Manoel Bomfim
O Brasil nação volume 1
PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS
capítulo 1
capítulo 1
os frutos do 7 de setembro
O Brasil, feito soberano nas grosseiras tramoias do filho de D. João VI, teve de consumir o primeiro decênio de vida autônoma em debater-se, no atoleiro a que o atiraram a título de libertá-lo. E é por isso que, se rebuscamos os comos e os porquês da nação brasileira, devemos insistir ainda nos processos e atos do príncipe embusteiro a quem nos entregamos, seguindo-lhes os efeitos até que, em 1831, cai, pela gangrena, o que já era esfacelo. Esses longos nove anos patenteiam a miséria política do Brasil inoculado de bragantismo. Se não fora a dolorosa depressão, resultado da peçonha que nos embebia; senhora dos seus sentidos, a nação, desde logo, o teria eliminado, porque o filho de Carlota Joaquina não tinha, nem a coragem nem o talento necessários para o inteiro efeito da maquinação que urdira. Houvesse nele qualquer valor de estadista, e teria construído um Estado forte e eficaz, pois que se fez o chefe de um povo na sua crise de juventude e de liberdade. Em vez disto, Pedro I foi um tampo sobre o Brasil que se erguia. Foi, apenas, um Bragança. Faltava-lhe tudo que distingue o estadista heroico do simples aventureiro velhaco. Drummond, apesar dos afagos com que era tratado, sente, ao seu contato, a natural irritação, e fala-nos da sua doentia vaidade... Seria o menor dos defeitos efetivos. Mais patente e maléfico, ainda, era a inveterada deslealdade, mal disfarçada em versatilidade. Traía porque vivia para os seus interesses e apetites, e tinha de mudar com eles. Sem maior virtude para usar de outros meios, pertencia a ambição que se alimenta de traições. Nem verdadeiros ideais políticos, nem propósitos de homem de Estado, nem vigor de convicções. O próprio Sr. Pereira da Silva teve de reconhecer – que muito custou ao Príncipe Real aceitar a independência. E a significação que o seu curto critério dá àquele juramento firmado com o próprio sangue. Em verdade, D. Pedro não aceitou a independência: serviu-se dela... O português, Sr. A. Viana, é mais conciso: “Em 21, todos desconfiavam dele...”.5 Como não ser assim? Os seus manejos entre a tropa brutalmente constitucionalista e os bisonhos brasileiros, eram grosseiros demais. Não foram desde logo repelidos porque uma soldadesca bêbada e uns revolucionários ingênuos, ou canalhas, não teriam lucidez para tanto; mas foram percebidos, e despertaram suspeitas. O pai, se fosse capaz de compreender qualquer coisa, seria o único a compreendê-lo. Em 10 de dezembro, ele, o príncipe, escreve: “... a tropa está unida e muito obediente; ela tem-se feito merecedora de que eu participe a V. M. o quanto ela é aferrada à Constituição e à causa nacional...”; e, a 14 de março, ei-lo a afirmar: “Desde que a divisão auxiliadora saiu, tudo ficou tranquilo e perfeitamente aderente a Portugal; mas
§ 2 – O Bragança ao natural...
O Brasil, feito soberano nas grosseiras tramoias do filho de D. João VI, teve de consumir o primeiro decênio de vida autônoma em debater-se, no atoleiro a que o atiraram a título de libertá-lo. E é por isso que, se rebuscamos os comos e os porquês da nação brasileira, devemos insistir ainda nos processos e atos do príncipe embusteiro a quem nos entregamos, seguindo-lhes os efeitos até que, em 1831, cai, pela gangrena, o que já era esfacelo. Esses longos nove anos patenteiam a miséria política do Brasil inoculado de bragantismo. Se não fora a dolorosa depressão, resultado da peçonha que nos embebia; senhora dos seus sentidos, a nação, desde logo, o teria eliminado, porque o filho de Carlota Joaquina não tinha, nem a coragem nem o talento necessários para o inteiro efeito da maquinação que urdira. Houvesse nele qualquer valor de estadista, e teria construído um Estado forte e eficaz, pois que se fez o chefe de um povo na sua crise de juventude e de liberdade. Em