Ensaio 79B – 2ª edição 1ª reimpressão
Ocê num sabe cantá?
os pretu escravizado num usava só os canto pra juntá os lamento e as desgracêra da vida, os movimento do corpo tumbém ajudava contá as história, medí a saudade. mais era as contação dos mais véio prus muriquinho qui num deixava esquecê os espritu da áfrica mãe, descarregado de lá pra cá com força e ruindade. um tempo em qui os dente num froxava de contá as história do mato, lugá de lá, donde os pretu e as preta foi arrancada pra sê arrematada em lote. um tempo em qui escutá os mais véio ajudava vivê
o boca de sapo tava com menó gosto pra engolí as mosca. num tava se rindo nem tava de lá pra cá ou de cá pra lá. num sabia os canto do divertimento nem do trabáio. num sabia cantá. sabia pulá e comê mosca, o caçadô das mosca do pinico. foi ensinado sê assim. decorô as lição do bão sapo caçadô das mosca. uma figura desimportante na vida do siô branco. sapo eles comprava aos lote, depois era só ensiná sê boca de sapo
o boca de sapo num parava de chorá e resmungá dum jeito munto triste, Eu não sou daqui, eu não sou daqui.
a preta liberata se balançava como se tivesse nos braço um muriquinho qui precisava acalmá os espritu qui se carrega na vida toda. os espritu de antes. num é uma conversa sossegada
E o muriquinhu veio fazê cá?
Sei lá, otro pulo, otra mosca, eu não gosto de me exibir. Gosto menos de ser sapo do que um beterraba preta. Mas se pudesse escolher, otro salto e a língua pegajosa laçô otra mosca descuidada, queria continuar como fumaça...
engoliu a mosca viva com as asa batendo
liberata teve pena de dá dó, o muriquinho parecia o bagaço da laranja. quis mudá a conversa. achô meió num entristecê mais qui a vida entristece quando deixa uma coisa de menos no coração. queria vida cantada, sapateada e requebrada, levada com papo furado. sabia qui num era tempo bão de conversá esquecida da vida ruim, mais mesmo no tempo ruim precisa dizê coisa sem tê purqui num dizê, fazê surpresa, querê ficá esperançada, tê alguém esperando ocê chegá. precisava resistí. num era tempo bão de ficá, era tempo bão de voltá
E pur qui esse nome Fumaça?
o fumaça sorriu tristeza. num sabia sorrí alegria. era o qui aprendeu. num sabia qui com tempo ruim ou bão é preciso esperançá com qualqué feitura feita, um tempo com alegria triste, uma cô cinzenta sem lampejo. o tempo da vida ficá guardada com medo, vigiada e castigada parecia num tê fim
Eu não esperei ganhar uma marca. Uma cicatriz com nome. Achava que seria inevitável um apelido grosseiro desenhar minha vida. Então, preferi ficar em paz com o meu próprio bem, me dei um outro nome, Beterraba Preta. Mas não pegou. Às vezes, a gente diz muita coisa que não quer dizer, depois precisa de mais tempo para se arrepender.
a preta liberata num tava entendendo o cabimento de minguá a própria importância, uma sombra sonolenta qui pisava a terra seca sem lua branca, sem margarida branca, sem rosa perfumada, sem água fresca, as raiz abandonada, as ferida aberta e as mosca rondando, indo e vindo do pinico
Pur qui diminuí o próprio valô e merecimento?
o boca de sapo murchô o peito
Não sei, mas não deu certo. Acho que não fui muito criativo e suficientemente maldoso. Um apelido para ter graça não pode ser invenção da criatura. O desalento que a titulatura intolerante e jocosa quer provocar é de fora para dentro, não pode brotar da criatura.
soltô uma risada estragada pelo esquecimento de tê otra vida sem mosca
Isso pode sê qui tá certo ou pode sê pruqui os muriquinhu num gosta de beterraba. Eles num gosta nem de ouví falá da beterraba.
