Ensaio 32B
baitasar
— Ocê sabe com quem está falando?
Mifioneto,
essa deve sê a pergunta qui a fidalguia mais ensinô os fio fazê, pra modo de
calá os miserável. Tá mintendendo? Eles pergunta e não responde, deixa qui a
resposta fique dentro de ocê, roendo a coragem e a vontade de lutá. Eles mostra pros fio como é qui se faz fazendo, num tem meió exemplo pros fio qui o pai cumpridô do qui promete. Faz os
desafortunado creditá qui tem na frente um inimigo maió qui sua força de lutá,
pelo menos, é o qui eles qué fazê ocê pensá
— Cuidado! Ocê não sabe com quem está se
metendo...
Com
o tempo de uso, a mesma pergunta mudô um pouquinho aqui, outro ali, e se
alastrô nas teia da fidalguia parasita qui adora dizê qui ela é qui trabaia e
faz a riqueza de tudo isso. E foi se enfiando, criando o costume de creditá ela
mesma qui foi assim, é assim, vai sê sempre assim, aumentando o gosto de sê obedecida
sem pergunta. Inté qui esse seu jeito dominadô chegô nas pulícia, nas justiça,
nos doutô, nos jornalista de imprensa,
qui parecia qui ia escapá dos parasita, mais não escapô. O mifioneto já deve de
tê escutado da professora
— A professora aqui sou eu, cala a boca!
Eu
sempre desconfiei qui isso não é jeito de educá diferente, mais o véio modo de
ensiná das fidalguia, Ocê sabe com quem tá se metendo?, mais vai chegá o dia
qui os minguado de pobre vai amotiná de sê tratado arrogante pelos patrício,
vai aprendê gritá
— E ocê sabe com quem está gritando?
No
tempo do preto Josino, esse jeito parasita já tinha chegado nos funcionário do
imperadô.
O
imperadô representava o interesse público, se o mifioneto querê oiá esse tal
interesse, como sendo a fidalguia parasita, o guri acertô. Era esses qui o
imperadô representava. Assim, quem o imperadô convocava pra sê o representante
alegórico dele, na verdade, falava e escutava e mandava por ele junto da
fidalguia aproveitadora, qui nunca instruiu pra educá, mais pra obedecê. E se
as lei do império governa o comportamento do cidadão, e os preto não era
cidadão, mais uma mercadoria do ferramental do trabalho nas plantação ou um
utensílio de uso nos casarão, então, ele era alguma coisa qui não podia tê comportamento,
só obrigação.
Tá
mintendendo? Tá entendendo por que ocê tá sentado nesse banco de cobradô e não
tá no banco da escola?
O
imperadô é soberano!
Faz,
autoriza, determina o cumprimento das lei, pra dá conta de tudo isso, nomeia as
indicação das fidalguia pros serviço público. O imperadô é assim, no mesmo
tempo, a paz e a força. O podê tudo pode com dureza ou brandura, crueldade ou
fleuma, coação ou docilidade, ele constrange ou libera; tem vez qui é veemente,
mais tem otras qui é desanimado. E quando ele é uma coisa ou otra? Ele decide
nas suas comodidade e interesse.
As
fidalguia qui o imperadô escolhe e promove faz a incumbência suja com as suas
concordância. Quando qué é rápido, decidido e cruel. Mais quando não qué sê
duro, fica um docinho de coco. Daí, desse tempo, o dito do povo, O rigô das lei
é pros inimigo, as bondade das lei é pros amigo. Ele fez as lei assim, com
generosidade e ruindade, e escolhe em quem aplicá uma ou otra.
Foi
fácil, assim. É fácil, assim.
As
vista grossa e os favorecimento das lei é a generosidade com a fidalguia
parasita. As ruindade das lei é pros miserável, os pobre e as puta; a justiça
da ruindade ou generosidade não é pros preto. Os preto tá mais embaixo.
Tá
mintendendo? Já consegue vê como ocê foi jogado nesse banco de trocadô de
passagem? Alguém tinha qui sê, ocê foi escolhido antes de saí da barriga da sua
mãe. Já tá vendo por que os fio da fidalguia fica com as meió indicação do
imperadô?
— Mas Avó, já não temos mais Imperador.
Isso acabou fazem mais de cem anos... a escravidão foi abolida. Os negros são
livres!
— Já vi qui o mifioneto só enxerga o qui a
fidalguia parasita diz pra oiá. O imperadô saiu, diga-se de passagem,
calmamente, sem maió susto pra ele e os qui ficô. E quem foi qui ficô? A
fidalguia tomô o seu lugá, por isso, não saiu junto. Nunca saiu depois qui
chegô.
— Isso eu sei, viramos uma República!
— De golpes e tramoia! E sabe por quê?
Continuamô a sê dominado pelos parasita qui faz ocê ficá aqui, nesse banco,
enquanto eles prende e julga quem eles qué, faz as lei qui qué, diz o qui qué e
só escuta o qui qué das suas conveniência. É pouco?
