domingo, 13 de abril de 2014

XVI – Mitologia dos Orixás: Euá [114] [115]

Euá
Reginaldo Prandi
Euá transforma-se numa fonte e sacia a sede de seus filhos
Havia uma mulher que tinha dois filhos, aos quais amava mais do que tudo. Levando as crianças, ela ia todos os dias à floresta em busca de lenha, lenha que ela recolhia e vendia no mercado para sustentar os filhos. Euá, seu nome era Euá e esse era seu trabalho, ia ao bosque com seus filhos todo dia.
Uma vez, os três estavam no bosque entretidos quando Euá percebeu que se perdera. Por mais que procurasse se orientar, não pode Euá achar o caminho de volta. Mais e mais foram os três se embrenhando na floresta. As duas crianças começaram a reclamar de fome, de sede e de cansaço.
Quanto mais andavam, maior era a sede, maior a fome. As crianças já não podiam andar e clamavam à mãe por água. Euá procurava e não achava nenhuma fonte, nenhum riacho, nenhuma poça d’água. Os filhos já morriam de sede e Euá se desesperava.
Euá implorou aos deuses, pediu a Olodumare.
Ela deitou-se junto aos filhos moribundos e, ali onde se encontrava, Euá transformou-se numa nascente d’água. Jorrou da fonte água cristalina e fresca e as crianças beberam dela. E a água matou a sede das crianças. E os filhos de Euá sobreviveram. Mataram a sede com a água de Euá.
A fonte continuou jorrando e as águas se juntaram e formaram uma lagoa. A lagoa extravasou e as águas mais adiante originaram um novo rio. Era o rio Euá, o Odô Euá.
[114]

Euá transforma-se na névoa
Euá era filha de Nanã.
Também filhos de Nanã eram Obaluaê, Oxumarê e Ossaim. Esses irmãos regiam o chão da Terra. A terra, o solo, o subsolo, era tudo propriedade de Nanã e sua família.
Nanã queria o melhor para seus filhos, queria que Euá casasse com alguém que a amparasse. Nanã pediu a Orunmilá bom casamento para Euá.
Euá era linda e carinhosa.
Mas ninguém se lembrou de oferecer sacrifício algum para garantir à empreitada. Vários príncipes ofereceram-se prontamente a desposar Euá. E eram tantos os pretendentes que logo uma contenda entre eles se armou. A concorrência pela mão da princesa transformou-se em pugna incessante e mortal.
Jovens se digladiavam até a morte. Vinham de muito longe, lutavam como valentes para conquistar sua beleza. Mas a cada vencedor, Euá não se decidia.
Euá não aceitava o pretendente. Vinham novos candidatos e outros combates. Euá não conseguia decidir-se, ainda que tão ansiosa estivesse para casar-se e acabar de vez com o sangrento campeonato.
Tudo estava feio e triste no reino de Nanã; a terra seca, o sol quase se apagara. Só a morte dos noivos imperava. Euá foi então à casa de Orunmilá para que ele a ajudasse a resolver aquela situação desesperadora e pôr um fim àquela mortandade.
Euá fez os ebós encomendados por Ifá.
Os ventos mudaram, os céus se abriram, o sol escaldava a terra e, para o espanto de todos, a princesa começou a desintegrar-se. Foi desaparecendo, perdendo a forma, até evaporar-se completamente e transformar-se em densa e branca bruma.
E a névoa radiante de Euá espalhou-se pela Terra. E na névoa da manhã Euá cantarolava feliz e radiante. Com força e expressões inigualáveis cantava a bruma. O Supremo Deus determinou então que Euá zelasse pelos indecisos amantes, olhasse seus problemas, guiasse suas relações.
[115]
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Leia também:
XV – Mitologia dos Orixás: Oxumarê [109] [110]
XVII – Mitologia dos Orixás: Xangô [123] [124]

Reginaldo Prandi, paulista de Potirendaba e professor titular de sociologia da Universidade de São Paulo, é autor de três dezenas de livros. Pela editora Hucitec publicou Os candomblés de São Paulo, pela Edusp, Um sopro do Espírito, e pela Cosac Naify, Os príncipes do destino. Dele, a Companhia das Letras publicou também Segredos guardados: orixás na alma brasileiraMorte nos búziosIfá, o AdivinhoXangô, o TrovãoOxumarê, o Arco-ÍrisContos e lendas afro-brasileiros: a criação do mundoMinha querida assombraçãoJogo de escolhas e Feliz Aniversário.


Prandi, Reginaldo. Mitologia dos Orixás / Reginaldo Prandi; ilustrações de Pedro Rafael. - São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

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