sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Histórias de avoinha: o vinho, o pão e a doença da castidade

Ensaio 70B – 2ª edição 1ª reimpressão 


o vinho, o pão e a doença da castidade

baitasar


maiinha avivando o brazêro das lágrima na volta do fogo. a panela chiando. tudo entrava no panelaço das deslembrança do esquecimento. das saudade. munto banzo do pai qui di quando em veiz aparecia sempre em noite sem lua. bunito nas vestimenta de soldado. a panela azulando. as água dos ói fervendo. as brasa cozinhando a buchada estripada do boi, o coração, um joêio, uma pata, a língua, as erva. o aroma da saudade lembra coisa qui num precisa consentimento. o mocotó. o colo do paiinhu. a tristeza de munto silêncio. a muié bunita. as cantoria e as reza da tristura. as lembrança mais viva qui carrego de maiinha é das noite sem lua. a mão do fiinho dentro da mãozona do paiinhu. a muié munto bunita ficando pra trás. parada na portaria. sem cantoria. vestida da tristura. a noite sem lua. chovendo o feitiço das estrela. munta saudade da maiinha. das cantoria. do brazêro manchando a escuridão. das noite sem lua. a frieza do frio. com o paiinhu apareceu o gosto do mate amargo. as letra do instrutô. a carapinha raspada. esperava maiinha nas noite sem lua. num apareceu

Justíssimo, sinhô Padre. É preciso impedir que o forte esmague o forte.

o tempo se muda um depois dotro, vem otra hora e mais otra, tudo diferente, mais diferente pode num sê novo e pode num sê bão

pegue na mão do seu paiinho, fiinho. ele vai lhe levá pru mundo dos branco. obedeça seu paiinho. cuide da vida qui ela lhe cuida, mais num esquece qui a luta da ganância nunca acaba. é bem nutrida, bem treinada, malcriada pela fiadaputa da riqueza. se cuida. num amarela. a ganância num é mansa, as veiz se parece sê, cuidado, é mentira. ela atropela. e se ocê deixa ela fica na chefia qui devora a vida. o dinhêro num é bão. ele num existe pra sê bão. ele esmaga os fraco. ele num respira nem faz amô, mais mata ocê

Mas o amigo Pensavento não teria querido afirmar: é preciso impedir que o forte esmague o fraco?

Não se engane Caramão, a Justiça é um comércio de vinganças tabeladas. Tudo tem o seu preço. Os fortes compram Justiça, aos fracos resta obedecerem. Caso tenham algum juizo.

Somos manipulados pela Justiça, também?

Tudo é manipulação, Caramão. Justiça é uma iguaria confeiçoada para agradar. Quem quer a verdade? Todos querem as mentiras que melhor servem aos seus própositos de boa vida. A Justiça é um ilusionismo de contação de histórias. Não se esqueça disso.

o dinhêro num é humano, mi fiinho. quanto mais dinhêro ocê tem menos gente ocê vira, inté qui ocê acredita qui merece sê mais pruqui os otro é menos qui ocê. e acaba as gentileza da ganância mansa

O dinheiro não é humano, Pensavento!

É quando entra o seu trabalho. Não, meu caro Caramão, a Justiça é para os fortes... aos fracos oferecemos a submissão e a religião.

o padre oiô pru pensavento, ele num parecia qui tava lôco nem parecia tá atormentado, falava falava falava, mais num amoitava o zumbido da respiração dos preto na obra santa. O mormaço duro e briôso começava ardê no lombo dos hôme preto escravizado

Isso é loucura, Pensavento!

A realidade é uma desilusão, Caramão. Injustiça seria reduzir o forte à fraqueza, anulando sua natural superioridade.

a muié bunita das noite sem lua nunca mais sorriu sem tristura, o fiinho cresceu longe e aprendeu as lição das coisa dos branco qui num sabia qui podia sabê

A sua Justiça sem a força é impotente!

o pensavento bailô os ombro

O aborrecimento é um mal que se cura com mais trabalho, mais ganância, mais gastos.

os dois tava com os pé lado a lado, os ombro de um e otro encostado na armação da porta dos fundo, as vista na obra, nos movimento dos preto trabaiadô

Mas esse trabalho, sinhô Pensavento, o padinhu apontô os preto, não trás honra e pão para esses negros.

o agente governista soltô-se dum arroto

Pão, tenho certeza que não falta. O amigo não iria permitir. E quanto a honra... não acredito que sintam falta ou tenham muita necessidade. Isso não deveria preocupar o sinhô Padre, soltô-se denovo, otro arroto, mas então, qual a razão do seu chamado?

o padre ofereceu vinho. O visitante estendeu a mão. Era conhecida a fama da gostusura do vinho do padre e precisava sê apreciada

Na verdade, sinhô Ouvidor-Geral do Governador, não chamei ninguém. Não era meu desejo desacomodar Sua Excelência dos seus compromissos, fiz apenas um pedido de audiência com Nossa Excelência, o Governador.

o ajudante das ordem dada pelo governadô, com as tarefa de tumbém escutá as reclamação de toda província, e com mui especial atenção, escutá as gente de importância da villa, num se incomodava ou se importava pôco com a pequena importância qui os reclamante lhe dava. Os lamurioso dá preferimento de querê falá direto nos ouvido do governadô, sem a intermediação de um ou otro ouvidô. Sabia qui era assim, num se desgostava de num sê ele o alvo do interesse pra quem protesta. Achava bão. E um pôco cada dia, ele mesmo ia resolvendo os caso com decifração mais fácil, sem precisão do entendimento do governadô. O primêro ouvidô disfarçado de branco qui ninguém sabia qui era fiô de uma escrava forra com um oficial da cavalaria do exército imperial. Um pardo qui podia escoiê sê preto ou dizê sê branco. Era todo acinzentado. Um preto descolorido. A carapinha ele escondia raspada. Um feitio de corte com as conveniência das tarefa de obrigação

Sinhô Padre, não quero parecer pretencioso nem desinformado, menos ainda, desaforado. Na verdade, fui nomeado os olhos e ouvidos do Governador enquanto sua Excelência se mantém afastado por motivo de repouso. E se ele assim o quiser, escuta e fala através deste seu amigo.

subiu o vinho inté o nariz, fungô dum lado e otro. Depois, oiô firme a aparência da tintura e levô na boca o enfeite de sangue da missa. A vida num pede disfarce, ela pula de gáio em gáio, recebe os vento, dá fruto, faz sombra e bebe da terra. Os enfeitamento é invencionice pra dá gana e gosto de entreverá as perna, socá a raiz na terra, fazê suspirá das delícia inté descansá da vida feita. O pensavento repetiu a parte de levá na boca o vinho, conhecia o gosto pela aparência. Tomô um trago. O padinhu retomô o começo da conversa cada veiz menos aliviado

Essa sua tarefa me parece um grande desafio, uma grande confiança do Governador na sua pessoa: amansador dos reclamos.

o pardo acinzentado num se apressô em respondê, continuava com o vinho na boca, bailando duma bochecha pra otra. Apreciava o gosto. Fechô as vista, num parecia tê pressa. Empurrava o vinho numa maré qui paria o jogo do bão gosto. Inté qui engoliu. Engravidô a boca. Parece tê gostado pelas cara e boca feita. Tava feito. Abriu as vista e sorriu com delícia. Agrado farto num precisa de arma de fogo

Padre, esse seu vinho me parece abençoado. O sinhô concorda?

O que se passa, Pensavento?

Pareceu-me ver um velho amigo de mamãe.

Onde?

Lá nas obras, um cachorro preto. Um animal que a acompanhva por tudo.

o padinhu revirô a cabeça, depois desvirô

Não vi nenhum bicho, lá fora.

Eram um dotro. Contam que mãinha foi embora antes. Ele não foi logo, mas não saiu mais da casa, esperando a volta de mãinha. Um retorno impossível. Nunca partiu. A porta de chegada de mãinha ficou arranhada das saudades do bicho. Eu também nunca voltei, mas as minhas ranhuras não aparecem.

Um bom vinho nos faz ver coisas que não percebemos abstinentes.

otro balanceio das bochecha

É justa a fama que tem o vinho do sinhô Padre, o padinhu mediu o pardo pelo conhecimento do vinho, num era um joão ninguém: tinha educação, bão gosto e confiava nele mesmo. Sabia escutá o gosto do céu da boca. Num respondeu pru elogiu feito. Sabia qui o pardo ouvidô num tinha terminado de dizê o qui queria dizê, quanto a mim, meu amigo, sei que não sou uma bebida romântica como o vinho. Não sou sonhador. Contento-me em ter a utilidade da água e não desperdiçar a confiança do Governador. Meu ofício é parecido com as incumbências do Caramão: não podemos deixar enfraquecer a fé em nossos Sinhozinhos.

o padinhu achô qui havia chegado à encruziada da confiança: se confia ou num se confia. A confissão é um acatamento da esperança nos ouvido do padinhu com os ouvido manso e piedoso do defunto na cruiz. Ele é a ligação direta da falação do arrependido com a misericórdia. A invencionice do desvio qui num se extravia da tarefa de ajudá escutá. Num dá pra fazê tudo sozinho. Enfim, ele foi pregado pra modo de sê escutado, mais parece qui os arrependido já esqueceu as maldade feita no defunto da cruiz: as chibata, a fome, a humiação, os desaforo, as ameaça, o desdém, o salpico com água e sal nas ferida, as corrente, a estupidez, o ódio traiçôero. Os prego. a sede. Num parece tê fim nos arrependido a vontade de machucá pra salvá. A invencionice do arrependimento pode salvá o arrependido, mais num deixá o defunto descê da cruiz. Todo domingo tem arrependimento, todo dia tem sofrimento

E o sinhô Ouvidor-Geral tem alguma ambição que gostaria de realizar ou algum arrependimento que queria confessar?

o pardo estendeu o braço com a caneca vazia na mão. O padinhu qui era puro céu na terra tornô a tirá a tampa da boca da garrafa, encheu a caneca da visita. Reparô desconfiado qui podia perdê as conta das veiz qui ia enchê