Os
parasita faz as lei, executa e aplica, ocê tá mintendendo? Ocê e eu, os preto,
os pobre e as puta vivemô na ditadura da fidalguia parasita. E se ocê quisé
sabê quem é essa gente, tem qui aprendê oiá e escutá. Eles são egoísta e tem
gosto de dizê bem grande com a voz branca, às vezes, dura, otras macia, é a tal
da conveniência
— A nossa Vila é o lugar da liberdade, da
ordem e do progresso. — mais não diz quisso tudo é pra eles, as fidalguia parasita.
Tirei
os olhos do corredor do ônibus, um instante, minha desatenção deve ter durado
menos que um piscar, quando procurei a Avó ela não tava. Largou o tambor,
ensaiava os passos da dança para sua Rainha.
Girava,
girava e girava num branco e azul. Os olhos fechados. O mar, as algas, a
estrela-do-mar, os peixes. O arco-íris de Oxumarê. A mãe dos orixás. Os
passageiros batiam palmas e cantavam, celebravam a Senhora de todas as cabeças.
Cantavam os orixás. Festejavam. A Avó abria os caminhos
— Ela tá girando
É a Rainha do mar
O
João Torto parou o carro e desceu. Caminhava na areia, para um lado e outro,
com um charuto entre os dedos, indicador e o maior de todos da mão direita; na
outra mão, carregava uma garrafa de cachaça. Fumava e bebia enquanto falava a
língua dos orixás. Não sei onde ele guardava os utensílios
— Ô João! João Torto! — não parecia ser
mais ele.
Os
passageiros iam descendo e formando um círculo na volta da Avó e do Preto Véio. Lá dentro tava a África. A terra perdida. O homem comprido que estava enfiado na janela do teto desceu com o tambor na
mão. Foi ele que começou a batucada, é bem assim, não sabemos o que nos cabe
até que desistimos da busca inútil de ter tudo
— Ela tá
chegando
É a Rainha do mar
A
Avó girava, o Preto Véio ia e vinha, os dois no meio da cantoria e da roda de
gente. O terreiro no ônibus dos passageiros. A nostalgia, a areia molhada, o manto azul
voante, flutuante. Uma garoa fininha que parecia subir nas espumas das águas
molhava as cabeças. A Mãe das águas do mar estava abençoando o batuque que não
parava
— Iansã
cadê Ogum
Foi pro mar
A
mãe e os filhos correndo, dançando, cantando. Iemanjá e os seus dez filhos. A
professora e a sua bolsa aberta olhavam de longe, ela carregava nas mãos flores
coloridas: marrom, vermelha e branca. Foi se aproximando da roda até que fechou
os olhos e começou a girar. A bolsa sorria para a professora girando, cantando,
dançando. Batiam palmas, cantavam alto
— Mas
Iansã cadê Ogum
Foi pro mar
A
velhinha carregava um tabuleiro com cocadas coloridas: branca, verde e
azul-real. Ela girava alegre, me olhava e chamava, até que fechou os olhos
— Olha aqui fora! Vem olhar!
Os
tambores, os agogôs, os xequerês e adjás. Os homens e mulheres da roda davam
vivas, batiam palmas, Iemanjá, Iansã, Ogum, os orixás dançavam com o corpo da
Avó, João Torto e a professora. Estavam de novo acostumando com os humanos. O
Céu ajuntado à Terra. Os humanos e os orixás felizes
— Eu vi, Avó!
Um
preto do tamanho mais alto tava escorado num poste. Parecia uma montanha. Tinha
a envergadura do varapau qui escorava. Um no otro. Olhava direto nos óio do
guri. Usava um riso zombateiro qui fazia qualqué um hesitá. Parecia cara de
nojo, mais não era nojo, talvez desdém, um oiá de negligência com as descoberta
do guri. O preto não tinha cortejo, só a confiança própria de quem carrega a
verdade, mesmo qui o carregamento da retidão e honestidade não lhe dê nem a
liberdade, nem a bondade, apenas a dô da injustiça desalmada, sem um pouquinho
qui seja da compaixão do Jesus branco.
Um
oiá mais atento nos detalhe e se via qui o preto escorado no poste da luz ficava
mais maió qui o poste. Olhando mais alerta e cuidadoso dava pra vê qui ele
carregava no corpo as marca dos lanho. E não parava de crescê. As mão gigante
de carregá a escravatura segurava um lápis e um apontadô. Enfiava o lápis no
apontadô e girava o lápis té descascá e afiná a ponta. Agachava té o chão e
riscava a terra. Depois alevantava, girava o lápis no apontadô té descascá e
afiná a ponta. Agachava té o chão e riscava a terra. Na volta dos pé, um
amontoado de casca da serraria do lápis cobria té as canela preta
— Ocê viu o quê, mifioneto?
