Contos e lendas de amor – Guatemala
O canto do cega-rega
Este
é um conto antigo, tão antigo quanto o canto do cega-rega! E olhe que desde que
o mundo é mundo que ouvimos o canto do cega-rega. É uma história de amor. Uma
história de amor tão triste, que é por isso que o cega-rega canta primeiro
baixinho, depois mais forte, até arrebentar.
Ah,
esse cega-rega, tão apaixonado! Por isso podemos ouvi-lo nas noites de luar,
com sua cantilena chocha, sempre a mesma lenga-lenga, cantando no mato junto
com as rãs.
Mas
vamos ver agora como foi que o cega-rega se apaixonou! Este animalzinho é um
inseto boêmio e, desde que Deus o criou, dedicou-se a sair todas as noites a
cantar para a Lua, quietinho num galho de ipê. Levantava as antenas para o céu e
começava a cantar uma canção com aroma de estrelas e de boa-noite.
Os
grilos viviam dizendo:
— Como canta bem esse danado! Se não
tomarmos cuidado, ele vai roubar as nossas namoradas.
— Será que ele está apaixonado? — perguntava
uma rolinha vermelha à amiga, a rolinha cor de laranja.
— Vai saber! Mas que ele é um ótimo
cantor, isso eu sei que ele é!
— É que ele quer arranjar uma namorada! —
gritou a Lua de lá de cima, sorrindo.
— Sim, Lua, mas por mais que eu cante não
aparece nenhuma garota bonita que queira casar-se comigo — respondeu o
cega-rega, lá do seu galho de ipê.
— O que é isso! Você está cheio de
admiradoras! — respondeu-lhe a Lua, piscando para ele. — O que acontece é que
elas não são como você.
— Não são como eu? Claro que são! Todas elas
são insetos de seis patas! E eu tenho seis... — disse o cega-rega, contando as
suas patas para ver se não se enganara.
— As patas não valem. O que vale é o
coração. O coração da sua namorada deverá cantar no ritmo do seu — retrucou a
Lua. — Bem, e agora deixe-me empoleirar lá no alto que já é quase meia-noite.
E
dizendo isso, a Lua, de um só salto, pulou para as alturas do céu.
O
cega-rega ficou pensando, pensando: ”Então minha namorada terá que ter um
coração cantador como o meu? Cada coisa que passa pela cabeça da Lua!”.
Ficou
a noite toda fazendo uma lista de insetinhas que conhecia: “A vespa? Não, essa
não, porque em lugar de cantar, zumbe. A viúva-negra? Não pode ser. Essa aranha
nem sequer canta. A carrapatinha? Menos ainda! Essa grudaria em mim e nem me
deixaria cantar...”.
O
Sol saiu com suas bochechas de gringo e encontrou o cega-rega dormindo como uma
pedra, ao lado da lista de possíveis namoradas.
— Psiu! Não façam barulho! — recomendou
aos pássaros, franzindo sua bocona vermelha. — A Lua me contou que o cega-rega
não pregou o olho a noite inteira, e se nós o acordamos agora, ele não vai
cantar com vontade quando escurecer.
Todo
o bosque guardou silêncio para velar o sono do cega-rega. Todos respeitaram.
Todos, exceto uma insetinha atrevida que chegou do outro lado do rio.
— Cega-rega, cega-rega, cega-rega! —
cantava ela com voz cheia.
— Cale a boca, forasteira, que o nosso
cantor está dormindo depois de passar a noite em claro, e assim você vai
acordá-lo! — gritam todos os bichos, muito zangados pelo alvoroço que a
estranha vinha fazendo.
— Cega-rega, cega-rega, cega-rega! —
insistiu a insetinha, batendo as asas rapidamente, até pousar no galho de ipê
onde dormia o cega-rega casadouro. Este, com o escândalo, acordou num instante.
— Cega-rega? — perguntou à insetinha
forasteira, espreguiçando-se. — O que é cega-rega?
— Cega-rega é você e sou eu! —
respondeu-lhe a pequena estranha, enquanto exalava um perfume desconhecido para
o jovem cega-rega, que o fez tremer da cabeça aos pés. — Você não canta como
eu: “cega-rega, cega-rega, cega-rega”? — perguntou-lhe a desconhecida.
— Não. Eu cantava canções para a Lua, mas
de agora em diante vou cantar como você, porque o seu canto é uma festa! —
respondeu o jovem entusiasmado.
Então
a insetinha lhe fez a seguinte proposta:
— Vamos voar até o capim que cresce à
beira do rio?
O
cega-rega mais do que depressa levantou voo atrás dela, e os dois pousaram num
talinho de capim-de-burro.
— Mais que coisa! Então você não sabia que
é um cega-rega como eu? — perguntou-lhe a jovem, muito brejeira.
