quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Dom Casmurro: A Caminho

Machado de Assis

Dom Casmurro





CAPÍTULO LIII
A Caminho!



Fui para o seminário. Poupa-me as outras despedidas. Minha mãe apertava-me ao peito. Prima Justina suspirava. Talvez chorasse mal ou nada. Há pessoas a quem as lágrimas não acodem logo nem nunca; diz-se que padecem mais que as outras. Prima Justina disfarçava naturalmente os seus padecimentos íntimos, emendando os descuidos de minha mãe, fazendo-me recomendações, dando ordens. Tio Cosme, quando eu lhe beijei a mão em despedida, disse-me rindo: 

– Anda lá, rapaz, volta-me papa! 

José Dias, composto e grave, não dizia nada a princípio; tínhamos falado na véspera, no quarto dele, onde fui ver se era ainda possível evitar o seminário. Já não era, mas deu-me esperanças e principalmente animou-me muito. Antes de um ano estaríamos a bordo. Como eu achasse muito breve, explicou-se. 

– Dizem que não é bom tempo de atravessar o Atlântico, vou indagar; se não for, iremos em março ou abril. 

– Posso estudar medicina aqui mesmo. 

José Dias correu os dedos pelos suspensórios com um gesto de impaciência, apertou os beiços, até que formalmente rejeitou o alvitre. 

– Não duvidaria aprovar a ideia, disse ele, se na Escola de Medicina não ensinassem, exclusivamente, a podridão alopata. A alopatia é o erro dos séculos, e vai morrer; é o assassinato, é a mentira, é a ilusão. Se lhe disserem que pode aprender na Escola de Medicina aquela parte da ciência comum a todos os sistemas, é verdade; a alopatia é erro na terapêutica. Fisiologia, anatomia, patologia não são alopáticas nem homeopáticas, mas é melhor aprender logo tudo de uma vez, por livros e por língua de homens cultores da verdade... 

Assim falara na véspera e no quarto. Agora não dizia nada, ou proferia algum aforismo sobre a religião e a família; lembro-me deste: “Dividi-lo com Deus é ainda possuí-lo.” Quando minha mãe deu o último beijo: “Quadro amantíssimo!” suspirou ele. Era manhã de um lindo dia. Os moleques cochichavam; as escravas tomavam a bênção: “Benção, nhô Bentinho! não se esqueça de sua Joana! Sua Miquelina fica rezando por vosmecê!” Na rua, José Dias insistiu nas esperanças: 

– Aguente um ano; até lá tudo estará arranjado.




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Texto de referência:

Obras Completas de Machado de Assis, vol. I,
Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994.

Publicado originalmente pela Editora Garnier, Rio de Janeiro, 1899.

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Dom Casmurro: Capítulo XLIX / Uma Vela aos Sábados


Dom Casmurro: Capítulo L / Uma Meio-Termo


Dom Casmurro: Capítulo LI / Entre Luz e Fusco


Dom Casmurro: Capítulo LII / O Velho Pádua


Dom Casmurro: Capítulo LIV / Panegírico de Santa Mônica

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