sábado, 23 de janeiro de 2016

Contos Fluminenses: Miss Dollar, Capítulo Cinco

Machado de Assis



CAPÍTULO V 



Dias depois, Andrade e Mendonça foram à casa de Margarida, e lá passaram meia hora em conversa cerimoniosa. As visitas repetiram-se; eram porém mais freqüentes da parte de Mendonça que de Andrade. D. Antônia mostrou-se mais familiar que Margarida; só depois de algum tempo Margarida desceu do Olimpo do silêncio em que habitualmente se encerrara. 

Era difícil deixar de o fazer. Mendonça, conquanto não fosse dado à convivência das salas, era um cavalheiro próprio para entreter duas senhoras que pareciam mortalmente aborrecidas. O médico sabia piano e tocava agradavelmente; a sua conversa era animada; sabia esses mil nadas que entretêm geralmente as senhoras quando elas não gostam ou não podem entrar no terreno elevado da arte, da história e da filosofia. Não foi difícil ao rapaz estabelecer intimidade com a família. 

Posteriormente às primeiras visitas, soube Mendonça, por via de Andrade, que Margarida era viúva. Mendonça não reprimiu o gesto de espanto.

— Mas tu falaste de um modo que parecias tratar de uma solteira, disse ele ao amigo. 

— É verdade que não me expliquei bem; os casamentos recusados foram todos propostos depois da viuvez. 

— Há que tempo está viúva? 

— Há três anos. 

— Tudo se explica, disse Mendonça depois de algum silêncio; quer ficar fiel à sepultura; é uma Artemisa do século. 

Andrade era cético a respeito de Artemisas; sorriu à observação do amigo, e, como este insistisse, replicou: 

— Mas se eu já te disse que ela amava apaixonadamente o primeiro pretendente e não era indiferente ao último. 

— Então, não compreendo. 

— Nem eu. 

Mendonça desde esse momento tratou de cortejar assiduamente a viúva; Margarida recebeu os primeiros olhares de Mendonça com um ar de tão supremo desdém, que o rapaz esteve quase a abandonar a empresa; mas, a viúva, ao mesmo tempo que parecia recusar amor, não lhe recusava estima, e tratava-o com a maior meiguice deste mundo sempre que ele a olhava como toda a gente. 

Amor repelido é amor multiplicado. Cada repulsa de Margarida aumentava a paixão de Mendonça. Nem já lhe mereciam atenção o feroz Calígula, nem o elegante Júlio César. Os dois escravos de Mendonça começaram a notar a profunda diferença que havia entre os hábitos de hoje e os de outro tempo. Supuseram logo que alguma coisa o preocupava. Convenceram-se disso quando Mendonça, entrando uma vez em casa, deu com a ponta do botim no focinho de Cornélia, na ocasião em que esta interessante cadelinha, mãe de dois Gracos rateiros, festejava a chegada do doutor. 

Andrade não foi insensível aos sofrimentos do amigo e procurou consolá-lo. Toda a consolação nestes casos é tão desejada quanto inútil; Mendonça ouvia as palavras de Andrade e confiava-lhe todas as suas penas. Andrade lembrou a Mendonça um excelente meio de fazer cessar a paixão: era ausentar-se da casa. A isto respondeu Mendonça citando La Rochefoucauld: 

"A ausência diminui as paixões medíocres e aumenta as grandes, como o vento apaga as velas e atiça as fogueiras." 
A citação teve o mérito de tapar a boca de Andrade, que acreditava tanto na constância como nas Artemisas, mas que não queria contrariar a autoridade do moralista, nem a resolução de Mendonça.


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Texto-fonte: Obra Completa, Machado de Assis, vol. II, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. Publicado originalmente pela Editora Garnier, Rio de Janeiro, em 1870.



Rayuela - Julio Cortázar: Capítulo 10

Capítulo 10


    Las nubes aplastadas y rojas sobre el barrio latino de noche, el aire húmedo con todavía algunas gotas de agua que un viento desganado tiraba contra la ventana malamente iluminada, los vidrios sucios, uno de ellos roto y arreglado con un pedazo de esparadrapo rosa. Más arriba, debajo de las canaletas de plomo, dormirían las palomas también de plomo, metidas en sí mismas, ejemplarmente anti-gárgolas. Protegido por la ventana el paralelepípedo musgoso oliente a vodka y a velas de cera, a ropa mojada y a restos de guiso, vago taller de Babs ceramista y de Ronald músico, sede del Club, sillas de caña, reposeras desteñidas, pedazos de lápices y alambre por el suelo, lechuza embalsamada con la mitad de la cabeza podrida, un tema vulgar, mal tocado, un disco viejo con un áspero fondo de púa, un raspar crujir crepitar incesantes, un saxo lamentable que en alguna noche del 28 ó 29 había tocado como con miedo de perderse, sostenido por una percusión de colegio de señoritas, un piano cualquiera. Pero después venía una guitarra incisiva que parecía anunciar el paso a otra cosa, y de pronto (Ronald los había prevenido alzando el dedo) una corneta se desgajó del resto y dejó caer las dos primeras notas del tema, apoyándose en ellas como en un trampolín. Bix dio el salto en pleno corazón, el claro dibujo se inscribió en el silencio con un lujo de zarpazo. Dos muertos se batían fraternalmente, ovillándose y desentendiéndose. Bix y Eddie Lang (que se llamaba Salvatore Massaro) jugaban con la pelota I'm coming, Virginia, y dónde estaría enterrado Bix, pensó Oliveira, y dónde Eddie Lang, a cuántas millas una de otra sus dos nadas que en una noche futura de París se batían guitarra contra corneta, gin contra mala suerte, el jazz.
— Se está bien aquí. Hace calor, está oscuro.
— Bix, qué loco formidable. Poné Jazz me Blues, viejo.
— La influencia de la técnica en el arte —dijo Ronald metiendo las manos en una pila de discos, mirando vagamente las etiquetas—. Estos tipos de antes del long play tenían menos de tres minutos para tocar. Ahora te viene un pajarraco como Stan Getz y se te planta veinticinco minutos delate del micrófono, puede soltarse a gusto, dar lo mejor que tiene. El pobre Bix se tenía que arreglar con un coro y gracias, apenas entraban en calor zás, se acabó. Lo que habría rabiado cuando grababan discos.
— No tanto —dijo Perico—. Era como hacer sonetos en vez de odas, y eso que yo de esas pajoterías no entiendo nada. Vengo porque estoy cansado de leer en mi cuarto un estudio de Julián Marías que no termina nunca.

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terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Histórias de avoinha: nós carregamos a espada, eles a enxada

Ensaio 72B – 2ª edição 1ª reimpressão


os demônios: nós carregamos a espada, eles a enxada


baitasar


os imaginativo das fofoca daqueles hôme subordinado ao egoísmo, vivendo parasitados nas injustiças e na extorsão, num tinha cuidado com as mercadoria ou com os preto qui subia ou descia. Os parasita e os perverso se juntava na beleza moral qui açoitava, vivia do trabalho escravo e proclamava qui era tudo igual: mercadoria ou preto, coisa pra modo de sê observada e usada. Os virtuoso da ganância e da cobiça faz valê tudo qui venha em nome do seu gozo e riqueza

esses interessêro qui ficava bisbilhotando num tinha preocupação nem pensava qui os trabaiadô escravizado tinha sonho, munto menos, qui num tinha vontade de tá escravizado, Eles querem é ficar jogados nas ruas, mendigando favores. Vagabundos, me dê o nome de um negro decente e faço uma lista com uns cinquenta macacos que só querem beber e copular com essas negras sujas, as coisa dita assim, nas boca da cobiça e da bisbilhotice, só cuida de num falá dos mais forte. Essas boca tem medo. O metediço inté faz a fofoca do mais poderoso, mais com todo cuidado pra num sê agarrado pelo pescoço ou pelo rabo

os branco com tanta beleza moral gostava de oiá os preto trabaiando no cativêro. Eles num desconhecia as aliança política, as sociedade do comércio e os perigo com as autoridade militá, os bélico é gente de munto nervosismo, mais as elite de tanta beleza moral gosta de oiá, eles é mais bão oiando qui fazendo, Já escutaram os negros cantando?

E tem como não escutar? É bater o tambor e eles saem pulando e requebrando...

Gosto da boçalidade da língua dos negros.

Exóticos!

os preto da sua posse abanando, assustando as mosca. As conversa de bisbilhotice num chegava logo no padinhu, mais elas vinha inté a sacristia colocada no fundo da capela-mó, dia a mais ou dia a menos. O valô maió da bisbilhotice prus abelhudo, num é qui ela num tenha otras serventia, tem munta serventia, mais ela toma feitio de profecia quando é boa pra anunciá o presságio dum fato futuro, tirado supersticiosamente da consideração com as entranha da vítima ou da aparência do fogo ou dos raios. Chama de morto o vivo qui vira morto-vivo. Uma agourice com enguiço do mau qui chora com impaciência os morto é como desgraçá a salvação dos morto, mais enfim, o morto qui vai tá morto num tem precisão com a preocupação dos raio ou fogo, ele num tá mais. Inté os vivo pode querê qui ele tá, pode deixá ele tá, mais ele num tá...

será...