— É, não sabia, não! Mas agora eu sinto
que o meu coração bate no compasso da sua canção! Por que não cantamos?
Então
deram-se as patinhas e, olhando-se nos olhos, entoaram a duas vozes a canção
que todos nós conhecemos: “cega-rega, cega-rega, cega-rega!”.
Como
vocês podem imaginar os dois não tinham olhos nem ouvidos para mais ninguém.
Abraçados, cantaram o dia todo e até se esqueceram de almoçar. Ao entardecer, o
cega-rega disse à sua amada:
— Nós estamos apaixonados! Que tal a gente
se casar hoje à noite? Assim você vem viver deste lado do rio junto comigo e a
gente pode cantar todos os dias.
— Sim, cega-rega! Claro que eu quero me
casar com você hoje mesmo! Vou voando até o outro lado do rio contar aos meus
amigos que vamos nos casar. Mas eu volto antes que a Lua esteja alta —
respondeu a insetinha, emocionada. E selaram o compromisso com um roçar de
antenas.
Enquanto
isso, os insetos do bosque estavam loucos da vida.
— Essa chata do outro lado do rio veio
ensinar ao nosso cantor essa musiquinha boba que diz: “cega-rega, cega-rega,
cega-rega”. Eu não gosto nem um pouco. O que a gente poderia fazer? — observou
uma minhoca, pondo a cabeça de fora por um buraquinho.
— Eu acho que devemos impedir esse
casamento! — disse uma mariposa.
— Eu concordo! Mas como? — perguntou um
mosquito.
— Isso é fácil! — respondeu uma aranha bem
pernóstica. — Eu posso tecer uma teia pegajosa no galho do sapotizeiro que
pende para a outra margem do rio. Como essa passagem é obrigatória para voar
para este lado do rio, a cega-rega terá que passar por ali e ficará presa em
minha teia antes que possa dar um pio. Assim, o nosso cantor não vai saber por
que ela não voltou para casar-se com ele, pois só a deixaremos livre muito
tempo depois. O que vocês acham da minha ideia?
— É ótima, estamos de acordo! — responderam
em coro todos os insetos do bosque.
— Muito bem — disse a aranha —, então mãos
à obra. E dirigiu-se ao sapotizeiro a passos largos.
Enquanto
isso, o noivinho cega-rega cantava muito contente, voejando em volta do ipê:
cega-rega, cega-rega, cega-rega!”.
— Já está ele cantando essa besteira! —
queixou-se em voz baixa um pernilongo. — Mas deixa estar que não vai ser por
muito tempo! A aranha já aprontou a teia no galho do sapotizeiro.
E
era verdade mesmo. A noivinha cega-rega, ignorando a armadilha que lhe haviam
preparado os insetos do bosque, voava com rapidez em direção ao rio. Mas antes
que pudesse começar a cantar, chocou-se de frente com a teia de aranha. Não pôde
mais se mexer! Os fios pegajosos envolveram-na completamente. Mais parecia uma
crisálida do que uma cega-rega pequenina presa numa terrível teia de aranha!
As
horas passavam lentamente para o noivo, que cantava: “cega-rega, cega-rega, por
que você não vem?”. E só recebia o coaxar das rãs do rio como resposta. Sua
angústia foi crescendo, quando notou que a Lua já estava muito alta e sua noiva
ainda não chegara. Então se pôs a gritar desesperado:
— Cega-rega, cega-rega, cega-rega, venha
por favor!
— Ai, Esperancinha! — exclamou uma lagarta
a uma esperança muito verde. — Será que não estamos cometendo um erro? Em lugar
de cantar as belas canções de antes, ele está gritando tanto, que parece que
vai arrebentar.
— Imagine! Você vai ver como depois de
todo esse alvoroço ele volta a cantar como a gente gosta — respondeu a
esperança despreocupada.
Mas
o cega-rega apaixonado não aguentava mais de tanta tristeza e começou a encher
o peito para gritar com força: “cega-rega, cega-rega, cega-rega!”, pensando que
ela talvez o escutasse do outro lado do rio.
— CEEGA-REEEGAAAA! PLOC!
—Ploc!
O que foi esse ploc? — perguntou uma saúva a um bicho-carpinteiro.
— Não sei — disse o segundo. — Vamos lá
ver.
Quando
chegaram ao galho do ipê onde o cega-rega vivia, viram com espanto que ele
arrebentara, explodira como uma bexiga colorida.
Desde
então, conta a lenda, os cega-regas cantam por amor até arrebentarem. Todos os
insetos do bosque sabem disso e já não tratam de forçá-los a cantar canções
para a Lua. Agora escutam com respeito o velho canto: “cega-rega, cega-rega,
cega-rega...!”
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Co-edição Latino-americana. Editora Ática. 1986. São Paulo
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