Ensaio 30B
baitasar
Ali, na sacristia. Lugá de descanso e intimidade
do siô padre, ponto das troca dos uniforme da missa e folga; recinto de guardá
o pão e o vinho qui vira, na hora certa, o corpo e o sangue do Siô; se podia
colocá as vista privilegiada de quem olha os filho bastardo. Os filho de
ninguém. Lugá pro poderio da visão interesseira nos serviços dos preto. O
trabalho das formiga preta – graudona ou pequetitinha – subindo e descendo: as
cortadeira, as carregadora, as vigia impaciente do formigueiro e o olhá curioso
dos passante na rua: uns por bisbilhotice; otros, por entusiasmo; não tinha
pescoço resistente com as vontade de espiá os trabalho qui nunca acabava. A
obra Santa qui virô motivo de curiosidade e persistência escondia o
aproveitamento interesseiro de otros tanto.
Os costume da época perdoa tudo. Quase tudo.
Um começo qui começô pra não tê fim. Os preto
tudo tinha tarefa, os branco tinha o quefazê de cuidá os preto fazendo: o
parasitismo das bisbilhotice. Caso ocê, mi fioneto, nessa sua falta de tempo
pra estudá, inda não teve vontade de botá as vista no qui contece nas volta da
vida, toma cuidado com os imaginativo da fofoca.
O siô padre conhecia o valô das bisbilhotice qui
agoura, cisma, daquilo qui não sabe, mais qui precisá contá com a marotice da
cobiça. Sabia qui tinha qui tá um passo na frente dos conspiradô. O melhó jeito
era vigiá e conservá as coisa como sempre foi. Ficá com a cautela de não corrê
risco: abrí um olho, fechá o otro; mais não fez o qui devia de vez em quando:
abrí o fechado e fechá o aberto, pra não cansá o qui vigia, nem acostumá o qui
dorme na malandragem. Assim seja, só abria as vista nos preto, fechava as vista
nos branco; abria té quando os preto dormia. Fez como sempre foi, cuidava de vigiá
os mais fraco. Não podia sê ingênuo e achá qui todo mundo é igual.
Com uma das mão na beirada da porta e a otra
agarrada no crucifixo pendurado do pescoço té o peito, ele deixô qui as vista
soltasse a língua, ia confiá no ouvidô do patrão governadô, mais inda precisava
dá umas volta na palavraria
— Veja
esses escravos purgando as culpas por não aceitarem o único Deus que existe.
O otro aproximô do siô padre, olhô por cima do
ombro do ministro de Deus, lá fora um formigueiro de pretos. O zambo continuava
agarrado no seu graal, desviô as vista no siô padre antes de dizê o qui não
tinha vindo dizê
— Pois,
para mim, é a maior desgraça da Vila. Não tem solução: se são puros na cor e no
sangue, merecem as correntes que lhes seguram os modos primitivos. Afinal, não
têm para onde ir e vir. Não têm onde caírem mortos, e aliás, se caem, é preciso
fazer o enterramento logo, rastro de negro estragado é intragável. De mais a
mais, não têm ninguém que venha lhes reclamar os restos. E quando não são puros
na cor e no sangue, são mestiços. A mestiçagem é preguiçosa de berço. A má
índole é do nascimento, gostam de pedir. Não tem esmola suficiente para a fome
da mestiçagem, um saco sem fundo. Ora, ora, que arrume algum serviço nem que
seja como carregador das imundícies da merda. Desculpe o meu atrevimento da
língua, mas quando se precisa de um carregador de água não se encontra nenhum.
Que se acomodem ou jamais serão cristãos e civilizados como os brancos.
Macacos!
Ouviram um grito e uma batida abafada. Correram
té a porta
— O que
sucedeu? — grito o siô padre
O encarregado lhe respondeu com a voz amedrontada
— Um
negro caiu do madeiramento do teto.