O sinhô Padre Caramão é mui generoso. Obrigado, aproximô a caneca com o vinho do fuçadô e fungô fundo. O perfume fantasiado de sangue do defunto na cruiz subiu e espaiô seu sofrimento. O arrependimento apareceu quase junto, eu tenho uma vontade muito grande de ver de perto Nossa Majestade Imperial. Seria como estar bem perto do pai que tive sem ter. Entreouvir ou lamentar o sentimento prazeroso de ser reconhecido filho do pai.

o padinhu precisava se acautelá com o vinho, num devia saí do costume de tomá só um cálice do vinho. Era um prisionêro do muro dos costume e uma das pedra do paredão, mais qui arrependido num cometia um desajuste contra os costume

E o arrependimento, perguntô padinhu, o Pensavento tem algum remorso que não pudesse falar livremente, mas precisasse confessar?

o vinho empurrado num boquete, voltava e ia, descendo e subindo, ele lembrava inté os nome dos preto já enforcado meio lôco, meio culpado, meio inocente, isso tudo soava indiferente. No fundo, num acreditava na inocência dos preto. Os culpado num precisa de amô. E os inocente precisa de sucesso pra prová sua inocência. Bocejô com desapego. Num tinha arrependimento, mais munta sede. Desta veiz, tomô dum só gole

Não chega a ser um remorso, mas não atendi o chamado que achava ter escutado.

o padinhu num resistiu à vontade da vontade e serviu a própria caneca, tem veiz qui o sangue fala mais alto e o costume repete aquilo qui jurô num repetí. Mais nem tudo fica perdido. Nas dominguêra existe o modo de podê fazê da lamentação um lastro de arrependimento. Sentiu qui num resistia sua vontade de tomá todo o vinho. Depois ia tê tempo pra se arrependê. Tinha um bão emprego com comida e cama quente, bebida de dá inveja, munta bebida

E que chamado foi esse?

o pardo estendeu o braço com a taça de barro na mão. O padinhu retornô a tirá a rôia da boca da garrafa, otra veiz encheu o vaso da visita. Fez o mesmo com o seu cálice. Num adianta enchê o copo pra quem num tem prazê com o gosto, se num gosta pruqui leva inté a boca? Nada meió qui bebê com os amigo. O vinho aproxima as vontade e destrava o atrevimento. Fechô o vinho com a rôia só pela metade. Sentiu vontade de abrí um pão. Foi inté o cofre. Pegô a farinha feito pão. O pão feito corpo. O corpo feito defunto. O defunto feito espritu santo e serviu da cruiz o pão. Num tinha mais lágrima. Tinha fome. Tem veiz qui a fome é prioridade. O pão arredondado e achatado num parecia sê um corpo. Num tinha perfume de morto, mais alguma coisa o deixava excitado

Não cumprí o chamado que achava ter escutado... para ser padre.

o vinho num parada mais nas bochecha, descia direto do vaso inté a garganta com o pão. Continuava descendo inté subí pra cabeça, trepando, arrepiando, os preto rindo dum e dotro. Cada um no seu trabáio de sacrifício, mais só os preto pensava em fugí ou se matá. Os único contratado pra toda vida: o padinhu e os preto. Emprego garantido

Bem, isso é uma surpresa.

as bochecha corada, o hálito quente, a euforia disposta ao padeciemnto pela causa, os preto sendo sacrificado pela comodidade da casa grande, a grande mãe branca. Tudo é batizado, menos o vinho do padinhu. Os preto sobrevivendo pelo instinto de vivê, deitados num buraco desencardido da vida

Mais um trago?

Claro!

nem a garrafa sobreviveu, ficô vazia. O padinhu foi inté o balcão embaixo do cofre, pegô otra garrafa. Os dois ficô quieto enquanto as mão delicada libertava a boca da garrafa. Os preto era de nenhuma palavra e pôca bebida, mais eles tinha trabáio pra toda vida. Sem sapato. Sem cama. Sem vinho. Com trabáio e ranhura pra toda vida

E por que não atendeu ao chamado?

o acinzentado num sabe se qué confessá o pecado da traição. Num sabe se pode confiá. Um peso a mais ou um peso a menos, tanto maió ou tanto menó, nada ia mudá a força qui precisava fazê pra continuá indo pra frente. Talveiz o vinho ou a fala mansa do padinhu, ou qualqué coisa qui ocê ache de dizê qui é. E o pensavento se confessô

Acho que o chamado não foi suficiente. E claro. Por outro lado, o chamado das mulheres não deixou dúvidas, foi convincente e insistente. Fiquei com a convocação das flores do mal. E o sinhô Padre Caramão nunca escutou o chamado das mulheres?

o depositário íntimo das alma levantô, algum vestígio revivido despertô as batida da memória. Largô o cálice sobre a mesa rústica sem cobertura. Os seus preto subia e descia com suas pedra e pau, o vinho escorria das costa

O sinhô não acha um despropósito criar nos padres a doença da castidade? 



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Dom Casmurro: D. Glória

Machado de Assis

Dom Casmurro






CAPÍTULO VII
 D. GLÓRIA



 Minha mãe era boa criatura. Quando lhe morreu o marido, Pedro de Albuquerque Santiago, contava trinta e um anos de idade, e podia voltar para Itaguaí. Não quis; preferiu ficar perto da igreja em que meu pai fora sepultado. Vendeu a fazendola e os escravos, comprou alguns que pôs ao ganho ou alugou, uma dúzia de prédios, certo número de apólices, e deixou-se estar na casa de Mata-cavalos, onde vivera os dois últimos anos de casada. Era filha de uma senhora mineira, descendente de outra paulista, a família Fernandes.

 Ora, pois, naquele ano da graça de 1857, D. Maria da Glória Fernandes Santiago contava quarenta e dois anos de idade. Era ainda bonita e moça, mas teimava em esconder os saldos da juventude, por mais que a natureza quisesse preservá-la da ação do tempo. Vivia metida em um eterno vestido escuro, sem adornos, com um xale preto, dobrado em triângulo e abrochado ao peito por um camafeu. Os cabelos, em bandós, eram apanhados sobre a nuca por um velho pente de tartaruga; alguma vez trazia a touca branca de folhos. Lidava assim, com os seus sapatos de cordovão rasos e surdos, a um lado e outro, vendo e guiando os serviços todos da casa inteira, desde manhã até à noite.

 Tenho ali na parede o retrato dela, ao lado do marido, tais quais na outra casa. A pintura escureceu muito, mas ainda dá idéia de ambos. Não me lembra nada dele, a não ser vagamente que era alto e usava cabeleira grande; o retrato mostra uns olhos redondos, que me acompanham para todos os lados, efeito da pintura que me assombrava em pequeno. O pescoço sai de uma gravata preta de muitas voltas, a cara é toda rapada, salvo um trechozinho pegado às orelhas. O de minha mãe mostra que era linda. Contava então vinte anos, e tinha uma flor entre os dedos. No painel parece oferecer a flor ao marido. O que se lê na cara de ambos é que, se a felicidade conjugal pode ser comparada à sorte grande, eles a tiraram no bilhete comprado de sociedade.

 Concluo que não se devem abolir as loterias. Nenhum premiado as acusou ainda de imorais, como ninguém tachou de má a boceta de Pandora, por lhe ter ficado a esperança no fundo; em alguma parte há de ela ficar. Aqui os tenho aos dois bem casados de outrora, os bem-amados, os bem-aventurados, que se foram desta para a outra vida, continuar um sonho provavelmente. Quando a loteria e Pandora me aborrecem, ergo os olhos para eles, e esqueço os bilhetes brancos e a boceta fatídica. São retratos que valem por originais. O de minha mãe, estendendo a flor ao marido, parece dizer: "Sou toda sua, meu guapo cavalheiro!" O de meu pai, olhando para a gente, faz este comentário: "Vejam como esta moça me quer..." Se padeceram moléstias, não sei, como não sei se tiveram desgostos: era criança e comecei por não ser nascido. Depois da morte dele, lembra-me que ela chorou muito; mas aqui estão os retratos de ambos, sem que o encardido do tempo lhes tirasse a primeira expressão. São como fotografias instantâneas da felicidade.

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Texto de referência:

Obras Completas de Machado de Assis, vol. I,
Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994.

Publicado originalmente pela Editora Garnier, Rio de Janeiro, 1899.

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Leia também:

Dom Casmurro: Capítulo VI Tio Cosme

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Memórias Póstumas de Brás Cubas: O Emplasto

Machado de Assis


Memórias Póstumas de Brás Cubas




CAPÍTULO II / O EMPLASTO 



Com efeito, um dia de manhã, estando a passear na chácara, pendurou-se-me uma ideia no trapézio que eu tinha no cérebro. Uma vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas cabriolas de volatim, que é possível crer. Eu deixei-me estar a contemplá-la. Súbito, deu um grande salto, estendeu os braços e as pernas, até tomar a forma de um X: decifra-me ou devoro-te.

 Essa ideia era nada menos que a invenção de um medicamento sublime, um emplastro anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade. Na petição de privilégio que então redigi, chamei a atenção do governo para esse resultado, verdadeiramente cristão. Todavia, não neguei aos amigos as vantagens pecuniárias que deviam resultar da distribuição de um produto de tamanhos e tão profundos efeitos. Agora, porém, que estou cá do outro lado da vida, posso confessar tudo: o que me influiu principalmente foi o gosto de ver impressas nos jornais, mostradores, folhetos, esquinas, e enfim nas caixinhas do remédio, estas três palavras: Emplasto Brás Cubas. Para que negá-lo? Eu tinha a paixão do arruído, do cartaz, do foguete de lágrimas. Talvez os modestos me arguam esse defeito; fio, porém, que esse talento me hão de reconhecer os hábeis. Assim, a minha ideia trazia duas faces, como as medalhas, uma virada para o público, outra para mim. De um lado, filantropia e lucro; de outro lado, sede de nomeada. Digamos: — amor da glória.

 Um tio meu, cônego de prebenda inteira, costumava dizer que o amor da glória temporal era a perdição das almas, que só devem cobiçar a glória eterna. Ao que retorquia outro tio, oficial de um dos antigos terços de infantaria, que o amor da glória era a coisa mais verdadeiramente humana que há no homem, e, conseguintemente, a sua mais genuína feição.

 Decida o leitor entre o militar e o cônego; eu volto ao emplasto.



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Texto-fonte: 
Obra Completa, Machado de Assis, 
Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994. 



Publicado originalmente em folhetins, a partir de março de 1880, na Revista Brasileira.



