Parábolas de uma Professora
sementes germinantes
baitasar e paulo e marko
II
Professor Aguinaldo, permita-me uma pequena observação.
O que foi Marko?
esse é o altíssimo, nosso diretor
O professor Paulo estava descrevendo a esperança e gostaria de ouví-lo concluir...
Paulo...
Obrigado, professor Aguinaldo. Caro Marko, a esperança no homem e na mulher, independentemente da maneira como se manifesta e se diz pertencente e querendo a humanidade que nos habita, é permanentemente mobilizada para recriar as condições humanas de ser mais. Esperar o que se deseja é o natural, a necessidade que transcende a biologia e vem se assentar em nossa condição humana, no desejo que existe na palavra e na reflexão que impregna nossa ação. E é esta palavra carregada com nossos desejos que aviva a práxis voltada para o humano que se quer sendo mais humana, recriadora das possibilidades e oportunidades que nos aproximam. Sonhar esperança é pensar a vida com um chá refrescante de hortelã, na xícara em nossas mãos. Quentinho e aconchegante. Tomado delicada e decisivamente sem esperar que amorne ou esfrie. A esperança do chá está na sua delicadeza e na sua maneira diferente de observar e influir na vida, na saúde da existência, na ausência de agressões e resultados inflamados por fármacos pedagógicos tirânicos e imediatistas.
a pedagogia antibiótica se revela eficaz para acabar com o analfabetismo porque acaba com o analfabeto. antes dos conteúdos está o amor capaz de nos aliviar aos poucos um pouco mais, antes que o tempo veloz nos engula e nos impeça de estarmos juntos, descobrindo que o amor não é paz, mas a contradição do outro e da outra em mim mesmo. assim, a diversidade pode ajudar o mundo a mudar
O Paulo é um obstinado no crédito que dá ao ser humano educador.
Querido Acácio, fico pensando naqueles e naquelas desesperançadas por pura teimosia, se negam existindo e fazendo o seu teatro histórico, têm medo de narrar e se negam registrar a sua biografia, não acreditam que podem formatar a sua própria fábula, se fogem da amorosidade. Não se acreditam e impedem aos seus alunos esperançados de se acreditarem, se jogam de cabeça no abismo da fatalidade e do destino, se proíbem de acreditar em si e nos outros e outras, se julgam menores ou maiores conforme o tamanho do interlocutor ou da entrevistadora, estão jogados nas águas oceânicas da vida e se deixam embalar até o naufrágio na primeira tempestade, que cedo ou tarde virá. Navegam na desesperança e na aposta imoral que os ventos não mudam, não circulam, não aumentam, os vagalhões não existem, são frutos da imaginação, e por isso, também, se impedem de imaginar e sonhar. Os desesperançados têm medo de encontrar a verdade nos pesadelos das suas fantasias e ilusões opressoras, teimam que a esperança não existe como um ato de mudança, como um fato do cotidiano, como uma xícara com chá de hortelã.
o destino pode ser torcido e retorcido até a dor intensa da consciência ou ficar dominado moralmente pelos desatinos do medo. em verdade vos digo, se não acreditamos no que fazemos é porque acreditamos que o que fazemos não vai mudar nada do que sempre foi assim. não cremos que existe beleza no trabalho de educar com esperança na palavra do outro que nos educa, juramos jocosamente que não existe o outro que nos educa, quer gritar dentro de mim, a desesperança maliciosa e ordeira, mas a faço calar-se. mentira! grito para mim mesma, existimos nos educando juntos, nas histórias vividas ora com um, ora com outra, nada é igual o tempo todo, mas nem querem entender
Professor Paulo, ninguém aqui, ficaria surpreso ou atônita se lhes afirmasse que o coletivo de professores não existe com sentido pedagógico nas escolas, pelo menos, nas quais perambulei nestes trinta e tantos anos de reuniões, espantos, crises, bolos de aniversário, almoços, piadas, reclamações, licenças, abandonos. Nunca vi planejamento e sentido coletivo nas ações pedagógicas, escutei muitos sonhos, presenciei muitas discussões e tentativas, que não passaram de desejos de uns poucos e poucas. O que nos impede de existirmos como um coletivo de professores por certo não é a falta de espaço para discussões pedagógicas. Aqueles de nós que não têm espaço pedagógico de discussão em suas escolas poderão, justamente, dizer que não é verdade, a falta de espaços de discussão do pensar pedagógico nos leva ao isolamento no fazer educação. Mas o que dizer daquelas escolas que contemplam horários sistemáticos, semanais ou quinzenais, para reuniões pedagógicas e não conseguem um sentido coletivo. Aqui não estou me referindo ao senso corporativista, sentimento de classe, mas a um fazer e pensar educação coletivamente, incluindo, especialmente, pais e mães e alunos e alunas, que têm o direito de nos dizer qual a educação que desejam para si, para seus filhos e filhas.