vez disto, Pedro I foi um tampo sobre o Brasil que se erguia. Foi, apenas, um Bragança. Faltava-lhe tudo que distingue o estadista heroico do simples aventureiro velhaco. Drummond, apesar dos afagos com que era tratado, sente, ao seu contato, a natural irritação, e fala-nos da sua doentia vaidade... Seria o menor dos defeitos efetivos. Mais patente e maléfico, ainda, era a inveterada deslealdade, mal disfarçada em versatilidade. Traía porque vivia para os seus interesses e apetites, e tinha de mudar com eles. Sem maior virtude para usar de outros meios, pertencia a ambição que se alimenta de traições. Nem verdadeiros ideais políticos, nem propósitos de homem de Estado, nem vigor de convicções. O próprio Sr. Pereira da Silva teve de reconhecer – que muito custou ao Príncipe Real aceitar a independência. E a significação que o seu curto critério dá àquele juramento firmado com o próprio sangue. Em verdade, D. Pedro não aceitou a independência: serviu-se dela... O português, Sr. A. Viana, é mais conciso: “Em 21, todos desconfiavam dele...”.5 Como não ser assim? Os seus manejos entre a tropa brutalmente constitucionalista e os bisonhos brasileiros, eram grosseiros demais. Não foram desde logo repelidos porque uma soldadesca bêbada e uns revolucionários ingênuos, ou canalhas, não teriam lucidez para tanto; mas foram percebidos, e despertaram suspeitas. O pai, se fosse capaz de compreender qualquer coisa, seria o único a compreendê-lo. Em 10 de dezembro, ele, o príncipe, escreve: “... a tropa está unida e muito obediente; ela tem-se feito merecedora de que eu participe a V. M. o quanto ela é aferrada à Constituição e à causa nacional...”; e, a 14 de março, ei-lo a afirmar: “Desde que a divisão auxiliadora saiu, tudo ficou tranquilo e perfeitamente aderente a Portugal; mas
5 A Emancipação do Brasil, Lisboa, 1922, pág. 63.
sempre conservando um grande rancor a essas cortes...” Tal rancor é, sobretudo, o deles – Braganças, pai e filho. E, com isto, ele ainda colhia o resultado de iludir os tolos dos brasileiros levados a aceitá-lo como recurso contra a estupidez dos liberais portugueses.6 Até então, em qualquer das suas manifestações, só há expressões contra a independência do Brasil. E de pouco antes, a declaração já referida, escrita com o próprio sangue – de preferir a morte a consentir em que o Brasil se separe... Agora, em março e abril, todo o seu esforço é para identificar o Brasil com o Portugal fiel aos Braganças: “... os laços que uniam o Brasil a Portugal, e que eram de retrós podre, se reforçaram com amor filial à mãe-pátria...” E como esse é o seu verdadeiro motivo íntimo, ele se apresenta como fator da mesma união: “... qualquer outro modo que fosse o meu procedimento, a união do Brasil a Portugal, que maneiras delicadas ainda podem conservar, estaria provavelmente acabada...” A maneira delicada vem a ser a insídia com que ele, por meio dos Ledo e José Clemente, se insinua no ânimo dos independentistas. Nessa forma, aparentemente, ele mudou; mas, na realidade, continua fiel aos seus interesses. Em agosto, nas vésperas da viagem que acabaria no Ipiranga, lá está notada a realidade dos seus intuitos: “Tomei o partido que os povos (brasileiros independentistas) desejavam... sem romper, contudo, os vínculos da fraternidade portuguesa, harmonizando-se com decoro e justiça todo reino unido de Portugal-Brasil e os Algarves, e conservando-se debaixo do mesmo chefe duas famílias...” Se na sua alma pousou um ideal, foi esse – o reino unido, cabendo-lhe, desde logo, a melhor parte desse mesmo reino. Há um outro momento, em que ele explica as aparentes preferências pelo Brasil: “No Brasil é que está a riqueza, o poder...” E lisonjeia o forte e rico; pouco importa toda a glória de
6 Varnhagen aceita e repete este conceito publicado em 1824: que D. Pedro não se sublevara contra o governo de seu pai, mas sim contra as cortes. (Hist. da Independência, pág. 343).