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Memórias Póstumas de Brás Cubas: Óbito do Autor
 

O Trono do Estudar

ninguém tira o trono do estudar



Dani Black



O Trono de estudar

Ninguém tira o trono do estudar
Ninguém é o dono do que a vida dá
E nem me colocando numa jaula 
Porque sala de aula
Essa jaula vai virar
A vida deu os muitos anos de estrutura do humano à procura do que Deus não respondeu
Deu a história, a ciência, a arquitetura, deu a arte e deu a cura e a cultura pra quem leu
Depois de tudo até chegar neste momento me negar conhecimento é me negar o que é meu
Não venha agora fazer furo em meu futuro, me trancar num quarto escuro e fingir que me esqueceu
Vocês vão ter que acostumar porque
Ninguém tira o trono do estudar
Ninguém é o dono do que a vida dá
E nem me colocando numa jaula 
Porque sala de aula
Essa jaula vai virar
E tem que honrar e se orgulhar do trono mesmo e perder o sono mesmo para lutar pelo que é seu
Que neste trono todo ser humano é rei seja preto, branco, gay, rico, pobre, santo, ateu
Pra ter escolha tem que ter escola ninguém quer esmola, isto ninguém pode negar
Nem a lei, nem estado, nem turista, nem palácio, nem artista, nem polícia militar
Vocês vão ter que me engolir, se entregar
Porque ninguém tira o trono do estudar




Dezoito artistas da MPB gravam música de apoio aos estudantes de São Paulo



Chico Buarque, Dado Villa-Lobos e Zélia Duncan, entre outros, gravaram "O Trono do Estudar", de Dani Black, em homenagem à luta dos secundaristas contra o fechamento de escolas

publicado 22/12/2015 15:47

REPRODUÇÃO/FACEBOOK/NÃOFECHEMMINHAESCOLA

Pitty e Paulo Miklos durante a Virada Ocupação. Diversos artistas prestaram apoio aos estudantes em luta


São Paulo – De autoria do compositor Dani Black, a música O Trono do Estudar ganhou visibilidade a partir das manifestações de estudantes contra a “reorganização” proposta pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), em São Paulo, que pretendia fechar ao menos 94 escolas da rede pública. Recentemente, Chico Buarque, Dado Villa-Lobos, Paulo Miklos e mais 15 nomes da MPB entraram em estúdio para gravar uma versão da canção.

Após ser chamado para participar do evento organizado pelos estudantes, Virada Ocupação, realizado nos últimos dias 6 e 7 – que reuniu artistas como Tiê, Criolo, Pitty e Emicida –, Dani Black postou uma composição nas redes sociais em apoio à luta dos secundaristas. Rapidamente, a música se espalhou até chegar ao conhecimento dos artistas que apoiaram as manifestações.

No Facebook, Dani Black diz que “no Brasil, como em qualquer país, o estudar tem que ser o Rei". Ele conta que fez a música na madrugada do dia 7, para cantar no show que ele e outros músicos fariam na Virada Ocupação. "E com maior honra. Vamos Brasil. Ninguém tira o trono do estudar!"

"Em apenas dois dias, a música se espalhou pela rede de modo violento, tendo milhares de compartilhamentos e mais de 500 mil visualizações. Mas melhor do que isso: virou ação", escreveu o músico.

Após o governo do estado suspender a reorganização, no último dia 4, os estudantes passaram a desocupar as escolas aos poucos. Eles prometem continuar engajados na pauta da educação pública de qualidade para todos. Um manifesto publicado por estudantes em redes sociais aponta a continuidade do movimento. “É importante que fique claro que estamos saindo das escolas, mas não estamos saindo da luta. E que essa escolha de maneira nenhuma significa ceder às pressões do governo do estado e das entidades burocráticas.”

Secundaristas encerram ano prometendo mais mobilização em 2016

Para receber o clipe da música gravada pelos ícones da MPB, é possível solicitar no site: www.viradaocupacao.minhasampa.org.br





André Whoong Arnaldo Antunes Chico Buarque Dado Villa-Lobos Dani Black Felipe Catto Felipe Roseno Fernando Anitelli Hélio Flanders Lucas Santtana Lucas Silveira Miranda Kassin Paulo Miklos Pedro Luís Tetê Espíndola Tiago Iorc Tiê Xuxa Levy Zélia Duncan








domingo, 20 de dezembro de 2015

Teatro Pedagógico: o crachá

Parábolas de uma Professora



o crachá

baitasar e paulo e marko



olho acemira. a vejo no seu limite desumano de suportar nossas discussões sobre sonhos e utopias. não os quer porque não os acredita e não os vê. não quer mudanças, se compreende perfeita, seu mundo é perfeito, a extremidade marginal da sociedade é apenas uma questão de contorno. vizinhança e proximidade que procura evitar mantendo-se a distância. já faz muito suportando seus cheiros e gritos desumanos, não se espere dela alguma consciência social

Vamos encurtar tanta conversa e nenhuma ação, proponho votarmos a sugestão da Cabayba sobre o uso do crachá para os alunos que irão ao banheiro.

eis acemira buscando acelerar aquilo que não há de andar mais rápido, pois precisa da nossa reflexão e discussão, necessitamos debater, questionar, argumentar para dizer o sim ou o não. chega de democracia, ela repete nas esquinas da escola. as palavras traçam seus rumos depois de pronunciadas conforme a dimensão da vontade moral e crítica do ouvido do outro, daí aquele que ouve ter a obrigação de fazer ouvir aquilo que pensou ouvir e permitir ao outro como ouvinte discutir o seu palavreado e re-mostrar a todos o sentido do seu uso oral do nosso idioma, no que primeiro foi dito

Concordo, Aguinaldo! Temos uma proposta bem clara: o uso de crachá pelos alunos para irem até o banheiro.

nos momentos de retrocesso os vermes que se enojam se juntam. é inevitável. observem. o botto se mostrava cada vez mais desejando com ardor o fim da reunião, seus olhos denunciavam medo. o pavor que levava consigo da possibilidade que a qualquer momento lhe dessem uma fêmea para acasalar, sinal da sua morte eminente. sabia que era dia de reunião, mas também sabia por experiência e desespero que tudo pode mudar neste mundo, inclusive dar aula em um dia de reunião e sem alunos na escola. o mais seguro para ele e tantas outros era longe: em casa, se possível desligando o telefone. isto mesmo, sem telefone não poderia ser convocado, Faça-se esta votação, bobagem tanta discussão para decidir se aluno vai ou não usar crachá, queria gritar, mas se continha, não queria correr os riscos da notoriedade e chamar a atenção sobre ele mesmo, opta por se manter anônimo entre as operárias estéreis, em reverência a única rainha fértil possível no formigueiro, mas é tarde, as formigas planejam ao longe, sob seus pés, emergirão cortando tudo, as poderosas da terra agindo como pragas, higienizando as lideranças, criando colônias, dividindo as tarefas entre as castas

Vamos votar?

propõe layla. provocativa. parecia ler o desespero nos olhos do professor botto, entendia a sua dor de sorrir quando não se está com alegria, a felicidade não bate a sua porta, mas pode bater com a sua porta

Graças a Deus!

Votar o quê?

Não acredito.

o botto está no local onde se separam dois territórios: o do desespero e o da boa saúde dos pesadelos. levanta e sai mas volta e diz, em pé, as pernas abertas, a porta aberta, em voz bem alta e clara, Sou a favor do crachá para os alunos. todos silenciam e o olham sem entender, parece vivendo sua plena fase de pastoreio, cuja dieta inclui alimentos açucarados no néctar, na seiva de muitas plantas e em excreções das cochonilhas, pulgões e outros insetos homópteros. o toque e a carícia de suas antenas me deixa nervosa. é mais uma vítima das formigas sendo arrastada para o formigueiro por milhares de gigantes carnívoras. não sente o chão. é carregado, flutua por sobre seus pequenos corpos, está imobilizado e se deixa levar para o formigueiro, resignado com o seu destino, levantar todas as manhãs e seguir a sucessão de fatos e coisas que podem ou não ocorrer, mas que com certeza irão acontecer, constituem a sua vida de homem e professor, sendo considerados como resultantes de causas independentes de sua vontade, sorte, fado ou fortuna

Afinal, é banheiro ou pátio?

questiona lia

Não vejo nenhuma diferença! Vamos gurias e guris, votemos e façamos valer a nossa vontade. Eu voto pelo crachá!

Em quem? No professor ou no aluno?

Tá virando gozação.

Aguinaldo, você é o diretor... dá uma organizada ou sairemos daqui sem nada de concreto.

Ok, pessoal! Vamos ver se podemos ter uma idéia do que o grupo está pensando sobre esta história de crachá.

Antes, quero saber se a minha sugestão de um crachá para os professores do cafezinho e cigarro vai ser discutida.

Não vejo nenhum professor interrompendo e bagunçando no pátio para ser motivo de tal asneira!

Aguinaldo, vamos apurar um assunto por vez. Quem deseja o crachá de banheiro para os alunos?

Ei! Não vamos atropelar, sim? Este assunto não estava em pauta e, pelo ocorrido hoje, sugiro que na próxima reunião tratemos do crachá para os alunos, sim ou não, depois de discuti-lo na próxima semana.

Não acredito, Aguinaldo! O Samuel quer passar uma semana discutindo se vai haver crachá ou não? Por favor, pergunte a opinião de todos e vamos encerrar esta discussão absurda, aqui e agora! Pelo amor de Deus!

Todos concordam com a professora Acemira?

Por mim não existe esta discussão e nem crachá! Gostaria muito de saber da reação dos colegas se a escola católica, jesuítica, protestante ou ateísta de seus filhos apresentasse esta novidade: filhinhos do papai e da mamãe, a partir de hoje, andarão de crachá pendurado no pescoço para ir ao banheiro fazer xixi ou cocô, sim, porque não ouvi ninguém discriminar o xixi do cocô, tanto faz o objeto o que importa é a merda da intenção e a urgência da mijação, até porque pode acontecer de não dar tempo de colocar o colar discricionário.

Iriam ficar calados e aceitar. Quanto mais organizada a escola melhor. Teríamos pais sugerindo o crachá do cocô... e outro para o xixi.

A Lia é contra, alguém mais? A Abigail, Camila... temos doze votos no total contra o uso do crachá. Alguém está anotando os votos?

