quarta-feira, 26 de outubro de 2016

O Brasil nação - v1: § 3 – O lusitanismo triunfante - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim



O Brasil nação volume 1





PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS



capítulo 1 
os frutos do 7 de setembro




§ 3 – O lusitanismo triunfante. 




Curto de inteligência, falho de sentimento brasileiro, Pedro I não compreendeu a extensão dos feitos ligados ao ato que lhe fora ditado por José Bonifácio, e julgou poder voltar atrás do gesto do Ipiranga. Uma vez aclamado e coroado, considerando-se definitivamente empossado no domínio do Brasil, tratou de voltar, com ele, ao seio do seu Portugal, para a reconstituição do sonhado Império Luso-brasileiro.15  Para tanto, despediu os Andradas, passou por um ministério de transição, e, finalmente, fez o seu definitivo governo com Vilela Barbosa, o mesmo que viera completar a missão de Rio Maior, encarregado da parte íntima e essencial dela. O intuito confessado da mesma missão era restabelecer a autoridade de D. João VI, no Brasil, por um acordo com o já imperador, seu filho. Chegará o momento de verificar a verdade desta asserção; por ora, sigamos o desenvolvimento dos atos em que se definiu a política própria de Pedro I: abateu os Andradas, pôr no governo o homem exclusivamente feito em Portugal ulcerado de lusitanismo – Vilela Barbosa; dissolveu a Constituinte brasileira, prendeu e desterrou os principais representantes da nacionalidade, e deixou o selo indelével do bragantismo na felonia com que se esforçou por entregar ao governo português, já refeito em absolutismo, os próprios homens que o elevaram ao poder.16  Vistos à distância, no preconceito de 

15 Para Pedro I, o gesto do Ipiranga fora uma figa às cortes, suas inimigas. Quinze dias depois do “Independência ou Morte”, na carta de 22 de setembro, é que ele passa descompostura de arrieiro nas cortes – infames deputados. Nessa data, ele tem este arroto, que é característico: “... digo a essa cáfila sanguinosa (as cortes), que eu, como príncipe-regente do Brasil...”

16 É o caso do “Lucania”, navio que transportou José Bonifácio e os companheiros, quando desterrados, e que devia entrar no Tejo, afim de que o absolutismo português, já refeito, se apoderasse dos patriotas brasileiros, e os julgasse como rebeldes, para satisfação de todo o seu despeito. O comandante normal do navio, porque era brasileiro, foi mudado, como quase toda a guarnição,


que se tratava de uma fase revolucionária, levamos a agitação dos dias seguintes à Independência à conta da turbação natural da quadra. Puro engano: 1823 não foi crise lógica, decorrente dos sucessos anteriores; a situação era de paz interna (à parte a politicagem Ledo-José Bonifácio), e o que se possa considerar crise foi preparado e provocado pelo imperador. Desde que os Andradas, tomando a sério o 7 de Setembro, acentuaram uma política um tanto hostil ao Portugal – com quem estávamos em guerra; desde esse dia, que Pedro I mostrou a verdadeira significação da sua política. Concluindo o capítulo dado a esses fatos, Armitage anota a verdade: “E quando a força das circunstâncias tenha obrigado o governo a outorgar uma constituição, um princípio retrógrado prevalecia na maior parte dos atos administrativos... a tendência a favor dos portugueses era manifesta.” Chalaça, que dá o verdadeiro sabor à crise, fornece, nas páginas que mandou escrever, o melhor comentário da situação: “... que a portuguesada era a parte melhor e mais útil da população do Brasil... –... que essa mesma portuguesada, ostensivamente em oposição ao Brasil, sempre defendeu o imperador, sua única salvação...” Note-se, em todo o longo aranzel, o Conselheiro Chalaça fala como criatura inteiramente estranha a esta pátria.17

Conhecida a verdadeira significação do ato de 12 de novembro (a dissolução), houve, imediatamente, uma tão sensível conde-

substituída por portugueses completos. O navio levava instruções escritas – que se dirigisse para o porto francês, do Havre; mas o comandante, o português Barbosa teve instruções secretas, verbais, como o confessou perante testemunhas – para ficar em frente ao Tejo, até ser aprisionado. O imediato, que não estava no segredo da miséria de Vilela Barbosa, resistiu às mesmas ordens; o fato se tornou conhecido; o navio, finalmente, entrou num porto de Espanha, graças à intervenção do representante inglês, amigo de José Bonifácio, a coisa foi evitada. Quem o conta, documentadamente, é Drumond. (Anotações, pág. 76.)