... no caso de ocê num tê bem a certeza certa, é meió num mexê no abelhêro das coisa qui parece num existí, mais pode existí

o qui existe é os assunto doloroso da fome qui a villa nunca vai reconhecê qui tem culpa ou que existe, o esquecimento trágico dos mau trato: preto é escravo e miserável é vagabundo; pra bão entendô, a metade do silêncio basta, num tê dono é tê vida de mendigá

O amigo não acha que o trabalho degradante é ocupação para os negros?

a cruiz nos peito e o diabo nos feito

E o que vem a ser esse trabalho, Pensavento?

vinho ou sangue, naquelas horas do dia, num parecia café nem lanche, as norma das boa manêra foi esquecida pelos dono da beleza moral, de todo jeito, a conta dos morto quem faz é os vivo

Nós carregamos a espada, eles a enxada! A ociosidade é a mãe de todos os vícios, ela faz o ladrão. Antes a enxada que a adaga!

um trabaia pra si, o otro pra deus, mais se os dois tá junto eles trabaia pru diabo, ai jesuis cristinhu, lembro dessa conversa com gosto de café requentado

Então, é isso? Branco é branco, negro é negro...

o vento e a lenha, o medo e a razão

O começo da aventura humana foi assim, Caramão. E nunca vai ter fim.

as coisa falsa dita com vontade de sê verdade convence munta gente, mais é preciso educá dentro da barriga da mãe pra fazê munto mais qui manejá os pensamento dum qui otro

Esses negros são a maior desgraça da Villa e esse sofrimento da própria escravidão é o purgante para suas culpas. O que se pode esperar dessa Villa feita de conluio com selvagens inferiores, indolentes grosseiros, colonizadores oriundos da gente mais vil da metrópole e negros boçais... degenerados?

o padinhu sabia qui a boca fala o qui tá cheio no coração. A marotice da cobiça atiça a cisma das palavra, provoca os ataque pras coisa ruim ficá munto pió. Ele precisa tá um passo na frente dos conspiradô. O meió feitio era vigiá e conservá as coisa como sempre foi. A cautela num corre risco. Um jogo de ataque e defesa com as palavra pode fazê estrago ou criá a boa vontade, a aranha vive do qui tece

decidiu qui se fechava uma das vista, abria a otra. Mais num fez o qui devia tê feito veiz qui otra: abrí a fechada e fechá a aberta. A terra come munta coisa boa, deixô cansá a vista qui vigiava e acostumô a otra com a malandrice de só descansá. Assim seja, só abria a vista nos preto, se acostumô com a desgraça; a otra, civilizada e culta, observava os branco, inté o diabo ficô moço e bunito

num fechava as vista qui espreitava com capricho os preto nem quando os preto durumia. Fez como foi ensinado, desde sempre qui se tem notícia: o gado engorda com o oiá do dono

os mais estropiado em presença das lei é os mais vigiado

o padinhu ia como gagalhão na correnteza, desmanchando sem afundá, inté se misturá com as terra da beirada do remanso ou na descida das água, depois da enchente. A correnteza num para nem nas pedra, sabia qui num tinha ninguém mais igual nas lei qui os preto, boca qui num reclama mastiga

parado com uma das mão na beirada da porta, a sacristia cheirando a cachacêro sem segredo, a otra mão agarrada na canga esticada inté o peito, a cruiz do crucificado sempre pendurada no pescoço, num tirava. Tem coisa qui precisa de alarme pra num tê esquecimento

um grilhão brilhoso qui apertava com viveza. Pensava no amô qui tinha, a cara desse amô era munto estranha, O amor assume muitas formas, nunca me apaixonei. Isso é para pessoas de carne e osso. Esse meu amor não precisa da moça enfeitada, não precisa nada; não se abala com o vento, não quer proteção nem coice nem dentada, um amor que com amor se paga.

os pensamento avançava e recuava das vista. O horizonte ia e voltava. Calado. Num sabia inté onde podia confiá no ouvidô do patrão governadô. A língua remava em volta, andava e desandava, parecia enrolada. Cobria os contorno da boca. Ela se disfarçava de tontice enquanto garimpava o meió feitio pra prosa

Veja isso, sinhô Pensavento, esses escravos purgando suas culpas por não aceitarem o único Deus que existe.

o otro aproximô do padinhu, ficô com o queixo debruçado no ombro do ministro político da cruiz, oiava pra fora da sacristia o formigamento de preto carregando madêra, pedra, bronze pru sino, tinta pra pintá os santo, vidro pras janela vidraçada. Tudo sem água, sem comida. Subindo e descendo as tábua. Obedecendo. Carregando pedra mais pesada qui os criolo. O sol subindo e descendo. Ou no pino de cima. Sem descanso, sem reclamá, inté a exaustão

a villa crescia, as doação aumentava, mais a obra santa continuava quase do mesmo tamanho. As madêra, as pedra, a terra, os prego, barro, argila, donativo qui chegava no dia, tinha desvio certo na noite. Os preto num parava, carregando essas coisa dum lado pra otro, parte do qui era tirado da carroça de manhã voltava pra carroça no final da tarde. Tudo feito sem reclamá

os branco da beleza moral doava, mais depois de doá pegava um bão pedaço de volta. Assim, o andamento da obra santa dependia da gula dos endinhêrado e a sua boa vontade

Então, como o amigo diz: a mão que empunha a chibata é a mão de Deus. A chave dos grilhões fica pendente sobre montanhas, entre lençóis de águas vivas, como um prumo que serve para alinhar a gravidade dos pecados.

o zambo continuava agarrado no seu vaso

Não diria assim, meu amigo Pensavento.

o otro apertô o vaso do vinho no peito, sentiu desconfiança qui o padinhu num gostô das palavra dita, podia tê a desforra de deus, puxô os ombro atormentado pra cima, depois deixô descê antes de dizê o qui num tinha vindo com a intenção de dizê

Pois, para mim, Pensavento, Ouvidor-Mor da Sua Excelência Governador da Província do charque e do pasto, essa negrada é a maior desgraça da Villa, não tem solução. Nos dias de hoje, é difícil encontrar um bom negro.

o padinhu acompanhava as palavra do pensavento com os óio nos preto, subindo e descendo carregado, o vinho roxo do crucificado escorrendo nos lombo preto e suado. E, pela primêra veiz, notô qui eles num gemia nem lastimava. O ouvidô lhe clareô meió a situação

Persuassão feita com ferro em brasa, eles sabem o que acontece com os reclamentes.

as vista das água qui banhava as rua das praia parecia perdê a boniteza pras palavra do pardo. Ele tava motivado pelas prática dos branco qui num faz maldade menô, tem veiz, munta veiz, qui pode fazê crueldade maió qui a propria malvadeza. Ele faz tudo pra parecê mais duro qui os dono de tudo, inté de deus

Não são puros. Estão misturados com macacos na cor e no sangue, pelo menos, perderam a pelagem. E falam. Merecem as correntes que dominam seus modos primitivos.

o hôme de preto acompanhava as palavra do pensavento com os óio nos preto e as venta na brisa qui vinha do rio, nenhuma lamúria no meio de tanto sofrimento. O suó encharcava a terra arada com os pé descalço. O preto cuidô e plantô a terra com o próprio suó e sangue. As marca dos preto tá em tudo. É dono desse chão. O padinhu moveu os lábio e rezô. Num rezava prus preto, pedia perdão. Tudo em silêncio, sem atrapaiá os trabáio, Não dá para acreditar que tudo sai do jeito que se pensa, amém, mais o padinhu sabia qui a quem qué o bem nada detém, As coisas nunca saem do jeito que a gente pensa, amém, o padinhu precisa pedí perdão com mais baruiô da voz, as boa palavra custa munto e num vale munto prus preto se fica presa na garganta

E afinal, não têm para onde irem, o pensavento fez cara de arrepio e parô a língua, deu dois passo inté o canto da sacristia, num parecia tá conseguindo desdobrá a pança inclinada pra frente. Num subia nem conseguia descê mais, colocô os dedo na garganta e vomitô o sangue e o corpo do crucificado no vaso. Ficô ali, puxando e repuxando as tripa. Babando. Grunindo. Gemendo. Maldizente

Essa crise ainda nos obriga libertar esses negros...

Mas que crise, Pensavento?

A crise do charque!

parô, veio mais vontade de soltá as tripa com a boca e os dente. Puxô fundo o vento e soltô tudo

As moedas falsas e essa negrada estão colocando em desespero a população da Villa e toda a Província. Falta pouco para pegarem em armas!

a cobiça tem vizinhança grudada com os costume e a justiça, nem sempre as boa manêra mostra o qui cada um é, inté com desgraça e injustiça as pessoa com beleza moral acostuma

Mas que moedas falsas, Pensavento?

o estripado respirô fundo uma e duas veiz, parô quando uma baba grossa escorreu inté o chão da gaiola abençoada. Aprumô o corpo. Passô as costa da mão na boca. Caminhô pra porta com o vaso na mão e jogô pru céu o vômito todo da cascavel. Assobiô como um golpe da açoitêra e caiu como chuva abençoada no lombo dos preto subindo ou descendo

O contrabando dos africanos, Caramão.

esticô o braço com o vaso

Por favor...

o padinhu lhe serviu do vinho, É só vinho se está longe do altar, o vomitão bailô a uva dum lado e otro no vaso, fez circulá e jogô pru céu os resto do crucificado. Parecia tê recuperado o prumo. Esticô o braço, otra veiz, tava na direção do padinhu

Os negros são moedas de troca, mas se tornam moedas falsas quando são introduzidos na Província por contrabando. Junte-se a isso a barbaridade das fugas. Cada dia mais anunciadas e com promessas de recompensas cada vez maiores, a cada captura, tomô otro gole, sentiu o conforto do sangue descendo inté as tripa, tem mais pão?

