Fecho os olhos e imagino o Velho
baitasar
Sábado
à noite... quarenta e cinco anos depois.
Estou
sozinho na frente da televisão. Não tinha motivos que me incendiassem para ver
essa festa de reinauguração do estádio colorado. Confesso que me tornei um
espectador morno e descrente do futebol. Mais um negócio no mundo dos espetáculos.
Ouvia jornalistas pagos para se dizerem isentos e profissionais. Não consigo esquecer
que estão a serviço do patrão que os despacha para capturar mentes e
corações. São piores que nossos partidos políticos falidos. Fazem política e juram que não. Quanto mais eles juram que são os mocinhos honestos e sinceros, mais se parecem e atuam como manipuladores, hipócritas e mentirosos. São negociantes. Não são revolucionários. Monitoram e conspiram contra revoluções. Não
são guerrilheiros. Custam muito dinheiro. São escravos das ordens do patrão. Recuso a tutela do medo e do comércio que tentam vender sobriamente. Mercadores profissionalmente. Todos temos patrão, mas não precisamos tocar o bumbo, as cornetas e mostrar as nalgas de uma maneira tão servil e televisiva.
Assim,
estava ali, absorvido pelo descaso enquanto esperava o espetáculo dos mercadores. Ouvindo sem escutar. Descrente
das minhas emoções do mundo futebol clube. Esqueci-me delas propositalmente. Decisão estratégica corporificada ao longo dos anos para não ser manipulado em nome desse
espetáculo de chutes e defesas. Como se fosse possível não ser manipulado por heróis ou bandidos. Boi, boiada e reis.
E
às 20 horas, exatamente, o espetáculo começou.
Uma
história bem contada conspira a favor da poesia. E a poesia do passado com meu
pai entrou no quarto. Eu e ele estávamos ali, juntos. O amor pelo vermelho me
deixou doidão de saudades da mão dentro da mão. Caminhos feitos para o Estádio
dos Eucaliptos, estádio dos anos anteriores ao Estádio Beira-Rio, o bonde, as
ruas no bairro Menino Deus, a mão do filho, a minha mão dentro da mão do pai.
Saudades daquelas manhãs, daqueles dias. E cada personagem lembrado me fez
chorar a saudade deste tempo vivido. Um tempo do pai com o filho. Um tempo do menino. Uma bandeira vermelha na mão enquanto a outra mão guiava a mão do pai, também. Descendo a Praia de Belas para o jogo, subindo a mesma Praia de Belas até a Praça Rui Barbosa (hoje o Camelódromo!), depois do jogo.
As
luzes vermelhas desta noite se misturavam com as lágrimas das derrotas e
vitórias em campo. O campo do jogo onde tudo pode acontecer. Um campo que pode nos ensinar o respeito pela diferença do outro. Houveram tantos jogos com a mão do filho na
mão do pai. A mão desse homem sempre me fez caminhar. Buscar minhas vitórias,
gritar meus golos. Enfrentar meus medos. Estávamos na coreia do Beira-Rio em 1969, atrás dos reservas do Inter, e dali vi o primeiro gol. As memórias perdem as datas e se desgovernam das horas. Da arquibancada inferior, abaixo do placar eletrônico (lembram?) vi os golos do Figueroa, Flávio Bicudo, Dadá Maravilha, Valdomiro, Falcão. Vibrei com as defesas do Gainete, Schneider, Manga. Gritei por meus ídolos da zaga: Claudio, Vacaria, Jorge Andrade, Pontes, Scala e Figueroa. Os meio-campistas Tovar, Carbone, Dorinho, Bráulio, Escurinho, Sergio Galocha, Caçapava, Paulo Cesar Carpegianni. E o Lula (tinha que ter um Lula). Homens técnicos como Daltro Menezes, Rubens Minelli, Ênio Andrade, Dino Sani. Nunca os chamei de burros. Os gritos da euforia e o abraço em meu pai. Não lembro se era eu a abraçá-lo ou ele me abraçando. Isso não importa. Na saída, lá estava a mão voltada para dentro da mão do pai. Existe um Pai nosso, eu tenho um Pai meu.
Que
essa noite fique na memória de outros pais e mães, filhos e filhas. Esqueçam o espetáculo televisivo se o quiserem, mas não esqueçam da mão dentro da mão.
Ser
grande não é o dinheiro que você possa ter, mas os espíritos iluminados de
vermelho que você consegue reunir enquanto a chaleira começa cantoria de
fervura. A água está pronta. A cuia com a erva-mate, a água calorosa, a bomba.
Sinto a algazarra do pampa vermelho me descendo pelo gargalo estreito do
pescoço para gritar
— Vamos, vamos, vamos! Inter!
Entenderam por que me senti tão menino? A minha mão continua dentro da mão do
pai. E
solucei doidão de saudades. Tudo são motivos para não esquecer. As memórias precisam reencontrar seus caminhos dentro de nós, quando isso acontece não ofereço nenhuma resistência.
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