precisamos escutar o que esperam de nós, professores e professoras. oramos o discurso pedagógico do alto do púlpito catedrático, para mostrar-lhes que somente nós entendemos educação escolar. nada têm a nos dizer será? os gestores da escola, seus diretores e diretoras, desempenham seu papel de desvelar para a comunidade a necessidade de pais, mães, alunos e alunas críticos em relação ao desempenho dos educadores? ou será que temos gestores sem direção, apenas, corporativos, elevando-se no ar só por voar, sem sonhos, lhes basta acomodar os ventos e os desejos, perguntas, perguntas... corro atrás de uns goles de chá preto.
Querido Marko, invejo quem na sua esperança mobiliza a realidade a sua volta na busca da transformação, não sou queixoso, minha inveja não é invejosa, não é melancólica, é alegria. Precisamos pensar e atuar com esperança e não nos deixarmos invadir pela desesperança do mundo, do outro e a nossa própria, formatada nos momentos de desilusão com o cotidiano. Criemos com as nossas mãos e coração o mundo da esperança, da igualdade social, do pensamento livre e da voz que não se cala, mesmo quando tagarela ou aprisionada e submetida ao silêncio pelo poder de homens e mulheres sem afetividade na alma. Saudemos a escola que brilha por estar e se manter sempre atenta à diversidade, às diferenças, não para jogá-las em um gueto ou em uma estufa, em uma ação estulta, nem em uma sala de aula, mas para se aproximar do verdadeiro combate corpo a corpo, mantendo-se ética e verdadeira na sua luta contra um mundo excludente e falso, que valoriza o ter mais e esconde sob as mentiras das armas e da mídia a nossa necessidade ontológica de ser mais. Saudemos a escola que, antes de pensar o que vai ensinar a tantas pobres e ricas almas, não quer que desapareçam como almas do outro mundo, no cotidiano de avaliações e aprovações e reprovações cartesianas, mas discute com todos e todas o que existe e se transforma na fecundidade frágil entre o certo e o errado.
É o destino?
Por certo, não é o destino, Acácio, mas os atos e omissões de homens e mulheres que acreditam em si, em vós e, também, em nós, como sujeitos e sujeitas deste fazer renovador e que pretendem incinerar a neutralidade estúpida porque curta de inteligência e orelhuda ou mal intencionada.
É indispensável à esperança o coletivo. Não sei, se a sociedade vê nos professores e professoras um exército de salvação que marcha, marcha e marcha até cair em um abismo; também não sei, se nos vemos soldados dessa massa de seguidores de tarefas, nem tampouco posso afirmar se individualmente somos convocados para integrar esse contingente salvacionista. Não tenho certeza da existência de um outro exército, o exército do extermínio. Mas afirmo que, se não nos constituímos no coletivo, somos facilmente cooptados e aliciadas pelo exército da desesperança, do desamor, do desânimo e das lamúrias. De modo caricatural se pode dizer que se criam as condições para uma grande escola de gritos e silêncios.
interfere o professor Adail, olhos arregalados parecendo assustado com a ousadia própria. começo a me sentir envolvida nesta conversa de esperança e de fazer, quero a possibilidade da esperança, preciso afastar este cansaço que imobiliza, arredar-me deste atribuir ao destino tudo o que acontece.
Professor Paulo, partindo desta visão de construção coletiva fica mais fácil entender o aprendizado por ciclos de formação, onde o todo interfere na construção do indivíduo, e este, por sua vez, sente-se parte integrante e necessária nestas construções coletivas, capaz de se construir, bem como, constituir o outro.