Receio que não.

a resposta do padinhu num pareceu lhe importá, deu de ombro

Essa negrada fugitiva não tem onde cair morta. Não podem ficar refugiados na Villa, pois logo o Chefe da Polícia saberia. É mais seguro fugir para o lado dos orientais. Precisam de casa... até marimbondo tem casa.

Mas não é proibido levar escravos para o estrangeiro?

Apenas no caso de não depositar fiança na Alfândega.

E vale a pena buscá-los?

Em que mundo o sinhô Padre Caramão vive? Um bom negro carneador vale uns 400$000; outro negro carneador, mais ou menos bom, não baixa de 300$000. Um bom escravo salgador não é vendido por menos de 300$000. Graxeiro vai lhe custar, aproximadamente, 250$000. Cozinheira 300$000, e se tiver boa aparência e limpeza no trato, vosmecê pode ter ganho entre 50$000 e 100$000 réis. Um negrinho de 10 anos vai lhe apertar a sacola das moedas com 150$000; se for de mais idade, prepare o desembolso de 200$000 réis. O contrabando vai continuar encarecendo as mercadorias. Isso que não somei o Imposto Anual por cada escravo.

o assunto dos mil réis ajudô o pensavento aprumá o corpo de veiz

Só depois de morto não têm mais serventia, aliás, se caem mortos é preciso cobrir de terra cedo, quanto mais quente melhor. Rastro de negro estragado é intragável...

mifioneto, o racismo foi invenção dos branco pra modo de podê fazê da escravidão um negócio lógico e desafetado pra todo sempre

... de mais a mais, a maioria dos negros não têm ninguém que venha reclamar os restos.

oiô pru padinhu e lhe estendeu o braço, a mão segurava firme o vaso. O otro hôme lhe serviu mais vinho, os dois parecia tê perdido as medida

O Sinhô está no meio de nós.

Escorrendo da garrafa inté a caneca. Amém!

da intolerância com os preto e com os pobre sai os demônio, as imundície e ferida qui abarrota nossa villa, doente e querida pra todo sempre com o medo tolo e fingido da beleza moral



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Leia também:


Histórias de avoinha: o parasitismo da bisbilhotice
Ensaio 71B – 2ª edição 1ª reimpressão


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Ensaio 73B – 2ª edição 1ª reimpressão

Memórias Póstumas de Brás Cubas: Em Que Aparece a Orelha de Uma Senhora



Machado de Assis


Memórias Póstumas de Brás Cubas




CAPÍTULO V / EM QUE APARECE A ORELHA DE UMA SENHORA 



Senão quando, estando eu ocupado em preparar e apurar a minha invenção, recebi em cheio um golpe de ar; adoeci logo, e não me tratei. Tinha o emplasto no cérebro; trazia comigo a idéia fixa dos doidos e dos fortes. Via-me, ao longe, ascender do chão das turbas, e remontar ao Céu, como uma águia imortal, e não é diante de tão excelso espetáculo que um homem pode sentir a dor que o punge. No outro dia estava pior; tratei-me enfim, mas incompletamente, sem método, nem cuidado, nem persistência; tal foi a origem do mal que me trouxe à eternidade. Sabem já que morri numa sexta-feira, dia aziago, e creio haver provado que foi a minha invenção que me matou. Há demonstrações menos lúcidas e não menos triunfantes. 

Não era impossível, entretanto, que eu chegasse a galgar o cimo de um século, e a figurar nas folhas públicas, entre macróbios. Tinha saúde e robustez. Suponha-se que, em vez de estar lançando os alicerces de uma invenção farmacêutica, tratava de coligir os elementos de uma instituição política, ou de uma reforma religiosa. Vinha a corrente de ar, que vence em eficácia o cálculo humano, e lá se ia tudo. Assim corre a sorte dos homens. 

Com esta reflexão me despedi eu da mulher, não direi mais discreta, mas com certeza mais formosa entre as contemporâneas suas, a anônima do primeiro capítulo, a tal, cuja imaginação à semelhança das cegonhas do Ilisso... Tinha então 54 anos, era uma ruína, uma imponente ruína. Imagine o leitor que nos amamos, ela e eu, muitos anos antes, e que um dia, já enfermo, vejo-a assomar à porta da alcova...



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Texto-fonte: 
Obra Completa, Machado de Assis, 
Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994. 



Publicado originalmente em folhetins, a partir de março de 1880, na Revista Brasileira.



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Memórias Póstumas de Brás Cubas: A Ideia Fixa

Memórias Póstumas de Brás Cubas: Chimène, qui l'eût dit? Rodrigue, qui l'eût cru?

Dom Casmurro: Aceito a teoria


Machado de Assis

Dom Casmurro




CAPÍTULO X 
ACEITO A TEORIA 




Que é demasiada metafísica para um só tenor, não há dúvida; mas a perda da voz explica tudo, e há filósofos que são, em resumo, tenores desempregados. 

Eu, leitor amigo, aceito a teoria do meu velho Marcolini, não só pela verossimilhança, que é muita vez toda a verdade, mas porque a minha vida se casa bem à definição. Cantei um duo terníssimo, depois um trio, depois um quatuor... Mas não adiantemos; vamos à primeira parte, em que eu vim a saber que já cantava, porque a denúncia de José Dias, meu caro leitor, foi dada principalmente a mim. A mim é que ele me denunciou.

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Texto de referência:

Obras Completas de Machado de Assis, vol. I,
Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994.

Publicado originalmente pela Editora Garnier, Rio de Janeiro, 1899.

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Leia também:

Dom Casmurro: Capítulo IX  A Ópera

Dom Casmurro: Capítulo XI A Promessa

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Contos Fluminenses: Miss Dollar, Capítulo Quatro

Machado de Assis



CAPÍTULO IV 



Achava-se Mendonça uma vez à porta do Carceller, onde acabava de tomar sorvete em companhia de um indivíduo, amigo dele, quando viu passar um carro, e dentro do carro duas senhoras que lhe pareceram as senhoras de Mata-cavalos. Mendonça fez um movimento de espanto que não escapou ao amigo. 

— Que foi? perguntou-lhe este. 

— Nada; pareceu-me conhecer aquelas senhoras. Viste-as, Andrade? 

— Não. 

O carro entrara na Rua do Ouvidor; os dois subiram pela mesma rua. Logo acima da Rua da Quitanda, parara o carro à porta de uma loja, e as senhoras apearam-se e entraram. Mendonça não as viu sair; mas viu o carro e suspeitou que fosse o mesmo. Apressou o passo sem dizer nada a Andrade, que fez o mesmo, movido por essa natural curiosidade que sente um homem quando percebe algum segredo oculto. 

Poucos instantes depois estavam à porta da loja; Mendonça verificou que eram as duas senhoras de Mata-cavalos. Entrou afoito, com ar de quem ia comprar alguma coisa, e aproximou-se das senhoras. A primeira que o conheceu foi a tia. Mendonça cumprimentou-as respeitosamente. Elas receberam o cumprimento com afabilidade. Ao pé de Margarida estava Miss Dollar, que, por esse admirável faro que a natureza concedeu aos cães e aos cortesãos da fortuna, deu dois saltos de alegria apenas viu Mendonça, chegando a tocar-lhe o estômago com as patas dianteiras. 

— Parece que Miss Dollar ficou com boas recordações suas, disse D. Antônia (assim se chamava a tia de Margarida). 

— Creio que sim, respondeu Mendonça brincando com a galga e olhando para Margarida. 

Justamente nesse momento entrou Andrade. 

— Só agora as reconheci, disse ele dirigindo-se às senhoras. 

Andrade apertou a mão das duas senhoras, ou antes apertou a mão de Antônia e os dedos de Margarida. 

Mendonça não contava com este incidente, e alegrou-se com ele por ter à mão o meio de tornar íntimas as relações superficiais que tinha com a família. 

— Seria bom, disse ele a Andrade, que me apresentasses a estas senhoras. — Pois não as conheces? perguntou Andrade estupefato. 

— Conhece-nos sem nos conhecer, respondeu sorrindo a velha tia; por ora quem o apresentou foi Miss Dollar. Antônia referiu a Andrade a perda e o achado da cadelinha. 

— Pois, nesse caso, respondeu Andrade, apresento-o já. 

Feita a apresentação oficial, o caixeiro trouxe a Margarida os objetos que ela havia comprado, e as duas senhoras despediram-se dos rapazes pedindo-lhes que as fossem ver. 

Não citei nenhuma palavra de Margarida no diálogo acima transcrito, porque, a falar verdade, a moça só proferiu duas palavras a cada um dos rapazes. 

— Passe bem, disse-lhes ela dando as pontas dos dedos e saindo para entrar no carro. 

Ficando sós, saíram também os dois rapazes e seguiram pela Rua do Ouvidor acima, ambos calados. Mendonça pensava em Margarida; Andrade pensava nos meios de entrar na confidência de Mendonça. A vaidade tem mil formas de manifestar-se como o fabuloso Proteu. A vaidade de Andrade era ser confidente dos outros; parecia-lhe assim obter da confiança aquilo que só alcançava da indiscrição. Não lhe foi difícil apanhar o segredo de Mendonça; antes de chegar à esquina da Rua dos Ourives já Andrade sabia de tudo. 

