domingo, 26 de abril de 2015

XXI – Mitologia dos Orixás: Iá Mi Oxorongá [204]

Iá Mi Oxorongá



Reginaldo Prandi




Iá Mi chegam ao mundo com seus pássaros maléficos




As Iá Mi Oxorongá são as nossas mães primeiras, raízes primordiais da estirpe humana, são feiticeiras. São velhas-mães feiticeiras as nossas mães ancestrais. As Iá Mi são o princípio de tudo, do bem e do mal. São vida e morte ao mesmo tempo, são feiticeiras. São as temidas ajés, mulheres impiedosas.


As Oxorongá já viveram tudo o que se tem para viver. As Iá Mi conhecem as fórmulas de manipulação da vida, para o bem e para o mal, no começo e no fim.Não se escapa ileso do ódio de Iá Mi Oxorongá. O poder de seu feitiço é grande, é terrível. Tão destruidor quanto é construtor e positivo o axé, que é a força poderosa e benfazeja de Oxorongá.


Um dia as Iá Mi vieram para a Terra e foram morar nas árvores. As Iá Mi fizeram sua primeira residência na árvore do orobô. Se Iá Mi está na árvore do orobô e pensa em alguém, esse alguém terá felicidade, será justo e viverá muito na Terra. As Iá Mi Oxorongá na copa da árvore chamada araticuna-da-areia. Se Iá Mi está na copa da araticuna-da-areia e pensa em alguém, tudo aquilo de que essa pessoa gosta será destruído. As Iá Mi fizeram sua terceira casa nos galhos do baobá. Se Iá Mi está no baobá e pensa em alguém, tudo o que é do agrado dessa pessoa lhe será conferido. As Iá Mi fizeram sua quarta parada no pé de Iroco, a gameleira-branca. Se Iá Mi está no pé de Iroco e pensa em alguém, essa pessoa sofrerá acidentes e não terá como escapar. As Iá Mi fizeram sua quinta residência nos galhos do pé de Apaocá. Se Iá Mi nos galhos do Apaocá e pensa em alguém, rapidamente essa pessoa será morta. As Iá Mi fizeram sua sexta residênciana cajazeira. Se Iá Mi está na cajazeira e pensa em alguém, tudo o que ela quiser poderá fazer, pode trazer a felicidade ou a infelicidade. As Iá Mi fizeram sua sétima moradia na figueira. Se Iá Mi está na figueira e alguém lhe suplica o perdão, essa pessoa será perdoada pela Iá Mi. Mas todas as coisas que as Iá Mi quiserem fazer, se elas estiverem na copa da cajazeira, elas o farão, porque na cajazeira é onde as Iá Mi conseguem seu poder. Lá é sua principal casa, onde adquirem seu grande poder. Podem mesmo ir rapidamente ao Além, se quiserem, quando estão nos galhos da cajazeira. Porque é dessa árvore que vem o poder das Iá Mi e não é qualquer pessoa que pode manter-se em cima da cajazeira. Elas vieram para a Terra. Eram duzentas e uma e cada qual tinha o seu pássaro. Eram as mulheres-pássaros, donas do eié, eram as mulheres-eleié, as donas do eié.


Quando chegaram, foram direto para a cidade de Otá e os babalaôs mandaram preparar uma cabaça para cada uma. Elas escolheram sua ialodê, sua sacerdotisa. Foi a ialodê quem deu a cada eleié uma cabaça para guardar seu pássaro. Então, cada Iá Mi partiu para sua casa com seu pássaro fechado na cabaça e lá cada uma guardou secretamente sua cabaça até o momento de enviar o pássaro para alguma missão. Quando Iá Mi abre a cabaça, o pássaro vai, seja aonde for, aos quatro cantos do mundo ele vai e executa sua missão. Se é para matar, ele mata. Se é para trazer os intestinos de alguém, ele espreita a pessoa marcada para abrir seu ventre e colher seus intestinos. Se é para impedir uma gravidez, ele retira o feto do ventre da mãe. Ele faz o que for ordenado e volta para sua cabaça. Iá Mi, então, recoloca a cabaça em seu lugar secreto. Mas, se a pessoa possui um encantamento contra a feiticeira, ele deve dizer a seguinte fórmula:


“Que aquela que vos enviou para me pegar, não me pegue”.


Assim, por mais que tente, o pássaro não poderá executar sua tarefa. Sua dona terá de ir em busca do auxílio das outras Iá Mi. Ela vai à assembléia e relata seu problema. As ajés, as feiticeiras, devem trabalhar com ela, porque não podem realizar sua tarefa sozinhas. Então, Iá Mi leva um pouco do sangue da pessoa que quer prejudicar. Todas as outras Iá Mi o põem na boca e o bebem. Depois, elas se separam e não deixam dormir a vítima. O pássaro é capaz de carregar um chicote, pegar um cacete, tornar-se alma do outro mundo, e até mesmo pode ter o aspecto de um orixá; tudo para aterrorizar a pessoa à qual foi enviado. Assim são as Iá Mi Oxorongá.

Esta é a sua história.




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XXII – Mitologia dos Orixás: Ibejis [213] [214]


Reginaldo Prandi, paulista de Potirendaba e professor titular de sociologia da Universidade de São Paulo, é autor de três dezenas de livros. Pela editora Hucitec publicou Os candomblés de São Paulo, pela Edusp, Um sopro do Espírito, e pela Cosac Naify, Os príncipes do destino. Dele, a Companhia das Letras publicou também Segredos guardados: orixás na alma brasileira; Morte nos búzios; Ifá, o Adivinho; Xangô, o Trovão; Oxumarê, o Arco-Íris; Contos e lendas afro-brasileiros: a criação do mundo; Minha querida assombração; Jogo de escolhas e Feliz Aniversário.



Prandi, Reginaldo. Mitologia dos Orixás / Reginaldo Prandi; ilustrações de Pedro Rafael. - São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

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