Parábolas de uma Professora
arena e touros e toureiros
baitasar e paulo e marko
uma arena com touros arena sem touros e os toureiros, continuo em silêncio, sentada na fria e desconfortável fórmica verde. quanto é incômodo ficar todo esse tempo sentada, ouvindo e ouvindo palavras ocas, outras nem tanto, tantas sem significado. muitas que não entendi, mas gostei da música. não é a mesma coisa quando as palavras se importam. vou pedir para ir ao banheiro, acho que preciso fazer xixi, quem sabe dá tempo de fumar um cigarro e caminhar um pouquinho pelo pátio, curtindo um sol delicioso, Não pode, você acabou de vir do recreio, Vou chorar, Chora, então! Vou fazer um escândalo. Faz! isso não vai dar certo, outro pequeno disfarce, quem sabe faço uma cara fingida de urgência. sou capaz de usar o tal crachá só para escapar pelos corredores, Mas no recreio não dá vontade, Se não dá no recreio, não dá na sala de aula, é uma ordem
paro meus fingimentos para ouvir, queria tanto ouvir e escutar, não consigo, eu sei, meus preconceitos do corporativismo atávico, precisamos nos unir contra os poderososos da vez no poder, e o nosso poder imensurável da educação? preferimos apenas ensinar
Reuniões podem ser uma agressão ao organismo. Discutimos, nos olhamos, fazemos alianças, votamos e fica tudo como antes, tentando ouvir e escutar o mesmo botto, superou sua pequena crise e voltou, sua cabeça continuava aborrascada, queria e não queria ficar calado, escolhe falar e ir-se mal para casa, falando ou não, continuaria mal
É isso que acontece quando as coisas vêm prontas de cima... da rainha. E nos cabe trabalhar. As operárias trabalham. Todo esse papo-furado de vota ou não vota é perda de tempo e humor, sempre acabamos votando, a lia já declarara sua negação a nova regra de comportamento que surge do coletivo conformado dos professores. graças ao seu grito duvido que aconteça algo, outra reunião em que o que é decidido não funciona. ora nos parecemos formigas urbanas ora sem capacidade e vontade, insetos sociais
Colegas, não somos o resultado do pensamento coletivo, mas um pesadelo corporativo. Só conseguimos agir em grupo na defesa de nosso próprio corpo, não escapamos disso e a nossa rainha nos conhece. Mas somos nós que fazemos a rainha.
Nenhuma discussão dá garantia de sucesso e harmonia nas decisões.
a desirée saindo de sua neutralidade e, ainda, tentando entender tudo que aconteceu a partir de sua auto-propaganda: quero trabalhar e não me deixam
Aqui só temos é muito blá-blá-blá.
eis a ofélia já completamente indignada, mas contida por acemira
Desculpem, mas vejo diferente. Nossas discussões desnudam o fazer na sala de aula ou, como querem alguns, desnudam o desfazer, também.
lia mostrava nos olhos e no tom de sua voz o que era importante para ela nestas provocações verbais semanais
Piada! Ninguém sabe de ninguém em sala de aula, nem mesmo os alunos sabem, às vezes, pensam que sabem o que lhes está acontecendo.
Uma reunião com muita catarse, todas se parece muito, ano após ano
cabayba deixara escapar um grunhido de desprezo por todos e todas. não se imagina salvadora do mundo. ataca aos que não rezam sua cartilha coletivista. e relega o andar inferior do subsolo aos plebeus e escravos, a orbe popular. diz querer muito assistir as tais aulas conscientizadoras e humanizadoras com alguns de seus alunos mais abjetos e intransponíveis na arte de negar a vida, Queridas, a vida é um show de horror! Os alunos? Eles não sabem sentar na cadeira, sentam nas classes, não sabem chamar os colegas pelo nome, respeitam mais o tapa e o palavrão. Não sabem pedir licença, preferem empurrar e passar por cima. Não sabem copiar um texto do quadro-negro, não sabem o nome da professora, chamam de tia ou de bruxa. Não sabem fazer uma conta de cabeça, preferem a calculadora do celular. Não sabem dizer obrigado. Não sabem não sabem não sabem, só está faltando começarem a cuspir no chão. Chega?
