domingo, 21 de janeiro de 2018

Edgar Allan Poe - Contos: Silêncio

Edgar Allan Poe - Contos



Silêncio
Título original: Siope
Publicado em 1832


«Escuta, disse-me o Demônio, pousando a mão sobre a minha cabeça. A terra a que me refiro é uma árida região na Líbia, nas margens do rio Zaire. E aí não há quietação nem silêncio. 


«As águas do rio têm uma doentia cor de açafrão; e não correm para o mar, mas, com um movimento tumultuoso e convulso, palpitam permanentemente sob o olho rubro do sol. Numa extensão de muitas milhas de um e doutro lado do lodoso rio alastra-se um lívido deserto de gigantescos nenúfares. Suspiram uns para os outros naquela solidão e estendem para o céu os compridos e lúgubres pescoços e baloiçam as eternas cabeças. E exala-se dentro deles um murmúrio indistinto, que lembra o rumorejar de águas subterrâneas. E suspiram uns para os outros. 

«O seu reino, porém, tem limite — a negra, horrível floresta de altas frondes. Aí, como as ondas nas Hébridas, a vegetação baixa jamais serena. Todavia, não sopra vento do céu. E as altas árvores não cessam de ramalhar com fragor. E, lá de cima, das suas grimpas caem, gota a gota, orvalhos eternos. Nas raízes enroscam-se-lhes, em agitado sono, flores estranhas e venenosas. E lá no alto, nuvens pardacentas correm com estrondo para Oeste, até em catadupas se despenharem por sobre o afogueado muro do horizonte. Mas não sopra vento do céu. E nas margens do Zaire não há quietação nem silêncio. 

«Era noite e a chuva caía; era chuva ao cair, mas era sangue, depois de caída. E eu estava de pé, no meio dos gigantescos nenúfares, e a chuva fustigava-me a cabeça — e os nenúfares suspiravam uns para os outros na solenidade da sua desolação. 

«E de repente, da ténue e lúgubre neblina, despontou a Lua, toda encarnada! E os meus olhos poisaram num enorme rochedo pardo que se erguia na margem do rio e era iluminado pelo luar. O rochedo era pardo, lúgubre, muito alto. Na frente do rochedo estavam gravados uns caracteres; e eu atravessei o pântano dos nenúfares até chegar à margem do rio a fim de ler os caracteres esculpidos na pedra. Não pude, porém, decifrá-los. E regressava para o pântano, quando um fulgor mais rubro da Lua me fez voltar de novo os olhos para o rochedo pardo e para os caracteres; e os caracteres diziam DESOLAÇÃO. 

«Ergui os olhos e vi um homem de pé na ponta do rochedo; e escondi-me entre os nenúfares para espiar o que o homem fazia. Era alto, imponente, envolto dos ombros aos pés na toga da velha Roma. Eram indistintos os contornos do seu vulto — as suas feições, porém, eram as feições de uma divindade; pois o manto da noite, da neblina, da Lua e do orvalho deixava-lhe a descoberto as feições do rosto. Tinha a fronte alta do pensador; via-se-lhe nos olhos a sombra dos cuidados; e nas poucas rugas que lhe sulcavam as faces eu li as fábulas da dor, do cansaço, do tédio da humanidade e um anseio de solidão. 

«O homem sentou-se no rochedo, apoiou a cabeça na mão e olhou para o ermo em volta. Olhou lá para baixo para os rumorejantes arbustos, e em seguida ergueu os olhos para as enormes árvores primitivas, ergueu-os mais ainda para o céu tumultuoso e para a Lua encarnada. E eu, alapado entre os nenúfares, espiava o que o homem fazia. E o homem tremeu na solidão; — mas a noite foi avançando, dissipou-se, por fim, e o homem sempre sentado no rochedo! 

«O homem desviou os olhos do céu e pousou-os na aridez do rio Zaire, nas águas amarelas e sinistras e nas pálidas legiões dos nenúfares. E escutou os suspiros dos nenúfares e o murmúrio que deles se exalava. E eu, do meu esconderijo, espiava o que o homem fazia. E o homem tremeu na solidão — mas a noite foi avançando, dissipou-se por fim, e o homem sempre sentado no rochedo! 

«Entranhei-me então no seio do pântano, meti-me por entre a imensidão dos nenúfares e chamei pelos hipopótamos que se acoitavam nos recessos do pântano. E os hipopótamos ouviram o meu apelo e, soltando feroz e medonhos rugidos, avançavam com o behemoth até o sopé do rochedo. 

«E eu, do meu esconderijo, espiava o que o homem fazia. E o homem tremeu na solidão; — mas a noite foi avançando, dissipou-se por fim, e o homem sempre sentado no rochedo! 

«Amaldiçoei então os elementos com o anátema do tumulto; e no céu, onde até aí não soprava vento, estralejou temerosa tempestade. O céu pôs-se lívido com a violência da tormenta — a chuva açoitava a cabeça do homem — o rio espumava em torrentes caudalosas—os nenúfares gritavam nos seus leitos — a floresta desfazia-se com o vendaval — ribombava o trovão — faiscavam os raios — o rochedo tremia na sua base. E eu, do meu esconderijo, espiava o que o homem fazia. E o homem tremeu na solidão; — mas a noite foi avançando, dissipou-se, por fim, e o homem sempre sentado no rochedo! 

