Mayakovsky
A esperança
Injeta sangue
no meu coração,
enche-me até o bordo
as veias!
Mete-me no crânio pensamentos!
Não vivi até o fim o meu bocado terrestre,
sobre a terra
não
vivi o meu bocado de amor.
Eu era gigante de porte,
mas
para que este tamanho?
Para tal trabalho bastava uma polegada.
Com um toco de pena, eu rabiscava papel,
num canto do quarto, encolhido,
como um par de óculos dobrado dentro do estojo.
Mas tudo que quiserdes eu o farei de graça:
esfregar,
lavar,
escovar,
flanar,
montar
guarda.
Posso, se vos agradar,
servir-vos
de porteiro.
Há, entre vós, bastantes porteiros?
Eu era um tipo alegre,
mas
que fazer da alegria,
quando a dor é um rio sem vau?
Em nossos dias,
se os
dentes vos mostrarem
não é senão para vos morder
ou
dilacerar.
O que quer que aconteça,
nas
aflições,
pesares...
Chamai-me!
Um sujeito engraçado
pode ser útil.
Eu vos proporei charadas, hipérboles
e
alegorias,
malabares dar-vos-ei
em
versos.
Eu amei...
mas é
melhor não mexer nisso.
Te sentes mal?
Tanto
pior...
Gosta-se,
afinal, da própria dor.
Vejamos... Amo também os
bichos —
vós
os criais,
em
vossos parques?
Pois, tomai-me para guarda dos bichos.
Gosto deles.
Basta-me
ver um desses cães vadios,
como aquele de junto à padaria,
um
verdadeiro vira-latas!
e no entanto,
por
ele,
arrancaria
meu próprio fígado:
“Toma, querido, sem cerimônia, come!”
__________________
Eu
a esta terra
amo!
Talvez
se possa esquecer
o lugar em que se cria a pança e papo,
mas a terra
junto com o qual
sofreste fome
a essa
é impossível esquecê-la
jamais!
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A mim
nem um vintém sequer
os versos jamais me deram
jamais ganhei mobília
do ebanista.
E, salvo duma camisa sempre fresca,
sinceramente
de nada preciso eu.
______________________
Dizem
que em alguma parte
parece que no Brasil
existe
um homem feliz.
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Cada um ao nascer
traz sua dose de amor,
mas os empregos,
o dinheiro,
tudo isso,
nos resseca o solo do coração.
______________________
Um dia, quem sabe,
ela, que também gostava de bichos,
apareça
numa alameda do zoo,
sorridente,
tal como agora está
no retrato sobre a mesa.
Ela é tão bela,
que, por certo, hão de ressuscitá-la.
Vosso Trigésimo Século
ultrapassará o enxame
de mil nadas,
que dilaceravam o coração.
Então,
de todo amor não terminado
seremos pagos
em inumeráveis noites de estrelas.
Ressuscita-me,
nem que seja só porque te esperava
como um poeta,
repelindo o absurdo cotidiano!
Ressuscita-me,
nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
Quero viver até o fim o que me cabe!
Para que o amor não seja escravo
de casamentos,
concupiscência,
salários.
Para que o dia,
que o sofrimento degrada,
não vos seja chorado, mendigado.
E que, ao primeiro apelo:
- Camaradas!
atenta se volte a terra inteira.
Para viver
livre dos nichos das casas.
Para que
doravante
a família
seja
o pai,
pelo menos o Universo;
a mãe,
pelo menos a Terra.
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