Machado de Assis
Memórias Póstumas de Brás Cubas
— Quem chegou de São Paulo foi minha prima Virgília, casada com o Lobo Neves, continuou Luis Dutra.
— Ah!
— E só hoje é que eu soube uma coisa, seu maganão...
— Que foi?
— Que você quis casar com ela.
— Ideias de meu pai. Quem lhe disse isso?
— Ela mesma. Falei-lhe muito em você, e ela então contou-me tudo. No dia seguinte, estando na Rua do Ouvidor, à porta da tipografia do Plancher, vi assomar, a distância, uma mulher esplêndida. Era ela; só a reconheci a poucos passos, tão outra estava, a tal ponto a natureza e a arte lhe haviam dado o último apuro. Cortejamo-nos; ela seguiu; entrou com o marido na carruagem, que os esperava um pouco acima; fiquei atônito.
Oito dias depois, encontrei-a num baile; creio que chegamos a trocar duas ou três palavras. Mas noutro baile, dado daí a um mês, em casa de uma senhora, que ornara os salões do primeiro reinado, e não desornava então os do segundo, a aproximação foi maior e mais longa, porque conversamos e valsamos. A valsa é uma deliciosa coisa. Valsamos; e não nego que, ao conchegar ao meu corpo aquele corpo flexível e magnífico,tive uma singular sensação, uma sensação de homem roubado.
— Está muito calor, disse ela, logo que acabamos. Vamos ao terraço?
— Não; pode constipar-se. Vamos à outra sala.
Na outra sala estava Lobo Neves, que me fez muitos cumprimentos, acerca dos meus escritos políticos, acrescentando que nada dizia dos literários, por não entender deles; mas os políticos eram excelentes, bem pensados e bem escritos. Respondi-lhe com iguais esmeros de cortesia, e separamo-nos contentes um do o outro.
Cerca de três semanas depois recebi um convite dele para uma reunião íntima. Fui; Virgília recebeu-me com esta graciosa palavra: - O senhor hoje há de valsar comigo.
— Em verdade, eu tinha fama e era valsista emérito; não admira que ela me preferisse. Valsamos uma vez, e mais outra vez. Um livro perdeu Francesca; cá foi a valsa que nos perdeu. Creio que nessa noite apertei-lhe a mão com muita força, e ela deixou-a ficar, como esquecida, e eu a abraçá-la e todos com os olhos em nós, e nos outros que também se abraçavam e giravam...Um delírio.
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Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo XLVI / A herança
Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo XLVII / O recluso
Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo XLVIII / Um Primo de Virgília
Memórias Póstumas de Brás Cubas: A ponta do nariz: Capítulo XLIX / A ponta do nariz
Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo LI /É minha!
Memórias Póstumas de Brás Cubas
CAPÍTULO L / Virgília casada
— Quem chegou de São Paulo foi minha prima Virgília, casada com o Lobo Neves, continuou Luis Dutra.
— Ah!
— E só hoje é que eu soube uma coisa, seu maganão...
— Que foi?
— Que você quis casar com ela.
— Ideias de meu pai. Quem lhe disse isso?
— Ela mesma. Falei-lhe muito em você, e ela então contou-me tudo. No dia seguinte, estando na Rua do Ouvidor, à porta da tipografia do Plancher, vi assomar, a distância, uma mulher esplêndida. Era ela; só a reconheci a poucos passos, tão outra estava, a tal ponto a natureza e a arte lhe haviam dado o último apuro. Cortejamo-nos; ela seguiu; entrou com o marido na carruagem, que os esperava um pouco acima; fiquei atônito.
Oito dias depois, encontrei-a num baile; creio que chegamos a trocar duas ou três palavras. Mas noutro baile, dado daí a um mês, em casa de uma senhora, que ornara os salões do primeiro reinado, e não desornava então os do segundo, a aproximação foi maior e mais longa, porque conversamos e valsamos. A valsa é uma deliciosa coisa. Valsamos; e não nego que, ao conchegar ao meu corpo aquele corpo flexível e magnífico,tive uma singular sensação, uma sensação de homem roubado.
— Está muito calor, disse ela, logo que acabamos. Vamos ao terraço?
— Não; pode constipar-se. Vamos à outra sala.
Na outra sala estava Lobo Neves, que me fez muitos cumprimentos, acerca dos meus escritos políticos, acrescentando que nada dizia dos literários, por não entender deles; mas os políticos eram excelentes, bem pensados e bem escritos. Respondi-lhe com iguais esmeros de cortesia, e separamo-nos contentes um do o outro.
Cerca de três semanas depois recebi um convite dele para uma reunião íntima. Fui; Virgília recebeu-me com esta graciosa palavra: - O senhor hoje há de valsar comigo.
— Em verdade, eu tinha fama e era valsista emérito; não admira que ela me preferisse. Valsamos uma vez, e mais outra vez. Um livro perdeu Francesca; cá foi a valsa que nos perdeu. Creio que nessa noite apertei-lhe a mão com muita força, e ela deixou-a ficar, como esquecida, e eu a abraçá-la e todos com os olhos em nós, e nos outros que também se abraçavam e giravam...Um delírio.
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Texto-fonte:
Obra Completa, Machado de Assis,
Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994.
Publicado originalmente em folhetins, a partir de março de 1880, na Revista Brasileira.
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Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo XLVI / A herança
Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo XLVII / O recluso
Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo XLVIII / Um Primo de Virgília
Memórias Póstumas de Brás Cubas: A ponta do nariz: Capítulo XLIX / A ponta do nariz
Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo LI /É minha!
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