o boca de sapo escutava e comia devagar as mosca piquinina e burra. elas saia com ele pru perto e sua língua comprida e pegajosa num parava. uma qui otra se safava ou achava qui se safava, ele esperava quando elas boiava no bafo sem vento do quarto
É pode ser... ou pode ser porque fumaça é melhor para se inventar histórias.
num era bão de ficá, era tempo de se arrancá do chão e partí, mais aonde, cigarra? aonde a vida cresce como a relva verde guardada embaixo da luz azul? aonde cigarra, os pretu num precisa tá com a cabeça abaixada? um lugá ditoso aonde as pessoa caminha com os braço balançando
E o Fumaça tem nome?
os hôme inventô um feitio de vida qui as coisa sem nome num tem vida, gente sem nome num existe. mais num pode sê qualqué nome, tem qui sê os nome branco qui é as coisa qui tem mais valô. num pode sê nome dos espritu mais véio qui num tá mais cá, num pode sê nome qui mostra a estrada de volta pra lá, a terra de mato dos antepassado. os pretu pra continuá escravizado precisa perdê tudo, inté as lembrança nos nome
Tenho mais nomes que tamanho.
as vista num empina nem o coração acelera, ele já credita qui num tem nada pra oferecê além da língua pegajosa. o qui os branco intolerante e egoísta num entende, e acho qui nunca vai querê entendê, é qui enquanto existí um pretu sem liberdade de tê o nome do gosto, os cabelo da beleza do gosto, eles vai continuá vivendo o pesadelo como se fosse morrê no pinico, assassinado pelas mosca, qui a boca de sapo desistiu de comê
E...
Primeiro, fui João. E depois, Pedreiro. Minha mãinha sumiu com um pedreiro depois dos primeiros dias do meu aparecimento. Ela não pensava muito bem. Nasceu caída das mãos da parteira num buraco sem fundo até Mãe África. Avoinha precisou puxar mãinha com as mãos agarradas no cordão umbilical. Ela nunca se recuperou do susto. Então, quando me viu sair da sua enseada o susto voltou. Nunca tive o abraço da mãinha. Precisei mamar nos seios murchos da avoinha para acalmar a vontade de ter uma têta na boca. Não funcionou. Têta seca não mata a fome. Mas tanta força eu fiz e tanta reza da avoinha que as duas taças da tiainha Vanda transbordaram. Nunca mais faltou uma gotinha que fosse.
Mais pur qui o seu nome segundo, depois do primêro João, é Pedrêro?
o muriquinho balançô os ombro, o corpo parecia uma figa
Entre João de ninguém e João do pedreiro, prefiro ser o João Pedreiro. Na correção da verdade, nem o primeiro dito João parece que foi o primeiro nome. Essa confusão de nome só faz deixar a vida com mais confusão.
Aham, seu pai era pedrêro. Caso fosse ferrêro, João Ferrêro.
É... não posso duvidar do poder do nome.
Caso fosse padêro, João Padêro?
É possível...
Caso fosse...
Chega, Liberata. Eu sou Fumaça desde menino. Agora, sou o dono do nome Fumaça. Aprendi me respeitar assim.
a preta liberata levantô as vista da cama toda esticada, sem dobra ou ruga
Então, o muriquinhu gostô do nome dado?
o neinho num viu a própria cara feita, mais dava pra adivinhá pela máscara triste da preta
Acostumei com o gosto amargo, mas se triste me sinto é como beterraba que fico, uma raiz sem a liberdade da fumaça.
Num tem sapo qui chora, mais tem santo guerrêro qui luta a boa luta. O boca de sapo parece com quebranto qui desanima tê vida, sem gosto da cantoria.
o neinho num via a cavalaria dos santo guerrêro na sua volta
O meu choro é da tristeza, Liberata. Esse não é o meu lugar nem o meu tempo. Não sei o que estou fazendo aqui. Não pedi esse encantamento. Isso aqui não é vida. Não dá para ter assanhamento.