«Então enfureci-me e amaldiçoei, com o anátema do Silêncio, o rio, os nenúfares, o vento, a floresta, o céu, o trovão e os suspiros dos nenúfares. E com a maldição tudo emudeceu e parou. A Lua estacou imóvel no céu, não se tornou a ouvir o ribombar do trovão, nunca mais faiscaram os raios, nunca mais se deslocaram as nuvens, as águas baixaram ao seu nível e, remansosas, aí se deixaram ficar, as árvores cessavam de ramalhar, não suspiraram mais os nenúfares, nenhum murmúrio deles se tornou a ouvir, nem uma sombra de som se ouviu mais em todo o vasto e intérmino deserto. 

«E olhei para os caracteres gravados no rochedo e vi que tinham mudado — diziam agora SILÊNCIO. 

«Fitei os olhos no rosto do homem — o terror empalidecera-o. E precipitadamente ergueu da mão a cabeça, pôs-se de pé e quedou-se à escuta. Mas do vasto deserto sem fim nenhuma voz lhe chegava aos ouvidos e os caracteres gravados no rochedo diziam SILÊNCIO. O homem, então, estremeceu, desviou o rosto e largou a fugir, e com tamanha pressa que nunca mais o vi.»



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Há belos contos nos volumes dos Magos — nos melancólicos volumes, encadernados em ferro, dos Magos. Há neles, digo, histórias gloriosas do Céu e da Terra e do potente Sol — e dos Gênios que governam o mar, a terra e o alto céu. Havia também muito saber nas falas das Sibilas; e coisas santas eram outrora ouvidas pelas escuras folhas que tremiam em volta de Dodona — mas, por Allah o juro, aquela fábula que o Demônio me contou, sentado a meu lado na sombra de um túmulo, tenho-a como a mais maravilhosa de todas! E quando deu por finda a sua narrativa, caiu para trás, para dentro da cavidade do túmulo e desatou a rir. Eu não pude rir com o Demônio, e então ele amaldiçoou-me por eu não poder rir. E o lince, que eternamente habita no túmulo, saiu e deitou-se aos pés do Demônio; encarando-o fixamente.




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Edgar Allan Poe (nascido Edgar Poe; Boston, Massachusetts, Estados Unidos, 19 de Janeiro de 1809 — Baltimore, Maryland, Estados Unidos, 7 de Outubro de 1849) foi um autor, poeta, editor e crítico literário estadunidense, integrante do movimento romântico estadunidense.[1][2] Conhecido por suas histórias que envolvem o mistério e o macabro, Poe foi um dos primeiros escritores americanos de contos e é geralmente considerado o inventor do gênero ficção policial, também recebendo crédito por sua contribuição ao emergente gênero de ficção científica.[3] Ele foi o primeiro escritor americano conhecido por tentar ganhar a vida através da escrita por si só, resultando em uma vida e carreira financeiramente difíceis.

Ele nasceu como Edgar Poe, em Boston, Massachusetts; quando jovem, ficou órfão de mãe, que morreu pouco depois de seu pai abandonar a família. Poe foi acolhido por Francis Allan e o seu marido John Allan, de Richmond, Virginia, mas nunca foi formalmente adotado. Ele frequentou a Universidade da Virgínia por um semestre, passando a maior parte do tempo entre bebidas e mulheres. Nesse período, teve uma séria discussão com seu pai adotivo e fugiu de casa para se alistar nas forças armadas, onde serviu durante dois anos antes de ser dispensado. Depois de falhar como cadete em West Point, deixou a sua família adotiva. Sua carreira começou humildemente com a publicação de uma coleção anônima de poemas, Tamerlane and Other Poems (1827).

Poe mudou seu foco para a prosa e passou os próximos anos trabalhando para revistas e jornais, tornando-se conhecido por seu próprio estilo de crítica literária. Seu trabalho o obrigou a se mudar para diversas cidades, incluindo Baltimore, Filadélfia e Nova Iorque. Em Baltimore, casou-se com Virginia Clemm, sua prima de 13 anos de idade. Em 1845, Poe publicou seu poema The Raven, foi um sucesso instantâneo. Sua esposa morreu de tuberculose dois anos após a publicação. Ele começou a planejar a criação de seu próprio jornal, The Penn (posteriormente renomeado para The Stylus), porém, em 7 de outubro de 1849, aos 40 anos, morreu antes que pudesse ser produzido. A causa de sua morte é desconhecida e foi por diversas vezes atribuída ao álcool, congestão cerebral, cólera, drogas, doenças cardiovasculares, raiva, suicídio, tuberculose entre outros agentes.

Poe e suas obras influenciaram a literatura nos Estados Unidos e ao redor do mundo, bem como em campos especializados, tais como a cosmologia e a criptografia. Poe e seu trabalho aparecem ao longo da cultura popular na literatura, música, filmes e televisão. Várias de suas casas são dedicadas como museus atualmente.


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Edgar Allan Poe

CONTOS

Originalmente publicados entre 1831 e 1849 2015



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Leia também:


Edgar Allan Poe - Contos: Metzengerstein

Edgar Allan Poe - Contos:  Um Manuscrito encontrado numa Garrafa





Silêncio (áudio-book)




Poe considerava este conto uma fábula. 
A história começa assim: ''Escuta - Disse o Demônio, pondo a mão sobre minha cabeça. A região de que falo é uma lúgubre região da Líbia.''
A seguir vem uma descrição detalhada da tal região. O único acontecimento desta história é o aparecimento de um homem estranho nesta região.
É uma das obras mais curtas e sinistras de Poe.

Adaptação e narração de Carlos Eduardo Valente 
Arte da capa por Erika Pessanha 
Música: Mix de músicas de Pianeiro


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