Eu estou!

Obrigado, Camila.

Aguinaldo!

Sim, Lia.

Eu, o professor Paulo e o professor Marko nos negamos votar uma proposta fascista, discriminatória, reacionária, como esta, que se transformada em realidade é mais um ato intimidante e opressor dos chefões do tráfico das letras, expressões numéricas e mapas.

Nada de novo! Quando a esquerda revolucionária perde no voto se levanta em armas, assim, nós, os reacionários, avançamos em cima do seu sectarismo que os isola e os faz perder contato com a realidade.

acemira usava de todo sarcasmo e veneno que lhe é tão peculiar. fazia-se parecer mais atraente do que realmente seria. as pessoas a olham, mas não a enxergam na verdade do egoísmo, da mentira, do seu interesse pessoal acima do coletivo humano. oculta a verdade dos fatos e os julga apenas a luz de seus interesses, é capaz de negar tudo que momentos antes preconizava como importante se os seus interesses pessoais assim julgarem ser necessário. parece simples e fácil amassar as pessoas, inverter os lados do mesmo laço, nunca oferecerá seus sentimentos, emoções e consciência

Em tempo algum perdemos contato com a realidade! O que as classes dominantes fazem é ficar imaginando, em todos os instantes da sua existência, maneiras de desestabilizar qualquer pensamento de esquerda que queira avançar além do permitido possível. Nunca permitirão qualquer avanço das esquerdas, seja a esquerda que for.

Meu Deus! Novamente, a tese da conspiração! Direita, esquerda, direita, esquerda, alto centro, pare, para, porra! Por favor, Aguinaldo!

Já sabemos que a Acemira é a favor, mais algum voto? A Cabayba, Ofélia, Botto, Layla... temos um total de quinze votos. Confere Camila?

interfere um aguinaldo já preocupado com o rumo da discussão, diferente do professor progressista atuante, que na linha de frente das discussões nos indicava o caminho do pensamento coletivo. o poder e suas responsabilidades amasia ou corrompem nossas utopias, dizemos que precisamos da governabilidade, as promessas serão atendidas no durante, naquilo que for possível, primeiro iremos canibalizar as outras intenções

Sim.

Alguém se abstêm?

Desirée, Fernanda Maura... seis votos.

Bom, de acordo com a votação: os alunos terão que usar crachá para irem ao banheiro. Mandaremos o serviço de reprografia elaborar os crachás para serem distribuídos aos professores e colocados nos alunos sempre que se deslocarem ao banheiro.

Quantas vezes dará pra usar o crachá?

Mais uma lei neste País da fome e dos sem ouvido que não será cumprida.

Não estou entendendo, Lia. Esta é uma decisão do grupo e todos deverão cumpri-la! Os seus três votos poderiam ter mudado o resultado, não votaram! Agora, querem melar tudo? Não consigo entendê-los.

busco o professor do corredor, necessito de poesia e vida... a lei não foi idéia minha! ele já não está. fugiu. e o resultado? somente um grande e profundo cansaço. mais uma vez me calo! mais uma vez se cala! leiamos depressa, sorrindo, os segredos de quem sabe amar...

Não tem quem me faça cumprir algo tão idiota e isquêmico. Ainda tenho o bom senso de avaliar o ridículo, o imoral e me impedir de infligi-lo ao nosso aluno e a mim mesma, não vou exigir e permitir algo tão humilhante para as minhas alunas, torno público aqui, meus alunos não usarão canga, não serão tratadas como junta de bois!

estar à toa na vida, sentada em um banco de praça esperando-a passar, decididamente não faz parte do cotidiano da lia, fugir dos confrontos não é conforto para sua alma pedagógica



as aulas têm acontecido de maneira monótona e iguais, acho que essa é a tal da rotina, precisamos, por agora, ter a firmeza sem variar de intento para avançar nas leituras que a Escola nos oferece, matar nossa sede com água e pão que também é comida e, no todo dia, transformar tudo em poesia, lambendo as feridas, Pra quê vai servir se eu sei lê, mas não gosto. e não entendem porque ela não é parecidinha com as gostosonas da televisão, os chinelos não são das havaianas, mas não são falsos, Será que não é o chinelo, me torturam, São os olhos, digo em desafio, O quê não conseguem ver, se afligem, Meu Deus, preciso de óculos, grito impune com a força dos pulmões, Será que ninguém vê que também preciso de óculos e não ver o que ninguém vê, me pergunto e pergunto a vocês, Onde estão os óculos, torno a ninguém, não respondem, Alguém tem para emprestar, estou em súplicas. escuto as batidas do meu coração, está agitado, louco, grito, Preciso de óculos, mandam no silêncio, Cala a boca e senta. ninguém quer enxergar, começo a resignar meus olhos e entulhar a estrada da voz, Não entendo, não escuto e não consigo enxergar, recomeço as súplicas, E ninguém tem pra emprestar uns óculos, minha dúvida e minha humildade se confundem, Meu Deus, não existem óculos mais, sou desespero, Vou ficar sem enxergar e não vou reconhecer o homem da minha vida na sua aparição, silêncio, Quem será o meu amor, me imagino entre homens que sonho os sabores, Adoro maracujá, grito já acordada, Castanha do Pará, sinto minha boca molhada e experimento mais, sinto o teu perfume sem o conhecer, ouço tua voz despedaçando meu corpo, estou pronta para reconhecê-lo. não sei onde estou, acordei e percebo que preciso dos óculos pra poder enxergar o que todos conseguem ver sem fazer nenhum esforço. com os olhos de vidro vou encontrá-lo

rendo-me ao perfume do pessegueiro em flor, vou seguindo seu rastro, tenho certeza de encontrá-lo pelo caminho, Professor, consegui meus óculos... Foi fácil. Estava em retorno ao mundo dos cegos que vêem, ouvindo suas palavras e sentido seu suor, estávamos reunidos no pátio a conversar e brincar uns com os outros, dizendo piadas, sonhando acordada, fazendo chiste, as notícias pareciam boas, Fiz como o senhor mandou, diz aquele que era cego e agora vê, deu-se à luz, ficou grávido pela luz que seduz, O que foi, esse que pergunta é o outro cego, Voltei ao posto de saúde, e lá, pedi o tal do vale óculos. Já mandei fazer e agora é só buscar, valeu. um aperto de mão sem promessas de votos ou cabrestos, submetendo com seus freios à vontade e o olhar, o desejo livre de sonhar e fazer a vida como se quer, Gente, às vezes eu fico assim, pensando e querendo dizer que é difícil e fácil, complicado e simples ficar junto ou sozinho, sair ou ficar em casa, ajudar ou passar, aprender a ler o bê-á-bá ou mobilizar e organizar a si e aos outros na libertação diária desta ignorância de não saber e não fazer ou decorar e não saber demais, fugindo do saber de menos. eis o discurso incompreensível do nosso professor nos atingindo em cheio, eu e meus colegas olhávamos tentando entender aquele seu falar meio alucinado, pra fora de si e além de todos nós. não temos tempo a perder precisamos aprender, e eu preciso encontrar meu homem da vida inteira, Pra quê vai servir, eu não sei lê os homens, me pergunto, enquanto os mesmos colegas não entendem porque ela não é parecidinha com as gostosonas da televisão, os chinelos são das havaianas, mas tenho certeza que são falsos, eu também sou adultera, Gente, as coisas não aparecem do nada. o começo de outro discurso platônico do nosso cego ingênuo, Aparecem, nos pergunta, mantemos o silêncio da certeza que não sabemos o que ele quer escutar, Vamos pensar juntos, nos convida. não estamos muito certos que esta conversa é necessária, Foi fácil conseguir os óculos, pergunta, Foi, diz alguém, Não foi, contradiz outro alguém. está ficando animado, Afinal, foi ou não foi, pergunta o cego que não é fingido, ele não fingia, mas fez aquela cara de quem não entendeu, o olhar querendo dizer outra coisa, na verdade, entendia e nos perdoava a ignorância, a incompreensão do sentimento da insatisfação

esta habilidade de persuadirem o nosso convencimento da realidade, me irrita, não me conhecem e nem aos meus colegas, imaginam a nossa realidade, sentem pena e cheios de compaixão vêm nos ensinar a ler e escrever. não enxergam o que vêem, Depois que o senhor disse o que eu tinha que fazer, e onde ir, pedir os óculos ficou fácil, Vamos continuar pensando. silêncio. acho que devia nos convidar a continuar falando, mas como ele é o professor vou me manter calada, vou guardar minhas observações para uma outra ocasião, mais clara na precisão da minha ajuda, Era impossível até ser dito por alguém que era possível, isso dito assim dá pra entender, Precisamos sempre de alguém para cuidar do nosso jardim, Professor, não tenho jardim. esta é a voz do futebol, uma voz que se confunde com o grito de gol, momento mágico, Desculpe, eu não entendi. nosso professor vive se desculpando, Eu não tenho jardim, é a resposta econômica que recebe, Mas porque não tens jardim, eis um cego que não cansa de pagar vale, satisfazendo o preço do mico, Não tenho nem casa, apenas um quartinho nos fundos, aliás, são muitos quartinhos, Será que ele entendeu agora, essa cochichando é a menina do rabo de cavalo, Eu tenho casa e jardim e um abacateiro imenso, bem no meio do pátio, está sempre carregadinho, Dizem que abacate engorda. o papo rola solto sobre casas e jardins, O que engorda é dinheiro no bolso, afirma convicto nosso colega dos óculos, Se tivesse dinheiro no bolso comprava o quartinho dos fundos e a casa da frente, desmanchava os fundos, plantava uma baliza de goleiro, um abacateiro pra engordar e muita grama, E os óculos, pergunta o professor abá, nos interrompendo, parecia ir a outra direção no mesmo sentido, Voltando, pessoal, foi dito que o antes impossível agora é possível, mas difícil, não sabíamos como resolver, precisávamos da solução, alguém necessitava enxergar. este professor precisa nos escutar mais para aprender a falar mais simples, ir direto ao assunto, Sim, aí eu fui marcar o exame e ir ao médico, mas aí eu não sabia onde pedir meus óculos e aí o senhor me disse, volta no posto e solicita os óculos e aí aconteceu assim. ficou fácil, ouvimos nosso colega dos óculos que enxerga e entendemos, mas deveria ser fácil desde o início. nosso professor parecia estar indignado com alguma urgência, talvez, com as palavras ditas ou as rasgadas ao não serem repetidas porque não foram declamadas, não sei, mas nada havia de novo, Pra quê vai servir, eu ainda não sei lê as entrelinhas, continuamos sem entender porque ela não é parecidinha com as gostosonas da televisão, os chinelos são havaianas, será que ela é falsa, eis a pergunta que faltava, duvidamos de nós, da nossa capacidade de resistir e lutar, Como podemos lutar, perguntam, Somos a matéria-prima e sobrevivência de outras pessoas, mas já não conseguimos enxergar além da fome, a gente faz tanta força que acaba deformada, derretida dentro da forma da empregada doméstica em casa letrada, alterados na forma de carpinteiro pela concordância verbal, reprovados como vigilante noturno pela matemática, Quem é a gente, Restos de comida


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quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Ver-te / Algo teu

Nelson Coelho de Castro






...