O bafo frio da morte e o calô quente e úmido
daquela manhã se misturô na cara do homem de Deus, rescitô bem baixinho, In
nomine patris, et filii, et spiritus sancti, amen, e o espírito do vinho invadiu
a sacristia té esquentá a cara do zambo do governadô. Os dois parecia medí a
montoeira do vinho tomado. Já tinha passado do razoável pra uma visitação de
cortesia. Nenhum dos dois ia admití de dizê qui tinha tomado mais vinho qui o
recomendado. A língua continuava destravando, parecia não querê pará de soltá
os mistério qui cadum guarda escondido do seu jeito
— Não
seja tão duro, sinhô Ouvidor, para tudo isso concorre esse calor dos diabos,
que Deus me perdoe, que temos por aqui. Não esqueça que esses negros não têm a
Verdade de Deus..
— São
medíocres! Possuem os sentimentos do negro e a imaginação do escravo. Não
conseguem se libertar da selvageria.
O siô padre pareceu tê ficado com mais sede
depois qui viu o negro sê carregado. Saiu da porta da sacristia e sentô no seu
lugá de despacho. Pegô o graal, encheu té na parte de cima, já tava perdido das
boas maneiras de serví e tomá, fornicava com a gula
— Sinto
falta de um acompanhamento. — se ia continuá o uso do vinho era preciso fazê
uso de algum pão. Pegou o pão do corpo e ofereceu — Pegue...
O zambo qui não precisava pedí esmola olhô pra
mão oferecida segurando o cálice do pão
— O
amigo acha... — parecia tê cisma com aquele ofertório
—
Pegue, peço reposição.
O homem do governadô esticô o braço e pegô umas
quatro fatia do pão. Voltô no assunto de antes
— O que
se pode esperar da mestiçagem desses negros boçais e degenerados?
O siô padre não pareceu tê feito um brinde às
palavras do zambo. Alterô a voz, não queria deixá aparecê qui sua língua tava
enrolando como a cobra antes do ataque
— Muito
longe de casa.
— Desequilibrados...
precisam ser castrados, inutilizados para a reprodução. — a visita engoliu o
pão, pareceu qui precisô empurrá com a língua o pão grudado no céu da sua boca.
Otro gole do vinho pra fazê descê o qui desgrudô. E mais um bochecho pra modo
de tê firmeza qui não ficô nenhum farelinho do corpo na boca. Só então, fez
modo de continuá respondê a tagarelice do siô padre — Tem vez que acho que não
é pra tanto, a nascença dos negrinhos recoloca os braços perdidos com as fugas,
os castigos e os desaparecimentos. Já são nascidos na lida da escravidão,
chegam com as ideias daqui, não choram de saudade. Isso é vantajoso. Não se
perde tempo com a educação, já nascem comportados. — estendeu o braço, desta
vez o siô padre não lhe deu importância, tava indo ou vindo de bem longe, o
zambo encolheu os ombro e continuô a prosa
— E o
sinhô devia saber que o homem que não tem mulher na sua cama, perde a força de
homem. Não é uma tarefa fácil para o sinhô Padre, mais difícil seria para
controlar os negros.
O otro continuava sentado com o olhá cravado em
algum lugá qui não era na sacristia. Tinha a aparência de lembrá o qui queria
esquecê, té qui a boca abriu e ressuscitô a decoreba do Papa
— O
sacerdote faz uma doação do seu espírito e da sua carne ao Sinhô, precisa
aprender a defender-se dos impulsos de afeto que fazem brotar emoções de
entusiasmo descontrolado, inadequados à razão. Precisa se resguardar das
simpatias perigosas.
O zambo não pareceu se importá com aquele
adoratório todo, estendeu a mão para o cálice do corpo escorado na mesa, tirô
mais fatias do pão. Com a boca cheia de pão e vinho, a língua enrolada e tonta,
não pode controlá a bisbilhotice
— O
sinhô Padre é virgem?
O perguntado tomô otro gole, depois baixô a
cabeça té desaparecê das vista do perguntadô. Quando voltô com a cabeça erguida
tinha na mão otra garrafa de vinho
— A
matéria da castidade está merecendo um brinde de prudência, não me merece
importância, mas já que o sinhô voltou no assunto.