empurrô o pinico com a ponta do pé, o chêro ficô escondido com as mosca embaixo da cama. em cima nenhuma dobra. os dois parô. as vista dum notro
O neinhu chora sozinho quando chora só pelo neinhu. Eu choro a tristeza de munto mais. Eu choro pelos pretu qui acostumô com a escravidão, eu choro pelos pretu qui vigia os pretu, pelos pretu qui morre escravo, pelos pretu qui num credita qui se pode arrebentá as corrente, num credita qui pode sê dotro jeito. Num choro só purumim, choro pelos pretu tudo qui num tem vida branda. E chorá assim dói muntu mais qui chorá sozinho, mais faz a luta tê mais força. Neinhu, tudo num tem só um lado, mais ocê precisa sabê qui tá do lado qui escravizá é tá do lado da intolerância e do ódio.
liberata tinha começado simpatizá com o muriquinho, parecia tê perdido o medo do neinho, Ocê queria sê grande e imagina sê grande, mais num é. O muriquinhu tem o tamanho do qui vê, se o muriquinhu vê as coisa maió qui é, elas fica maió e o muriquinhu fica menó. O tamanho das perna do muriquinhu num vai mudá, mais o jeito de vê pode mudá.
Tenho boas lembranças do tempo em que as crianças eram pequenas e plantávamos rabanetes no quintal do casarão. O meu problema era ficar pendurado no banheiro.
foi o primêro riso silencioso qui os dois experimentô junto, mais a tristura continuava nas andança do pensamento; depois, as vista tremeu. pode tê sido uma piscadela da aliança feita no chão da senzala ou mais uma veiz o choro sendo engolido
Vamu, muriquinhu. A bagunça daqui já tá resolvida.
o neinho parô no meio do dormitório com as mão na cintura
E por que devo obedecer a senhora? Não é nada minha, só temos a mesma cor preta, o mesmo cabelo ruim e...
Para, neinhu! Cabelo ruim?
oiô pru muriquinho, lá tava ele com as perna de sapo, a língua esticada e balançando pegajosa pra agarrá as mosca do pinico do siôinho pedro amado. cada mosca qui grudava no linguarudo desaparecia na boca do muriquinho. num parecia gostá, mais num conseguia desviá de sê um comedô das mosca. soltava a língua peguenta e apanhava uma bocada. num conseguia mais se evitá. foi ensinado sê sapo e sê sapo ensinado é comê as mosca qui avoá do pinico. sem puruguntá ou cara feia. sem fazê corpo mole. sem chorá. sem reclamá. sem riso. sem alegria. sem cantoria. sem nariz ranhento. só isso: comê as mosca
as mais leve era só tira-gosto. as mais gorducha as mais fácil de pegá. o muriquinho num entendia pur qui só ele virava sapo, tinha munta mosca. ninguém precisava passá fome. ele já tava devorando muntas duma só veiz
a preta liberata oiava pru neinho e cantava
cadum carrega um sapo qui pode ou num pode aparecê. é só deixá o deserto da intolerância comê os grilo, os gafanhoto acabá com as cigarra, a vida perdê a harmonia dos espritu da aurora qui o sapo salta
Muriquinhu, num esquece qui a primavera num tem dono, o vento tem a direção qui qué e num tem existe cabelo ruim. O qui fica ruim é num tê beleza no oiá de quem óia. As trança, as conta, os turbante é o retrato qui carrega as memória de lá pra cá. Os cabelo é livre. Eles enraiza no lugá mais sagrado do corpo: a cabeça.
liberata parô pra respirá, fungô os chêro do mato e depois puruguntô, O sapo pretu só come mosca? Num sabe fazê coisa mais?
E o que um sapo faz além de pular e comer mosca?
as mosca procurava fugí pelos fio da luz qui entrava no quarto com munta curva e cruzamento, mais escapá da língua grudenta num era coisa de acontecê com um vôo à toa. saí do pinico inté as maçã, as galinha ou os cozido da siáinha e voltá pru pinico tinha munto perigo. o sapo é as mosca qui come
E cantá... ocê sabe?
