casarão canela preta
é mais fácil não tê alguma coisa qui tê
Ensaio 03cp – 2ª edição 1ª reimpressão
baitasar
os donos do dinheiro que tentavam o tiuzin nunca apareceram. parece que eles não têm cara, é gente secreta. quanto mais os sem nada procuram por eles menos acham essa gente secreta. ficam escondidos dentro de algum terno cinza, gravata preta, longo de baile, colar de diamantes. é gente brilhante, escuto dos menos atentos. nem tanto, nem tanto, penso comigo mesmo, no meu modo de vê eles são acinzentados. jamais se postam da janela com cortina e tudo. cérebros controlados que se acreditam desanuviados e possuem o desesperado desejo de nunca morrerem. orgulhosos. dementes que nunca andam de trem. um deserto de futilidades. compram muito capitão-do-mato e espalham pelo ar horas a fio de sermão. apesar de tudo, juram que o seu melhor amigo está sentado à sua frente
Esses o fiusobrinho não acha. Eles não se mostra. Usa máscara. Mandam o capitão-do-mato no seu lugá. Todo mundo qué conhecê o dono do capitão-do-mato, mas só pode desconfiá que tem cara. É fantasma que gosta de assustá.
Eu sei tia, esses são os políticos corruptos. A professora da geografia dizia que são uns safados, sempre vota em branco!
a tiazin arregalou os olhos para mim
Ocê é burro, Fumaça? Não é tudo assim, e essa máscara de político é apenas uma qui eles usa. Olhá melhó na volta. Esses político coloca a bunda na janela, pra isso eles é pago. Mais tem muito mais mascarado... amigo disfarçado de bão comprando o passado e o dia de hoje. Ela não acusa os estafeta da mentira, bandido mais perigoso qui bandido armado. Mata muito mais gente, mata até quem credita neles. Tira tudo, não deixa nada.
Quem é esse tal estafeta da mentira?
Ora, Fumaça. Os homê e as muié do jornalístico. Quem ocê acha qui paga eles? É gente safada qui tira toda sua vontade e coloca a deles no lugá dos seus pensamento, mais deixa os óio e o aparelhamento da escutação pra modo de ocê continuá sentado na frente deles.
Ninguém vai tirá o qui é meu!
o tiuzin parecia derreter a montanha da vontade da avó. a tiazin se voltou pra ele, ela ainda não estava alterada
João, chamou o tiuzin pelo nome sem fazer lembrança do mesmo sangue que corria dentro deles, ninguém da família qué lhe tirá o qui é seu, mais aqui nada é só seu. Não deixa a gula fazê esquecê a vontade da mãinha. Ela deixô a metade do Canela Preta pro moleque, ali. Alguma razão havia ditê.
o dedo da tia Vanda apontava pra mim. isso era uma novidade que eu não sabia se fazia gosto. dono da metade do casarão Canela Preta, pensei, Vou pedir para desistir dessa vontade da davó!
Eu?
O rabanete preto?
a família estava reunida para discutir o vende não vende do tiuzin João, mas a novidade era eu. dono da metade de tudo. todos ficamos espantados, uma pergunta ficou entre o silêncio e os olhares, Por que davó tinha feito isso?
eu não queria assim, nem pedi assim. dito de outro jeito, não pedi nada, foi quando a voz davó me chegou, Mifioneto, logo, logo, ocê vai descobrí quitê coisa, coisinha à toa, é mais difícil qui não tê. Depois qui ocê tem não qué perdê o qui tem. Se não tem não faz falta, mais se tem...
a tia sabia da confusão que me metia, mas tinha sido decisão davó. ninguém sabia da razão daquela vontade. ninguém sabia explicar, a tiazin não parecia saber os motivos davó nem se importava
Moleque, no mundo dos espírito não existe novidade, tudo que acontece já aconteceu antes.
em outras palavras, ela quis dizer que os espíritos não tinham que dar explicação. a família continuava reunida em silêncio. não tinha como não saber o que pensavam. nem precisava adivinhar. era simples e ao mesmo tempo nada fácil
Metade?
Isso mesmo, João... a metade.
os dois olhares agora se enfrentavam
Isso qué dizê o quê?