Algo teu diz a minha vida
Como tudo então
De um caminho novo
Ai, vou me mandar
Ao fim aonde não sei mais eu vou
Pois me vale o rumo
que o teu coração me dá




Tão bonita voz






Pátria Mãe






Felicidade






Armadilha






(Naquele Tempo do Julinho)






Desanda Paixão











terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Salomé Ureña de Henríquez (República Dominicana)

Los Poetas del Amor (36)




En El Nacimiento De Mi Peimogénito
(A mi esposo)


¡Levántate, alma mía,
por el materno amor transfigurada,
y a los confines del espacio envía
el himno de la dicha inesperada.

Y tú, que abres conmigo
a esa ternura nueva el pecho en gozo,
tú que compartes cuanto sueño abrigo,
cuanta ilusión feliz es mi alborozo,

ven, y los dos a una
el cántico de amor juntos alcemos,
y del pequeño ser ante la cuna
el alba del futuro saludemos:

el alba de esa vida
que a iluminar nuestro horizonte alcanza,
y a cuya luz vislumbra estremecida
espacios infinitos de esperanza.

Los cielos se inclinaron,
y descendió al hogar entre armonías
el ángel que mis sueños suspiraron,
nuncio de bendiciones y alegrías.

¡Oh, cómo se estremece
engrandecida la existencia ufana
pensando de esa aurora que amanece
vivir reproducida en el mañana!

De hoy más, un sueño solo,
una sola ambición tras el destine,
a nuestras almas servirá de polo,
del tiempo al avanzar en el camino.

¡Oh, sí! Limpiar de abrojos
la senda preparada al ser que nace,
al bien y a la virtud abrir sus ojos
y el peligro desviar que le amenace.

Y así, como entre flores,
ajeno a la maldad, al vicio ajeno,
verle a lo grande tributar honores
y el alto aprecio merecer del bueno.

Y así a la Patria, al mundo,
como prenda de paz y de amor santo,
en acciones magnánimas fecundo
un miembro digno regalar en tanto.

¡Doblemos el aliento!
Vamos al porvenir, la fe en el alma,
para él a conquistar con ardimiento
de ciencia, de virtud, de bien la palma.







José Martí (Cuba)



Isla famosa


Aquí estoy, solo estoy, despedazado.
Ruge el cielo: las nubes se aglomeran,
Y aprietan, y ennegrecen, y desgajan:
Los vapores del mar la roca ciñen:
Sacra angustia y horror mis ojos comen:
A qué, Naturaleza embravecida,
A qué la estéril soledad en torno
¿De quién de ansia de amor rebosa y muere?
¿Dónde, Cristo sin cruz, los ojos pones?
¿Dónde, oh sombra enemiga, dónde el ara
Digna por fin de recibir mi frente?
¿En pro de quién derramaré mi vida?

?Rasgóse el velo; por un tajo ameno
De claro azul, como en sus lienzos abre
Entre mazos de sombra Díaz famoso,
El hombre triste de la roca mira
En lindo campo tropical, galanes
Blancos, y Venus negras, de unas flores
Fétidas y fangosas coronados:
¡Danzando van: a cada giro nuevo
Bajo los muelles pies la tierra cede!
Y cuando en ancho beso los gastados
Labios sin lustre ya, trémulos juntan,
Sáltanles de los labios agoreras
Aves tintas en hiel, aves de muerte.







Andrés Eloy Blanco (Venezuela)



Canto De Los Hijos En Marcha


Madre, si me matan,
que no venga el hombre de las sillas negras;
que no vengan todos a pasar la noche
rumiando pesares, mientras tú me lloras;
que no esté la sala con los cuatro cirios
y yo en una urna, mirando hacia arriba;
que no estén las mesas llenas de remedios,
que no esté el pañuelo cubriéndome el rostro,
que no venga el mozo con la tarjetera,
ni cuelguen las flores de los candelabros
ni estén mis hermanas llorando en la sala,
ni estés tú sentada, con tu ropa nueva.
Madre, si me matan,
que no venga el hombre de las sillas negras.

Lléname la casa de hombres y mujeres
que cuenten el último amor de su vida;
que ardan en la sala flores impetuosas,
que en dos grandes copas quemen melaleuca,
que toquen violines el sueño de Schuman;
los frascos rebosen de vino y perfumes;
que me miren todos, que se digan todos
que tengo una cara de soldado muerto.

Lléname la casa
de flores regaladas, como en una selva.
Déjame en tu cuarto, cerca de tu cama;
con mis cuatro hermanas, hagamos consejo;
tenme de la mano, tenme de los labios,
como aquella noche de mi padre muerto,
y al cabo, dormidos iremos quedando,
uno con su muerte y otro con su sueño.

Madre, si me matan,
que no venga el coche para los entierros,
con sus dos caballos gordos y pesados,
como de levita, como del Gobierno.

Que si traen caballos, traigan dos potrillos
finos de cabeza, delgados de remos,
que vayan saltando con claros relinchos,
como si apostaran cuál llega primero.
Que parezca, madre,
que voy a salirme de la caja negra
y a saltar al lomo del mejor caballo
y a volver al fuego.
Madre, si me matan,
que no venga el coche para los entierros.

Madres, si me matan,
y muero en los bosques o en mitad del llano,
pide a los soldados que te den tu muerto;
que los labradores y las labradoras
y tú y mis hermanas, derramando flores,
hasta un pueblo manso se lleven mi cuerpo;
que con unos juncos hagan angarillas,
que pongan mastranto y hojas y cayenas
y que así me lleven hasta un cementerio
con cerca de alambres y enredaderas.
Y cuando pasen los años
tráeme a mi pedazo, junto al padre muerto
y allí, que me pongan donde a ti te pongan,
en tu misma fosa y a tu lado izquierdo.
Madre, si me matan,
pide a los soldados que te den tu muerto.

Madre, si me matan, no me entierres todo,
de la herida abierta sácame una gota,
de la honda melena sácame una trenza;
cuando tengas frío, quémate en mi brasa;
cuando no respires, suelta mi tormenta.
Madre, si me matan, no me entierres todo.

Madre, si me matan,
ábreme la herida, ciérrame los ojos
y tráeme un pobre hombre de algún pobre pueblo
y esa pobre mano por la que me matan,
pónmela en la herida por la que me muero.

Llora en un pañuelo que no tenga encajes;
ponme tu pañuelo
bajo la cabeza, triste todavía
por las despedida del último sueño,
bajo la cabeza como casa sola,
densa de un perfume de inquilino muerto.

Si vienen mujeres, diles, sin sollozos:
-¡Si hablara, qué lindas cosas te diría!
Ábreme la herida, ciérrame los ojos...

Y una palabra: JUSTICIA
escriban sobre la tumba
Y un domingo, con sol afuera,
vengan la Madre y las Hermanas
y sonrían a la hermosa tumba
con nardos, violetas y helechos de agua
y hombres y mujeres del pueblo cercano
que digan mi nombre como de su casa
y alcen a los cielos cantos de victoria,
Madre, si me matan.


(Mayo de 1929)



Teatro Pedagógico: o armário

Parábolas de uma Professora



o armário


baitasar e paulo e marko





olho para o meu armário, com suas portas abertas, dou um passo à frente, fico na ponta dos pés e mergulho a cabeça para o seu interior, sinto uma força avassaladora me empurrando. no início não entendo, resisto, tento gritar, não escuto minha voz, meus gritos. e continuo sendo empurrada. meus pés já não tocam mais o chão, minha cabeça, meus braços, meu tronco, meu sexo, sim, ainda tem sexo, minhas pernas, meus pés. paro de resistir. estou toda dentro do meu armário. é apenas mais uma das tantas reuniões de professores e professoras em que já participei. lembro muitas falas, gritos, xingamentos, lágrimas, sorrisos, abraços, despedidas, decido não parar em determinado lugar, disponho-me a permitir o julgamento que minha memória fizer das vidas que vi, sustentei, e que agora queira mostrar-me. meu entorno é asfixiante. falta-me o amor e um cigarro

Gostaria de saber como vai se resolver a questão dos nossos dias em haver?

Não sei, colegas. O final do ano letivo está aí, chegando devagarinho, mas vindo, e não tenho a solução.

Deveríamos deixar para o ano que vem.

Não concordo. Vamos ter o ponto eletrônico.

isso não é agora. ponto eletrônico será no futuro. estou misturando alhos com bugalhos

Merda.

Eu também não concordo, o futuro só a Deus pertence.

Colegas, não sei o que fazer!

Ah! Tenha paciência, precisamos encontrar uma solução, afinal tenho dez turnos em haver.

Eu tenho cinco.

Tenho três.

Gurias, nem tomei nota dos meus, como é que fico sabendo quantos dias tenho em haver?

Posso sugerir?

Claro!

Poderíamos organizar um calendário oculto, onde em determinados dias uma colega gozaria de um desses dias e sua turma seria dividida entre as demais turmas da mesma série, é lógico.

Não entendi.

Eu entendi, me deixem explicar. Você tem dias em haver, as razões para teres estes dias não vêm ao caso, importa que por qualquer razão você trabalhou além do seu regime de trabalho e precisas ser paga, em dinheiro não será feito, logo irás deixar de vir à escola trabalhar.

Como que não importa saber porque as pessoas têm tantos dias em haver?