— Feliz
aventura essa do sinhô Padre que não pode ajuntar ao sacerdócio o matrimônio.
Tem a desculpa perfeita e pode se deixar agarrar pelos perigos da mulherada...
vez que outra.
O siô padre estendeu o braço com o vinho na
direção do curioso e, tão solene quanto lhe permitia as perna, se aproximô com
o seu graal
— O
Ouvidor do sinhô Governador não veio até essa sacristia para saber se tenho ou
não castidade.
— Meu
amigo, essa Vila nasceu dos fidalgos e desbravadores lusitanos que nos
trouxeram hábitos de sociabilidade, urbanidade, luxo...
— E as
leis do Papa.
— É. As
leis do Papa. — nesse ponto do abocanhamento das palavra, o visitadô já tava
caminhando sem tanta agitação. Parô na porta, parecia arrependido de não dizê o
qui devia sê dito — Pena que a ralé da mestiçagem ociosa e inútil, que poderia
aprender com tão ilustres exemplos laboriosos, esteja condenada a degradação da
corrupção e miséria. — o zambo não perdoava o seu mestiçamento injusto — Esses sararás
nunca terão pureza de sangue e de caráter, para sempre um crioléu menos escuro,
mas degenerado e tarado!
—
Saúde!
Virô as costa pra porta e ergueu o graal
—
Deveria haver uma comida, uma fruta, ou uma bebida, que sufoque esse
abastarmento, pelo menos, para lhes aumentar o valor.
O siô padre lhe fez convite pra sentá. Tinha
assunto mais delicado e havia de sê dito com voz qui as parede não pudesse
escutá
—
Chegue mais perto. — esperô té qui a orelha do escutadô ficasse mais
perto — Pra terminar o assunto anterior e começar um novo, devo lembrar o sinhô
que esses negros vêm parar aqui porque se diz que nem os escuros de lá os
querem por perto. — dito isso, o siô padre voltô pra encruzilhada da confiança.
Precisava confiá na intenção de quem lhe escutava
— Sinhô
Ouvidor-Geral, não dá para ter respeito e reverência em quem se deveria
confiar.
O otro se ajeitô melhó, não largô o graal, mais
não lhe levô nenhum gole, desconfiô qui o assunto principal tava por sê dito.
Pediu qui o siô padre parasse de ladeá os motivo da sua preocupação — O sinhô
Padre poderia ser mais claro? — não sabia o qui ia escutá nem o qui ia falá
depois de escutá. O siô padre avisô qui mesmo as parede da sacristia podia ouví
o qui não devia. Os dois chegaram mais perto os graal e as vista
— Os
mais ilustres associados da Irmandade estão desfalcando as doações da obra
Santa?
— Como
assim?
— Estão
escamoteando tudo que é doado. — chegô a hora do vinho fazê o controle da
realidade, diferençá os delírio dos heroísmo fingido
— E
quem lhe disse?
— O
encarregado já vinha com os cuidados de anotar o que chegava, o que era usado e
as sobras. Nos seus cálculos, quanto menos se usa, menos sobra.
— E o
sinhô confia no encarregado? Ele não é um negro?
— O
homem é meus olhos, ouvidos e o que fala por mim nas matéria da obra.
A conversa ia assim, tomando o rumo qui mais
parecia com disse me disse, enredo de falatório. É difícil acusá gente de bem.
O degustadô avaliô o ar da sacristia e respirô fundo. Coçou a carapinha
ralinha, depois bateu forte na própria perna e ofereceu uma das estradas da
encruzilhada
— O
sinhô padre tem os nomes dos pilhantes?
— Da
maioria. — foi a resposta qui escutô
— São
tantos assim?
— É
menos demorado dizer os nomes de quem não assalta as próprias doações. Mas se
sua Excelência aceitar um conselho...
— Fale,
padre.
— Esse
é assunto de pouca conversa com qualquer um dos associados...
________________________
Leia também:
Ensaio 29B - A doença da castidade
Ensaio 31B - O barbeiro-sangradô e as bicha parasita
Nenhum comentário:
Postar um comentário