acemira translúcida e eloquente se deixava esquecer dos ponteiros do tempo para ouvir os ataques, sentia-se forte e infinita, Perfeita a descrição do nosso aluno! Acrescentaria que a família abandona esses delinquentes aqui, deixa tudo com a escola e as professoras e vamos ver como é que fica! Criem nossos filhos e filhas! Assim fica fácil fazer filho. Bolsa família, bolsa isso, bolsa aquilo. Eu é que pago com o meu imposto essa festa toda!
bravo, gurias! grita silenciosamente botto. seus olhos brilham de medo. as antenas se tocam, batem palmas em ovação descontrolada. aquele que não indo fica, mas atormentado pela dúvida de um chamamento impossível de negar
A escola está virando depósito de ferro-novo que já se sabe como ficará quando metal velho, os sinais estão em toda parte, é só uma questão de observar, ter vontade de espiar a corrosão, cabayba não cansa nem se permite interromper
É o tal do salve-se quem puder!
Muito bem, Ofélia, grita quase que explosivamente botto, não estava só em seu desespero e desencontros, aplaudia em pé e gritava ‘olé, olé’, confundia a reunião com uma arena com touros. não era só mais uma formiga, mas o toureador com antenas. levava a espada junto ao pano tingido de vermelho, molhado de suor em patas tensas e trêmulas, sujas de giz, atiçava o touro com o olhar, a voz e a maneira arrogante de caminhar, como se ele, touro, não existisse e o perigo fosse uma invenção pedagógica. estava pronto para o golpe final, o touro seria morto mais uma vez, mas, hoje, por uma formiga doméstica louca e fantasma. parecia mais forte e bravo do que certamente era, mas apenas uma estocada e amanheceria no açougue. sua memória cantada em versos enquanto seu sangue pisoteado no chão da arena. misturado com a terra. escorrendo até o seu destino final: o matadouro. Os seus miolos e tendões transformados em lingüiça de açougue. seus músculos em churrasco ou virando charque. na próxima segunda-feira, ou terça, ou quarta, ou outro touro, na mesma arena ou outra arena, será morto porque sempre foi assim e continuará. nada muda na inconsciência doentia. o bem faz tudo certo como deve ser, como sempre foi, como é ensinado. na dúvida, os que não vierem até a arena serão castrados, terão seus testículos assados na brasa formando iguaria única servida com cachaça e com farofa. e dormirão pelas ruas. indiferentes ao nosso mundo. um outro mundo possível. um cheiro de carne queimada vagueia nas salas e corredores
chega de mortes!
bobagem, outras virão. sempre chegam
sorte ou azar? quem pode saber? o gado não ter nascido e crescido, criados no brasil em época de fartura nos engenhos de açúcar. um tempo onde havia proibição de abater reses. tempo em que se abatiam pretos. a força de trabalho do gado era mais importante que servir de alimento. e o quê mudou para os pretos? por sorte não serviram de alimento. o gado utilizado como elemento motor nos trapiches e engenhos puxando carros de lenha e açúcar. sorte das crianças e desempregados e desempregadas de hoje que trabalham nos engenhos e canaviais substituindo os touros, as vacas e os bois, não correm os riscos de irem levadas e jogadas em alguma praça de matadores ou açougueiros defendendo suas vidas contra algum toureador de conteúdos. claro, devem continuar nos cantos e recantos em que foram jogados. o carro de bois chegou a ser o meio de transportes preferencial no interior brasileiro, mas chegou o tempo do gado bovino na alimentação da população. e tudo mudou. criou-se o movimento pastoril que deu origem aos latifúndios e, também, ao papeleiro puxando o seu carrinho, Se ao touro fosse dado o direito de escolher entre morrer mansamente no abate de todos os dias, após um ruminar tranqüilo e sons de eeeia boi, no interior de imensos campos vazios ou em uma vida de enfrentar a morte de frente: atacando o matador, o toureador. mostrando inconformidade, valentia e ousadia, o que ele escolheria, não sei, O que você escolheria, me pergunta o touro, para mim, a solução se vem tarde, se mete o boi
desde muito, reclamamos dos nossos salários ou o desconhecimento de qualquer reconhecimento, mas continuamos negando ao gado a chance da consciência de si mesmo. ano após ano, queremos que o gado se descubra gado. deixamos para os oprimidos a luta da conscientização e toda a enxurrada de coisas desagradáveis. basta ensinar ler escrever as letras e os números. o resto não tem pressa. acreditamos que temos muitos amigos, um dia algum deles fala com outro amigo e outra amiga e decidem que eu sou velha e querida e mereço mais que recebi por toda minha vida: poder não é só regalia, mas pode ser maldição. e me aposento para começar a viver
Meu Deus, tenho que derrotar um touro por dia, durante duzentos dias por ano!