O colega que tem dia em haver veio trabalhar fora do seu expediente.

Fazer o quê?

O seu trabalho.

A pedido de quem?

Óbvio que foi da direção, atendendo necessidades da escola.

Ah! E quem controla a farra?

A Direção.

Ah!

Isto eu já entendi. Quero entender como será feito o pagamento dos turnos trabalhados.

Já chego lá. Exemplo: amanhã você não virá à escola, irá tirar um dia em haver, os alunos da tua turma serão divididos e colocados nas demais turmas da mesma série.

Não concordo.

Por quê?

Gurias, estamos no final do ano e tenho alunos que precisam de um olhar ainda mais próximo. Com mais alunos na turma, e crianças que não conheço, será impossível qualquer tentativa de recuperar ou construir conhecimento com esses alunos.

E ainda dá pra recuperar algum aluno?

Meu Deus! Estamos em novembro, temos um mês de aulas, se nesse tempo que falta não dá pra fazer mais nada, então que se encerre o ano letivo agora!

Tudo bem, tudo bem, e se dispensares os teus alunos já aprovados ficando com uma turma reduzida para poderes acolher estes outros alunos?

É brincadeira não é, gurias? Estão a fim de tirar um sarro comigo! Vou mandar meus alunos para casa e receber os alunos de outras turmas? Estamos transferindo a solução de um problema nosso para os alunos. Eles não têm nada com isso.

minhas memórias são interrompidas por dores nas pernas e braços, este armário não foi feito para mim, nem essas reuniões que sequer foram administrativas ou pedagógicas. fico com o corpo todo dolorido pelas dobraduras forçadas e com o sentido apenas de conter-me dentro do armário. ponho a cabeça para fora dele, olho à direita e à esquerda, ninguém no corredor, baixo o olhar, o chão está longe, vai ser mais difícil sair do que entrar, coloco um dos braços para fora e respiro, decido que não vou sair rastejando. existem lembranças que não ajudam, Entenderam, O quê, Os números romanos, Dá pra repetir, Claro, Por que precisamos estudar esses números, Muitos relógios têm no mostrador números romanos, Estes romanos são aqueles que matavam os cristãos, São, Ah, em quê vai ajudar aprender sobre esses assassinos, Precisamos saber para responder certo, Um bom motivo.

enquanto falam sinto um desconforto nos olhos. o botto está parado a frente do armário. fecho os olhos e os esfrego com vigor para tornar a abri-los e reparar nas formigas sentadas às cadeiras de fórmica verde, inquietas, as suas costas retorcidas. elas não parecem muito interessadas no que ele tem para lhes dizer. mantém as antenas em permanente movimento, O que mais querem de mim, dividi minha vida em amor católico romano e venenos para acabar com os formigueiros, meu Deus.

correm os boatos do horror da fumigação de venenos no formigueiro, Por que não posso escolher uma só razão, um só motivo para continuar a enganar essas gentes do formigueiro que não têm pressa, a lei moral circula as favelas e delimita seus modos de cismar o espírito e idéias, imaginam que pensam por si, coitados, são operárias a serviço da rainha e da colônia de penas, Chega, Morram. pressiona o atomizador inseticida, presunçoso boquiaberto. parece sorrir com tristeza



sentei no meio-fio esperando o ônibus, na sacola meu almoço líquido, no sapato o papelão de sola. vestia uma roupa de tecido fino, manchada de suor como se fosse cola. esfregava minhas mãos num sorriso tímido, pensava na minha vida e cantava a morte, destino que nos une e não adianta sorte, crescia minha angústia de fugir do norte, sonhava com o amor, desejos de mulher sozinha, brincava de dizer que a vida é minha, sabia que a verdade cedo ou tarde vinha, Professor, tá aqui a receita do médico, e agora? pergunta quem não enxerga um palmo escrito ou desenhado a sua frente, por analfabeto e cego. não sei como essa gente letrada não enxerga mais longe, há muito mais tempo ele faz careta quando tenta ler alguma palavrinha. está na cara a dor de quem não conhece as letras porque não vê o que lê e não lê o que vê, borracho que não voa. o cegado do olho, quer respostas, e querendo saber se ia conseguir os óculos, não se afasta do professor abá, um negro com dimensões acima das ordinárias e forte, muito forte, sorriso fácil de branco, num vozeirão alto e dominante no coro dos alunos e alunas, mas que se sente constrangido e estreito, não sabia o que dizer, Sim, mas ninguém te falou onde conseguir os óculos, arrisca. claro que tentava entender, brincando de cabra-cega e de adivinhação, passatempo com as vidas e humores, Eu fui no posto aqui da vila e eles marcaram o médico no hospital, fui até lá, ele me examinou e deu a receita, depois eu voltei. eis uma explicação bem simples, concedida de graça pelo cego, que enxerga quase nada das letras. sei lá, acho que tudo se complica demais na vida quando se avista muito. o outro cego não atinava, não lhe havia demasiada travessura, estava sem saber o que fazer. não queria repetir mais uma vez o não, evitava dizer que a resposta está por aí, em alguma seção de burocrata, sem ação, engavetada. tudo não poderia ser tão ruim. é ingênuo nas suas respostas, nas suas tentativas de nos alcançar esperança, ainda não descobriu que estamos escorados nos movimentos e nas motivações da desesperança nele, amparados na fé em nós mesmos, é somente o que temos, vivemos porque estamos vivos, Dá um tempo, preciso descobrir o que fazer, como conseguir teus óculos. é o máximo, não consegue dizer do medo e da probabilidade de não haver possibilidade. caminha alguns passos e se depara com o olhar do aluno de cabelos cortados, barba aparada, cheirando a perfume de lavanda e olhos brilhando na sua importância, coisas de coração, Ô cara, os teus óculos virão no dia de São Nunca, ninguém brinca na volta para casa. precisamos sobreviver, temos precisão de viver sobre as nossas dores e os seus humores, E aí, professor, sem resposta, queremos apenas uma replicação, Palavras, promessas e nada mais, grita outro alguém de costas, em tom de pilhéria, fazendo parecer brincadeira. coisas da oração, outro desabafo, mais gritos serão escutados, outra vez não serão ouvidos, somos o eco dos bandidos em nossos gemidos, sofremos diferente apesar dos gritos de dor serem os mesmos. nossos gemidos lhes parecem fingimento de excesso, coisas de mais pra tão pouco. o tempo há de cicatrizar as feridas e curar o cegamento, tudo a sete palmos de fundura. o desconfortável e o cego de olhos sem ler, o tonto e o respeitador a olhar o dedão do pé, o professor está em aflição e ele o olha na esperança da chuva que abençoa, um sente-se um sapo e não pode esconder a si mesmo no lago apequenado, o outro precisa dos óculos, da luz que se derrama e anuncia as letras e a lógica mágica de escrever e ler, Palavras, promessas e nada mais, grita outro alguém qualquer, a multidão dos seus alunos da desesperança. a realidade em pranto assiste ao súbito espanto que nos engole, e pronto, somos alimento das lágrimas que trazem o passado sem glórias e aleluias, Pra quê vai servir, eu já sei lê, nada mudou, não entendem porque ela não é parecidinha com as gostosonas da televisão, os chinelos são havaianas, não são falsos, mas o olhar de quem olha é de mentira, desleal



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A Noite dos Cristais

Luís Fulano de Tal


Novela



Tal, Luís Fulano, 1959
             A noite dos cristais / Luís Fulano de Tal
(Luís Carlos de Santana) - São Paulo: Editora 34, 2015 (2ª Edição).
128p.










Depois de uma semana de conversas regadas a café, cigarros e lembranças, já éramos amigos. Uma tarde conversávamos, e repentinamente, como se se livrasse de um grande peso na consciência, disse, tenho comigo um maço de papéis que penso te interessam muito.

É verdade? Por quê?

São escritos feitos por um negro fugitivo do Brasil. Uma vez li um trecho, estão em português, mas parecem ser nomes de ruas... de pessoas... não sei bem... acho que são lembranças, não?







Eram as lembranças de Gonçalo, um homem que vivera no Brasil à época da escravidão e que um dia fugira para Caiena.








Nos homens, pegavam em seus membros, torciam e apalpavam tocando os escrotos para provocar ereção. Os que tinham membros incomensuráveis eram disputados a peso de ouro. Passavam a fazer parte do seleto corpo de segurança de honoráveis senhores brancos... Outros eram metidos nas senzalas para pejar centenas de negrinhas já bulidas por patrões e feitores.









Algumas famílias não aceitavam as escravas de leite; diziam que este já vinha com suas inclinações lascivas e debochadas, e que os escravos, naturalmente inimigos de seus senhores, poderiam influenciar com suas artes e magias as pequeninas almas.











Dom Casmurro: Tio Cosme

Machado de Assis

Dom Casmurro



CAPÍTULO VI
 TIO COSME



 Tio Cosme vivia com minha mãe, desde que ela enviuvou. Já então era viúvo, como prima Justina; era a casa dos três viúvos.

 A fortuna troca muita vez as mãos à natureza. Formado para as serenas funções do capitalismo, tio Cosme não enriquecia no foro: ia comendo. Tinha o escritório na antiga rua das Violas, perto do júri, que era no extinto Aljube. Trabalhava no crime. José Dias não perdia as defesas orais de tio Cosme. Era quem lhe vestia e despia a toga, com muitos cumprimentos no fim. Em casa, referia os debates. Tio Cosme, por mais modesto que quisesse ser, sorria de persuasão.

 Era gordo e pesado, tinha a respiração curta e os olhos dorminhocos. Uma das minhas recordações mais antigas era vê-lo montar todas as manhãs a besta que minha mãe lhe deu e que o levava ao escritório. O preto que a tinha ido buscar à cocheira, segurava o freio, enquanto ele erguia o pé e pousava no estribo; a isto seguia-se um minuto de descanso ou reflexão. Depois, dava um impulso, o primeiro, o corpo ameaçava subir, mas não subia; segundo impulso, igual efeito. Enfim, após alguns instantes largos, tio Cosme enfeixava todas as forças físicas e morais, dava o último surto da terra, e desta vez caía em cima do selim. Raramente a besta deixava de mostrar por um gesto que acabava de receber o mundo. Tio Cosme acomodava as carnes, e a besta partia a trote.

