

Sonámbula, mudada en lo que odia, 
sigue danzando sin saberse ajena 
sus muecas aventando y recogiendo
jadeadora de nuestro jadeo, 
cortando el aire que no la refresca 
única y torbellino, vil y pura.

Somos nosotros su jadeado pecho, 
su palidez exangüe, el loco grito
tirado hacia el poniente y el levante
la roja calentura de sus venas, 
el olvido del Dios de sus infancias. 







Mario Benedetti (Uruguay)




Si DIOS Fuera Una Mujer


¿Y si Dios fuera una mujer?
Juan Gelman

¿y si dios fuera mujer?
pregunta juan sin inmutarse

vaya vaya si dios fuera mujer
es posible que agnósticos y ateos
no dijéramos no con la cabeza
y dijéramos sí con las entrañas

tal vez nos acercáramos a su divina
desnudez
para besar sus pies no de bronce
su pubis no de piedra
sus pechos no de mármol
sus labios no de yeso

si dios fuera mujer la abrazaríamos
para arrancarla de su lontananza
y no habría que jurar
hasta que la muerte nos separe
ya que sería inmortal por antonomasia
y en vez de transmitirnos sida o pánico
nos contagiaría su inmortalidad

si dios fuera mujer no se instalaría
lejana en el reino de los cielos
sino que nos aguardaría en el zaguán del
infierno
con sus brazos no cerrados
su rosa no de plástico
y su amor no de ángeles

ay dios mío dios mío
si hasta siempre y desde siempre
fueras una mujer
qué lindo escándalo sería
qué venturosa espléndida imposible
prodigiosa blasfemia






Julio Cortázar (Argentina)




Los Amigos

En el tabaco, en el café, en el vino,
al borde de la noche se levantan 
como esas voces que a lo lejos cantan
sin que se sepa qué, por el camino.

Livianamente hermanos del destino, 
dióscuros, sombras pálidas, me espantan
las moscas de los hábitos, me aguantan 
que siga a flote entre tanto remolino.

Los muertos hablan más pero al oído,
y los vivos son mano tibia y techo,
suma de lo ganado y lo perdido.

Así un día en la barca de la sombra,
de tanta ausencia abrigará mi pecho
esta antigua ternura que los nombra.




Vou-me Embora pra Pasárgada

Manuel Bandeira




Vou-me Embora pra Pasárgada




Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei




Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive




E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada




Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar




E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.




Texto extraído do livro "Bandeira a Vida Inteira", Editora Alumbramento – Rio de Janeiro, 1986, pág. 90




Ciência e Letras






Trem de Ferro




Os alunos do terceiro ano do ensino médio musicalizam a poesia "Trem de Ferro" de Manuel Bandeira,sob apoio e coordenação da Professora Marli Lopes (Língua Portuguesa). Os alunos abordam a poesia em forma de Musica Popular Brasileira.




Trem de Ferro

Café com pão
Café com pão
Café com pão

Virge Maria que foi isso maquinista?

Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força
(trem de ferro, trem de ferro)

Oô...
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
Da ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
De cantar!
Oô...
(café com pão é muito bom)

Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá
Oô...
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matar minha sede
Oô...
Vou mimbora vou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de Ouricuri
Oô...

Vaou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente...
(trem de ferro, trem de ferro)





Nu

Quando estás vestida,
Ninguém imagina
Os mundos que escondes
Sob as tuas roupas.

(Assim, quando é dia,
Não temos noção
Dos astros que luzem
No profundo céu.

Mas a noite é nua,
E, nua na noite,
Palpitam teus mundos
E os mundos da noite.

Brilham teus joelhos,
Brilha o teu umbigo,
Brilha toda a tua
Lira abdominal.

Teus exíguos
- Como na rijeza
Do tronco robusto
Dois frutos pequenos -

Brilham.) Ah, teus seios!
Teus duros mamilos!
Teu dorso! Teus flancos!
Ah, tuas espáduas!

Se nua, teus olhos
Ficam nus também:
Teu olhar, mais longe,
Mais lento, mais líquido.

Então, dentro deles,
Bóio, nado, salto
Baixo num mergulho
Perpendicular.

Baixo até o mais fundo
De teu ser, lá onde
Me sorri tu'alma
Nua, nua, nua...




"Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.
— Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples!"







Desencanto


Eu faço versos como quem chora
De desalento. . . de desencanto. . .
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente. . .
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

– Eu faço versos como quem morre.







Minha Grande Ternura



Minha grande ternura
Pelos passarinhos mortos;
Pelas pequeninas aranhas.

Minha grande ternura
Pelas mulheres que foram meninas bonitas
E ficaram mulheres feias;
Pelas mulheres que foram desejáveis
E deixaram de o ser.
Pelas mulheres que me amaram
E que eu não pude amar.

Minha grande ternura
Pelos poemas que
Não consegui realizar.

Minha grande ternura
Pelas amadas que
Envelheceram sem maldade.

Minha grande ternura
Pelas gotas de orvalho que
São o único enfeite de um túmulo.




Ninguém Sabe O Que É Um Poema

Ricardo Azevedo


Às vezes


Às vezes sou pensamento
Às vezes sou emoção
Às vezes misturo os dois
Às vezes não

Às vezes eu tenho pressa
Às vezes vou de mansinho
Não sei se sou avião
Ou passarinho

Às vezes eu vivo aqui
Às vezes vivo na luta
Às vezes abro o portão
E vou pra rua

Às vezes olho pra fora
Às vezes olho pra dentro
E quando não sei a hora
Eu pego e invento

Às vezes faço o que devo
Às vezes faço o que quero
Às vezes não sei se quero
Ou se não quero

Às vezes sinto tristeza
Às vezes sinto alegria
Às vezes eu viro noite
Às vezes, dia

Às vezes ouço que é sim
Às vezes ouço que é não
Às vezes só ouço
Meu coração

Às vezes tenho o problema
Às vezes tenho a resposta
Às vezes tem solução
Às vezes não

Às vezes eu sou menino
Às vezes me sinto velho
Às vezes acho que o tempo
É um mistério

Às vezes sinto esperança
Às vezes quase desisto
Às vezes nem sei por que
Eu existo


Às vezes venho pra junto

Às vezes ando sozinho
E fico lá na distância
Pertinho