Ensaio 46B – 2ª
edição 1ª reimpressão
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Leia também:
O baobá é da terra qui é do baobá
baitasar
Milagres chegô voando... uma muié voante da brisa. Um sonho
doce mascando arruda. Os pensamento com maluquice colocado no seu preto,
cheguei! se ocê tivé comendo, não coma; se ocê tivé dormindo, não durma,
enquanto arrumo os enfeite pense na sua preta. Os pensamento faz acontecê o qui
é ruim e o qui é bão, ocê escolhe. Na dúvida, vô afastá o inimigo e pregá ele
no chão pra criá raiz, virá árvore-fruta. Assim, ele vai experimentá a alegria
de sê árvore-alimento. No frescô da sua sombra quebra-luz num vai tê mais fome,
sede e desgosto, um otro mundo qui as pessoa do mundo devia querê. Tô falando
demasiado, né? Quem vai gostá de virá árvore-alimento? Trabaiá pros otro comê é
coisa de escravo. É meió tê os escravo, as corrente e os cipó de boi.
Josino sorria. Os óio afogado.
Os pensamento e as mão colocada na muié dos seus sonho,
escutava cada palavra qui chegava da brisa. As vista sem vê, num precisava das
vista. O coração tava correndo, respirava a brisa qui carregava sua preta inté
a rede. Ela lhe entrava pelos caminho do fôlego, adoro ocê, minha preta! gosto
demais de sê a tua criatura da terra.
Os pensamentos do baobá flutua. A rede da senzala balança. O
escuro é só escuro, a terra é só terra se não existí as cicatrizes, as lágrimas
e os contentamentos, teve qui existí um lugá assim, com as lembranças e as
saudades da terra qui é muié e da árvore qui é hôme pra vida tê vida...
Ele sabe que a muié num tem só um corpo, ela é tudo que tá
na volta. Josino ergue uma das mãos e toca, depois a otra. Encosta nas estrelas.
Ela é uma estrela, anuncia a terra
entrada pelo baobá. Tempo penoso para o amor que sonha com a terra sem dono, um
lugar para continuar a vida que cabe em sua mão com
tremores
suores
desejos
tremores
suores
desejos
Agarrado na mão da preta voante volta ao lugar secreto do
seu casamento. Tem as lembranças que carrega no sangue e na pele. Voltou à
pedra do amor. A cerimônia do seu encantamento. Deixa os olhos fechados. Ela
quer ouvir as palavras do seu homem. Uma das mãos no peito do baobá, ele cabe
inteiro na terra. Uma raiz forte foi plantada pelos anepassados. A outra mão
ajuda derramar o milho, a mandioca, a cana, até a boca engravidar do alimento
da terra
cheia
farta
morta de cansaço
cheia
farta
morta de cansaço
O berço de Josino é uma planície. O lugar que faz tudo
continuar antes do fim do sonho. Aperta a mão e empurra o alimento farto na
embocadura da alma até o fundo da terra
Não se mexa.
Não posso aquietar, minha preta...
Psiu, não se mexa.
Ela masca arruda, junto trás os enfeites. Colares e
braceletes de dentes, ossos, nozes e conchas. Depois aproxima o fumo enrolado
nas palhas do milho. O homem aceita o charuto que ela acende com sua saliva em
brasa. Coloca na volta do seu amor as frutas que escolheu na mata
ananás
banana
caju
mangaba
genipapo
coco
mamão
as flores
os perfumes
as balas
e serve atã
ananás
banana
caju
mangaba
genipapo
coco
mamão
as flores
os perfumes
as balas
e serve atã
Bebe, meu rei.
Josino pega a cabaça com atã e bebe num gole só. Milagres
toca sua flauta de bambu. Dança. Nua.
Masca arruda.
A terra respira, acende a fome da mulher. Uma ventania faz o
baobá rolar da rede até ficar por cima da terra. Agora, o baobá deita por cima
e desce a raiz na pele da terra até o lugar de continuar a vida. Beija a terra
a grama
as rochas
as águas
a grama
as rochas
as águas
Sobe e desce as montanhas. Atiça a fornalha que escorre do
rio das profundezas escondidas. Ela canta. Tem vez que assobia. A quentura do
rio sobe e chega na flor da pele. Os olhos da terra sorriem
amendoados
negros
a boca morde e caçoa, faz brincadeira com a casca dos pés
amendoados
negros
a boca morde e caçoa, faz brincadeira com a casca dos pés
São asas! Precisa ter asas. Aprendeu a ter asas.
A lua desavergonhada assiste tudo, brilha delirante e
enciumada, não pode ser terra. Bendita terra que tem os olhos da lua. O fogo
lambe o baobá embriagado. As labaredas tremeluzem. As mãos cismadas com a
cintura da terra não param de agarrar e soltar. Um mundo cósmico e invisível
nos quadris.