17 Memórias oferecidas à Nação brasileira, sob o nome de Francisco Gomes da Silva (Chalaça), que pagou 30 libras esterlinas a Rodrigo da Fonseca Magalhães, para que as redigisse...

nação da política imperial, que Pedro I se agachou atrás das já citadas explicações, e fez garantir aos presos que asseguraria às suas famílias os meios de subsistência... apesar disto: “... as mães lamentavam os filhos, as esposas censuravam os maridos, as irmãs desprezavam os irmãos, que tinham trazido ramos de café nas barretinas no nefasto dia 12 de novembro, pondo em perigo a Independência, em proveito de uma facção odiosa”. Estas são referências de quem assistiu aos fatos, e participou deles, sendo, no entanto, monarquista e bragantista. Armitage, que alcançou todos os comparsas, na continuação da mesma política, atesta a impopularidade de Pedro I, desde esse mesmo dia. Homem de Melo, vindo decênios depois, tão monarquista que foi dobrado em barão, teve de render-se à verdade, e, para dar conceito de justiça, quanto ao primeiro reinado, reproduz Armitage: “O ato violento, da dissolução da Constituinte, repercutiu dolorosamente em todo o primeiro reinado... Nunca mais se atou o laço rompido da confiança nacional... Sete de Abril é o resultado de 12 de Novembro.”18  

Para ter ideia do quanto foi antinacional a política que levou o imperador a dissolver a Constituinte, basta ponderar em que o ministério seguinte ao dos Andradas, constituído por homens reconhecidamente bragantistas e chegados ao lusitanismo, como Nogueira da Gama e Carneiro de Campos, mesmo assim, esse não quis ter a responsabilidade do ato, e foi preciso que viesse um Vilela Barbosa. Nesse momento, a atmosfera de brasileirismo era aquela que se condensava na propaganda de Cipriano Barata, quando propunha se deportassem todos os portugueses – “figadais e constantes inimigos do Brasil”. Tempos afora, é este o sentir em que se reconhecem os ânimos brasileiros. Quarenta e cinco anos depois, porque em coração e em pensamento é uma

18 A Constituinte perante a História, pág. 49 – José Roberto, o pulha e covarde marechal português de dezessete, foi feito Marquês da Praia Grande, senador, grande do Império de Pedro I, eis a independência por ele realizada.

afirmação de nacionalismo, José de Alencar, apesar de qualificado em conservador, reclamará intransigentemente contra as pretensões do lusitanismo: “O Brasil não há de esquecer o que deve às suas origens americanas...” Então, muito bem se explica – que o golpe na nacionalidade brasileira fosse consagrado como vitória da portuguesada do Rio de Janeiro, que iluminou as fachadas, ao mesmo tempo que eram presos e perseguidos os deputados mais representativos da mesma nacionalidade: Montezuma, os Andradas, José Joaquim da Rocha, Belchior Pinheiro, Muniz Tavares, Henrique de Rezende, Carneiro da Cunha, Martiniano de Alencar, Almeida Fortuna, Xavier de Carvalho...19  Para melhor expressão do fato há que: a brigada destacada pelo imperador para cercar a Assembleia, foi comandada pelo português – brigadeiro Lazaro. De fato, o comandante-general naquela façanha, de tão formidável valentia, foi o próprio Pedro I. Assim o contam todos os historiadores inteirados do caso, desde o mesmo Armitage, até o caramuru, Sr. Abreu Lima. Nem é preciso esforço de demonstração, porque, no seu manifesto de 16 de novembro, Pedro I confessou: que foi quem fez reunir a tropa em São Cristóvão para vir contra a Assembleia.

19 Vilela Barbosa também arvorou um dos ramos de café da Domitila.


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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira



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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).


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Leia também:


O Brasil nação - v1: § 2 – O Bragança ao natural... - Manoel Bomfim


O Brasil nação - v1: § 4 – Ataque à soberania nacional - Manoel Bomfim



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