Teatro Pedagógico 07
baitasar
Não
basta o diploma para vivermos manhãs, tardes e noites perfeitas com esperança
na vida, no mesmo lugar, duzentos dias
— Com licença, peço desculpas pelo atraso.
— é o Paulo que se anuncia vencido pelas horas, interrompendo a reunião que não
começou — Estava fazendo uma releitura de um texto com os alunos da progressão
do 3º ciclo, uma pequena novela de Balzac: Jesus Cristo em Flandres, o tempo
foi passando na sua medida, desculpem o meu atraso e essa interrupção indevida.
O
Paulo tem um carisma muito grande entre todos que de alguma maneira, por
qualquer razão, escutam suas palavras. Um velhinho de cabelos brancos e longos,
barba comprida e branca, com um andar calmo e curtinho, não parece com pressa
de chegar, lhe interessa o caminho percorrido. A voz tranquila e clara não
deixa dúvidas sobre suas intenções, os olhinhos parecem buscar desafios em tudo
que possa ser visto e apreendido. Tem a intenção consciente de unir a ação com
o pensamento
— Parabéns, professor! Já é uma tragédia
fazer qualquer leitura com esses alunos, imaginem o feito de uma releitura de
Balzac... O máximo da bruxaria, pura magia. Enfim, temos o nosso bruxo, Balzac!
— observo Ofélia de longe, fui sentar na última fileira da fórmica; o mais além
que pude. Busco com o olhar o professor do corredor. Não está. Como o
necessito. Deus havia sido a minha mais importante carência, mas a ele
necessito mais que a Deus.
Retorno
desse espasmo confessional no tempo de ouvir a Lia
— ... sempre acreditei na possibilidade da
construção de uma escola diferente, voltada para as práticas da
conscientização, inclusão, autonomia, participação, auto-organização,
libertação com alegria, cidadania...
— Chega! Chega! Já conhecemos o discurso.
Eu quero saber se tu estás satisfeita com o teu salário?
— Não. Eu não disse que estava satisfeita,
nem sabia que hoje era reunião do sindicato. Pensei que fosse pedagógica. Mas
se a reunião é do sindicato não tem problema, vamos discutir os salários.
Bem...
eis é uma reunião que promete. O combate da ironia que brinca com o deboche e
não se deixam desviar, não existe ingenuidade. As manobras medem forças,
granjeiam aliados, agrupam-se. Não existe lirismo nem sangramentos, as
consequências estão depositadas no fazer ou deixar de fazer, tudo se concretiza
na sala de aula: um ensino arrogante ou desejos de aprender junto. Todas as
lutas são boas, a mim preocupam as lutas de ódio.
O
Paulo retoma a palavra, eu paro minhas digressões. Quero ouvi-lo
— Colegas... parece-me importante chamar
atenção para quantas e quantas vezes sucumbimos frente a falas destrutivas e
desesperançadas, que nos fragmentam, implodimos em pequeninos pedaços voadores
transformados em poeira. As nossas tentativas íntimas. Nas tantas vezes em que
isso acontece, não sabemos se é uma intenção deliberada ou não sabemos pensar e
sentir diferente. Aguardamos o enfrentamento final quando o bem, que somos nós,
vencerá o mal, que também somos. Eis o imobilismo na crença que haverá somente
um embate, todos os desgastes e afrontamentos anteriores se dão sem razão. Ao
assumir uma posição crítica e não lírica deixamos de assumir os defeitos e
dificuldades dos outros para estabelecer parcerias razoáveis de comprometimento
com a esperança. A práxis libertadora do outro em mim que retorna ao outro que
está fora de mim.
É
isso! Não existem fadas ou benfeitores. Precisamos caminhar com as próprias
pernas no mundo injusto dos erros e acertos, mas nos basta por enquanto o
movimento. Diálogos íntimos, enfrentamentos pessoais podem fixar regras de
ação, deixando o coração livre para voar maiores e melhores sentimentos da
esperança. É só não ficar vencida pela insônia do medo ou gemendo escondida a
dor das próprias escolhas. Esses jovens tecnológicos que me perdoem, mas é tão
bom levantar da cômoda cadeira, retirar o disco do toca-discos, virar o vinil e
tocar o lado B, movimento e reflexão, quanta sonoridade no vinil. Nem tudo que
é novo supera o antigo. Resolvo mudar o lado do vinil
— Paulo, não se opta pelo novo apenas como
consequência da novidade. Decide-se pelo novo através da reflexão que temos do
velho e do desejo de fazer nascer diferente do antigo. — pronto me meti de pata
a ganso
— Isso mesmo, Anitinha, aquilo que é novo
– a notícia ou a colheita – não nos embaraça tanto quanto o novo que chega
pelas ideias de fazer diferente. Não se diz querer o novo das ideias, ou pelo
menos não se deveria dizer, por astúcia ou ingenuidade, pois tanto uma como a
outra farão da novidade mentiras diárias. Cresceremos com as ideias do novo fazer
e do novo pensar, na discussão permanente entre mim e o eu, entre o eu e o nós,
entre o nós e o todo, entre o todo e o que repito que é meu, pois sempre
retorno ao início que sou eu. Minha dor não é nova, mas meu sorriso está
diferente. Estou refletido em mim mesmo, clareando e esclarecendo minhas
perguntas: Sou astuto, ingênuo ou progressista, por ora, já me basta responder
que estou atento, sofrendo com o esforço, mas em movimento.