Isso qué dizê, João, aqui deu pra vê que ele parô pra respirar os próprios pensamentos e dar um tempo de desafogo para o tiuzin, qui o moleque fica com a metade do dinheiro qui ocês ganhá depois de vendê o casarão da mãinha.
qual a qualidade em mim tinha feito davó querer assim? não sei. qual defeito em mim tinha feito davó me colocar nesse mato sem cachorro? preferia que gritassem comigo. o silêncio dos tiuzin e dos primos me deixava mudo. aquilo não era uma brincadeira. não tinha como me sair do plano montado davó. foi quando o tiuzin Manoel chegou
E o qui ocê qué fazê, Manoel?
o tiuzin chegou atrasado para o encontro da família. ele sempre chega com atraso, mas bem vestido, barbeado, perfumado, um preto bem cuidado. esclarecido dos direitos de cada um, cumpridor dos próprios deveres. pediu que lhe explicassem as ideias para solucionar o problema
Por mim, vendia. Pela mãinha... fica tudo como tá. Então, não sô de vendê.
a tiazin olhou na minha direção, me pareceu que tinha um misterioso sorriso combinado com um olhar secreto de lápide. sentia um crescente círculo de pouca vontade
o tiuzin Manoel continuava seu discursivo
Quero aproveitá esse encontro da família e anunciá quitô de mudança marcada. Vou morá com Maria do Prato.
mais uma das mulheres do tiuzin que ninguém conhece, nem vamos conhecer, mas é bom guardar na memória o nome: Maria do Prato; pareceu que a voz do tiuzin desfaleceu, foi quase nada na hora de dizer o nome da estranha. vá que o inusitado aconteça e o tiuzin que não tem conserto encontra o que tem procurado, alguma capaz de lhe servir de salvação e sustento
Quem é essa?
a tiazin Ana levantou do seu torpor, tinha na voz espichada o cacoete do sono
Uma jovem senhora de posses que conheci no baile, esse tiuzin não prega prego sem estopa, nem malha ferro frio. fala a verdade vestida com uma ou outra mentira. aposto que essa moça do Prato é uma velha senhora com dinheiro que o tiuzin quer comer com seus encantamentos de riqueza até descobrir que não pode mastigar dinheiro. a tiazin Vanda tava com aquele olhar de repreensão
Minha irmã... essas velhinhas só querem fugir da solidão.
Nem sempre, Manoel. Cuidado com as bondade demasiada, ela não levantou a voz nem espichou o sermão, tem vez qui diversão de malandro vira prisão.
depois do dito a tia Vanda deu de ombros, voltou as costas para o tiuzin Manoel. aquele não era assunto que precisava de solução imediata. olhou à outra tia que parecia tinha acordada da função alimentícia do mais novo, E ocê, Ana?
essa outra tiazin chegou ao Canela Preta com o mais novinho dos filhos bebendo no peito. já tinha passado davó na quantidade de ter filhos. gostava de fazer os filhos, apreciar eles crescendo e lhe bebendo
Por eu... pode vendê. É um jeito pra arrumá melhor o barraco do Mitão.
a tiazin Vanda agachou na frente da outra tia. era o seu modo de ficar com as vistas nas vistas uma da outra
Ocê vendi pra arrumá o barraco do Mitão. Tá bão, e depois?
a tiazin Ana não entendia da política, dos homens e do depois da tia Vanda
Depois... o quê?
E se o Mitão arrumá outra, ocê vai morá aonde?
o nenê fez muxoxo de choro. ela tratou de aquietar dando outra teta. isso deve ser extenuante, cômico e patético, ficar com aquele carrapato grudado no peito, resmungando e reclamando
Voltamô pro Canela Preta, o Mitão levantou, aquela conversa parecia um grande perigo. passou a mão no penúltimo dos filhos, ou no antepenúltimo, isso não importa, e saiu daquele círculo de união familiar. ele pareceu tê sobrado ali
Ana, ocê disse que é pra vendê o casarão... não vai tê aonde voltá!