O
preto de tamanho muito grande continuava apontando o lápis e escrevendo na
terra, té qui ele cortô e levantô o chão, fez siná com os óio, o guri precisava
oiá os escrito qui o sopro dos orixá tinha deixado na terra, tava na língua da
criação, Iorubá, pra não sê misturado com as poeira dos branco misericordioso,
os dono da escravatura. Os dono do céu branco qui eles comia e bebia nos
domingo.
O
preto agigantado carregô o chão nas mão té o guri, repetiu o oiá e esperô. A
cantoria aumentô, as palma e o batuque ajuntô mais o Céu dos orixá com a Terra
dos humano, té qui se ajuntô tudo no guri
— Ocê precisa estudá pra ocê mesmo, mais
também, por tudo qui tá em ocê dos mais antigo; por todo preto e toda preta que
é ocê, e os qui vão chegá de ocê. Os dono da escravatura dos preto ainda não se
libertô dos gosto do sangue nos lanho e na chibata. Sente prazê em acorrentá.
Esses branco qui não se libertô creditá qui é dono dos preto. Ocê precisa
ensiná qui ninguém é dono dos preto. Ninguém devia sê dono de ninguém. Pega o
lápis e o apontadô
— Eu vi o pobre cadeiado, o cuspe nas puta
e a borracha nos preto!
Oiei
o guri com as água dos óio subindo té em cima, no ponto de derramá. Não queria
fazê choro. Fiz força pra segurá as água do carinho e da tristeza. Virei os óio
na direção do poste da luz, mais o preto não tava, caminhava seu caminho sem
oiá atrás, solitário e deslembrado, té qui chorei de raiva e a danação me deixô
mais atrevida e forte pra dizê
— É assim faz muito tempo, mifioneto!
É
assim desde qui o primeiro preto pisô na Vila escravizado, era o tempo da
carregação dos preto pra trabaiá e colocá comida na boca das fidalguia
preguiçosa e hipócrita. Os branco da fidalguia mentirosa, desmemoriada das
crueldade que fez, e continua tentando fazê, jura qui não é verdade. Tudo
invencionice dos preto, dos pobre e das puta qui não gosta de trabaiá. Eles faz
pouco caso, e repete té alguém creditá
— Aqui na Vila, ninguém é preso ou morre
porque é negro. O problema deles não é a cor, é a burrice que vem do berço. — a
hipocrisia é uma das parte do parasita, o corpo e o sangue das domingueira
alivia as fraqueza e intolerância dos otros dia. Pra gente assim, não descendo
a borracha no lombo dos fio da fidalguia, tá tudo certo, a verdade das coisa tá
dita e tá feita, se apanhô tava merecendo, se foi cadeiado alguma coisa há de
tê feito; otra das parte da fidalguia, além de vivê acostumada com as bondade
das lei, é a parte qui gosta de fazê caridade com o cu dos otro
— E essas putas vagando pelas margens do
rio? O que Vossa Excelência tem a dizer?
— Poderiam trabalhar no serviço doméstico.
O lugar da mulher não é na rua se oferecendo, mas não querem largar essa vida
fácil.
— Não querem.
— Eu sei, preferem continuar onde estão.
Na rua. Não tem muita coisa que eu discorde de Jesus e as suas misericórdias,
mas defender as prostitutas foi demais. Deviam ser condenadas ao ostracismo.
Francamente, sinhô Ouvidor, foi um desserviço essa historinha da primeira
pedra. Muita misericórdia para quem não merece.
Isso
já dura tanto tempo qui té o tempo desanima e gosta de creditá qui os branco é
um doce e o inferno dos branco é meió qui o céu dos preto
— Mas há quem devemos a convocação dessa
reunião no Sanctuário? Por certo, não foi para ouvirmos um do outro o que já
conhecemos dos negros e das prostitutas.
O
oiá dos dois homem se cruzô de lado a lado, no recinto escurecido. Parecia dois
risco de relâmpago preparando à tempestade, a chegada dos ventos e a descida
das água. As janela fechada ajudava trazê mais abafamento antes da tormenta,
como se ela não pudesse desabafá o prazê da traição
— Vim à pedido do nosso Governador que se
sente honrado por Sua Excelência receber esse humilde servidor. E mais humilde
ainda, como Ouvidor-Geral da Vila, um
lugar de homens fortes e destemidos, prontos à luta e lealdade ao nosso
Governador.
E
o pió é qui eles achava graça nesses galanteio e boniteza de falá enquanto
decidia o qui é certo, o qui é errado, quem valia a pena prendê, quem não
valia, quem devia tomá um susto e quem nem merecia sê lembrado. Era quando se
convenciam de julgá e não julgá. Eles tinha tempo de resolvê o qui precisava sê
dito e o qui carecia de fazê silêncio, sabe como é, cara de paisagem, fazê de
conta qui não viu, não escutô, não ficô sabendo. A sua excelência costumava repetí
aos próximo da sua amizade, como um siná de atrevimento
— A abundância de poderio e podridão da
Irmandade obriga o cuidado de não entrar em reunião, nem fazê o julgamento dos
associados sem que tudo tenha sido tratado.
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