____________________________
Leia também:
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Histórias de avoinha: quanto mais oiava pru alto num via sentido nehum
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Ocê num sabe cantá?
baitasar
os pretu escravizado num usava só os canto pra juntá os lamento e as desgracêra da vida, os movimento do corpo tumbém ajudava contá as história, medí a saudade. mais era as contação dos mais véio prus muriquinho qui num deixava esquecê os espritu da áfrica mãe, descarregado de lá pra cá com força e ruindade. um tempo em qui os dente num froxava de contá as história do mato, lugá de lá, donde os pretu e as preta foi arrancada pra sê arrematada em lote. um tempo em qui escutá os mais véio ajudava vivê
o boca de sapo tava com menó gosto pra engolí as mosca. num tava se rindo nem tava de lá pra cá ou de cá pra lá. num sabia os canto do divertimento nem do trabáio. num sabia cantá. sabia pulá e comê mosca, o caçadô das mosca do pinico. foi ensinado sê assim. decorô as lição do bão sapo caçadô das mosca. uma figura desimportante na vida do siô branco. sapo eles comprava aos lote, depois era só ensiná sê boca de sapo
o boca de sapo num parava de chorá e resmungá dum jeito munto triste, Eu não sou daqui, eu não sou daqui.
a preta liberata se balançava como se tivesse nos braço um muriquinho qui precisava acalmá os espritu qui se carrega na vida toda. os espritu de antes. num é uma conversa sossegada
E o muriquinhu veio fazê cá?
Sei lá, otro pulo, otra mosca, eu não gosto de me exibir. Gosto menos de ser sapo do que um beterraba preta. Mas se pudesse escolher, otro salto e a língua pegajosa laçô otra mosca descuidada, queria continuar como fumaça...
engoliu a mosca viva com as asa batendo
liberata teve pena de dá dó, o muriquinho parecia o bagaço da laranja. quis mudá a conversa. achô meió num entristecê mais qui a vida entristece quando deixa uma coisa de menos no coração. queria vida cantada, sapateada e requebrada, levada com papo furado. sabia qui num era tempo bão de conversá esquecida da vida ruim, mais mesmo no tempo ruim precisa dizê coisa sem tê purqui num dizê, fazê surpresa, querê ficá esperançada, tê alguém esperando ocê chegá. precisava resistí. num era tempo bão de ficá, era tempo bão de voltá
E pur qui esse nome Fumaça?
o fumaça sorriu tristeza. num sabia sorrí alegria. era o qui aprendeu. num sabia qui com tempo ruim ou bão é preciso esperançá com qualqué feitura feita, um tempo com alegria triste, uma cô cinzenta sem lampejo. o tempo da vida ficá guardada com medo, vigiada e castigada parecia num tê fim
Eu não esperei ganhar uma marca. Uma cicatriz com nome. Achava que seria inevitável um apelido grosseiro desenhar minha vida. Então, preferi ficar em paz com o meu próprio bem, me dei um outro nome, Beterraba Preta. Mas não pegou. Às vezes, a gente diz muita coisa que não quer dizer, depois precisa de mais tempo para se arrepender.
a preta liberata num tava entendendo o cabimento de minguá a própria importância, uma sombra sonolenta qui pisava a terra seca sem lua branca, sem margarida branca, sem rosa perfumada, sem água fresca, as raiz abandonada, as ferida aberta e as mosca rondando, indo e vindo do pinico
Pur qui diminuí o próprio valô e merecimento?
o boca de sapo murchô o peito
Não sei, mas não deu certo. Acho que não fui muito criativo e suficientemente maldoso. Um apelido para ter graça não pode ser invenção da criatura. O desalento que a titulatura intolerante e jocosa quer provocar é de fora para dentro, não pode brotar da criatura.
soltô uma risada estragada pelo esquecimento de tê otra vida sem mosca
Isso pode sê qui tá certo ou pode sê pruqui os muriquinhu num gosta de beterraba. Eles num gosta nem de ouví falá da beterraba.