um Portugal histórico; ele dará preferência ao Brasil: “... os estados independentes como o Brasil (escreve ao pai, em 19 de junho de 1822), nunca são os que se unem aos necessitados e dependentes. Portugal é, hoje em dia, um estado de quarta ordem e necessitado, por consequência, dependente...” Nunca houve inimigo vencedor, que mais duramente falasse ao vencido: Portugal é que se tem de humilhar para com o Brasil, “e não o Brasil para com Portugal, que é necessitado e dependente... e deve procurar, por todas as formas, os meios de se conciliar com o Brasil...” Nessa mesma carta, que é verdade íntima, pois que ele, Pedro I, a destinava exclusivamente para uso do pai: nela está a essência dos seus intuitos: fundar aqui um império luso-brasileiro, cabendo ao Brasil, pelos motivos já ditos, a primazia, com a residência da coroa. Como o pai já estava com os pés na sepultura, que lhe mandasse o mano Miguel:7 casá-lo-ia com a filha, para dar-lhe, mais tarde a regência de Portugal. Foi o que, em desespero de causa, intentou fazer em 1827. O brasileirismo de José Bonifácio cortou o cordão umbilical da sonhada união, e D. Pedro não pode, nunca mais, refazê-la, apesar de que por ela insistisse, ao longo de toda a sua aventura americana. Já o assinalamos: o talento não lhe dava para mais lúcidos desenvolvimentos de ação. A realidade do seu caráter se impôs, no fim de tudo, e ele, que teve as condições históricas mais propícias, na grandeza de dois mundos, acabou reduzido à insignificância do próprio valor: generosamente alijado do Brasil, grosseiramente apupado nas ruas de sua última capital. L. F. da Veiga não hesita em dar, no seu livro, um capítulo com o título – A dobrez de D. Pedro... No desenvolvimento das páginas, ele transcreve palavras
7 “... deixe o mano Miguel vir para cá, seja como for... os brasileiros o querem ao pé de mim, para me ajudar a servir no Brasil, e a seu tempo casar com a minha linda filha Maria...” (perdeu-se uma nova edição de D. João VI...) Nessa carta é que Pedro I diz as coisas acima citadas, assim como sustenta, a pé firme, que o pai lhe disse o célebre – antes seja para ti...: “Eu ainda me lembro e me lembrarei sempre do que me disse, dois dias antes de partir, no meu quarto...”
de brasileiros, que, em 1821, já desconfiavam formalmente de sua participação em o nosso movimento de libertação. Os sucessos vieram dar razão aos suspicazes de então. Um historiador português, o Sr. Constâncio, ao referir-se às razões alegadas para a dissolução da Constituinte de 1823, é categórico: “Estas falsas e ridículas asserções a ninguém convenceram e só mostram a insigne injustiça e ingratidão de um príncipe, que proscrevia e caluniava aqueles mesmos que, havia tão pouco tempo, o tinham colocado no trono...”.8 O próprio José Bonifácio, com todo o seu bragantismo, foi também levado a suspeitas, logo em começo de 1823. É o Sr. Drummond quem o afirma, ao mesmo tempo que dá o explícito das mesmas suspeitas, segundo as confidências do amigo: “O imperador me enganava, afetando a maior franqueza e intimidade. Esta dissimulação era natural e habitual, ou inspirada de longe e de fora? Como poderia um homem sincero suspeitar tais horrores, em um jovem fogoso e inexperto?...” Em Pedro I, combinavam-se os dois motivos: insídia natural e insinuações de longe. De fato, contra ele, nada podia a franqueza sincera do pobre do José Bonifácio, a quem faltavam, mesmo, as mais triviais das qualidades para a obra de politicagem, em face de um Bragança. Chegaram ao gesto de 7 de Setembro, mas, cada um dos dois lhe deu significação diferente, e como Pedro I ficou sendo o senhor definitivo, tentou dar ao ato o desenvolvimento a que o destinara. Daí as atitudes que, finalmente, se tornaram suspeitas ao brasileiro. E é assim que, a 23 de outubro, já aclamado
8 História do Brasil, II, 345. – Outro português do tempo, o Sr. Xavier Monteiro, debuxa-o nestes epítetos: “... vazio de experiência, arrebatado pelo amor da novidade por um insaciável desejo de figurar, vacilante em princípios, incoerente em ações, contraditório em palavras, a quem... a prevaricação e inteireza, inteligência e impostura, constituição e despotismo, pela facilidade com que as aprova e rejeita, são coisas ou indiferentes, ou indistintas, ou desconhecidas...” (discurso de 1º de junho de 1822 nas cortes). Pouco antes, em carta íntima ao cunhado, Palmela diz dele, príncipe “... deixa-se rodear e aconselhar por má gente...” (Vida de Duque de Palmela, I, 376).
