domingo, 12 de janeiro de 2014

O canto do cega-rega

Contos e lendas de amor – Guatemala
O canto do cega-rega



Este é um conto antigo, tão antigo quanto o canto do cega-rega! E olhe que desde que o mundo é mundo que ouvimos o canto do cega-rega. É uma história de amor. Uma história de amor tão triste, que é por isso que o cega-rega canta primeiro baixinho, depois mais forte, até arrebentar.
Ah, esse cega-rega, tão apaixonado! Por isso podemos ouvi-lo nas noites de luar, com sua cantilena chocha, sempre a mesma lenga-lenga, cantando no mato junto com as rãs.
Mas vamos ver agora como foi que o cega-rega se apaixonou! Este animalzinho é um inseto boêmio e, desde que Deus o criou, dedicou-se a sair todas as noites a cantar para a Lua, quietinho num galho de ipê. Levantava as antenas para o céu e começava a cantar uma canção com aroma de estrelas e de boa-noite.
Os grilos viviam dizendo:
—        Como canta bem esse danado! Se não tomarmos cuidado, ele vai roubar as nossas namoradas.
—        Será que ele está apaixonado? — perguntava uma rolinha vermelha à amiga, a rolinha cor de laranja.
—        Vai saber! Mas que ele é um ótimo cantor, isso eu sei que ele é!
—        É que ele quer arranjar uma namorada! — gritou a Lua de lá de cima, sorrindo.
—        Sim, Lua, mas por mais que eu cante não aparece nenhuma garota bonita que queira casar-se comigo — respondeu o cega-rega, lá do seu galho de ipê.
—        O que é isso! Você está cheio de admiradoras! — respondeu-lhe a Lua, piscando para ele. — O que acontece é que elas não são como você.
—        Não são como eu? Claro que são! Todas elas são insetos de seis patas! E eu tenho seis... — disse o cega-rega, contando as suas patas para ver se não se enganara.
—        As patas não valem. O que vale é o coração. O coração da sua namorada deverá cantar no ritmo do seu — retrucou a Lua. — Bem, e agora deixe-me empoleirar lá no alto que já é quase meia-noite.
E dizendo isso, a Lua, de um só salto, pulou para as alturas do céu.
O cega-rega ficou pensando, pensando: ”Então minha namorada terá que ter um coração cantador como o meu? Cada coisa que passa pela cabeça da Lua!”.
Ficou a noite toda fazendo uma lista de insetinhas que conhecia: “A vespa? Não, essa não, porque em lugar de cantar, zumbe. A viúva-negra? Não pode ser. Essa aranha nem sequer canta. A carrapatinha? Menos ainda! Essa grudaria em mim e nem me deixaria cantar...”.



O Sol saiu com suas bochechas de gringo e encontrou o cega-rega dormindo como uma pedra, ao lado da lista de possíveis namoradas.
—        Psiu! Não façam barulho! — recomendou aos pássaros, franzindo sua bocona vermelha. — A Lua me contou que o cega-rega não pregou o olho a noite inteira, e se nós o acordamos agora, ele não vai cantar com vontade quando escurecer.
Todo o bosque guardou silêncio para velar o sono do cega-rega. Todos respeitaram. Todos, exceto uma insetinha atrevida que chegou do outro lado do rio.
—        Cega-rega, cega-rega, cega-rega! — cantava ela com voz cheia.
—        Cale a boca, forasteira, que o nosso cantor está dormindo depois de passar a noite em claro, e assim você vai acordá-lo! — gritam todos os bichos, muito zangados pelo alvoroço que a estranha vinha fazendo.
—        Cega-rega, cega-rega, cega-rega! — insistiu a insetinha, batendo as asas rapidamente, até pousar no galho de ipê onde dormia o cega-rega casadouro. Este, com o escândalo, acordou num instante.
—        Cega-rega? — perguntou à insetinha forasteira, espreguiçando-se. — O que é cega-rega?
—        Cega-rega é você e sou eu! — respondeu-lhe a pequena estranha, enquanto exalava um perfume desconhecido para o jovem cega-rega, que o fez tremer da cabeça aos pés. — Você não canta como eu: “cega-rega, cega-rega, cega-rega”? — perguntou-lhe a desconhecida.