Sou
energizada ao ouvi-lo, quanto aos demais não sei, o silêncio dá algumas pistas.
Mas precisamos superar esses papéis mágicos ou autoritários com novos olhares
sobre o nosso quê fazer na escola. Sacudir a poeira do tempo e descobrir aos
poucos um novo eu que já existia, permanecia escondido na poeira da imperturbabilidade
ingênua ou solércia medrosa
— Professor Paulo, por favor, precisamos
continuar nossa reunião.
O
Paulo faz um pequeno gesto com uma das mãos, pede desculpas. Depois, senta
calmamente na fórmica verde e menos dura e menos fria da sua cadeira
pedagógica. E o que é a pedagogia? Uma ciência pensada para dar conta de muitas
ciências dentro da escola. Aí começa o emaranhado, o lio. Como podemos dar
conta de todo saber científico para ensiná-lo na escola? Criamos os programas,
os conteúdos, os métodos, as estratégias... eis o começo da traição aos
miseráveis. Ou não os queremos transformar em bonecos de pau?
Calma,
sei que através dos tempos, de acordo com os diferentes exércitos históricos,
tivemos construções importantes no campo da pedagogia no sentido de transformar
as práticas coercitivas, disciplinadoras, autoritárias. Lembro Gramsci com sua
pedagogia crítica, Frenet com a escola nova, Makarenko com a pedagogia
socialista, Paulo Freire com a pedagogia libertadora. Teria outros e outras a
recitar, mas me interessa perguntar, Quem foram os traídos, nós os conhecemos?
Todos eles pensaram uma nova escola a partir da utopia da sociedade baseada em
princípios solidários; a pedagogia estaria a serviço dessa sociedade. O que deu
errado?
Olhamos
para algumas partes do mundo, a Europa com seus imensos contingentes de
desempregados e miseráveis, acreditem, é verdade! A África, a Ásia, a América
Latina, e veremos a fome, as favelas, os guetos, as desigualdades extremas. O
que não deu certo? Precisamos da pedagogia da esperança?
Mas
para construir conceitos de justiça e ética, numa sociedade dominada pelo
consumismo e individualismo, só ela não basta.
E não bastam as leituras da realidade, dos saberes existentes de
determinadas comunidades, se não pudermos ou não quisermos compreender como
quem interpreta a própria realidade. Não há outra saída, creio que não seja
estar junto do povo. Falar. Dialogar. Aceitar. Meter a colher. Mudar nosso modo
de vê-los. Deixar que nos ensinem e nos toquem. Queremos deixar de fabricar
excluídos, ou não?
Fazer
para mudar nossa vida, não para teorizar e apresentar relatos em seminários.
Pensando assim, a pedagogia não é uma traição, é uma ferramenta de mudança
desde que assim o façamos, ou melhor, desde que assim a entendamos, mas tudo
isso exige disciplina e método... dialético, com toda certeza
— Professor Aguinaldo, me permita uma
pequena observação...
— O que foi Marko? — durante meus lapsos
filosóficos íntimos a vida contínua nada espera, parece que eu estava em um não
lugar
— O Paulo, na sua conversa com a
professora Ofélia, me pareceu estar descrevendo a esperança...
— Meu caro Marko, sua sutileza e
perspicácia me fazem rever as palavras sobre a esperança no homem e na mulher,
independentemente da maneira como se manifesta e se diz pertencente, querendo a
humanidade que nos habita, permanentemente mobilizada pra recriar as condições
humanas de ser mais. Esperar o que se deseja é o natural, a necessidade que
transcende a biologia e vem se assentar em nossa condição humana.
— E no desejo que existe na palavra e na
reflexão que impregna nossa ação.
— Exatamente, Marko. E é está palavra carregada
como nossos desejos que aviva a práxis voltada para o humano que se quer sendo
mais humana, recriadora das possibilidades e oportunidades que nos aproximam.
Sonhar esperança é pensar a vida com um chá refrescante de hortelã na xícara em
nossas mãos, quentinho e aconchegante, tomado delicada e decisivamente, sem
esperar que amorne ou esfrie. A esperança do chá está em sua delicadeza e na
sua maneira diferente de observar e influir na vida, na saúde da existência, na
ausência de agressão. Não existe esperança nos fármacos tirânicos e
imediatistas, ou pelo menos é uma esperança diferente, é a esperança que adia a
morte. Não é a esperança na vida.
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TP 06 - As regras do mais forteTP 08 - Ensinação é ineficaz
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