O baobá não desconfia mais da vida. Voltou à vida. Agarra-se
a terra. Passa os olhos nas pastagens da campina ondulada. As mãos sobem sem
pressa, leva-as a boca e prova o gosto. Quer do tempo tudo que lhe é devido. De
novo, de novo, e de novo. Agora, é a boca que desce para o regaço úmido do
capão. Tem sede. Dobra-se, leva a mão em concha e recolhe a bebida transparente
perfumada
e doce
perfumada
e doce
Me prova, me prova.
As mãos se rebelam com o querer e não querer da sede, livres
elas roçam os ramos mais delicados em um e outro ponto arrebitado do coração.
As abelhas fazem zumzumzum no riacho. A bebida continua escorrendo nas margens.
A pelagem encrespada da relva selvagem engravida da saliva
Me entra, me entra.
A lua já não sabe quanto da terra o baobá carrega, quanto do
baobá a terra embarriga. As labaredas consumindo o baobá enraizado no lugar que
faz tudo continuar. A terra reclama
Não para, não para.
Ah, meu preto encantado, me carrega na tua boca embruxada, me
enfeitiça, me faz apaixonada
Me toma, me toma.
A boca desempapada bebe das águas do rio. A vida se despeja
no lago
é milho
batata
mandioca
cachaça
é milho
batata
mandioca
cachaça
A terra é o sustento, serve o alimento.
Quando uma boca encontra outra boca e as duas fecham os
olhos, as pernas da terra se abrem e o baobá enraiza até o fim da terra, até o
fim do baobá. A árvore-criança se dobra, sua copa das folhas toca a pele da
terra, quer o gosto teso, humano e selvagem dos ponto arrebitado do coração. A
terra aleita a árvore-criança.
Não existe afobação, só a vontade de se dar à vida da terra
e das raízes. Uma história que conta mais uma história que já foi contada em
outra história. Um quer sentir do outro o amor do tempo antigo, quando a
criação veio como a mágica da poesia que não tem medo, não tem dono, está
sempre no fervedouro arrebitado como dois pontinhos no coração. Existiu um
tempo antes de começar tudo onde o homem-mulher era árvore, a árvore-mundo. Foi
quando a árvore-mundo se dobrou sobre a terra e a mulher se desatou da árvore. Ela
não queria ser árvore, queria ser terra.
A árvore-mundo achava que dominava a terra.
Um dia, o baobá sentiu o amor dos milagres
o gosto da fertilidade
o encantamento dos galhos brotando
as chuvas
o calor
o frio
o gosto da fertilidade
o encantamento dos galhos brotando
as chuvas
o calor
o frio
Viu que na planície arreganhada da terra a vida se renovava.
Agora, ela sabe. Mas a árvore-mundo insistia nas histórias antes do começo de
tudo, antes de tudo, quando só existia vida sem lembrança, sem saudade. Não
existia dor. Até que caiu uma gota da vida carregada com alegria na terra do umbigo.
A árvore-mundo levou as mãos à cabeça. A terra sorriu. Engravidou do sorriso e
pariu a vida com as lembranças e as lágrimas. Agora, ele sabe. Mas tem medo do
esquecimento, e faz de novo, desce até a pele mais funda da terra. Os dois não
são mais o que foram, a cada vez que voltam àquela profundeza... é diferente.
A árvore-mundo se dobra sobre a terra, a casca nos pés da
mulher encantada são asas.
Ocê voa, minha terra!
Os cabelos crespos tocam as nuvens. Uma mulher-anjo
negra
nua
negra
nua
Ela veio para anunciar a tolice do pecado. Insiste nas
histórias antes do começo de tudo. Um tempo sem sonho, um tempo sem pecado.
Josino acordô.
Milagres longe. Grávida dos fiô qui num queria plantá pra tê
razão de vivê. Num tinha razão de vivê. Aquela terra de corrente de ferro e
chibata num merecia os fiô qui tinha pra oferecê. Queria sonhá com seu orixá,
cantá as cantoria, fazê as dança, escutá as história dos espritu. Os preto tava
longe das terra do umbigo, mais ficô com a vida das lembrança e das saudade. Um
sabô qui deixava o baobá fincado na terra com gosto de vivê. O baobá fazia
vivê. Um homem-árvore com fome de tê otra veiz o gosto da muié qui era terra
mata
água
mata
água
Gostava de se perfumá com as água da terra.
As mão áspera e assanhada tirava Josino do sono sem graça. O
baobá se derramava, mais num tinha terra pra enraizá. Carregava no colo os miô,
as batata, as mandioca, mais num veio o sopro delicado e doce qui semeava mais
fartura. Apertô os óio. Queria tanto sentí as mão da terra lhe mexendo, quanto
mais a terra lhe mexia tanto mais crescia. As perna imensa. Os pé gigante. Um
preto todo grande. O baobá choramingava. As mão moiada. A lamentação moiada
agarrô o sono na pedra do amô dum jeito qui Milagres arredondô
Minha preta, ocê tá linda com esse feitio crescente.
Mentira tua, tô feia.
Bobice, ocê parece lua crescente.
Isso é sonho.
E daí?
No sonho ocê num sabe o qui é verdade.
Nem a vida sabe, ela só sabe qui é vida.
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