sábado, 22 de outubro de 2016

O Brasil nação - v1: § 1 / A “túnica” e a nossa Dejanira - Manoel Bomfim


Manoel Bomfim



O Brasil nação volume 1





PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS



capítulo 1 
os frutos do 7 de setembro




§ 1 – A “túnica” e a nossa Dejanira




Desde que se manifestou em qualidades próprias, o povo brasileiro demonstrou possuir os dons essenciais para ser uma nação – espírito de união, solidariedade patriótica, cordialidade nas relações internas; mas, ao mesmo tempo que o seu valor se afirmava, a pressão do Portugal degradado o anulava politicamente, da mesma sorte que a sua voracidade lhe amesquinhava as energias produtoras. Não houve colônia que tanto sofresse das condições de governo em que se achava, ao tornar-se soberana e livre. Depois de ter sido, durante quase dois séculos, carne viva para a varejeira lusitana, o Brasil acabou incluindo na sua vida o próprio Estado que, de lá, emigrara, na plenitude da ignomínia bragantina. 

Todavia, sob a pressão das necessidades imediatas – de ter para comer, aproveitando-se bons instintos do povo, o país, ainda que abandonado de qualquer direção válida, fez alguma coisa na sua evolução industrial. Fora desse progresso, absolutamente espontâneo, a nação continua a vida de regime colonial apoucado, tirânico, espoliador, com uma classe de dominantes inteiramente divorciada da massa dominada. E assim se acha, cada vez mais distanciado do que convém à vida moral, política e mental do mundo moderno. Como não reconhecer que em tudo isto há, tão somente, a persistência de antecedentes? Mais presos a esses antecedentes do que a qualquer túnica infecta – covarde represália de vencido, sofremos e sufocamos, sem outra perspectiva de cura que a de arrancar a infeção com as carnes contaminadas. Que é que, nos últimos transes, tivemos a herdar, desse Portugal que nos conduzia? Uma realidade política e social que era, de fato – a opressão, a corrupção, a ignorância... as finanças de puros tributos, o arbitrário serôdio na administração, o sultanismo governamental, a delapidação dos orçamentos... Pois não é isto mesmo o que temos como vida pública? E o motivo é sempre o mesmo: a péssima qualidade dos dirigentes, em caráter e inteligência. Perscrutamos, e o veio de ignomínias e misérias nos leva àqueles dias em que os heróis de Pernambuco tiveram de macular o seu patriotismo, pondo-o ao serviço do Bragança, que, em mentiras e traições, os levara, até entregá-los aos Felix Machado e Bacalhau, como o descendente entregou os de dezessete ao birrenegado Mayrink. Daí por diante, a política dessa descendência de governantes tem sido um crescendo de infâmias, para um regime de Estado que só pode subsistir entorpecendo a Nação, para, assim, dominá-la e absorvê-la. 

Quem o contestará? O que se passou para o Brasil com D. João VI, se medrou, foi – abafando, mentindo, infectando, oprimindo, dissolvendo as boas energias sociais, desfigurando as formas naturais e salutares da Nação, deixando sobre elas as suas estratificações de misérias, estratificações que nos cobrem até hoje. Quem negará que os governos passam sobre o nosso Brasil, no mesmo cortejo de mentiras, abjurações, extorsões e despotismos, em que viviam os torpes dirigentes das épocas de D. João V e D. Maria? 

Administração incapaz e perdulária, infame quando se aquieta, rapace e corrupta quando intenta fazer qualquer coisa; política de ineptos e desbriados, desmoralizando-nos em face do mundo que pensa e que trabalha, fingindo, estupidamente, grotescamente, uma fisionomia que não é a nossa, querendo desfrutar situações que não souberam preparar, pretendendo ser o que não somos, nem nos convém ser, sem saber, mesmo, o que somos, nem o que, de fato, nos convém. Liberdade, democracia, opinião... justiça, saber... necessidades essenciais à vida de uma nação moderna, são, aqui, motivos de repetidas mentiras, mentiras que nem mais se mascaram, mentiras absolutamente desajustadas às condições em que se continua o mecanismo de um Estado que, nas mãos dos que o exploram, são desabusados processos e instrumentos de extorsão e domínio contra a realidade da Nação. Independência, emancipação, soberania... para que tal conseguíssemos, devera ter havido, no Brasil, uma substituição de gentes bem mais radical do que no resto das Américas. Mas, infelizmente, nem verdadeiros levantes, desenvolvidos e gerais, nem isto poderia haver: os antecedentes os anulavam. As revoluções que houve, vencidas, deram ocasião a uma agravação de tirania; vencedoras, foram para mais acentuado domínio desses mesmos em que fermentava a miséria anterior.



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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira



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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).


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O Brasil nação - v1: § 2 – O Bragança ao natural... - Manoel Bomfim



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