exclama ofélia, não sei se inconformada com os touros ou o número de dias ou se pela obrigação de abatê-los, pequenos ou grandes touros. não pode evitar, ela precisa sobreviver. eu não quero sobreviver assim. minha opção tem que ser pela sobrevivência de todos, não quero ficar agonizantemente atrapalhando o pátio, olhando de cabeça baixa o chão pouco lajeado e observando o sangue escuro que escorre misturado aos touros abatidos e moles pela imobilidade da morte anunciada, indiferentes a dor, o fedor de mijo, E o miolos, o que fiz com os miolos
Comigo, eles não têm moleza. Quero a tabuada na ponta da língua, celular não entra nas minhas aulas, chicle faço cuspir na hora e esta história de estou com sede e quero fazer xixi é uma vez só, na segunda vez o olhar tem que denunciar a verdade, se desconfiar do olhar e não me convencer da necessidade urgente, o abusado fica sentadinho. Até hoje, o desafio do olhar nunca falhou, layla discorria da sua prática e dos artifícios que foi encontrando e formatando ao longo dos anos para sobreviver a si mesma
falo com meu silêncio sobre o desafio de buscar nas práticas sociais nossa fonte de inspiração para o trabalho no cotidiano da escola, pois, nos colocará, frente a frente, com esta estrutura desnaturada, bárbara e cruel, e nos impulsionará a uma ação transformadora. conduzir alunos e alunas a compreenderem sua realidade através da relação dialética entre o “saber popular” e o “saber científico” nos leva a entender o mundo que nos cerca. também precisamos entender esse mundo. precisamos parar de repetir o que lemos em jornais sem nenhuma reflexão. quando buscamos a emancipação de nossos alunos e alunas, através da problematização de sua realidade e conceitos, também estaremos nos compreendendo enquanto sujeitos de construção desta realidade. preciso dizer ao professor do corredor que é preciso vislumbrar o “inédito” na nossa prática pedagógica, acreditar nele. só assim, a cada dia, estaremos concretizando nossos sonhos e construindo outros, Quero contribuir neste sonho coletivo, Como, Não posso calar! Não pode calar! Falar! Meu Deus, falar! Tem medo de falar, Estou apenas cansada, no intervalo de um jogo muito longo... de muitos anos
E agora... se o aluno colocar o crachá poderá ir ao banheiro?
questiona abigail, onde esta a importância disto? são apenas crianças querendo fazer xixi ou ficar bem longe de nós... do mesmo andar de todos os dias, do mesmo fazer de todos os instantes, têm tanto desdém quanto qualquer um de nós pelo monótono e enfadonho repetir-se. alunos e alunas amarrados ao professor ou professora por um ano letivo inteiro. não podem querer ou não querer, é assim e pronto. não importa se aprendo melhor com esse e não com aquele. aqui, isso não conta. adapate-se. a escola é adaptação
Depende! Não vou gastar crachá com aluno mentiroso, vai esperar o recreio, layla parecia saída de um convento militar, pronta para pôr a todos sob o regime da ordem unida pela oração
fico pensando nas etapas históricas da educação, as suas escolas, os seus professores, e percebo que não mudamos muito da educação medieval. Avançamos, mas ainda tratamos nossos alunos como objetos inanimados. atrapalhando-nos com sua tirania dissimulada de indisciplina e desamor. saio para fumar outro cigarro. sigo meus passos silenciosos, são pequenos infratores. escondo-me nas sombras, os rolos de fumaça me exibem, delatam meu esconderijo. acho que um dia deixaria de fumar se a causa for nobre e feliz para mim
hoje, o professor abá reuniu todos, brincamos de fazer e responder perguntas e chegamos a falar de política. ele parecia meio aborrecido com o mundo inteiro, pergunta se votamos no Lula, nunca terá certeza. tem que ficar meio aborrecidinho é com os aqueles professores e professoras tagarelas de estarem com saudades do tempo das provas e o poder de não passar a gente. tempo de dtaduras. um dia a escola do povo virá pra ficar. coitados destes professoraços quando perderem o provão da reprovação. sempre que acomodo a cabeça de pensar esses provões fico na pior. sensação de opressão, deprimida oprimida encolhida, toda recolhida num canto da sala de aula, esperando a sentença da morte, efeito dominó. infelizes do jeito que são, gritando e reprovando para dar acomodação na sala de aula, Será que nós... os sem saber mais, só aprendemos na adoração e devoção? eu queria mesmo era conversar com meus professores, vizinho pra vizinho, feito gente que conversa com gente e se ensina com os olhos ou com os gestos do corpo, escutando com o coração e não, apenas, com um dicionário nas mãos, Eu gostaria muito de saber o que eles falam entre eles sobre todos nós, Acho que eles não falam sobre a gente, não têm tempo a perder com coisas sem importância, devem estar agora conversando sobre a escola e o salário e o que fazer pra melhorá-lo, Aposto que falam sobre as coisas que governam nossas vidas, Bobagens, falam sobre bobagens. Pensam saídas que devemos fazer e pensar. Duvido demais disto tudo, acho que ficam falando e pensando neles mesmos, se mostrando no carro novo, na pintura nova da casa, reclamando do quanto gastam com o colégio dos filhos, exibindo suas fotografias das férias ou do feriadão, namorando alguns e blefando com outras, São apenas professores, Não mesmo, eles sabem muito mais que nós.