imperador do Brasil, ele, D. Pedro, tem para o rei de Portugal efusões de respeito e de dedicação que não são, somente, as de um filho, mas as de um súdito, pressuroso em mostrar que a fidelidade jurada se mantinha: “Com a independência, tenho assegurado um asilo certo para a nação portuguesa.”9 Com Pedro I, o bragantismo se afinou nas suas qualidades essenciais. Referindo-se a um dos momentos da sua política, diz o mesmo Drummond: “É sabido que o imperador, para salvar a Joaquim de Oliveira Alvares (seu ministro, servil), nada poupou, nem mesmo a própria dignidade. Prometeu, solicitou, corrompeu, chegando a ir pessoalmente procurar e falar aos deputados”.10 De fato, para satisfação dos seus motivos pessoais, ele não atendia ao que pudesse ser dignidade ou decência. Por ocasião da dissolução da Constituinte, participava, em pessoa, das diligências – para as prisões dos deputados brasileiros. Nessa crise da
9 Aqui está o fecho da carta de outubro, de 1823: “Tenho a honra de ser com todo o respeito, de vossa majestade, filho muito afetuoso, e que como tal lhe beija a sua real mão...” Afora a competição, a respeito do exercício do poder no Brasil, sempre houve perfeito acordo entre a ação do Príncipe D. Pedro e a do pai. Conta Gervinus (op. cit. t. X, 251) que, em fins de 1821, de acordo com a Santa Aliança, presidida pelo sogro de D. Pedro, D. João VI enviou ao Rio de Janeiro o Marquês de Anjeja, para combinar com o filho uma ação definida no sentido de afastar o Brasil das mesmas cortes. Por isso mesmo, o governo austríaco, com todo o seu absolutismo, sempre teve condescendências para com o D. Pedro, constitucionalista. O Marquês de Resende, inteirado nas tricas diplomáticas, explica o caso. Tratava-se do reconhecimento da Independência – de um Brasil constitucional, e a Áustria auxiliou o governo imperial do Brasil: “A Áustria se convenceu, mediante a carta de D. João VI, apresentada por mim, que o imperador estava agindo de boa-fé (no sentido dos interesses legitimistas) e da boa inteligência que, apesar dos atos oficiais, exigidos pela situação, sempre existiu, em segredo, entre eles e, por isso, se reuniu à Inglaterra para obter uma reconciliação patente entre os dois estados.” (M. de Resende, E’clairciseements Historiques, t. XXII, 39).
10 Anotações, 146. – O mesmo Drummond informa que Domitila tinha sido de um criado de Pedro I. Armitage, com toda a sua britânica circunspeção, assinala: “A conduta do imperador para com a Imperatriz era a mais dura; assevera-se que até lhe dera pancadas...” (Hist. do Brasil, trad. Ega, pág. 126).
nacionalidade, nenhum português foi mais lusitano e corcunda. Verificaremos, em tempo, que esse foi o momento em que se patenteou estarem os dois, pai e filho, acordes, para a façanha de reunir os dois povos numa mesma coroa. Mas, o espírito nacional foi mais forte que toda a insídia. Armitage, que não é nada lisonjeiro para o Brasil e os brasileiros, di-lo categoricamente: “A tentativa de reunir o Brasil a Portugal, seria o sinal de uma revolução em todo o país”. Se é verdade que Pedro I não teve, nunca, a coragem de dar o golpe, em compensação, desde logo, tudo preparou neste sentido. É o mesmo Drummond quem o assinala: “... dada a reação de 1823, todos os serventuários do paço eram portugueses...” Os secundários brasileiros que por lá andavam, mais secundários se tornavam, na nenhuma importância que tinham. Os verdadeiros íntimos do imperador eram os três, da rafameia portuguesa – Gomes da Silva “O Chalaça”, João Carlota e Plácido. A brevidade e a sujice dos nomes dizem bem que espécie de almas neles havia. Uma das taras de Pedro I, como no antepassado Afonso VI, era a vulgaridade e a grosseria suja das gentes de sua privança.11 Chulamente presunçoso, dando, em portuguesismo, o que lhe faltava de verdadeiro talento, o embusteiro constitucionalista de 1821, uma vez, entronizado, foi o tipo acabado do Bragança – pérfido, absorvente, inexorável tirano... Mas faltou-lhe coragem para dar à tirania um caráter franco, relativamente leal... O servilismo da nossa história multiplicou esforços para fazer de Pedro I um tipo cavalheiresco, ou, pelo menos, um valente. As primeiras sugestões, nesse intuito vêm do tom impulsivo com que a libido de Carlota marcou a fisionomia do Príncipe Real, e
11 V. nota à pag. 35 – Plácido fora ajudante de cozinha, e os companheiros não eram de melhor extração. Doentiamente vaidoso, dava-lhe a presunção, em Pedro I, para cotejar com atletas profissionais, e ostentar valentia. Certa vez teve garbo em ir buscar a fazer voltar imediatamente, de bordo de um dos navios de Cochrane – dinheiro de presas feitas em navios portugueses.
