quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

O parasitismo das bisbilhotice


Ensaio 30B
baitasar
Ali, na sacristia. Lugá de descanso e intimidade do siô padre, ponto das troca dos uniforme da missa e folga; recinto de guardá o pão e o vinho qui vira, na hora certa, o corpo e o sangue do Siô; se podia colocá as vista privilegiada de quem olha os filho bastardo. Os filho de ninguém. Lugá pro poderio da visão interesseira nos serviços dos preto. O trabalho das formiga preta – graudona ou pequetitinha – subindo e descendo: as cortadeira, as carregadora, as vigia impaciente do formigueiro e o olhá curioso dos passante na rua: uns por bisbilhotice; otros, por entusiasmo; não tinha pescoço resistente com as vontade de espiá os trabalho qui nunca acabava. A obra Santa qui virô motivo de curiosidade e persistência escondia o aproveitamento interesseiro de otros tanto.
Os costume da época perdoa tudo. Quase tudo.
Um começo qui começô pra não tê fim. Os preto tudo tinha tarefa, os branco tinha o quefazê de cuidá os preto fazendo: o parasitismo das bisbilhotice. Caso ocê, mi fioneto, nessa sua falta de tempo pra estudá, inda não teve vontade de botá as vista no qui contece nas volta da vida, toma cuidado com os imaginativo da fofoca.
O siô padre conhecia o valô das bisbilhotice qui agoura, cisma, daquilo qui não sabe, mais qui precisá contá com a marotice da cobiça. Sabia qui tinha qui tá um passo na frente dos conspiradô. O melhó jeito era vigiá e conservá as coisa como sempre foi. Ficá com a cautela de não corrê risco: abrí um olho, fechá o otro; mais não fez o qui devia de vez em quando: abrí o fechado e fechá o aberto, pra não cansá o qui vigia, nem acostumá o qui dorme na malandragem. Assim seja, só abria as vista nos preto, fechava as vista nos branco; abria té quando os preto dormia. Fez como sempre foi, cuidava de vigiá os mais fraco. Não podia sê ingênuo e achá qui todo mundo é igual.
Com uma das mão na beirada da porta e a otra agarrada no crucifixo pendurado do pescoço té o peito, ele deixô qui as vista soltasse a língua, ia confiá no ouvidô do patrão governadô, mais inda precisava dá umas volta na palavraria
—        Veja esses escravos purgando as culpas por não aceitarem o único Deus que existe.
O otro aproximô do siô padre, olhô por cima do ombro do ministro de Deus, lá fora um formigueiro de pretos. O zambo continuava agarrado no seu graal, desviô as vista no siô padre antes de dizê o qui não tinha vindo dizê
—        Pois, para mim, é a maior desgraça da Vila. Não tem solução: se são puros na cor e no sangue, merecem as correntes que lhes seguram os modos primitivos. Afinal, não têm para onde ir e vir. Não têm onde caírem mortos, e aliás, se caem, é preciso fazer o enterramento logo, rastro de negro estragado é intragável. De mais a mais, não têm ninguém que venha lhes reclamar os restos. E quando não são puros na cor e no sangue, são mestiços. A mestiçagem é preguiçosa de berço. A má índole é do nascimento, gostam de pedir. Não tem esmola suficiente para a fome da mestiçagem, um saco sem fundo. Ora, ora, que arrume algum serviço nem que seja como carregador das imundícies da merda. Desculpe o meu atrevimento da língua, mas quando se precisa de um carregador de água não se encontra nenhum. Que se acomodem ou jamais serão cristãos e civilizados como os brancos. Macacos!
Ouviram um grito e uma batida abafada. Correram té a porta
—        O que sucedeu? — grito o siô padre
O encarregado lhe respondeu com a voz amedrontada
—        Um negro caiu do madeiramento do teto.