depois da conversação e do intervalo voltamos para trabalhar de verdade nos computadores. enquanto uns se conectavam a internet para conversar com o computador, alguns outros iam para o facebook, apenas para conversar entre eles, vários ficavam no fazedor de texto, brincando seriamente de escrever e aprender. não entendo porque o professor abá, sentado e assistindo a tudo, ficava sorrindo enquanto meus colegas e minhas colegas corriam de um a outro e mais alguém explicando, e muitas vezes, interferindo e fazendo e re-fazendo as palavras e as frases, era uma farra, não sei como alguém consegue aprender assim, mas aprendemos, e o professor sentado, nos observando e sorrindo. coitado, está aprendendo com a vida, é muita coisa no mesmo espaço de tempo, espero que não perca a ternura de ser professor e amigo, Como pode aprender assim tão rapidinho, Quem, Aquela coleguinha, lembra, pergunto, Havaianas, me perguntam, Acertaram em cheio
Parábolas de uma Professora
Teatro Pedagógico: currículo maluco
Parábolas de uma Professora
arena e touros e toureiros
baitasar e paulo e marko
uma arena com touros arena sem touros e os toureiros, continuo em silêncio, sentada na fria e desconfortável fórmica verde. quanto é incômodo ficar todo esse tempo sentada, ouvindo e ouvindo palavras ocas, outras nem tanto, tantas sem significado. muitas que não entendi, mas gostei da música. não é a mesma coisa quando as palavras se importam. vou pedir para ir ao banheiro, acho que preciso fazer xixi, quem sabe dá tempo de fumar um cigarro e caminhar um pouquinho pelo pátio, curtindo um sol delicioso, Não pode, você acabou de vir do recreio, Vou chorar, Chora, então! Vou fazer um escândalo. Faz! isso não vai dar certo, outro pequeno disfarce, quem sabe faço uma cara fingida de urgência. sou capaz de usar o tal crachá só para escapar pelos corredores, Mas no recreio não dá vontade, Se não dá no recreio, não dá na sala de aula, é uma ordem
paro meus fingimentos para ouvir, queria tanto ouvir e escutar, não consigo, eu sei, meus preconceitos do corporativismo atávico, precisamos nos unir contra os poderososos da vez no poder, e o nosso poder imensurável da educação? preferimos apenas ensinar
Reuniões podem ser uma agressão ao organismo. Discutimos, nos olhamos, fazemos alianças, votamos e fica tudo como antes, tentando ouvir e escutar o mesmo botto, superou sua pequena crise e voltou, sua cabeça continuava aborrascada, queria e não queria ficar calado, escolhe falar e ir-se mal para casa, falando ou não, continuaria mal
É isso que acontece quando as coisas vêm prontas de cima... da rainha. E nos cabe trabalhar. As operárias trabalham. Todo esse papo-furado de vota ou não vota é perda de tempo e humor, sempre acabamos votando, a lia já declarara sua negação a nova regra de comportamento que surge do coletivo conformado dos professores. graças ao seu grito duvido que aconteça algo, outra reunião em que o que é decidido não funciona. ora nos parecemos formigas urbanas ora sem capacidade e vontade, insetos sociais
Colegas, não somos o resultado do pensamento coletivo, mas um pesadelo corporativo. Só conseguimos agir em grupo na defesa de nosso próprio corpo, não escapamos disso e a nossa rainha nos conhece. Mas somos nós que fazemos a rainha.