— Compreendes agora, disse Mendonça, que eu preciso ir à casa dela; tenho necessidade de vê-la; quero ver se consigo... Mendonça estacou. 

— Acaba! disse Andrade; se consegues ser amado. Por que não? Mas desde já te digo que não será fácil. 

— Por quê? 

— Margarida tem rejeitado cinco casamentos. 

— Naturalmente não amava os pretendentes, disse Mendonça com o ar de um geômetra que acha uma solução. 

— Amava apaixonadamente o primeiro, respondeu Andrade, e não era indiferente ao último. 

— Houve naturalmente intriga. 

— Também não. Admiras-te? É o que me acontece. É uma rapariga esquisita. Se te achas com força de ser o Colombo daquele mundo, lança-te ao mar com a armada; mas toma cuidado com a revolta das paixões, que são os ferozes marujos destas navegações de descoberta. 

Entusiasmado com esta alusão, histórica debaixo da forma de alegoria, Andrade olhou para Mendonça, que, desta vez entregue ao pensamento da moça, não atendeu à frase do amigo. Andrade contentou-se com o seu próprio sufrágio, e sorriu com o mesmo ar de satisfação que deve ter um poeta quando escreve o último verso de um poema.


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Leia também:


Contos Fluminenses: Miss Dollar, Capítulo Três 

Contos Fluminenses: Miss Dollar, Capítulo Cinco


Texto-fonte: Obra Completa, Machado de Assis, vol. II, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. Publicado originalmente pela Editora Garnier, Rio de Janeiro, em 1870.



Rayuela - Julio Cortázar: Capítulo 9

Capítulo 9


    Por la rue de Varennes entraron en la rue Vaneau. Lloviznaba, y la Maga se colgó todavía más del brazo de Oliveira, se apretó contra su impermeable que olía a sopa fría. Etienne y Perico discutían una posible explicación del mundo por la pintura y la palabra. Aburrido, Oliveira pasó el brazo por la cintura de la Maga. También eso podía ser una explicación, un brazo apretando una cintura fina y caliente, al caminar se sentía el juego leve de los músculos como un lenguaje monótono y persistente, una Berlitz obstinada, te quie-ro te quie-ro te quie-ro. No una explicación: verbo puro, que-rer, que-rer. "Y después siempre, la cópula", pensó gramaticalmente Oliveira. Si la Maga hubiera podido comprender cómo de pronto la obediencia al deseo lo exasperaba, inútil obediencia solitaria había dicho un poeta, tan tibia la cintura, ese pelo mojado contra su mejilla, el aire Toulouse Lautrec de la Maga para caminar arrinconada contra él. En el principio fue la cópula, violar es explicar pero no siempre viceversa. Descubrir el método antiexplicatorio, que ese te quie-ro te quie-ro fuese el cubo de la rueda. ¿Y el tiempo? Todo recomienza, no hay un absoluto. Después hay que comer o descomer, todo vuelve a entrar en crisis. El deseo cada tantas horas, nunca demasiado diferente y cada vez otra cosa: trampa del tiempo para crear las ilusiones. "Un amor como el fuego, arder eternamente en la contemplación del Todo. Pero en seguida se cae en el lenguaje desaforado."

    -Explicar, explicar -gruñía Etienne-. Ustedes si no nombran las cosas ni siquiera las ven. Y esto se llama perro y esto se llama casa, como decía el de Duino. Perico, hay que mostrar, no explicar. Pinto, ergo soy.

    -¿Mostrar qué? -dijo Perico Romero.
    -Las únicas justificaciones de que estemos vivos.
    -Este animal cree que no hay más sentido que la vista y sus consecuencias -dijo Perico.
    -La pintura es otra cosa que un producto visual -dijo Etienne-. Yo pinto con todo el cuerpo, en ese sentido no soy tan diferente de tu Cervantes o tu Tirso de no sé cuánto. Lo que me revienta es la manía de las explicaciones, el Logos entendido exclusivamente como verbo.

    -Etcétera -dijo Oliveira, malhumorado-. Hablando de los sentidos, el de ustedes parece un diálogo de sordos.

    La Maga se apretó todavía más contra él. "Ahora ésta va a decir alguna de sus burradas", pensó Oliveira. "Necesita frotarse primero, decidirse epidérmicamente." Sintió una especie de ternura rencorosa, algo tan contradictorio que debía ser la verdad misma. "Habría que inventar la bofetada dulce, el puntapié de abejas. Pero en este mundo las síntesis últimas están por descubrirse. Perico tiene razón, el gran Logos vela. Lástima, haría falta el amoricidio, por ejemplo, la verdadera luz negra, la antimateria que tanto da que pensar a Gregorovius."

    -Che, ¿Gregorovius va a venir a la discada? -preguntó Oliveira.
    Perico creía que sí, y Etienne creía que Mondrian.

    -Fijate un poco en Mondrian -decía Etienne-. Frente a él se acaban los signos mágicos de un Klee. Klee jugaba con el azar, los beneficios de la cultura. La sensibilidad pura puede quedar satisfecha con Mondrian, mientras que para Klee hace falta un fárrago de otras cosas. Un refinado para refinados. Un chino, realmente. En cambio Mondrian pinta absoluto. Te ponés delante, bien desnudo, y entonces una de dos: ves o no ves. El placer, las cosquillas, las alusiones, los terrores o las delicias están completamente de más.

    -¿Vos entendés lo que dice? -preguntó la Maga-. A mí me parece que es injusto con Klee.

    -La justicia o la injusticia no tienen nada que ver con esto -dijo Oliveira, aburrido-. Lo que está tratando de decir es otra cosa. No hagas en seguida una cuestión personal.

    -Pero por qué dice que todas esas cosas tan hermosas no sirven para Mondrian.

    -Quiere decir que en el fondo una pintura como la de Klee te reclama un diploma ès lettres, o por lo menos ès poésie, en tanto que Mondrian se conforma con que uno se mondrianice y se acabó.

    -No es eso -dijo Etienne.

    -Claro que es eso -dijo Oliveira-. Según vos una tela de Mondrian se basta a sí misma. Ergo, necesita de tu inocencia más que de tu experiencia. Hablo de inocencia edénica, no de estupidez. Fíjate que hasta tu metáfora de estar desnudo delante del cuadro huele a preadamismo. Paradójicamente Klee es mucho más modesto porque exige la múltiple complicidad del espectador, no se basta a sí mismo. En el fondo Klee es historia y Mondrian atemporalidad. Y vos te morís por lo absoluto. ¿Te explico?

    -No -dijo Etienne-. C'est vache comme il pleut.
    -Tu parles, coño -dijo Perico-. Y el Ronald de la puñeta, que vive por el demonio.
    -Apretemos el paso -lo remedó Oliveira-, cosa de hurtarle el cuerpo a la cellisca.
    -Ya empiezas. Casi prefiero tu yuvia y tu gayina, coño. Cómo yueve en Buenos Aires. El tal Pedro de Mendoza, mira que ir a colonizaros a vosotros.
    -Lo absoluto -decía la Maga, pateando una piedrita de charco en charco-. ¿Qué es un absoluto, Horacio?
    -Mirá -dijo Oliveira-, viene a ser ese momento en que algo logra su máxima profundidad, su máximo alcance, su máximo sentido, y deja por completo de ser interesante.
    -Ahí viene Wong -dijo Perico-. El chino está hecho una sopa de algas.

    Casi al mismo tiempo vieron a Gregorovius que desembocaba en la esquina de la rue de Babylone, cargando como de costumbre con un portafolios atiborrado de libros. Wong y Gregorovius se detuvieron bajo el farol (y parecían estar tomando una ducha juntos), saludándose con cierta solemnidad. En el portal de la casa de Ronald hubo un interludio de cierraparaguas comment ça va a ver si alguien enciende un fósforo está rota la minuterie qué noche inmunda ah oui c'est vache, y una ascensión más bien confusa interrumpida en el primer rellano por una pareja sentada en un peldaño y sumida profundamente en el acto de besarse.

    -Allez, c'est pas une heure pour faire les cons -dijo Etienne.
    -Ta gueule -contestó una voz ahogada-. Montez, montez, ne vous gênez pas. Ta bouche, mon trésor.

    -Salaud, va -dijo Etienne-. Es Guy Monod, un gran amigo mío.

    En el quinto piso los esperaban Ronald y Babs, cada uno con una vela en la mano y oliendo a vodka barato. Wong hizo una seña, todo el mundo se detuvo en la escalera, y brotó a capella el himno profano del Club de la Serpiente. Después entraron corriendo en el departamento, antes de que empezaran a asomarse los vecinos.

    Ronald se apoyó contra la puerta. Pelirrojamente en camisa a cuadros.
    -La casa está rodeada de catalejos, damn it. A las diez de la noche se instala aquí el dios Silencio, y guay del que lo sacrilegue. Ayer subió a increparnos un funcionario. Babs, ¿qué nos dice el señor?
    -Nos dice: "Quejas reiteradas."
    -¿Y qué hacemos nosotros? -dijo Ronald, entreabriendo la puerta para que entrara Guy Monod.
    -Nosotros hacemos esto -dijo Babs, con un perfecto corte de mangas y un violento pedo oral.
    -¿Y tu chica? -preguntó Ronald.
    -No sé, se confundió de camino -dijo Guy-. Yo creo que se ha ido, estábamos lo más bien en la escalera, y de golpe. Más arriba no estaba. Bah, qué importa, es suiza.

