terça-feira, 5 de janeiro de 2016

XXVI – Mitologia dos Orixás: Ajê Xalugá [243] [244]

Ajê Xalugá


Reginaldo Prandi




Ajê Xalugá cega os homens e também perde a visão


Ajê Xalugá é a irmã mais nova de Iemanjá. Ambas são as filhas prediletas de Olocum. Quando a imensidão das águas foi criada, Olocum dividiu os mares com suas filhas e cada uma reinou numa diferente região do oceano. Eram nove as filhas de Olocum e por isso se diz são nove as Iemanjá. Dizem que Iemanjá é a mais velha Olocum e que Ajê Xalugá é a Olocum caçula, mas de fato ambas são irmãs apenas.

Olocum deu às suas filhas os mares e também todo o segredo que há neles. Mas nenhuma delas conhece os segredos todos, que são os segredos de Olocum.

Ajê Xalugá era, porém, muito curiosa e sempre ia bisbilhotar em todos os mares. Quando Olocum saía para o mundo, Ajê Xalugá fazia subir a maré e ia atrás cavalgando sobre as ondas. Ia disfarçada sobre as ondas, na forma de espuma borbulhante que brilhava ao sol tão intensamente. Tão intenso e atrativo era tal brilho que às vezes cegava as pessoas que olhavam.

Um dia Olocum disse à sua filha caçula:

“O que dás para os outros tu também terás, serás vista pelos outros como te mostrares. Este será o teu segredo, mas saiba que qualquer segredo é sempre perigoso. ”

Na próxima vez que Ajê Xalugá saiu nas ondas, acompanhando, disfarçada, as andanças de Olocum, seu brilho era ainda maior, porque maior era seu orgulho, agora detentora do segredo. Muitos homens e mulheres olhavam admirados o brilho intenso das ondas do mar e cada um com o brilho ficou cego.

Sim, o seu poder cegava os homens e as mulheres.

Mas quando Ajê Xalugá também perdeu a visão, ela entendeu o sentido do segredo. Iemanjá está sempre com ela, quando sai para passear nas ondas. Ela é a irmã mais nova de Iemanjá.

[243]




Ajê Xalugá faz seu amado próspero e rico


Ajê Xalugá vive no fundo do oceano, onde se senta num trono de coral, num belo sítio no profundo chão do mar. Toda a riqueza da terra não suplanta a riqueza do mar, pois tudo o que há na terra é levado para o mar e o que é próprio do mar na terra não existe.

Ali está Ajê Xalugá entre algas e cardumes e outras maravilhas do lugar. Às vezes sai sobre as ondas, seguindo Olocum em seus passeios. Quando as ondas avançam muito praia adentro, ela aproveita e desce à terra para distrair-se. Foi assim que certa vez ela conheceu um homem do mercado, um comerciante que vendia azeite-de-denê, e por ele logo se apaixonou. O comerciante também desejou Xalugá e pediu para com ela se casar. Não podendo viver fora da água, ela levou o seu amado para o fundo do mar e para sua tristeza ele se afogou, morreu.

Tempos depois noutra onda, voltou Ajê Xalugá à terra firme e foi mais uma vez visitar o mercado do lugar. De novo conheceu um mercador e ambos se apaixonaram. Não podendo dar-lhe amor, para não matá-lo, antes de retornar a seu trono submarino, ela o cobriu de riquezas, fazendo dele o homem mais importante do mercado. Há sempre prosperidade quando Ajê Xalugá vem visitar os homens que trabalham nos mercados.

O mar é o mais rico tesouro existente e tudo isso pertence a Ajê Xalugá.

Ajê Xalugá é a dona da riqueza. É ela quem pode dar prosperidade ao homem. E, do seu trono de coral na areia, Ajê Xalugá ajuda quem precisa e quem lhe oferece presentes no mar.

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Leia também:

XXV – Mitologia dos Orixás: Onilé [242]

XXVII – Mitologia dos Orixás: Odudua [245] [247]


Reginaldo Prandi, paulista de Potirendaba e professor titular de sociologia da Universidade de São Paulo, é autor de três dezenas de livros. Pela editora Hucitec publicou Os candomblés de São Paulo, pela Edusp, Um sopro do Espírito, e pela Cosac Naify, Os príncipes do destino. Dele, a Companhia das Letras publicou também Segredos guardados: orixás na alma brasileira; Morte nos búzios; Ifá, o Adivinho; Xangô, o Trovão; Oxumarê, o Arco-Íris; Contos e lendas afro-brasileiros: a criação do mundo; Minha querida assombração; Jogo de escolhas e Feliz Aniversário.



Prandi, Reginaldo. Mitologia dos Orixás / Reginaldo Prandi; ilustrações de Pedro Rafael. - São Paulo: Companhia das Letras, 2001.



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