Nenhuma discussão dá garantia de sucesso e harmonia nas decisões.
a desirée saindo de sua neutralidade e, ainda, tentando entender tudo que aconteceu a partir de sua auto-propaganda: quero trabalhar e não me deixam
Aqui só temos é muito blá-blá-blá.
eis a ofélia já completamente indignada, mas contida por acemira
Desculpem, mas vejo diferente. Nossas discussões desnudam o fazer na sala de aula ou, como querem alguns, desnudam o desfazer, também.
lia mostrava nos olhos e no tom de sua voz o que era importante para ela nestas provocações verbais semanais
Piada! Ninguém sabe de ninguém em sala de aula, nem mesmo os alunos sabem, às vezes, pensam que sabem o que lhes está acontecendo.
Uma reunião com muita catarse, todas se parece muito, ano após ano
cabayba deixara escapar um grunhido de desprezo por todos e todas. não se imagina salvadora do mundo. ataca aos que não rezam sua cartilha coletivista. e relega o andar inferior do subsolo aos plebeus e escravos, a orbe popular. diz querer muito assistir as tais aulas conscientizadoras e humanizadoras com alguns de seus alunos mais abjetos e intransponíveis na arte de negar a vida, Queridas, a vida é um show de horror! Os alunos? Eles não sabem sentar na cadeira, sentam nas classes, não sabem chamar os colegas pelo nome, respeitam mais o tapa e o palavrão. Não sabem pedir licença, preferem empurrar e passar por cima. Não sabem copiar um texto do quadro-negro, não sabem o nome da professora, chamam de tia ou de bruxa. Não sabem fazer uma conta de cabeça, preferem a calculadora do celular. Não sabem dizer obrigado. Não sabem não sabem não sabem, só está faltando começarem a cuspir no chão. Chega?
acemira translúcida e eloquente se deixava esquecer dos ponteiros do tempo para ouvir os ataques, sentia-se forte e infinita, Perfeita a descrição do nosso aluno! Acrescentaria que a família abandona esses delinquentes aqui, deixa tudo com a escola e as professoras e vamos ver como é que fica! Criem nossos filhos e filhas! Assim fica fácil fazer filho. Bolsa família, bolsa isso, bolsa aquilo. Eu é que pago com o meu imposto essa festa toda!
bravo, gurias! grita silenciosamente botto. seus olhos brilham de medo. as antenas se tocam, batem palmas em ovação descontrolada. aquele que não indo fica, mas atormentado pela dúvida de um chamamento impossível de negar
A escola está virando depósito de ferro-novo que já se sabe como ficará quando metal velho, os sinais estão em toda parte, é só uma questão de observar, ter vontade de espiar a corrosão, cabayba não cansa nem se permite interromper
É o tal do salve-se quem puder!
Muito bem, Ofélia, grita quase que explosivamente botto, não estava só em seu desespero e desencontros, aplaudia em pé e gritava ‘olé, olé’, confundia a reunião com uma arena com touros. não era só mais uma formiga, mas o toureador com antenas. levava a espada junto ao pano tingido de vermelho, molhado de suor em patas tensas e trêmulas, sujas de giz, atiçava o touro com o olhar, a voz e a maneira arrogante de caminhar, como se ele, touro, não existisse e o perigo fosse uma invenção pedagógica. estava pronto para o golpe final, o touro seria morto mais uma vez, mas, hoje, por uma formiga doméstica louca e fantasma. parecia mais forte e bravo do que certamente era, mas apenas uma estocada e amanheceria no açougue. sua memória cantada em versos enquanto seu sangue pisoteado no chão da arena. misturado com a terra. escorrendo até o seu destino final: o matadouro. Os seus miolos e tendões transformados em lingüiça de açougue. seus músculos em churrasco ou virando charque. na próxima segunda-feira, ou terça, ou quarta, ou outro touro, na mesma arena ou outra arena, será morto porque sempre foi assim e continuará. nada muda na inconsciência doentia. o bem faz tudo certo como deve ser, como sempre foi, como é ensinado. na dúvida, os que não vierem até a arena serão castrados, terão seus testículos assados na brasa formando iguaria única servida com cachaça e com farofa. e dormirão pelas ruas. indiferentes ao nosso mundo. um outro mundo possível. um cheiro de carne queimada vagueia nas salas e corredores
chega de mortes!