 Também não me esqueceu o que ele me fez uma tarde. Posto que nascido na roça (donde vim com dois anos) e apesar dos costumes do tempo, eu não sabia montar, e tinha medo ao cavalo. Tio Cosme pegou em mim e escanchou-me em cima da besta. Quando me vi no alto (tinha nove anos), sozinho e desamparado, o chão lá embaixo, entrei a gritar desesperadamente: "Mamãe! mamãe!" Ela acudiu, pálida e trêmula, cuidou que me estivessem matando, apeou-me, afagou-me, enquanto o irmão perguntava:

 — Mana Glória, pois um tamanhão destes tem medo de besta mansa?

 — Não está acostumado.

 — Deve acostumar-se. Padre que seja, se for vigário na roça, é preciso que monte a cavalo; e, aqui mesmo, ainda não sendo padre, se quiser florear como os outros rapazes, e não souber, há de queixar-se de você, mana Glória.

 — Pois que se queixe; tenho medo. — Medo! Ora, medo!

 A verdade é que eu só vim a aprender equitação mais tarde, menos por gosto que por vergonha de dizer que não sabia montar. "Agora é que ele vai namorar deveras", disseram quando eu comecei as lições. Não se diria o mesmo de tio Cosme. Nele era velho costume e necessidade. Já não dava para namoros. Contam que, em rapaz, foi aceito de muitas damas, além de partidário exaltado; mas os anos levaram-lhe o mais do ardor político e sexual, e a gordura acabou com o resto de idéias públicas e específicas. Agora só cumpria as obrigações do ofício e sem amor. Nas horas de lazer vivia olhando ou jogava. Uma ou outra vez dizia pilhérias.


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Texto de referência:

Obras Completas de Machado de Assis, vol. I,
Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994.

Publicado originalmente pela Editora Garnier, Rio de Janeiro, 1899.


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segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Memórias Póstumas de Brás Cubas: Óbito do Autor

Machado de Assis


Memórias Póstumas de Brás Cubas




CAPÍTULO PRIMEIRO / ÓBITO DO AUTOR



 Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco.

 Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem anúncios. Acresce que chovia — peneirava uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e tão triste, que levou um daqueles fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa idéia no discurso que proferiu à beira de minha cova: — “Vós, que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que têm honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe rói à Natureza as mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado.”

 Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei. E foi assim que cheguei à cláusula dos meus dias; foi assim que me encaminhei para o undiscovered country de Hamlet, sem as ânsias nem as dúvidas do moço príncipe, mas pausado e trôpego como quem se retira tarde do espetáculo. Tarde e aborrecido. Viramme ir umas nove ou dez pessoas, entre elas três senhoras, minha irmã Sabina, casada com o Cotrim, a filha, — um lírio do vale, — e... Tenham paciência! daqui a pouco lhes direi quem era a terceira senhora. Contentem-se de saber que essa anônima, ainda que não parenta, padeceu mais do que as parentas. É verdade, padeceu mais. Não digo que se carpisse, não digo que se deixasse rolar pelo chão, convulsa. Nem o meu óbito era coisa altamente dramática... Um solteirão que expira aos sessenta e quatro anos, não parece que reúna em si todos os elementos de uma tragédia. E dado que sim, o que menos convinha a essa anônima era aparentá-lo. De pé, à cabeceira da cama, com os olhos estúpidos, a boca entreaberta, a triste senhora mal podia crer na minha extinção.

 — “Morto! morto!” dizia consigo.

 E a imaginação dela, como as cegonhas que um ilustre viajante viu desferirem o vôo desde o Ilisso às ribas africanas, sem embargo das ruínas e dos tempos, — a imaginação dessa senhora também voou por sobre os destroços presentes até às ribas de uma África juvenil... Deixá-la ir; lá iremos mais tarde; lá iremos quando eu me restituir aos primeiros anos. Agora, quero morrer tranqüilamente, metodicamente, ouvindo os soluços das damas, as falas baixas dos homens, a chuva que tamborila nas folhas de tinhorão da chácara, e o som estrídulo de uma navalha que um amolador está afiando lá fora, à porta de um correeiro. Juro-lhes que essa orquestra da morte foi muito menos triste do que podia parecer. De certo ponto em diante chegou a ser deliciosa. A vida estrebuchava-me no peito, com uns ímpetos de vaga marinha, esvaía-se-me a consciência, eu descia à imobilidade física e moral, e o corpo fazia-se-me planta, e pedra e lodo, e coisa nenhuma.

 Morri de uma pneumonia; mas se lhe disser que foi menos a pneumonia, do que uma idéia grandiosa e útil, a causa da minha morte, é possível que o leitor me não creia, e todavia é verdade. Vou expor-lhe sumariamente o caso. Julgue-o por si mesmo.



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Texto-fonte: 
Obra Completa, Machado de Assis, 
Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994. 



Publicado originalmente em folhetins, a partir de março de 1880, na Revista Brasileira.


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nós sempre seremos muitos mais

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11/13




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William Morris

"unidos na batalha"
"em que nenhum homem pode falhar"
"contudo suas ações ainda em tudo deverão prevalecer"

Chico - Artista Brasileiro

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Documentário Chico Buarque





Carminho, Laila Garin, Mônica Salmaso, Ney Matogrosso, Péricles, Moyses Marques




Em família




Em uma palavra




Making Of Produção







domingo, 13 de dezembro de 2015

Histórias de avoinha: os rico tem os bolso cheio de sangue, a doutrina do domínio

Ensaio 69B – 2ª edição 1ª reimpressão


os rico tem os bolso cheio de sangue, a doutrina do domínio


baitasar



Mifioneto, quem manda e pruqui manda e como manda... sempre desenteressô essa preta véia.

num sabia ou fingia num sabê qui num sabê deixava as coisa ruim mais ruim prus preto, mestiço e pobre. Sua avoinha tava errada, num sabê faz ocê pensá qui sabe o qui num sabe. E isso é munto errado. E triste. E desvantajoso. E perigoso. Desse feitio de vivê, as coisa boa só acontece pru patrão e os munto amigo do patrão. As meió oportunidade. As comodidade da vida é pru patrão e os amigo e amiga munto chegado dele. As porta da riqueza num se abre, ela precisa sê forçada abrí. Lá uma veiz perdida, quando a pressão tá munta, ela se abre prum dos coitado eleito no gosto dos rico. É quando eles gosta de mostrá o joão ninguém qui eles deixô entrá e repete, Vença por seus próprios méritos, Vença pelo seu próprio esforço, pra logo fechá as porta. Isso faz tudo qui é joão de ninguém sonhá com as porta daquele portal iluminado e qui com as minguada força qui tem vai empurrá e abrí as porta sagrada na hora qui achá meió

os qui manda nunca vai corrigí a ceguêra dos qui num vê ou vê torto. Os dono das riqueza – qui num é munto, é um pingo no bocado dos esfomeado – é qui manda, pelo menos, enquanto o joão qui num é ninguém pensá qui sua vida tem menó valô qui a vida do patrão. Essa gente qui se acha meió num qué repartí. E os qui se achá menó acredita qui isso é assim mesmo, Os dono venceram por seus méritos, bobice de joão qui num é ninguém se ocê é mais um dos qui pensa assim. Os rico tem os bolso cheio de sangue. As injustiça nem pelo acaso tem reparação. E quem é os dono da riqueza? Não, não é o imperadô. Ele cuida dos interesse do patrão. O dono de tudo sabe fazê conta, distribui as culpa e a servidão nos pobre, humilde e preto. Vive como dono da vida. Num faz amô, ele fode. Tão acostumado tá em se achá superiô. Num se importa de num sê um grande amante nem sente incômodo se trepa pió qui um vagabundo. Ele compra e fode. Os dono de tudo é assim. Eles compra as puta e as notícia. Ninguém fala coisa ruim dele, por isso ele é dono de tudo. Num vê diferente. Fode com tudo

nesse mundo de canalhice ocê precisa decidí se vai lutá inté morrê pra num sê safado ou se vai sê safado. Mesquinho. Fofoquêro de rico. Baba ôvo inté se afogá na baba ou nuzovo. Ou desinteressado, nesse caso, ocê vai precisá escôie entre sê um desanimado cínico ou um indiferente fingido

o recém nomeado capitão-do-mato da villa renegô os orixá das sua origem e se converteu pra cruiz. Nunca esqueceu a dominguêra. Quando num ia é pruqui tava longe, catando preto no mato. A servidão lhe deu o conforto da comodidade de rezá e assegurá a segurança dos siô das terra, gado e escravo. Esses branco qui rezava sentado nos primêro banco da missa é qui mandava cada veiz mais e trabaiava cada veiz menos. Os bolso é cheio com o sangue e a carne dos preto. Eles têm nas cama as marca dos gozo qui derramava nas menina preta. Esses qui faz o siná da cruiz quando faz a ronda na casa da Maria Cobra num entra na fila

mifioneto pensa qui achô um feitio meió de lutá: levá uma vida simples de rebanho. Bobice. Esses qui rezava sentado no banco da frente na missa dominguêra é qui manda sem mandá. A dominação é natural. De cima pra baixo. E ocê mais eu mais todo rebanho vive embaixo, mais eles tem sempre mais alguém embaixo pra dominá com algum contrabando ou exploração. Manda quem diz qui é naturalmente superiô, assim mandá ou obedecê ficô uma coisa natural, inté chegá tudo nos preto e nos índio

mais qué sabê, mifioneto? pió qui num sabê é sabê errado. É creditá nos aviso dos informante do patrão. Pió qui num sabê é tá desinformado com as notícia errada. Cada palavra qui sai do esconderijo dos dono de tudo tem o mesmo caso pensado: continuá com a dominação. Botá na cabeça dos afoito desprevenido o conhecimento enganadô, leviano e ligêro. Um veneno qui mata a vontade aos pouco

a garganta do enganadô é um púlpito. Ele amaldiçoa a justiça qui substitui pelo arrependimento. Todos debaixo é culpado, menos a superioridade do patrão. Ele sabe qui manda pruqui o rebanho aceita sê pacato. A vida simples de rebanho credita no arrependimento qui salva pela docilidade fraterna dos qui manda na terra, no gado e nos escravo. Na vida simples de rebanho, os bolso tá sempre minguando e a culpa é do gado. Aos pouco as vida despenca num abismo de diarréia e vômito sem amô. E o gado passá a trepá esquecido do amô. Muge

o siô padre, o siô juiz e o chefe das pulícia manda mais qui o imperadô qui manda no padre, no juiz e no chefe das pulícia. Parece confusão. Parece brincadêra, mais é só a afeição entre os infame. Eles cuida um dos otro. Gente qui se diz mais gente, autêntica, pura e sincera... como ratos, Civilidade de cavalheiros elegantes, educados, simpáticos e leais. Somos amáveis, não vendemos outros homens, vendemos macacos! Bichos com serventia para a criadagem. Serviçais rudes, indelicados, feios, desamáveis. Selvagens. Devem humildemente se considerarem para sempre escravos. O negro jamais será livre nem irá conquistar qualquer espaço em nossa sociedade pura e branca. Somos escravocratas e escravo não tem voz!