o boca de sapo escutava e comia devagar as mosca piquinina e burra. elas saia com ele pru perto e sua língua comprida e pegajosa num parava. uma qui otra se safava ou achava qui se safava, ele esperava quando elas boiava no bafo sem vento do quarto
É pode ser... ou pode ser porque fumaça é melhor para se inventar histórias.
num era bão de ficá, era tempo de se arrancá do chão e partí, mais aonde, cigarra? aonde a vida cresce como a relva verde guardada embaixo da luz azul? aonde cigarra, os pretu num precisa tá com a cabeça abaixada? um lugá ditoso aonde as pessoa caminha com os braço balançando
E o Fumaça tem nome?
os hôme inventô um feitio de vida qui as coisa sem nome num tem vida, gente sem nome num existe. mais num pode sê qualqué nome, tem qui sê os nome branco qui é as coisa qui tem mais valô. num pode sê nome dos espritu mais véio qui num tá mais cá, num pode sê nome qui mostra a estrada de volta pra lá, a terra de mato dos antepassado. os pretu pra continuá escravizado precisa perdê tudo, inté as lembrança nos nome
Tenho mais nomes que tamanho.
as vista num empina nem o coração acelera, ele já credita qui num tem nada pra oferecê além da língua pegajosa. o qui os branco intolerante e egoísta num entende, e acho qui nunca vai querê entendê, é qui enquanto existí um pretu sem liberdade de tê o nome do gosto, os cabelo da beleza do gosto, eles vai continuá vivendo o pesadelo como se fosse morrê no pinico, assassinado pelas mosca, qui a boca de sapo desistiu de comê
E...
Primeiro, fui João. E depois, Pedreiro. Minha mãinha sumiu com um pedreiro depois dos primeiros dias do meu aparecimento. Ela não pensava muito bem. Nasceu caída das mãos da parteira num buraco sem fundo até Mãe África. Avoinha precisou puxar mãinha com as mãos agarradas no cordão umbilical. Ela nunca se recuperou do susto. Então, quando me viu sair da sua enseada o susto voltou. Nunca tive o abraço da mãinha. Precisei mamar nos seios murchos da avoinha para acalmar a vontade de ter uma têta na boca. Não funcionou. Têta seca não mata a fome. Mas tanta força eu fiz e tanta reza da avoinha que as duas taças da tiainha Vanda transbordaram. Nunca mais faltou uma gotinha que fosse.
Mais pur qui o seu nome segundo, depois do primêro João, é Pedrêro?
o muriquinho balançô os ombro, o corpo parecia uma figa
Entre João de ninguém e João do pedreiro, prefiro ser o João Pedreiro. Na correção da verdade, nem o primeiro dito João parece que foi o primeiro nome. Essa confusão de nome só faz deixar a vida com mais confusão.
Aham, seu pai era pedrêro. Caso fosse ferrêro, João Ferrêro.
É... não posso duvidar do poder do nome.
Caso fosse padêro, João Padêro?
É possível...
Caso fosse...
Chega, Liberata. Eu sou Fumaça desde menino. Agora, sou o dono do nome Fumaça. Aprendi me respeitar assim.
a preta liberata levantô as vista da cama toda esticada, sem dobra ou ruga
Então, o muriquinhu gostô do nome dado?
o neinho num viu a própria cara feita, mais dava pra adivinhá pela máscara triste da preta
Acostumei com o gosto amargo, mas se triste me sinto é como beterraba que fico, uma raiz sem a liberdade da fumaça.
Num tem sapo qui chora, mais tem santo guerrêro qui luta a boa luta. O boca de sapo parece com quebranto qui desanima tê vida, sem gosto da cantoria.
o neinho num via a cavalaria dos santo guerrêro na sua volta
O meu choro é da tristeza, Liberata. Esse não é o meu lugar nem o meu tempo. Não sei o que estou fazendo aqui. Não pedi esse encantamento. Isso aqui não é vida. Não dá para ter assanhamento.
