Euá
Reginaldo
Prandi
Euá
transforma-se numa fonte e sacia a sede de seus filhos
Havia
uma mulher que tinha dois filhos, aos quais amava mais do que tudo. Levando as
crianças, ela ia todos os dias à floresta em busca de lenha, lenha que ela
recolhia e vendia no mercado para sustentar os filhos. Euá, seu nome era Euá e
esse era seu trabalho, ia ao bosque com seus filhos todo dia.
Uma
vez, os três estavam no bosque entretidos quando Euá percebeu que se perdera.
Por mais que procurasse se orientar, não pode Euá achar o caminho de volta.
Mais e mais foram os três se embrenhando na floresta. As duas crianças
começaram a reclamar de fome, de sede e de cansaço.
Quanto
mais andavam, maior era a sede, maior a fome. As crianças já não podiam andar e
clamavam à mãe por água. Euá procurava e não achava nenhuma fonte, nenhum
riacho, nenhuma poça d’água. Os filhos já morriam de sede e Euá se desesperava.
Euá
implorou aos deuses, pediu a Olodumare.
Ela
deitou-se junto aos filhos moribundos e, ali onde se encontrava, Euá
transformou-se numa nascente d’água. Jorrou da fonte água cristalina e fresca e
as crianças beberam dela. E a água matou a sede das crianças. E os filhos de
Euá sobreviveram. Mataram a sede com a água de Euá.
A
fonte continuou jorrando e as águas se juntaram e formaram uma lagoa. A lagoa
extravasou e as águas mais adiante originaram um novo rio. Era o rio Euá, o Odô
Euá.
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Euá
transforma-se na névoa
Euá
era filha de Nanã.
Também
filhos de Nanã eram Obaluaê, Oxumarê e Ossaim. Esses irmãos regiam o chão da
Terra. A terra, o solo, o subsolo, era tudo propriedade de Nanã e sua família.
Nanã
queria o melhor para seus filhos, queria que Euá casasse com alguém que a
amparasse. Nanã pediu a Orunmilá bom casamento para Euá.
Euá
era linda e carinhosa.
Mas
ninguém se lembrou de oferecer sacrifício algum para garantir à empreitada. Vários
príncipes ofereceram-se prontamente a desposar Euá. E eram tantos os
pretendentes que logo uma contenda entre eles se armou. A concorrência pela mão
da princesa transformou-se em pugna incessante e mortal.
Jovens
se digladiavam até a morte. Vinham de muito longe, lutavam como valentes para
conquistar sua beleza. Mas a cada vencedor, Euá não se decidia.
Euá
não aceitava o pretendente. Vinham novos candidatos e outros combates. Euá não
conseguia decidir-se, ainda que tão ansiosa estivesse para casar-se e acabar de
vez com o sangrento campeonato.
Tudo
estava feio e triste no reino de Nanã; a terra seca, o sol quase se apagara. Só
a morte dos noivos imperava. Euá foi então à casa de Orunmilá para que ele a
ajudasse a resolver aquela situação desesperadora e pôr um fim àquela
mortandade.
Euá
fez os ebós encomendados por Ifá.
Os
ventos mudaram, os céus se abriram, o sol escaldava a terra e, para o espanto
de todos, a princesa começou a desintegrar-se. Foi desaparecendo, perdendo a
forma, até evaporar-se completamente e transformar-se em densa e branca bruma.
E
a névoa radiante de Euá espalhou-se pela Terra. E na névoa da manhã Euá
cantarolava feliz e radiante. Com força e expressões inigualáveis cantava a
bruma. O Supremo Deus determinou então que Euá zelasse pelos indecisos amantes,
olhasse seus problemas, guiasse suas relações.
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Leia também:
XV – Mitologia dos Orixás: Oxumarê [109] [110]XVII – Mitologia dos Orixás: Xangô [123] [124]
Reginaldo Prandi, paulista de Potirendaba e professor
titular de sociologia da Universidade de São Paulo, é autor de três dezenas de
livros. Pela editora Hucitec publicou Os candomblés de São Paulo, pela Edusp, Um sopro do
Espírito, e pela Cosac Naify, Os príncipes do destino. Dele, a
Companhia das Letras publicou também Segredos guardados: orixás na alma
brasileira; Morte nos búzios; Ifá, o Adivinho; Xangô, o
Trovão; Oxumarê, o
Arco-Íris; Contos e lendas afro-brasileiros: a criação do mundo; Minha querida
assombração; Jogo de escolhas e Feliz Aniversário.
Prandi, Reginaldo.
Mitologia dos Orixás / Reginaldo Prandi; ilustrações de Pedro Rafael. - São
Paulo: Companhia das Letras, 2001.
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