—        Não. Eu cantava canções para a Lua, mas de agora em diante vou cantar como você, porque o seu canto é uma festa! — respondeu o jovem entusiasmado.
Então a insetinha lhe fez a seguinte proposta:
—        Vamos voar até o capim que cresce à beira do rio?
O cega-rega mais do que depressa levantou voo atrás dela, e os dois pousaram num talinho de capim-de-burro.
—        Mais que coisa! Então você não sabia que é um cega-rega como eu? — perguntou-lhe a jovem, muito brejeira.
—        É, não sabia, não! Mas agora eu sinto que o meu coração bate no compasso da sua canção! Por que não cantamos?
Então deram-se as patinhas e, olhando-se nos olhos, entoaram a duas vozes a canção que todos nós conhecemos: “cega-rega, cega-rega, cega-rega!”.
Como vocês podem imaginar os dois não tinham olhos nem ouvidos para mais ninguém. Abraçados, cantaram o dia todo e até se esqueceram de almoçar. Ao entardecer, o cega-rega disse à sua amada:
—        Nós estamos apaixonados! Que tal a gente se casar hoje à noite? Assim você vem viver deste lado do rio junto comigo e a gente pode cantar todos os dias.
—        Sim, cega-rega! Claro que eu quero me casar com você hoje mesmo! Vou voando até o outro lado do rio contar aos meus amigos que vamos nos casar. Mas eu volto antes que a Lua esteja alta — respondeu a insetinha, emocionada. E selaram o compromisso com um roçar de antenas.



Enquanto isso, os insetos do bosque estavam loucos da vida.
—        Essa chata do outro lado do rio veio ensinar ao nosso cantor essa musiquinha boba que diz: “cega-rega, cega-rega, cega-rega”. Eu não gosto nem um pouco. O que a gente poderia fazer? — observou uma minhoca, pondo a cabeça de fora por um buraquinho.
—        Eu acho que devemos impedir esse casamento! — disse uma mariposa.
—        Eu concordo! Mas como? — perguntou um mosquito.
—        Isso é fácil! — respondeu uma aranha bem pernóstica. — Eu posso tecer uma teia pegajosa no galho do sapotizeiro que pende para a outra margem do rio. Como essa passagem é obrigatória para voar para este lado do rio, a cega-rega terá que passar por ali e ficará presa em minha teia antes que possa dar um pio. Assim, o nosso cantor não vai saber por que ela não voltou para casar-se com ele, pois só a deixaremos livre muito tempo depois. O que vocês acham da minha ideia?
—        É ótima, estamos de acordo! — responderam em coro todos os insetos do bosque.
—        Muito bem — disse a aranha —, então mãos à obra. E dirigiu-se ao sapotizeiro a passos largos.
Enquanto isso, o noivinho cega-rega cantava muito contente, voejando em volta do ipê: cega-rega, cega-rega, cega-rega!”.




—        Já está ele cantando essa besteira! — queixou-se em voz baixa um pernilongo. — Mas deixa estar que não vai ser por muito tempo! A aranha já aprontou a teia no galho do sapotizeiro.
E era verdade mesmo. A noivinha cega-rega, ignorando a armadilha que lhe haviam preparado os insetos do bosque, voava com rapidez em direção ao rio. Mas antes que pudesse começar a cantar, chocou-se de frente com a teia de aranha. Não pôde mais se mexer! Os fios pegajosos envolveram-na completamente. Mais parecia uma crisálida do que uma cega-rega pequenina presa numa terrível teia de aranha!
As horas passavam lentamente para o noivo, que cantava: “cega-rega, cega-rega, por que você não vem?”. E só recebia o coaxar das rãs do rio como resposta. Sua angústia foi crescendo, quando notou que a Lua já estava muito alta e sua noiva ainda não chegara. Então se pôs a gritar desesperado:
—        Cega-rega, cega-rega, cega-rega, venha por favor!
—        Ai, Esperancinha! — exclamou uma lagarta a uma esperança muito verde. — Será que não estamos cometendo um erro? Em lugar de cantar as belas canções de antes, ele está gritando tanto, que parece que vai arrebentar.
—        Imagine! Você vai ver como depois de todo esse alvoroço ele volta a cantar como a gente gosta — respondeu a esperança despreocupada.
Mas o cega-rega apaixonado não aguentava mais de tanta tristeza e começou a encher o peito para gritar com força: “cega-rega, cega-rega, cega-rega!”, pensando que ela talvez o escutasse do outro lado do rio.
—        CEEGA-REEEGAAAA! PLOC!
—Ploc! O que foi esse ploc? — perguntou uma saúva a um bicho-carpinteiro.
—        Não sei — disse o segundo. — Vamos lá ver.
Quando chegaram ao galho do ipê onde o cega-rega vivia, viram com espanto que ele arrebentara, explodira como uma bexiga colorida.
Desde então, conta a lenda, os cega-regas cantam por amor até arrebentarem. Todos os insetos do bosque sabem disso e já não tratam de forçá-los a cantar canções para a Lua. Agora escutam com respeito o velho canto: “cega-rega, cega-rega, cega-rega...!”

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Contos e Lendas de Amor

Co-edição Latino-americana. Editora Ática. 1986. São Paulo



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