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sábado, 16 de janeiro de 2016

Rayuela - Julio Cortázar: Capítulo 8

Capítulo 8


    Íbamos por las tardes a ver los peces del Quai de la Mégisserie, en marzo el mes leopardo, el agazapado pero ya con un sol amarillo donde el rojo entraba un poco más cada día. Desde la acera que daba al río, indiferentes a los bouquinistes que nada iban a darnos sin dinero, esperábamos el momento en que veríamos las peceras (andábamos despacio, demorando el encuentro), todas las peceras al sol, y como suspendidos en el aire cientos de peces rosa y negro, pájaros quietos en su aire redondo. Una alegría absurda nos tomaba de la cintura, y vos cantabas arrastrándome a cruzar la calle, a entrar en el mundo de los peces colgados del aire.

    Sacan las peceras, los grandes bocales a la calle, y entre turistas y niños ansiosos y señoras que coleccionan variedades exóticas (550 fr. pièce) están las peceras bajo el sol con sus cubos, sus esferas de agua que el sol mezcla con el aire, y los pájaros rosa y negro giran danzando dulcemente en una pequeña porción de aire, lentos pájaros fríos. Los mirábamos, jugando a acercar los ojos al vidrio, pegando la nariz, encolerizando a las viejas vendedoras armadas de redes de cazar mariposas acuáticas, y comprendíamos cada vez peor lo que es un pez, por ese camino de no comprender nos íbamos acercando a ellos que no se comprenden, franqueábamos las peceras y estábamos tan cerca como nuestra amiga, la vendedora de la segunda tienda viniendo del Pont-Neuf, que te dijo: «El agua fría los mata, es triste el agua fría ...» Y yo pensaba en la mucama del hotel que me daba consejos sobre un helecho: «No lo riegue, ponga un plato con agua debajo de la maceta, entonces cuando él quiere beber, bebe, y cuando no quiere no bebe...» Y pensábamos en esa cosa increíble que habíamos leído, que un pez solo en su pecera se entristece y entonces basta ponerle un espejo y el pez vuelve a estar contento...

    Entrábamos en las tiendas donde las variedades más delicadas tenían peceras especiales con termómetro y gusanitos rojos. Descubríamos entre exclamaciones que enfurecían a las vendedoras -tan seguras de que no les compraríamos nada a 550 fr .pièce- los comportamientos, los amores, las formas. Era el tiempo delicuescente, algo como chocolate muy fino o pasta de naranja martiniquesa, en que nos emborrachábamos de metáforas y analogías, buscando siempre entrar. Y ese pez era perfectamente Giotto, te acordás, y esos dos jugaban como perros de jade, y un pez era la exacta sombra de una nube violeta... Descubríamos cómo la vida se instala en formas privadas de tercera dimensión, que desaparecen si se ponen de filo o dejan apenas una rayita rosada inmóvil vertical en el agua. Un golpe de aleta y monstruosamente está de nuevo ahí con ojos bigotes aletas y del vientre a veces saliéndole y flotando una transparente cinta de excremento que no acaba de soltarse, un lastre que de golpe los pone entre nosotros, los arranca a su perfección de imágenes puras, los compromete, por decirlo con una de las grandes palabras que tanto empleábamos por ahí y en esos días. 


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Contos Fluminenses: Miss Dollar, Capítulo Três

Machado de Assis




CAPÍTULO III 



Mendonça cumprimentou respeitosamente a recém-chegada, e esta, com um gesto, convidou-o a sentar-se outra vez. 

— Agradeço-lhe infinitamente o ter-me restituído este pobre animal, que me merece grande estima, disse Margarida sentando-se. 

— E eu dou graças a Deus por tê-lo achado; podia ter caído em mãos que o não restituíssem. 

Margarida fez um gesto a Miss Dollar, e a cadelinha, saltando do regaço da velha, foi ter com Margarida; levantou as patas dianteiras e pôs-lhas sobre os joelhos; Margarida e Miss Dollar trocaram um longo olhar de afeto. Durante esse tempo uma das mãos da moça brincava com uma das orelhas da galga, e dava assim lugar a que Mendonça admirasse os seus belíssimos dedos armados com unhas agudíssimas. 

Mas, conquanto Mendonça tivesse sumo prazer em estar ali, reparou que era esquisita e humilhante a sua demora. Pareceria estar esperando a gratificação. Para escapar a essa interpretação desairosa, sacrificou o prazer da conversa e a contemplação da moça; levantou-se dizendo: 

— A minha missão está cumprida... 

— Mas... interrompeu a velha. 

Mendonça compreendeu a ameaça da interrupção da velha. 

— A alegria, disse ele, que restituí a esta casa é a maior recompensa que eu podia ambicionar. Agora peço-lhes licença... 

As duas senhoras compreenderam a intenção de Mendonça; a moça pagou-lhe a cortesia com um sorriso; e a velha, reunindo no pulso quantas forças ainda lhe restavam pelo corpo todo, apertou com amizade a mão do rapaz. 

Mendonça saiu impressionado pela interessante Margarida. Notava-lhe principalmente, além da beleza, que era de primeira água, certa severidade triste no olhar e nos modos. Se aquilo era caráter da moça, dava-se bem com a índole de médico; se era resultado de algum episódio da vida, era uma página do romance que devia ser decifrada por olhos hábeis. A falar verdade, o único defeito que Mendonça lhe achou foi a cor dos olhos, não porque a cor fosse feia, mas porque ele tinha prevenção contra os olhos verdes. A prevenção, cumpre dizê-lo, era mais literária que outra coisa; Mendonça apegava-se à frase que uma vez proferira, e foi acima citada, e a frase é que lhe produziu a prevenção. Não mo acusem de chofre; Mendonça era homem inteligente, instruído e dotado de bom senso; tinha, além disso, grande tendência para as afeições românticas; mas apesar disso lá tinha calcanhar o nosso Aquiles. Era homem como os outros, outros Aquiles andam por aí que são da cabeça aos pés um imenso calcanhar. O ponto vulnerável de Mendonça era esse; o amor de uma frase era capaz de violentar-lhe afetos; sacrificava uma situação a um período arredondado. 

Referindo a um amigo o episódio da galga e a entrevista com Margarida, Mendonça disse que poderia vir a gostar dela se não tivesse olhos verdes. O amigo riu com certo ar de sarcasmo. 

— Mas, doutor, disse-lhe ele, não compreendo essa prevenção; eu ouço até dizer que os olhos verdes são de ordinário núncios de boa alma. Além de que, a cor dos olhos não vale nada, a questão é a expressão deles. Podem ser azuis como o céu e pérfidos como o mar. 

A observação deste amigo anônimo tinha a vantagem de ser tão poética como a de Mendonça. Por isso abalou profundamente o ânimo do médico. Não ficou este como o asno de Buridan entre a selha d’água e a quarta de cevada; o asno hesitaria, Mendonça não hesitou. Acudiu-lhe de pronto a lição do casuísta Sánchez, e das duas opiniões tomou a que lhe pareceu provável. 

Algum leitor grave achará pueril esta circunstância dos olhos verdes e esta controvérsia sobre a qualidade provável deles. Provará com isso que tem pouca prática do mundo. Os almanaques pitorescos citam até à saciedade mil excentricidades e senões dos grandes varões que a humanidade admira, já por instruídos nas letras, já por valentes nas armas; e nem por isso deixamos de admirar esses mesmos varões. Não queira o leitor abrir uma exceção só para encaixar nela o nosso doutor. Aceitemo-lo com os seus ridículos; quem os não tem? O ridículo é uma espécie de lastro da alma quando ela entra no mar da vida; algumas fazem toda a navegação sem outra espécie de carregamento. 

Para compensar essas fraquezas, já disse que Mendonça tinha qualidades não vulgares. Adotando a opinião que lhe pareceu mais provável, que foi a do amigo, Mendonça disse consigo que nas mãos de Margarida estava talvez a chave do seu futuro. Ideou nesse sentido um plano de felicidade; uma casa num ermo, olhando para o mar ao lado do ocidente, a fim de poder assistir ao espetáculo do pôr-do-sol. Margarida e ele, unidos pelo amor e pela Igreja, beberiam ali, gota a gota, a taça inteira da celeste felicidade. O sonho de Mendonça continha outras particularidades que seria ocioso mencionar aqui. Mendonça pensou nisto alguns dias; chegou a passar algumas vezes por Mata-cavalos; mas tão infeliz que nunca viu Margarida nem a tia; afinal desistiu da empresa e voltou aos cães. 

A coleção de cães era uma verdadeira galeria de homens ilustres. O mais estimado deles chamava-se Diógenes; havia um galgo que acudia ao nome de César; um cão d’água que se chamava Nelson; Cornélia chamava-se uma cadelinha rateira, e Calígula um enorme cão de fila, vera-efígie do grande monstro que a sociedade romana produziu. Quando se achava entre toda essa gente, ilustre por diferentes títulos, dizia Mendonça que entrava na história; era assim que se esquecia do resto do mundo.