empurrô o pinico com a ponta do pé, o chêro ficô escondido com as mosca embaixo da cama. em cima nenhuma dobra. os dois parô. as vista dum notro
O neinhu chora sozinho quando chora só pelo neinhu. Eu choro a tristeza de munto mais. Eu choro pelos pretu qui acostumô com a escravidão, eu choro pelos pretu qui vigia os pretu, pelos pretu qui morre escravo, pelos pretu qui num credita qui se pode arrebentá as corrente, num credita qui pode sê dotro jeito. Num choro só purumim, choro pelos pretu tudo qui num tem vida branda. E chorá assim dói muntu mais qui chorá sozinho, mais faz a luta tê mais força. Neinhu, tudo num tem só um lado, mais ocê precisa sabê qui tá do lado qui escravizá é tá do lado da intolerância e do ódio.
liberata tinha começado simpatizá com o muriquinho, parecia tê perdido o medo do neinho, Ocê queria sê grande e imagina sê grande, mais num é. O muriquinhu tem o tamanho do qui vê, se o muriquinhu vê as coisa maió qui é, elas fica maió e o muriquinhu fica menó. O tamanho das perna do muriquinhu num vai mudá, mais o jeito de vê pode mudá.
Tenho boas lembranças do tempo em que as crianças eram pequenas e plantávamos rabanetes no quintal do casarão. O meu problema era ficar pendurado no banheiro.
foi o primêro riso silencioso qui os dois experimentô junto, mais a tristura continuava nas andança do pensamento; depois, as vista tremeu. pode tê sido uma piscadela da aliança feita no chão da senzala ou mais uma veiz o choro sendo engolido
Vamu, muriquinhu. A bagunça daqui já tá resolvida.
o neinho parô no meio do dormitório com as mão na cintura
E por que devo obedecer a senhora? Não é nada minha, só temos a mesma cor preta, o mesmo cabelo ruim e...
Para, neinhu! Cabelo ruim?
oiô pru muriquinho, lá tava ele com as perna de sapo, a língua esticada e balançando pegajosa pra agarrá as mosca do pinico do siôinho pedro amado. cada mosca qui grudava no linguarudo desaparecia na boca do muriquinho. num parecia gostá, mais num conseguia desviá de sê um comedô das mosca. soltava a língua peguenta e apanhava uma bocada. num conseguia mais se evitá. foi ensinado sê sapo e sê sapo ensinado é comê as mosca qui avoá do pinico. sem puruguntá ou cara feia. sem fazê corpo mole. sem chorá. sem reclamá. sem riso. sem alegria. sem cantoria. sem nariz ranhento. só isso: comê as mosca
as mais leve era só tira-gosto. as mais gorducha as mais fácil de pegá. o muriquinho num entendia pur qui só ele virava sapo, tinha munta mosca. ninguém precisava passá fome. ele já tava devorando muntas duma só veiz
a preta liberata oiava pru neinho e cantava
muriquinhu muriquinhu
cadê ocê
Auê auê
Ai aia ai ai
ô canjonjo oia vitá, auê!
Corongira vita turô... ia
cadum carrega um sapo qui pode ou num pode aparecê. é só deixá o deserto da intolerância comê os grilo, os gafanhoto acabá com as cigarra, a vida perdê a harmonia dos espritu da aurora qui o sapo salta
Muriquinhu, num esquece qui a primavera num tem dono, o vento tem a direção qui qué e num tem existe cabelo ruim. O qui fica ruim é num tê beleza no oiá de quem óia. As trança, as conta, os turbante é o retrato qui carrega as memória de lá pra cá. Os cabelo é livre. Eles enraiza no lugá mais sagrado do corpo: a cabeça.
liberata parô pra respirá, fungô os chêro do mato e depois puruguntô, O sapo pretu só come mosca? Num sabe fazê coisa mais?
E o que um sapo faz além de pular e comer mosca?
as mosca procurava fugí pelos fio da luz qui entrava no quarto com munta curva e cruzamento, mais escapá da língua grudenta num era coisa de acontecê com um vôo à toa. saí do pinico inté as maçã, as galinha ou os cozido da siáinha e voltá pru pinico tinha munto perigo. o sapo é as mosca qui come
E cantá... ocê sabe?
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