sexta-feira, 28 de outubro de 2016

O Brasil nação - v1: § 4 – Ataque à soberania nacional - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim



O Brasil nação volume 1





PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS



capítulo 1 
os frutos do 7 de setembro




§ 4 – Ataque à soberania nacional.




A Assembleia Constituinte, de 1823, foi a primeira expressão da soberania brasileira. Dadas as condições de formação política do povo, com dois séculos, quase, de degradação bragantina, era impossível que a nação brasileira se mostrasse, desde logo, um primor em realizações democráticas. Já assinalamos a miserável condição em que se via o Brasil-colônia, até os seus últimos dias: fechado no ambiente podre, e ao mesmo tempo nulo, do Portugal da decadência. Não podia haver, para os brasileiros, nem escola de democracia, nem meios de cultura intelectual. Clérigos e juristas de Coimbra eram as raras formas de pensamento que se ofereciam para conduzir o país. Tal foi a Constituinte. Ora, num país onde o político é, apenas, o harmonizador dos meios e recursos nacionais com as correntes de opinião (tal acontece na Inglaterra), e que esses meios e recursos são organizados e apurados por especialistas e técnicos de valor; ainda aí, se a política é conduzida exclusivamente por juristas, admite-se que há, nisto, um grande mal, porque, para a realização e distribuição da vida moderna, a mentalidade do jurista é a menos própria. Considere-se, agora, no que eram as condições do Brasil de 1823, e reconhecer-se-á: que uma assembleia de juristas de Coimbra era, sem dúvida, inábil e contraindicada para a função de organizar a nação. Era esse o grande defeito da Constituinte. Mas, dado que não havia outros, e não fora admissível organizar o Brasil senão com brasileiros, essa mesma assembleia deve ser considerada excelente, porque continha, evidentemente, o melhor da mentalidade brasileira, já consagrada.20  Acusava-se, neles, um grave defeito: eram, quase todos, homens velhos, da pior velhice, porque não tinham experiência política, visto que o regime corrente não na dava, nem eles possuíam, mais, o ardor da idade, grande elemento numa obra revolucionária. De todo modo, não mereciam, certamente, o tom de desprezo com que são tratados nas páginas do Sr. Pereira da Silva, e, sobretudo, nas de Armitage. “À parte os Andradas, não havia na Constituinte, indivíduos acima da mediocridade...” Nesse tom peremptório, o historiador caixeiro fulmina a Assembleia brasileira, onde havia, além dos mesmos Andradas, Araújo Lima, Carneiro de Campos, Montezuma, Muniz Tavares, Xavier de Carvalho, 

20 Para um total de menos de cem deputados, havia, na Constituinte, 48 juristas, 19 clérigos e 7 militares.

Araújo Viana... No entanto, se se formula a questão: Que lei contraria às normas jurídico-sociais, ou alheia à moral decretou a Constituinte? Nenhuma, responde, com toda razão, Austricliano de Carvalho: “A pátria livre e independente era o seu alvo.” É bem de ver que o valor da Constituinte de 1824 não pode depender do conceito de quem, nem tinha o talento, nem a cultura, nem os motivos d’alma, em que o julgamento moral se eleva. Não serão os doestos, ou os louvores de um Armitage que consagrarão a nossa primeira Assembleia nacional, mas o valor de dignidade com que ela procedeu, no momento da provação, em face do imperador antibrasileiro. O próprio Armitage foi obrigado a reconhecer – que os deputados constituintes se portaram com toda a dignidade e absoluta correção, sem um pestanejar de covardia, sem um momento de concessão à força covarde que os atacava. Inermes, e cercados pela tropa arrogante, abandonados pelo ignóbil presidente cúmplice do imperador, os deputados permaneceram nos seus postos, em atitude de justo protesto, até que a realidade das baionetas e dos canhões lhes fechou as portas, depois de vinte e quatro horas de sessão permanente. Cumpre notar, em crédito dos deputados, que, na presença de tão iminente perigo, não mostraram pusilanimidade, nem vacilação: pelo contrário, pelo exemplo, com a exortação, animavam-se reciprocamente, e, ao raiar do dia seguinte, viu-se que nem um se havia retirado.21  Aproveitado para meirinho na dissolução da Constituinte, o lusitanófilo Vilela Barbosa foi ao ponto de injuriá-la: “Estou vendo aqui o mesmo que vi em Lisboa”, disse ele, de dentro do lacaismo com que se apresentou à Assembleia.22  Ora, no que se refere ao

21 Armitage, op. cit., págs. 57 e 63. 
22 Sentia-se tão imutavelmente português – Vilela Barbosa, que, em 1831 quis voltar para a sua pátria com o imperador deposto; este é que o intimou a ficar, pois que o instinto lhe dizia quão útil poderia ser ainda essa infecção, que se aproveitará para a maioridade. Pedro I negou-se a levá-lo, com a alegação de não querer suportar a carga por mais tempo. Mas Paranaguá insistia: “Só lá poderei viver, agora, porque lá tenho a minha aposentadoria...” (Carta do ministro austríaco Daiser, publicada no Jornal do Commercio, de 1913.) 

proceder da generalidade dos deputados, a comparação foi injuriosa mentira:23  Os constituintes brasileiros, sempre respeitosos para com o príncipe, responderam-lhe, no entanto, com toda a hombridade, até o último momento, ao passo que os famosos liberais das cortes de 1820, antes fanfarrões nos insultos à coroa, desde que esta se dispôs a dar-lhes o golpe, mal pressentiram o perigo, dobraram-se miseravelmente, tão covardes como na véspera haviam sido arrogantes: “Em Portugal, as cortes mal viram o rei retirar-se para Vila Franca, cinco a seis léguas de Lisboa, dissolveram-se a si mesmas, deixando um protesto que bem poucos assinaram, e cada um dos seus membros foi procurar pôr-se a salvo, ou na fuga, ou na comitiva do rei” (A. Viana). Vilela Barbosa teria sido um destes. A única identidade a notar-se nas duas situações é a sua miséria d’alma: deputado constituinte por parte do Brasil, dada a dissolução, ele se acomodou perfeitamente ao subsequente inexorável absolutismo, como, antes, se identificara com aquela atmosfera antibrasileira onde não puderam ficar os brasileiros de essência – Lino, Antonio Carlos, Feijó... E porque ali permaneceu, radicalmente lusitano, foi logo aproveitado pelo absolutismo português, em missão secreta junto ao embusteiro que se apoderara do Brasil: representando Portugal, onde tinha ofícios e funções públicas; mandado para tecer a reunião do Brasil a Portugal, ele passou, sem transição de alma, a ministro de um Brasil que estava oficialmente em guerra com o Estado que nele se

23 Houve algumas raras exceções, no proceder digno dos deputados de 1823: intimado a dar por dissolvida a Constituinte, cujo presidente era, então, Maciel da Costa, irmão uterino de Justiniano J. da Rocha (mas por obras de outro cônego); o futuro Queluz não admitiu, sequer, a proposta dos outros deputados para um protesto verbal: abandonou tudo, e correu ao paço, a comunicar o fim da empreitada... Vê-se·bem que havia diferenças essenciais entre os dois cônegos fecundantes. 

representava... Naquele preamar de ilogismos e incoerências, essa escolha é como fulguração de lógica...


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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira



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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).


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Leia também:

O Brasil nação - v1: § 3 – O lusitanismo triunfante - Manoel Bomfim



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