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Leia também:


Contos Fluminenses: Miss Dollar, Capítulo Dois 

Contos Fluminenses: Miss Dollar, Capítulo Quatro
Texto-fonte: Obra Completa, Machado de Assis, vol. II, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. Publicado originalmente pela Editora Garnier, Rio de Janeiro, em 1870.




quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Dom Casmurro: A Ópera

Machado de Assis

Dom Casmurro




CAPÍTULO IX 
A ÓPERA 




Já não tinha voz, mas teimava em dizer que a tinha. "O desuso é que me faz mal", acrescentava. Sempre que uma companhia nova chegava da Europa, ia ao empresário e expunha-lhe todas as injustiças da Terra e do Céu; o empresário cometia mais uma, e ele saía a bradar contra a iniqüidade. Trazia ainda os bigodes dos seus papéis. Quando andava, apesar de velho, parecia cortejar uma princesa de Babilônia. Às vezes, cantarolava, sem abrir a boca, algum trecho ainda mais idoso que ele ou tanto; vozes assim abafadas são sempre possíveis. Vinha aqui jantar comigo algumas vezes. Uma noite, depois de muito Chianti, repetiu-me a definição do costume, e como eu lhe dissesse que a vida tanto podia ser uma ópera como uma viagem de mar ou uma batalha, abanou a cabeça e replicou: — A vida é uma ópera e uma grande ópera. O tenor e o barítono lutam pelo soprano, em presença do baixo e dos comprimários, quando não são o soprano e o contralto que lutam pelo tenor, em presença do mesmo baixo e dos mesmos comprimários. Há coros numerosos, muitos bailados, e a orquestração é excelente... 

— Mas, meu caro Marcolini... 

— Quê?... 

E, depois, de beber um gole de licor, pousou o cálice, e expôs-me a história da criação, com palavras que vou resumir. 

Deus é o poeta. A música é de Satanás, jovem maestro de muito futuro, que aprendeu no conservatório do céu. Rival de Miguel, Rafael e Gabriel, não tolerava a precedência que eles tinham na distribuição dos prêmios. Pode ser também que a música em demasia doce e mística daqueles outros condiscípulos fosse aborrecível ao seu gênio essencialmente trágico. Tramou uma rebelião que foi descoberta a tempo, e ele expulso do conservatório. Tudo se teria passado sem mais nada, se Deus não houvesse escrito um libreto de ópera, do qual abrira mão, por entender que tal gênero de recreio era impróprio da sua eternidade. Satanás levou o manuscrito consigo para o inferno. Com o fim de mostrar que valia mais que os outros, — e acaso para reconciliar-se com o céu, — compôs a partitura, e logo que a acabou foi levá-la ao Padre Eterno. 

— Senhor, não desaprendi as lições recebidas, disse-lhe. Aqui tendes a partitura, escutai-a, emendai-a, fazei-a executar, e se a achardes digna das alturas, admiti-me com ela a vossos pés... 

— Não, retorquiu o Senhor, não quero ouvir nada. 

— Mas, Senhor... 

— Nada! nada! 

Satanás suplicou ainda, sem melhor fortuna, até que Deus, cansado e cheio de misericórdia, consentiu em que a ópera fosse executada, mas fora do céu. Criou um teatro especial, este planeta, e inventou uma companhia inteira, com todas as partes, primárias e comprimárias, coros e bailarinos. 

— Ouvi agora alguns ensaios! 

— Não, não quero saber de ensaios. Basta-me haver composto o libreto; estou pronto a dividir contigo os direitos de autor. 

Foi talvez um mal esta recusa; dela resultaram alguns desconcertos que a audiência prévia e a colaboração amiga teriam evitado. Com efeito, há lugares em que o verso vai para a direita e a música, para a esquerda. Não falta quem diga que nisso mesmo está a beleza da composição, fugindo à monotonia, e assim explicam o terceto do Éden, a ária de Abel, os coros da guilhotina e da escravidão. Não é raro que os mesmos lances se reproduzam, sem razão suficiente. Certos motivos cansam à força de repetição. Também há obscuridades; o maestro abusa das massas corais, encobrindo muita vez o sentido por um modo confuso. As partes orquestrais são aliás tratadas com grande perícia. Tal é a opinião dos imparciais. 

Os amigos do maestro querem que dificilmente se possa acha obra tão bem acabada. Um ou outro admite certas rudezas e tais ou quais lacunas, mas com o andar da ópera é provável que estas sejam preenchidas ou explicadas, e aquelas desapareçam inteiramente, não se negando o maestro a emendar a obra onde achar que não responde de todo ao pensamento sublime do poeta. Já não dizem o mesmo os amigos deste. Juram que o libreto foi sacrificado, que a partitura corrompeu o sentido da letra, e, posto seja bonita em alguns lugares, e trabalhada com arte em outros, é absolutamente diversa e até contrária ao drama. O grotesco, por exemplo, não está no texto do poeta; é uma excrescência para imitar as Mulheres Patuscas de Windsor. Este ponto é contestado pelos satanistas com alguma aparência de razão. Dizem eles que, ao tempo em que o jovem Satanás compôs a grande ópera, nem essa farsa nem Shakespeare eram nascidos. Chegam a afirmar que o poeta inglês não teve outro gênio senão transcrever a letra da ópera, com tal arte e fidelidade, que parece ele próprio o autor da composição; mas, evidentemente, é um plagiário. 

— Esta peça, concluiu o velho tenor, durará enquanto durar o teatro, não se podendo calcular em que tempo será ele demolido por utilidade astronômica. O êxito é crescente. Poeta e músico recebem pontualmente os seus direitos autorais, que não são os mesmos, porque a regra da divisão é aquilo da Escritura: "Muitos são os chamados, poucos os escolhidos". Deus recebe em ouro, Satanás em papel. 

— Tem graça... 

— Graça? bradou ele com fúria; mas aquietou-se logo, e replicou: Caro Santiago, eu não tenho graça, eu tenho horror à graça. Isto que digo é a verdade pura e última. Um dia, quando todos os livros forem queimados por inúteis, há de haver alguém, pode ser que tenor, e talvez italiano, que ensine esta verdade aos homens. Tudo é música, meu amigo. No princípio era o dó, e do dó fez-se ré, etc. Este cálice (e enchia-o novamente), este cálice é um breve estribilho. Não se ouve? Também não se ouve o pau nem a pedra, mas tudo cabe na mesma ópera...


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Texto de referência:

Obras Completas de Machado de Assis, vol. I,
Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994.

Publicado originalmente pela Editora Garnier, Rio de Janeiro, 1899.

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Leia também:

Dom Casmurro: Capítulo VIII  É Tempo


Dom Casmurro: Capítulo X  Aceito a teoria

Memórias Póstumas de Brás Cubas: A Ideia Fixa

Machado de Assis


Memórias Póstumas de Brás Cubas




CAPÍTULO IV / A IDEIA FIXA 



A minha ideia, depois de tantas cabriolas, constituíra-se ideia fixa. Deus te livre, leitor, de uma ideia fixa; antes um argueiro, antes uma trave no olho. Vê o Cavour; foi a ideia fixa da unidade italiana que o matou. Verdade é que Bismarck não morreu; mas cumpre advertir que a natureza é uma grande caprichosa e a história uma eterna loureira. Por exemplo, Suetônio deu-nos um Cláudio, que era um simplório, — ou “uma abóbora” como lhe chamou Sêneca, e um Tito, que mereceu ser as delícias de Roma. Veio modernamente um professor e achou meio de demonstrar que dos dois césares, o delicioso, o verdadeiro delicioso, foi o “abóbora” de Sêneca. E tu, madama Lucrécia, flor dos Bórgias, se um poeta te pintou como a Messalina católica, apareceu um Gregorovius incrédulo que te apagou muito essa qualidade, e, se não vieste a lírio, também não ficaste pântano. Eu deixo-me estar entre o poeta e o sábio. 

Viva pois a história, a volúvel história que dá para tudo; e, tornando à ideia fixa, direi que é ela a que faz os varões fortes e os doidos; a ideia móbil, vaga ou furta-cor é a que faz os Cláudios, — fórmula Suetônio. 

Era fixa a minha ideia, fixa como... Não me ocorre nada que seja assaz fixo nesse mundo: talvez a lua, talvez as pirâmides do Egito, talvez a finada dieta germânica. Veja o leitor a comparação que melhor lhe quadrar, veja-a e não esteja daí a torcer-me o nariz, só porque ainda não chegamos à parte narrativa destas memórias. Lá iremos. Creio que prefere a anedota à reflexão, como os outros leitores, seus confrades, e acho que faz muito bem. Pois lá iremos. Todavia, importa dizer que este livro é escrito com pachorra, com a pachorra de um homem já desafrontado da brevidade do século, obra supinamente filosófica, de uma filosofia desigual, agora austera, logo brincalhona, coisa que não edifica nem destrói, não inflama nem regala, e é todavia mais do que passatempo e menos do que apostolado. 