é trabaioso separá os bão da erva danosa, malvada e degenerada. É preciso pensá no qui vê e no qui num vê, escutá o qui se fala e o qui num é dito, sê um bão ouvidô pode sê mais trabaioso qui sê um bão faladô. O silêncio dos informante enganadô é o desenho da sua obediência. Eles só grita quando o patrão dá permissão, esconde os grito qui o patrão num qué escutá. Eles num tem nariz achatado, lábio grosso nem marca de corrente nas canela branca, num carrega cicatriz de açoite, nem carapinha, eles escreve as mentira infame qui escreve pruqui qué sê mais da canalhice qui o patrão

todo mundo tem patrão, é um mundo com dono, num esquece. Uns obedece mais qui os otro, mais ninguém deixa de obedecê. Os qui deixa de cumprí as ordem recebida tem qui sê castigado. É a lei. Essas lei num é descumprida

Tá escuitando, mifioneto?

Tô... o espírito da avoinha não vê que tô no trabalho de cobrador das passagens?

Ocê pensa qui sabe o qui tá fazendo nesse brete, cobrando bilhete passadiço. Mais o qui ocê sabe pode tá errado. O neinho precisa conversá sobre o qui tá descobrindo.

Não posso ficá de conversa com o espírito da avoinha.

Bobice, ocê pode escutá. E avoinha qué lhe escutá. Precisa fazê o balanço dos pensamento qui tem na cabeça e tudo qui tá fora querendo entrá. Ocê tá me escutando?

Tô, mas avoinha tem que sair da roleta...

Mais bobice, num tô atrapaiando. Tu parece com os preto no tempo do Josino: fazendo o crescimento do numerário da riqueza prus dono branco. Os preto desse tempo num tinha munta escôia: aceitá as marca da chibata e seguí vivendo inté onde podia. Ou fugí. Ocê tem a esperança da escola.

Avoinha tem o costume de abusá na quantidade do despropósito. A escola só ensina obedecer. Não educa as incumbências de partilhar e compartilhar a responsabilidade de mandar. E fica perdida. Nem uma coisa nem outra.

Pois só paro as incomodação quando ocê prometê saí desse banco e voltá estudá. O banco qui ocê tem qui sentá é o banco da escola, se serve prus menino branco vai servi pra ocê. Vá e se sirva.

Avoinha, preciso dá no jeito de viver: anão, preto e pobre não tem muito pra sonhá.

E fica mais ruim se num estudá!

Avoinha tá conversando aos gritos...

E qui feitio precisa falá pra ocê escuitá?

Avoinha, por favor... tá sentada na mesa do troco... preciso pegá o troco...

Pois pegue...

Avoinha tá sem calcinha...

Mais qui absurdo, neinho... os espritu precisa usá calcinha? A obrigação do neinho é treminá os estudo da escola, sê alguém preto importante na vida dos branco. Incomodá os branco com a brilhatura de hôme livre. Mostrá prus preto qui dá de consegui.

Vou pensá... vou pensá...

Ainda num é o qui avoinha qué escutá.

Avoinha, o carro dos passageiros já tá com mais movimento na entrada que na saída. Logo não vai ter mais lugar pra subir. Preciso dá atenção no troco...

O mifioneto qué escutá o fim da história do Josino?

Avoinha vai suspender essa contação caso eu lhe faça o pedido?

Não.

Então, por que avoinha pergunta?

Educação, neinho.

Obrigado.

Num seja desaforado. Educação num qué dizê consideração demasiada, tem coisa qui é preciso dizê e otras qui é preciso escutá.

o pisão forte do joão torto no breque carregô os passagêro pra frente e fez aparecê o josino. Continuava um defunto qui num virô defunto. Continuava fantasma. Escondido da história qui os branco gosta de contá

O sinhô Padre chamou?

o padre virô as vista pra porta da entrada da sacristia. Uma acomodação precária. Um lugá qui precisava sê dentro, mais durante o erguimento da igreja tava fora. Ali, naquele quarto, ficava o cofre das vestimenta da missa, o esconderijo do sangue e do corpo do defunto qui os branco nunca vai descê da cruiz. Uma história qui amedronta mais qui pode. Educa e ensina em nome do pai fiô e espritu santo. Um defunto qui virô espritu santo

o padre tomava o cálice nas mão com o vinho qui era seu costume bebê na frente do almoço ou, no devido tempo, depois. Tinha veiz qui tomava nas duas brecha, primêro e posteriormente. E nada estorvava de fazê uso durante o almoço, no caso de tê necessidade. O vinho era gracioso. Uma dádiva tê se juntado ao sangue do defunto santo. Um personagem com muntas utilidade. Tava juntado o útil e o agradável. A cruiz, a chibata e o vinho

o tomadô do vinho santo num tinha cisma nem vacilação qui o defunto santo foi espetado na cruiz pra sê a salvação. O morto na cruiz num tolerava mentira, ladrão e assassino. Por isso, o padre bebia. Ele sabia o qui sabia dos branco sentado nas primêra fila. Ficava calado. Esperava o arrependimento qui salva. Num tinha desconfiança de creditá qui o sofrimento mais o arrependimento é o caminho da salvação

O sinhô Pensavento acredita na salvação?

o hôme qui tava parado na porta da sacristia deu os passo qui precisava pra escutá meió nos aposento do padre. O ajudante do governadô é aquela mão qui manda fazê as vontade dita pelo chefe. Num respondeu de pronto, tinha o costume de pensá mais qui respondê. Oiô disfarçado prum lado e otro, num tinha munto pra sê visto. Depois foi inté a porta dos fundo vê os preto trabaiando em nome do defunto santo. Subindo e descendo. Os lombo ardido com os carregamento. Quando qui fez o qui meió sabia fazê: perguntô e num respondeu

Como Deus vai mudar o mundo para melhor?

A Bíblia responde essa pergunta. Mateus 6:9,10, Rezai pois assim: Pai nosso, que estais nos céus, santificado seja o Vosso nome venha a nós o Vosso reino; faça-se a Vossa vontade, assim na terra como no céu.

Então é isso, basta rezar?

É um bom começo. Leia Daniel 2:44, No tempo destes reis, o Deus dos céus fará aparecer um reino que jamais será destruído e cuja soberania nunca passará a outro povo: Esmagará e aniquilará todos os outros, enquanto que Ele subsistirá para sempre.

Podemos mesmo acreditar no que diz a Bíblia?

Sim, pelo menos por dois motivos: Deus tem o poder de cumprir essa promessa e Deus tem o desejo de cumprir essa promessa.

Eu gostaria de saber para onde vão os negros que morrem de apanhar nas mãos dos brancos da domingueira. Qual a solução final para esses negros com fome, tristeza, doentes, acorrentados, sem nenhum cuidado de ajuda? O sinhô Padre sabe dizer?

Sim. Devem estar todos sentados no céu.

Um Paraíso só de negros.

Não, sinhô Pensavento. O Paraíso é um só!

Hum... a mão que segurava a chibata e se enfiava nas negrinhas está no mesmo Paraíso... hum... vantajoso. O sinhô Padre tem certeza qui num tem escravo no Paraíso?

o Caramão oiô direto no otro, o Pensavento

O sinhô Pensavento conhece bem a cólera dos fazendeiros e seus desejos irrestritos à mão-de-obra dos negros. Escravos subordinados e aviltados pela conquista, pelo regime colonial e suas formas compulsórias do trabalho, são vistos como inferiores.

Então, temos um céu para os brancos superiores e um outro céu para os negros, índios e mestiços inferiores.

o Caramão parecia tê sido subjugado

A percepção de tal inferioridade é um poderoso instrumento para justificar o trabalho forçado e a perpetuação dessa ordem social.

O que fazer, meu amigo?

Vosmecê é o Governo...

E vosmecê é o guardião da encruzilhada entre a porta do Paraíso e as catacumbas do Inferno.

O que o amigo espera do futuro?

Recebi ordens do Governador de não só negar, mas impedir o acesso dos negros libertos, índios e mestiços a certas profissões, regalias e melhorias sociais na villa, o padre Caramão ofereceu uma caneca com vinho, mais continuô calado, o otro num tinha terminado o qui devia e queria sê dito, Ordenou que o Chefe das Polícias feche os olhos para os avanços dos fazendeiros sobre as terras de comunidades indígenas.

Filho-da-puta! Por quê?

o padre num era jesuíta, mais gostava de pensá qui teria sido um bão jesuíta

Simples, sinhô Padre. Torná-los disponíveis como mão-de-obra, desqualificando o seu sistema de subsistência. E assim, obrigá-los a buscar emprego fora da comunidade dos índios...

Somos canalhas!

ergueram as canecas e tomaram todo o vinho

Ou ignorantes!

Fechamos os olhos por conveniência e conivência para a mentalidade senhorial dos fazendeiros que buscam riqueza e prestígio. Aceitamos seus desmandos em nome do consumo do trigo, da carne e do vinho. estamos submetidos a concorrência de conflitos pela terra e pelo trabalho.

A doutrina do domínio é um fato consumado.

Mais sangue, perguntô o Caramão

o ajudante do governadô estendeu a caneca, A terra nunca mais vai ser dos originários, aproximô mais a caneca do funil, a sua igreja tem muitas terras...

É verdade, muitas delas dada em usofruto para um ou outro escravo. Usam para plantar mandioca, legumes ou criar aves e porcos.

Serviço sujo que os fazendeiros não querem fazer.

Por enquanto...





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