sobretudo do contraste – entre os arremessos de um jovem e a miséria definitivamente acovardada, apavorada, de D. João VI. Ao seu lado, Pedro I, tinha que parecer um valoroso; mas, na realidade, toda a sua vida no Brasil é inteiramente falha – de verdadeira valentia. Por isso mesmo, acabou numa fuga. A abdicação de 1831 não foi uma rápida depressão de ânimo, e, menos ainda, um gesto de superior desistência, em vista do bem.12 Foi, sim, a acovardada retirada de quem, depois de repetidas tentativas, nunca teve a coragem de dar combate decisivo, e recuou, sempre, ante a perspectiva da revolução de que nos falou Armitage... Para abrir o caminho à reunião, dissolveu a Constituinte brasileira, a força armada. No entanto, ostensivamente à frente da tropa, a sua ação pessoal, no caso, em vez de lance valente, foi ignóbil exploração de uma mentira: intrigou os batalhões, convenceu-os, de viva voz – de que a Assembleia tinha planos contra o exército e contra o trono. Então, avalentonado com a soldadesca que o seguira, teve garbo de injuriar os eleitos da nação brasileira, chamando a Constituinte de perjura. Não tardou que fosse conhecida a mentira, e, agora, ante às primeiras manifestações de reprovação, ele se desdisse das mesmas injúrias, repetiu explicações, deu satisfações, apressando-se em prometer uma constituição, discutindo-a desde logo, não esquecendo de assegurar – que, previamente, a submeteria ao juízo e à aprovação das municipalidades... A mesma tropa que, pela mentira, fora levada de São Cristóvão às portas da Assembleia, e, teve, em 1824, para tomar-lhe contas da traição tramada contra a Nação, quando sentiu que ele intenta lusitanizar explicitamente o Brasil independente. E, mais uma vez, Pedro I se agachou, recuando miseravelmente, como ainda recuou em
12 Notaremos, no momento oportuno, os depoimentos de Drummond e de Barbacena – de como, bem antes de 7 de abril, já Pedro I estava decidido a abdicar, isto é, a ir-se do Brasil, com receio de que o enxotassem.
1826, como cedeu e recuou diante das insolências de Roussin, se bem que tivesse o apoio da nação inteira, caso houvesse nele ânimo para dignidade e resistência.13 Note-se que, para ter os meios de afrontar a nacionalidade brasileira, desde 1823, o filho de Carlota Joaquina armara milícias mercenárias – os seus célebres alemães, a que juntou, para mais garantia das ambições pessoais, o chamado batalhão do imperador. De nada valeu: a fanfarronice do falso valente logo se patenteou, e, pouco a pouco, o público brasileiro lhe tirou o prestígio, das penas grudadas em 1822. Em 1830, quando não se previa, ainda, o 7 de Abril, já Pedro I era tratado com afrontoso desrespeito. O comentário de Armitage, que a tudo assistiu, não deixa dúvida. Em Minas, a sua pessoa ia e vinha como um rebotalho de poder, de que ninguém fazia caso. Barbacena atesta que foi nesse momento, que ele, o imperador, mostrou a decisão de abdicar. Por que se cercou Pedro I de milícias estrangeiras? Porque fazendo uma política pessoal, nunca pôde sair do portuguesismo originário. Armitage condensa toda essa política no conceito, tantas vezes citado: “Desde a dissolução, nunca soube ser brasileiro...” Foi, mesmo, a propósito da abdicação, que ele chegou a tal conclusão, depois de haver assinalado: “... a confiança (da nação brasileira) que até então nunca soubera granjear...” Entre um conceito e o outro, o historiador tem ocasião de fazer compreender a necessidade do 7 de Abril. É quando, havendo admitido que a vida privada de Pedro I era escandalosa, a administração péssima, e o jornalismo francamente sedicioso, faz a reserva essencial: mas nada disto foi a causa da reação de 1831, se não “uma causa de que nunca se fez menção: que ele nunca soube ser brasileiro”.14
13 A Câmara dos deputados foi explicitamente contra a política de submissão às exigências dos franceses: “Apesar da resistência do Corpo legislativo, o imperador por si resolveu mandar entregar os navios, e prometeu indenização das perdas até o fim do ano seguinte.” (Melo Moraes, op. cit., 59.)
14 Op. cit., págs. 190, 205, 209, 220.
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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."
Cecília Costa Junqueira
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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).
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Leia também:
O Brasil nação - v1: § 1 / A “túnica” e a nossa Dejanira - Manoel Bomfim
O Brasil nação - v1: § 3 – O lusitanismo triunfante - Manoel Bomfim
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