Vamos lá; retifique o seu nariz, e tornemos ao emplasto. Deixemos a história com os seus caprichos de dama elegante. Nenhum de nós pelejou a batalha de Salamina, nenhum escreveu a confissão de Augsburgo; pela minha parte, se alguma vez me lembro de Cromwell, é só pela ideia de que Sua Alteza, com a mesma mão que trancara o parlamento, teria imposto aos ingleses o emplasto Brás Cubas. Não se riam dessa vitória comum da farmácia e do puritanismo. Quem não sabe que ao pé de cada bandeira grande, pública, ostensiva, há muitas vezes várias outras bandeiras modestamente particulares, que se hasteiam e flutuam à sombra daquela, e não poucas vezes lhe sobrevivem? Mal comparando, é como a arraia-miúda, que se acolhia à sombra do castelo feudal; caiu este e a arraia ficou. Verdade é que se fez graúda e castelã... Não, a comparação não presta. 



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Texto-fonte: 
Obra Completa, Machado de Assis, 
Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994. 



Publicado originalmente em folhetins, a partir de março de 1880, na Revista Brasileira.



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Memórias Póstumas de Brás Cubas: Genealogia

Memórias Póstumas de Brás Cubas: Em Que Aparece a Orelha de Uma Senhora

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Como La Cigarra

Los Poetas del Amor (39)



Leon Gieco




Tantas veces me mataron,
Tantas veces me morí,
Sin embargo estoy aquí
Resucitando.
Gracias doy a la desgracia
Y a la mano con puñal,
Porque me mató tan mal,
Y seguí cantando.

Cantando al sol,
Como la cigarra,
Después de un año
Bajo la tierra,
Igual que sobreviviente
Que vuelve de la guerra.

Tantas veces me borraron,
Tantas desaparecí,
A mi propio entierro fui,
Solo y llorando.
Hice un nudo del pañuelo,
Pero me olvidé después
Que no era la única vez
Y seguí cantando.

Cantando al sol,
Como la cigarra,
Después de un año
Bajo la tierra,
Igual que sobreviviente
Que vuelve de la guerra.

Tantas veces te mataron,
Tantas resucitarás
Cuántas noches pasarás
Desesperando.
Y a la hora del naufragio
Y a la de la oscuridad
Alguien te rescatará,
Para ir cantando.

Cantando al sol,
Como la cigarra,
Después de un año
Bajo la tierra,
Igual que sobreviviente
Que vuelve de la guerra.


Composição: Maria Elena Walsh




Maria Elena Walsh (Argentina)



Serenata para la tierra de uno


Porque me duele si me quedo
pero me muero si me voy.
Por todo y a pesar de todo
yo quiero vivir en vos.

Por tu decencia de vidala
y por tu escándalo de sol,
por tu verano con jazmines, mi amor,
yo quiero vivir en vos.

Porque el idioma de infancia
es un secreto entre los dos.
Porque le diste reparo al desarraigo
de mi corazón.

Por tus antiguas rebeldías
y por la edad de tu dolor,
por tu esperanza interminable,
mi amor, yo quiero vivir en vos.

Para sembrarte de guitarra,
para cuidarte en cada flor,
y odiar a los que te castigan, mi amor,
yo quiero vivir en vos.




Miedo


Yo no quiero que a mi niña
golondrina me la vuelvan;
se hunde volando en el Cielo
y no baja hasta mi estera;
en el alero hace el nido
y mis manos no la peinan.
Yo no quiero que a mi niña
golondrina me la vuelvan.

Yo no quiero que a mi niña
la vayan a hacer princesa.
Con zapatitos de oro
¿cómo juega en las praderas?
Y cuando llegue la noche
a mi lado no se acuesta...
Yo no quiero que a mi niña
la vayan a hacer princesa.

Y menos quiero que un día
me la vayan a hacer reina.
La subirían al trono
a donde mis pies no llegan.
Cuando viniese la noche
yo no podría mecerla...
¡Yo no quiero que a mi niña
me la vayan a hacer reina!





Miedo
Mariana Montalvo




terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Teatro Pedagógico: arena e touros e toureiros

Parábolas de uma Professora




arena e touros e toureiros


baitasar e paulo e marko




uma arena com touros arena sem touros e os toureiros, continuo em silêncio, sentada na fria e desconfortável fórmica verde. quanto é incômodo ficar todo esse tempo sentada, ouvindo e ouvindo palavras ocas, outras nem tanto, tantas sem significado. muitas que não entendi, mas gostei da música. não é a mesma coisa quando as palavras se importam. vou pedir para ir ao banheiro, acho que preciso fazer xixi, quem sabe dá tempo de fumar um cigarro e caminhar um pouquinho pelo pátio, curtindo um sol delicioso, Não pode, você acabou de vir do recreio, Vou chorar, Chora, então! Vou fazer um escândalo. Faz! isso não vai dar certo, outro pequeno disfarce, quem sabe faço uma cara fingida de urgência. sou capaz de usar o tal crachá só para escapar pelos corredores, Mas no recreio não dá vontade, Se não dá no recreio, não dá na sala de aula, é uma ordem

paro meus fingimentos para ouvir, queria tanto ouvir e escutar, não consigo, eu sei, meus preconceitos do corporativismo atávico, precisamos nos unir contra os poderososos da vez no poder, e o nosso poder imensurável da educação? preferimos apenas ensinar

Reuniões podem ser uma agressão ao organismo. Discutimos, nos olhamos, fazemos alianças, votamos e fica tudo como antes, tentando ouvir e escutar o mesmo botto, superou sua pequena crise e voltou, sua cabeça continuava aborrascada, queria e não queria ficar calado, escolhe falar e ir-se mal para casa, falando ou não, continuaria mal

É isso que acontece quando as coisas vêm prontas de cima... da rainha. E nos cabe trabalhar. As operárias trabalham. Todo esse papo-furado de vota ou não vota é perda de tempo e humor, sempre acabamos votando, a lia já declarara sua negação a nova regra de comportamento que surge do coletivo conformado dos professores. graças ao seu grito duvido que aconteça algo, outra reunião em que o que é decidido não funciona. ora nos parecemos formigas urbanas ora sem capacidade e vontade, insetos sociais

Colegas, não somos o resultado do pensamento coletivo, mas um pesadelo corporativo. Só conseguimos agir em grupo na defesa de nosso próprio corpo, não escapamos disso e a nossa rainha nos conhece. Mas somos nós que fazemos a rainha.

Nenhuma discussão dá garantia de sucesso e harmonia nas decisões.

a desirée saindo de sua neutralidade e, ainda, tentando entender tudo que aconteceu a partir de sua auto-propaganda: quero trabalhar e não me deixam

Aqui só temos é muito blá-blá-blá.

eis a ofélia já completamente indignada, mas contida por acemira

Desculpem, mas vejo diferente. Nossas discussões desnudam o fazer na sala de aula ou, como querem alguns, desnudam o desfazer, também.

lia mostrava nos olhos e no tom de sua voz o que era importante para ela nestas provocações verbais semanais

Piada! Ninguém sabe de ninguém em sala de aula, nem mesmo os alunos sabem, às vezes, pensam que sabem o que lhes está acontecendo.

Uma reunião com muita catarse, todas se parece muito, ano após ano

cabayba deixara escapar um grunhido de desprezo por todos e todas. não se imagina salvadora do mundo. ataca aos que não rezam sua cartilha coletivista. e relega o andar inferior do subsolo aos plebeus e escravos, a orbe popular. diz querer muito assistir as tais aulas conscientizadoras e humanizadoras com alguns de seus alunos mais abjetos e intransponíveis na arte de negar a vida, Queridas, a vida é um show de horror! Os alunos? Eles não sabem sentar na cadeira, sentam nas classes, não sabem chamar os colegas pelo nome, respeitam mais o tapa e o palavrão. Não sabem pedir licença, preferem empurrar e passar por cima. Não sabem copiar um texto do quadro-negro, não sabem o nome da professora, chamam de tia ou de bruxa. Não sabem fazer uma conta de cabeça, preferem a calculadora do celular. Não sabem dizer obrigado. Não sabem não sabem não sabem, só está faltando começarem a cuspir no chão. Chega?

acemira translúcida e eloquente se deixava esquecer dos ponteiros do tempo para ouvir os ataques, sentia-se forte e infinita, Perfeita a descrição do nosso aluno! Acrescentaria que a família abandona esses delinquentes aqui, deixa tudo com a escola e as professoras e vamos ver como é que fica! Criem nossos filhos e filhas! Assim fica fácil fazer filho. Bolsa família, bolsa isso, bolsa aquilo. Eu é que pago com o meu imposto essa festa toda!

bravo, gurias! grita silenciosamente botto. seus olhos brilham de medo. as antenas se tocam, batem palmas em ovação descontrolada. aquele que não indo fica, mas atormentado pela dúvida de um chamamento impossível de negar

A escola está virando depósito de ferro-novo que já se sabe como ficará quando metal velho, os sinais estão em toda parte, é só uma questão de observar, ter vontade de espiar a corrosão, cabayba não cansa nem se permite interromper

É o tal do salve-se quem puder!