O bafo frio da morte e o calô quente e úmido daquela manhã se misturô na cara do homem de Deus, rescitô bem baixinho, In nomine patris, et filii, et spiritus sancti, amen, e o espírito do vinho invadiu a sacristia té esquentá a cara do zambo do governadô. Os dois parecia medí a montoeira do vinho tomado. Já tinha passado do razoável pra uma visitação de cortesia. Nenhum dos dois ia admití de dizê qui tinha tomado mais vinho qui o recomendado. A língua continuava destravando, parecia não querê pará de soltá os mistério qui cadum guarda escondido do seu jeito
—        Não seja tão duro, sinhô Ouvidor, para tudo isso concorre esse calor dos diabos, que Deus me perdoe, que temos por aqui. Não esqueça que esses negros não têm a Verdade de Deus..
—      São medíocres! Possuem os sentimentos do negro e a imaginação do escravo. Não conseguem se libertar da selvageria.
O siô padre pareceu tê ficado com mais sede depois qui viu o negro sê carregado. Saiu da porta da sacristia e sentô no seu lugá de despacho. Pegô o graal, encheu té na parte de cima, já tava perdido das boas maneiras de serví e tomá, fornicava com a gula
—        Sinto falta de um acompanhamento. — se ia continuá o uso do vinho era preciso fazê uso de algum pão. Pegou o pão do corpo e ofereceu — Pegue...
O zambo qui não precisava pedí esmola olhô pra mão oferecida segurando o cálice do pão
—        O amigo acha... — parecia tê cisma com aquele ofertório
—        Pegue, peço reposição.
O homem do governadô esticô o braço e pegô umas quatro fatia do pão. Voltô no assunto de antes
—        O que se pode esperar da mestiçagem desses negros boçais e degenerados?
O siô padre não pareceu tê feito um brinde às palavras do zambo. Alterô a voz, não queria deixá aparecê qui sua língua tava enrolando como a cobra antes do ataque
—      Muito longe de casa.
—      Desequilibrados... precisam ser castrados, inutilizados para a reprodução. — a visita engoliu o pão, pareceu qui precisô empurrá com a língua o pão grudado no céu da sua boca. Otro gole do vinho pra fazê descê o qui desgrudô. E mais um bochecho pra modo de tê firmeza qui não ficô nenhum farelinho do corpo na boca. Só então, fez modo de continuá respondê a tagarelice do siô padre — Tem vez que acho que não é pra tanto, a nascença dos negrinhos recoloca os braços perdidos com as fugas, os castigos e os desaparecimentos. Já são nascidos na lida da escravidão, chegam com as ideias daqui, não choram de saudade. Isso é vantajoso. Não se perde tempo com a educação, já nascem comportados. — estendeu o braço, desta vez o siô padre não lhe deu importância, tava indo ou vindo de bem longe, o zambo encolheu os ombro e continuô a prosa
—        E o sinhô devia saber que o homem que não tem mulher na sua cama, perde a força de homem. Não é uma tarefa fácil para o sinhô Padre, mais difícil seria para controlar os negros.
O otro continuava sentado com o olhá cravado em algum lugá qui não era na sacristia. Tinha a aparência de lembrá o qui queria esquecê, té qui a boca abriu e ressuscitô a decoreba do Papa
—        O sacerdote faz uma doação do seu espírito e da sua carne ao Sinhô, precisa aprender a defender-se dos impulsos de afeto que fazem brotar emoções de entusiasmo descontrolado, inadequados à razão. Precisa se resguardar das simpatias perigosas.
O zambo não pareceu se importá com aquele adoratório todo, estendeu a mão para o cálice do corpo escorado na mesa, tirô mais fatias do pão. Com a boca cheia de pão e vinho, a língua enrolada e tonta, não pode controlá a bisbilhotice
—        O sinhô Padre é virgem?
O perguntado tomô otro gole, depois baixô a cabeça té desaparecê das vista do perguntadô. Quando voltô com a cabeça erguida tinha na mão otra garrafa de vinho
—        A matéria  da castidade está merecendo um brinde de prudência, não me merece importância, mas já que o sinhô voltou no assunto.