Bem como, o aprendizado nas totalidades da escola para jovens e adultos.
Como organizar um coletivo com visões de mundo tão diferentes?
Quanta conversa vazia! Ofélia, explica aos queridinhos da esperança que só produzimos na prática um imenso vácuo. Perco minutos, horas das minhas aulas discorrendo sobre as maneiras, ou melhor, as nenhumas maneiras que têm. Falo, falo, falo e nenhuma reação.
E eu só consigo atingir os limites do conselho: Quem não quer estudar fique em casa! Demarco com precisão, efetuando exercícios de tiro com canhões, torpedos ou outras armas: Não precisa vir! Olhem o exemplo, desta menina morta em assalto, morte de bandido!
nas cabaybas e ofélias, o fazer do mesmo jeito atravessa os séculos, é romano e uma doutrina filosófica, sua instituição clerical, os dogmas atravessadores da sua alma são universais, bancários e constituem sua força e resistência, faz de muito longe o tempo em que andava descalça. ninguém merece morrer, nem bandido feito bandido pra não comer lixo. esperar que o vazio venha a ser preenchido pela ingênua esperança que vem carregada pelos braços, suor e sangue dos outros é também querer ser virtuoso pela virtude do outro que tal. quando nos imaginamos em movimento, na verdade, estamos de braços cruzados. uns goles de chá de camomila por certo nos deixariam os sentidos mais tranquilos para acreditar, não apenas no que vemos, mas também naquilo que desconhecemos, que não está se enxergando. quem sabe uns goles de poesia nos devolvam sentidos adormecidos
Professor Paulo, não nos basta falar da esperança, nós precisamos agir com a esperança dentro e em nosso entorno. O Marko nos fala de dois coletivos que são um só coletivo pedagógico e que precisam ser educados como um só. Como ter esperança na educação de um coletivo que não se enxerga opressor, opera o poder na escola e se diz vítima?
Adail, você precisa pegar uma turma de primeiro ciclo na obrigação de alfabetizar trinta pequenos demônios. Ficar um ano com esses tiranos e vir aqui discursar!
já não sabia se isso foi resmungo de indignação ou comentário de provocação. ninguém está a dizer que é fácil e que a um grito de, camaradas! todos pegaremos em armas contra o desumano e perverso, até deveríamos, mas isso não se dá... por enquanto
Querido Adail, é urgente lutar e lutar por nossos sonhos. Uma educação que educa para a ruptura dos paradigmas, que educa para decisões éticas por opção e não por imposição. Uma educação que educa com o coração e encara frente a frente o difícil e o fácil, sem medo de ser do lado dos oprimidos, dos feios e das feias, sem deixar de ser boa e gostosa para os meninos e meninas bonitas e ricas, perfumadas com talco importado, transformando em poesia as ilusões crescendo pela estrada que é andada. Cada dia, um novo dia com carinho, com alegria, com uma educação cada vez mais interessada e criativa, mas uma preocupação inventiva que não venha apenas da boca pra fora, metafórica, mas que precisa servir sem donos que preguem o medo, tremendo de cansaço com a vida e tristinhos de tamanha vontade de consolar.
não conseguimos ir além de indicar uma outra educação e mais outra diferente, enquanto continuamos indo às compras, a guerra. devoramos até a destruição. precisamos fazer sobrevir ao desejo novas formas de educar nos enchendo do querer e do fazer, pendurar a preguiça no varal e abandoná-la ao sol para secar. tornar possível que as cacimbas do lençol de água transbordem até que o olho-d’água, nos fitando, diga-nos que podemos crescer assim, aos turbilhões, molhados de humanidade. mas a cacimba não se transborda por decisão histórica, julgamento do tempo, há de ser escavada até um lençol de água. necessitamos criar as condições para uma boa escavação ao escavar em baixadas úmidas ou no leito de um rio, na qual a água se acumula como num poço. chega de escavar na esterilidade seca e morta dos desertos, basta de falar sem ser ouvido ou entendido às almas murchas e secas, esvaziadas dos desejos de viver coletivamente. criemos com nossos alunos e alunas o encanto por este novo viver e educar. procuremos terras férteis para cavar e escavar até que se formem os poços de acolhimento e recolhimento às sementes germinantes do ser mais
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