bobagem, outras virão. sempre chegam
sorte ou azar? quem pode saber? o gado não ter nascido e crescido, criados no brasil em época de fartura nos engenhos de açúcar. um tempo onde havia proibição de abater reses. tempo em que se abatiam pretos. a força de trabalho do gado era mais importante que servir de alimento. e o quê mudou para os pretos? por sorte não serviram de alimento. o gado utilizado como elemento motor nos trapiches e engenhos puxando carros de lenha e açúcar. sorte das crianças e desempregados e desempregadas de hoje que trabalham nos engenhos e canaviais substituindo os touros, as vacas e os bois, não correm os riscos de irem levadas e jogadas em alguma praça de matadores ou açougueiros defendendo suas vidas contra algum toureador de conteúdos. claro, devem continuar nos cantos e recantos em que foram jogados. o carro de bois chegou a ser o meio de transportes preferencial no interior brasileiro, mas chegou o tempo do gado bovino na alimentação da população. e tudo mudou. criou-se o movimento pastoril que deu origem aos latifúndios e, também, ao papeleiro puxando o seu carrinho, Se ao touro fosse dado o direito de escolher entre morrer mansamente no abate de todos os dias, após um ruminar tranqüilo e sons de eeeia boi, no interior de imensos campos vazios ou em uma vida de enfrentar a morte de frente: atacando o matador, o toureador. mostrando inconformidade, valentia e ousadia, o que ele escolheria, não sei, O que você escolheria, me pergunta o touro, para mim, a solução se vem tarde, se mete o boi
desde muito, reclamamos dos nossos salários ou o desconhecimento de qualquer reconhecimento, mas continuamos negando ao gado a chance da consciência de si mesmo. ano após ano, queremos que o gado se descubra gado. deixamos para os oprimidos a luta da conscientização e toda a enxurrada de coisas desagradáveis. basta ensinar ler escrever as letras e os números. o resto não tem pressa. acreditamos que temos muitos amigos, um dia algum deles fala com outro amigo e outra amiga e decidem que eu sou velha e querida e mereço mais que recebi por toda minha vida: poder não é só regalia, mas pode ser maldição. e me aposento para começar a viver
Meu Deus, tenho que derrotar um touro por dia, durante duzentos dias por ano!
exclama ofélia, não sei se inconformada com os touros ou o número de dias ou se pela obrigação de abatê-los, pequenos ou grandes touros. não pode evitar, ela precisa sobreviver. eu não quero sobreviver assim. minha opção tem que ser pela sobrevivência de todos, não quero ficar agonizantemente atrapalhando o pátio, olhando de cabeça baixa o chão pouco lajeado e observando o sangue escuro que escorre misturado aos touros abatidos e moles pela imobilidade da morte anunciada, indiferentes a dor, o fedor de mijo, E o miolos, o que fiz com os miolos
Comigo, eles não têm moleza. Quero a tabuada na ponta da língua, celular não entra nas minhas aulas, chicle faço cuspir na hora e esta história de estou com sede e quero fazer xixi é uma vez só, na segunda vez o olhar tem que denunciar a verdade, se desconfiar do olhar e não me convencer da necessidade urgente, o abusado fica sentadinho. Até hoje, o desafio do olhar nunca falhou, layla discorria da sua prática e dos artifícios que foi encontrando e formatando ao longo dos anos para sobreviver a si mesma
falo com meu silêncio sobre o desafio de buscar nas práticas sociais nossa fonte de inspiração para o trabalho no cotidiano da escola, pois, nos colocará, frente a frente, com esta estrutura desnaturada, bárbara e cruel, e nos impulsionará a uma ação transformadora. conduzir alunos e alunas a compreenderem sua realidade através da relação dialética entre o “saber popular” e o “saber científico” nos leva a entender o mundo que nos cerca. também precisamos entender esse mundo. precisamos parar de repetir o que lemos em jornais sem nenhuma reflexão. quando buscamos a emancipação de nossos alunos e alunas, através da problematização de sua realidade e conceitos, também estaremos nos compreendendo enquanto sujeitos de construção desta realidade. preciso dizer ao professor do corredor que é preciso vislumbrar o “inédito” na nossa prática pedagógica, acreditar nele. só assim, a cada dia, estaremos concretizando nossos sonhos e construindo outros, Quero contribuir neste sonho coletivo, Como, Não posso calar! Não pode calar! Falar! Meu Deus, falar! Tem medo de falar, Estou apenas cansada, no intervalo de um jogo muito longo... de muitos anos
E agora... se o aluno colocar o crachá poderá ir ao banheiro?