—        Feliz aventura essa do sinhô Padre que não pode ajuntar ao sacerdócio o matrimônio. Tem a desculpa perfeita e pode se deixar agarrar pelos perigos da mulherada... vez que outra.
O siô padre estendeu o braço com o vinho na direção do curioso e, tão solene quanto lhe permitia as perna, se aproximô com o seu graal
—        O Ouvidor do sinhô Governador não veio até essa sacristia para saber se tenho ou não castidade.
—        Meu amigo, essa Vila nasceu dos fidalgos e desbravadores lusitanos que nos trouxeram hábitos de sociabilidade, urbanidade, luxo...
—        E as leis do Papa.
—        É. As leis do Papa. — nesse ponto do abocanhamento das palavra, o visitadô já tava caminhando sem tanta agitação. Parô na porta, parecia arrependido de não dizê o qui devia sê dito — Pena que a ralé da mestiçagem ociosa e inútil, que poderia aprender com tão ilustres exemplos laboriosos, esteja condenada a degradação da corrupção e miséria. — o zambo não perdoava o seu mestiçamento injusto — Esses sararás nunca terão pureza de sangue e de caráter, para sempre um crioléu menos escuro, mas degenerado e tarado!
—        Saúde!
Virô as costa pra porta e ergueu o graal
—        Deveria haver uma comida, uma fruta, ou uma bebida, que sufoque esse abastarmento, pelo menos, para lhes aumentar o valor.
O siô padre lhe fez convite pra sentá. Tinha assunto mais delicado e havia de sê dito com voz qui as parede não pudesse escutá
—        Chegue mais perto. — esperô té qui a orelha do escutadô  ficasse mais perto — Pra terminar o assunto anterior e começar um novo, devo lembrar o sinhô que esses negros vêm parar aqui porque se diz que nem os escuros de lá os querem por perto. — dito isso, o siô padre voltô pra encruzilhada da confiança. Precisava confiá na intenção de quem lhe escutava
—        Sinhô Ouvidor-Geral, não dá para ter respeito e reverência em quem se deveria confiar.
O otro se ajeitô melhó, não largô o graal, mais não lhe levô nenhum gole, desconfiô qui o assunto principal tava por sê dito. Pediu qui o siô padre parasse de ladeá os motivo da sua preocupação — O sinhô Padre poderia ser mais claro? — não sabia o qui ia escutá nem o qui ia falá depois de escutá. O siô padre avisô qui mesmo as parede da sacristia podia ouví o qui não devia. Os dois chegaram mais perto os graal e as vista
—        Os mais ilustres associados da Irmandade estão desfalcando as doações da obra Santa?
—        Como assim?
—        Estão escamoteando tudo que é doado. — chegô a hora do vinho fazê o controle da realidade, diferençá os delírio dos heroísmo fingido
—        E quem lhe disse?
—        O encarregado já vinha com os cuidados de anotar o que chegava, o que era usado e as sobras. Nos seus cálculos, quanto menos se usa, menos sobra.
—        E o sinhô confia no encarregado? Ele não é um negro?
 —       O homem é meus olhos, ouvidos e o que fala por mim nas matéria da obra.
A conversa ia assim, tomando o rumo qui mais parecia com disse me disse, enredo de falatório. É difícil acusá gente de bem. O degustadô avaliô o ar da sacristia e respirô fundo. Coçou a carapinha ralinha, depois bateu forte na própria perna e ofereceu uma das estradas da encruzilhada
—        O sinhô padre tem os nomes dos pilhantes?
—        Da maioria. — foi a resposta qui escutô
—        São tantos assim?
—        É menos demorado dizer os nomes de quem não assalta as próprias doações. Mas se sua Excelência aceitar um conselho...
—        Fale, padre.

—        Esse é assunto de pouca conversa com qualquer um dos associados...


________________________

Leia também:

Ensaio 29B - A doença da castidade

Ensaio 31B - O barbeiro-sangradô e as bicha parasita

Nenhum comentário:

Postar um comentário