Muito bem, Ofélia, grita quase que explosivamente botto, não estava só em seu desespero e desencontros, aplaudia em pé e gritava ‘olé, olé’, confundia a reunião com uma arena com touros. não era só mais uma formiga, mas o toureador com antenas. levava a espada junto ao pano tingido de vermelho, molhado de suor em patas tensas e trêmulas, sujas de giz, atiçava o touro com o olhar, a voz e a maneira arrogante de caminhar, como se ele, touro, não existisse e o perigo fosse uma invenção pedagógica. estava pronto para o golpe final, o touro seria morto mais uma vez, mas, hoje, por uma formiga doméstica louca e fantasma. parecia mais forte e bravo do que certamente era, mas apenas uma estocada e amanheceria no açougue. sua memória cantada em versos enquanto seu sangue pisoteado no chão da arena. misturado com a terra. escorrendo até o seu destino final: o matadouro. Os seus miolos e tendões transformados em lingüiça de açougue. seus músculos em churrasco ou virando charque. na próxima segunda-feira, ou terça, ou quarta, ou outro touro, na mesma arena ou outra arena, será morto porque sempre foi assim e continuará. nada muda na inconsciência doentia. o bem faz tudo certo como deve ser, como sempre foi, como é ensinado. na dúvida, os que não vierem até a arena serão castrados, terão seus testículos assados na brasa formando iguaria única servida com cachaça e com farofa. e dormirão pelas ruas. indiferentes ao nosso mundo. um outro mundo possível. um cheiro de carne queimada vagueia nas salas e corredores

chega de mortes!

bobagem, outras virão. sempre chegam

sorte ou azar? quem pode saber? o gado não ter nascido e crescido, criados no brasil em época de fartura nos engenhos de açúcar. um tempo onde havia proibição de abater reses. tempo em que se abatiam pretos. a força de trabalho do gado era mais importante que servir de alimento. e o quê mudou para os pretos? por sorte não serviram de alimento. o gado utilizado como elemento motor nos trapiches e engenhos puxando carros de lenha e açúcar. sorte das crianças e desempregados e desempregadas de hoje que trabalham nos engenhos e canaviais substituindo os touros, as vacas e os bois, não correm os riscos de irem levadas e jogadas em alguma praça de matadores ou açougueiros defendendo suas vidas contra algum toureador de conteúdos. claro, devem continuar nos cantos e recantos em que foram jogados. o carro de bois chegou a ser o meio de transportes preferencial no interior brasileiro, mas chegou o tempo do gado bovino na alimentação da população. e tudo mudou. criou-se o movimento pastoril que deu origem aos latifúndios e, também, ao papeleiro puxando o seu carrinho, Se ao touro fosse dado o direito de escolher entre morrer mansamente no abate de todos os dias, após um ruminar tranqüilo e sons de eeeia boi, 
no interior de imensos campos vazios ou em uma vida de enfrentar a morte de frente: atacando o matador, o toureador. mostrando inconformidade, valentia e ousadia, o que ele escolheria, não sei, O que você escolheria, me pergunta o touro, para mim, a solução se vem tarde, se mete o boi

desde muito, reclamamos dos nossos salários ou o desconhecimento de qualquer reconhecimento, mas continuamos negando ao gado a chance da consciência de si mesmo. ano após ano, queremos que o gado se descubra gado. deixamos para os oprimidos a luta da conscientização e toda a enxurrada de coisas desagradáveis. basta ensinar ler escrever as letras e os números. o resto não tem pressa. acreditamos que temos muitos amigos, um dia algum deles fala com outro amigo e outra amiga e decidem que eu sou velha e querida e mereço mais que recebi por toda minha vida: poder não é só regalia, mas pode ser maldição. e me aposento para começar a viver

Meu Deus, tenho que derrotar um touro por dia, durante duzentos dias por ano!

exclama ofélia, não sei se inconformada com os touros ou o número de dias ou se pela obrigação de abatê-los, pequenos ou grandes touros. não pode evitar, ela precisa sobreviver. eu não quero sobreviver assim. minha opção tem que ser pela sobrevivência de todos, não quero ficar agonizantemente atrapalhando o pátio, olhando de cabeça baixa o chão pouco lajeado e observando o sangue escuro que escorre misturado aos touros abatidos e moles pela imobilidade da morte anunciada, indiferentes a dor, o fedor de mijo, E o miolos, o que fiz com os miolos

Comigo, eles não têm moleza. Quero a tabuada na ponta da língua, celular não entra nas minhas aulas, chicle faço cuspir na hora e esta história de estou com sede e quero fazer xixi é uma vez só, na segunda vez o olhar tem que denunciar a verdade, se desconfiar do olhar e não me convencer da necessidade urgente, o abusado fica sentadinho. Até hoje, o desafio do olhar nunca falhou, layla discorria da sua prática e dos artifícios que foi encontrando e formatando ao longo dos anos para sobreviver a si mesma

falo com meu silêncio sobre o desafio de buscar nas práticas sociais nossa fonte de inspiração para o trabalho no cotidiano da escola, pois, nos colocará, frente a frente, com esta estrutura desnaturada, bárbara e cruel, e nos impulsionará a uma ação transformadora. conduzir alunos e alunas a compreenderem sua realidade através da relação dialética entre o “saber popular” e o “saber científico” nos leva a entender o mundo que nos cerca. também precisamos entender esse mundo. precisamos parar de repetir o que lemos em jornais sem nenhuma reflexão. quando buscamos a emancipação de nossos alunos e alunas, através da problematização de sua realidade e conceitos, também estaremos nos compreendendo enquanto sujeitos de construção desta realidade. preciso dizer ao professor do corredor que é preciso vislumbrar o “inédito” na nossa prática pedagógica, acreditar nele. só assim, a cada dia, estaremos concretizando nossos sonhos e construindo outros, Quero contribuir neste sonho coletivo, Como, Não posso calar! Não pode calar! Falar! Meu Deus, falar! Tem medo de falar, Estou apenas cansada, no intervalo de um jogo muito longo... de muitos anos

E agora... se o aluno colocar o crachá poderá ir ao banheiro?

questiona abigail, onde esta a importância disto? são apenas crianças querendo fazer xixi ou ficar bem longe de nós... do mesmo andar de todos os dias, do mesmo fazer de todos os instantes, têm tanto desdém quanto qualquer um de nós pelo monótono e enfadonho repetir-se. alunos e alunas amarrados ao professor ou professora por um ano letivo inteiro. não podem querer ou não querer, é assim e pronto. não importa se aprendo melhor com esse e não com aquele. aqui, isso não conta. adapate-se. a escola é adaptação

Depende! Não vou gastar crachá com aluno mentiroso, vai esperar o recreio, layla parecia saída de um convento militar, pronta para pôr a todos sob o regime da ordem unida pela oração

fico pensando nas etapas históricas da educação, as suas escolas, os seus professores, e percebo que não mudamos muito da educação medieval. Avançamos, mas ainda tratamos nossos alunos como objetos inanimados. atrapalhando-nos com sua tirania dissimulada de indisciplina e desamor. saio para fumar outro cigarro. sigo meus passos silenciosos, são pequenos infratores. escondo-me nas sombras, os rolos de fumaça me exibem, delatam meu esconderijo. acho que um dia deixaria de fumar se a causa for nobre e feliz para mim



hoje, o professor abá reuniu todos, brincamos de fazer e responder perguntas e chegamos a falar de política. ele parecia meio aborrecido com o mundo inteiro, pergunta se votamos no Lula, nunca terá certeza. tem que ficar meio aborrecidinho é com os aqueles professores e professoras tagarelas de estarem com saudades do tempo das provas e o poder de não passar a gente. tempo de dtaduras. um dia a escola do povo virá pra ficar. coitados destes professoraços quando perderem o provão da reprovação. sempre que acomodo a cabeça de pensar esses provões fico na pior. sensação de opressão, deprimida oprimida encolhida, toda recolhida num canto da sala de aula, esperando a sentença da morte, efeito dominó. infelizes do jeito que são, gritando e reprovando para dar acomodação na sala de aula, Será que nós... os sem saber mais, só aprendemos na adoração e devoção? eu queria mesmo era conversar com meus professores, vizinho pra vizinho, feito gente que conversa com gente e se ensina com os olhos ou com os gestos do corpo, escutando com o coração e não, apenas, com um dicionário nas mãos, Eu gostaria muito de saber o que eles falam entre eles sobre todos nós, Acho que eles não falam sobre a gente, não têm tempo a perder com coisas sem importância, devem estar agora conversando sobre a escola e o salário e o que fazer pra melhorá-lo, Aposto que falam sobre as coisas que governam nossas vidas, Bobagens, falam sobre bobagens. Pensam saídas que devemos fazer e pensar. Duvido demais disto tudo, acho que ficam falando e pensando neles mesmos, se mostrando no carro novo, na pintura nova da casa, reclamando do quanto gastam com o colégio dos filhos, exibindo suas fotografias das férias ou do feriadão, namorando alguns e blefando com outras, São apenas professores, Não mesmo, eles sabem muito mais que nós.

depois da conversação e do intervalo voltamos para trabalhar de verdade nos computadores. enquanto uns se conectavam a internet para conversar com o computador, alguns outros iam para o facebook, apenas para conversar entre eles, vários ficavam no fazedor de texto, brincando seriamente de escrever e aprender. não entendo porque o professor abá, sentado e assistindo a tudo, ficava sorrindo enquanto meus colegas e minhas colegas corriam de um a outro e mais alguém explicando, e muitas vezes, interferindo e fazendo e re-fazendo as palavras e as frases, era uma farra, não sei como alguém consegue aprender assim, mas aprendemos, e o professor sentado, nos observando e sorrindo. coitado, está aprendendo com a vida, é muita coisa no mesmo espaço de tempo, espero que não perca a ternura de ser professor e amigo, Como pode aprender assim tão rapidinho, Quem, Aquela coleguinha, lembra, pergunto, Havaianas, me perguntam, Acertaram em cheio



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