questiona abigail, onde esta a importância disto? são apenas crianças querendo fazer xixi ou ficar bem longe de nós... do mesmo andar de todos os dias, do mesmo fazer de todos os instantes, têm tanto desdém quanto qualquer um de nós pelo monótono e enfadonho repetir-se. alunos e alunas amarrados ao professor ou professora por um ano letivo inteiro. não podem querer ou não querer, é assim e pronto. não importa se aprendo melhor com esse e não com aquele. aqui, isso não conta. adapate-se. a escola é adaptação
Depende! Não vou gastar crachá com aluno mentiroso, vai esperar o recreio, layla parecia saída de um convento militar, pronta para pôr a todos sob o regime da ordem unida pela oração
fico pensando nas etapas históricas da educação, as suas escolas, os seus professores, e percebo que não mudamos muito da educação medieval. Avançamos, mas ainda tratamos nossos alunos como objetos inanimados. atrapalhando-nos com sua tirania dissimulada de indisciplina e desamor. saio para fumar outro cigarro. sigo meus passos silenciosos, são pequenos infratores. escondo-me nas sombras, os rolos de fumaça me exibem, delatam meu esconderijo. acho que um dia deixaria de fumar se a causa for nobre e feliz para mim
hoje, o professor abá reuniu todos, brincamos de fazer e responder perguntas e chegamos a falar de política. ele parecia meio aborrecido com o mundo inteiro, pergunta se votamos no Lula, nunca terá certeza. tem que ficar meio aborrecidinho é com os aqueles professores e professoras tagarelas de estarem com saudades do tempo das provas e o poder de não passar a gente. tempo de dtaduras. um dia a escola do povo virá pra ficar. coitados destes professoraços quando perderem o provão da reprovação. sempre que acomodo a cabeça de pensar esses provões fico na pior. sensação de opressão, deprimida oprimida encolhida, toda recolhida num canto da sala de aula, esperando a sentença da morte, efeito dominó. infelizes do jeito que são, gritando e reprovando para dar acomodação na sala de aula, Será que nós... os sem saber mais, só aprendemos na adoração e devoção? eu queria mesmo era conversar com meus professores, vizinho pra vizinho, feito gente que conversa com gente e se ensina com os olhos ou com os gestos do corpo, escutando com o coração e não, apenas, com um dicionário nas mãos, Eu gostaria muito de saber o que eles falam entre eles sobre todos nós, Acho que eles não falam sobre a gente, não têm tempo a perder com coisas sem importância, devem estar agora conversando sobre a escola e o salário e o que fazer pra melhorá-lo, Aposto que falam sobre as coisas que governam nossas vidas, Bobagens, falam sobre bobagens. Pensam saídas que devemos fazer e pensar. Duvido demais disto tudo, acho que ficam falando e pensando neles mesmos, se mostrando no carro novo, na pintura nova da casa, reclamando do quanto gastam com o colégio dos filhos, exibindo suas fotografias das férias ou do feriadão, namorando alguns e blefando com outras, São apenas professores, Não mesmo, eles sabem muito mais que nós.
depois da conversação e do intervalo voltamos para trabalhar de verdade nos computadores. enquanto uns se conectavam a internet para conversar com o computador, alguns outros iam para o facebook, apenas para conversar entre eles, vários ficavam no fazedor de texto, brincando seriamente de escrever e aprender. não entendo porque o professor abá, sentado e assistindo a tudo, ficava sorrindo enquanto meus colegas e minhas colegas corriam de um a outro e mais alguém explicando, e muitas vezes, interferindo e fazendo e re-fazendo as palavras e as frases, era uma farra, não sei como alguém consegue aprender assim, mas aprendemos, e o professor sentado, nos observando e sorrindo. coitado, está aprendendo com a vida, é muita coisa no mesmo espaço de tempo, espero que não perca a ternura de ser professor e amigo, Como pode aprender assim tão rapidinho, Quem, Aquela coleguinha, lembra, pergunto, Havaianas, me perguntam, Acertaram em cheio
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