Arrumo outro...
a tiazin Vanda desaprisionou do peito outro suspiro. o seu corpo cansado enrijeceu. ela olhou a sua volta. as vantagens de ter alguma coisa envolve a todos, junto vêm as desvantagens e nos rodeiam, pouco ou nada se resolve, E você, Jorge?
Se o preço for muito bom... voto pra vendê.
votação empatada. um assunto controverso que não se acaba com todos me interrogando
E o Batata?
o tiuzin Jorge queria declaratório da situação do tiuzin Batata. O único dos filhos, além da mãinha, que não tinha feito comparecimento
Ele começô emprego de cobradô.
Ocê ta desinformativo, Manoel. Parece que o moleque ficô peixe do patrão e virô motora de caminhão, a tia Vanda juntou as mãos e agradeceu alguma graça
Já dou graças à Deus que o moleque saiu daquelas correria no caminhão do lixo, largou o sindicato, que outros tratem de organizar a associação. Alguém sabe a linha que ele tá puxando?
Não sei a linha que ele ta puxando, mas o tiuzin começa às 4 e 15 da manhã e toca até às 11. Tem um intervalo até o meio da tarde, depois pega até às 10 da noite.
— E quem não é peixe do patrão?
a tiazin Ana levantou da cadeira, o bico da têta enfiado no gurizin. Deu uma volta na mesa da cozinha, parecida com uma ilha cercada de gente por todos os lados. balançava o piá pra lá e cá
Ana, isso não sei, mas aposto qui se não é peixe não sai de cobradô.
E faz o quê das 11 até voltá de tarde?
ela falava de jeito nervoso que não aquietava o gurizin da têta
Não sei, Ana, mas se fosse eu... dormia na garage, dentro do ônibus, ela voltou os olhos para o tiuzin Manoel. a tia empurrou a têta com mais força. parecia que custava muito mais esforço entender porque não se queria botar a mão no dinheiro vivo do comprador desconhecido
Então, a decisão é não vendê... quero sabê quem paga o quê pra arrumá o casarão, todo dia tem coisinha pra fazê...
Dividimô tudo entre nóis...
Quê? Eu nem moro mais aqui!
o tiuzin Jorge parecia começar a não controlar os nervos, Não aceito. O moleque é dono da metade, a metade das arrumação é dele, a metade que sobra dividimô.
Jorge, o moleque não tem donde tirá.
É só largá essa frescura dos livro e arrumá trabalho. O problema é o tamanho...
Jorge! A mãe deixô dito que o moleque estuda até terminá os estudo da escola. Não é assunto da discussão. E ocê, Ana, se não mora aqui é por querê seu, se quisé voltá... o lugar tá desocupado.
um frio me passou na barriga. a tia Ana e o Mitão mais a coleção dos muriquinhos da tia, tudo junto no caldeirão do casarão. isso não era bom para ninguém, nem para o casarão nem para o espírito davó, Mas a metade do Canela Preta é do moleque, ele não vai entrá na divisão?
— Manoel, ele vai tirá pagamento donde? A mãinha tem querê do guri nos estudo, até onde dé. O moleque não tem mais querê que a mãinha, ela queria e ele vai continuá na escola. Isso já foi resolvido, lá no tempo da mãinha viva. Tem alguma parte que eu não entendi?
a tiazin Vanda foi feita com o jeito davó, pronta para o amor e a guerra. com ela a conversa já começava pela metade, tinha o querê dela e o outro jeito que não lhe mudava o querê. os tiuzin Jorge e Manoel tinham aquietado com o rabo entre as pernas, as vistas entre as orelhas. a tiazin Ana achou melhor ficar com o Mitão do feitio que já tava. o tiuzin João saiu no meio das conversas, não disse mais nada do que já havia dito. já sabia que o tiuzin Batata não deixava vender o casarão
depois da reunião desfeita nenhum dos tiuzin voltou no assunto
eu ficava sozinho no casarão, na maior parte dos dias. descia na senzala sempre que precisava cumprir o compromisso de lembrança com a professora da matemática. bem mais nova que as lembranças da geografia. Minha desilusão passou logo que achei outro atrativo, conforme explicou o tiuzin Manoel
Amor é vento que vai um, vem cento.
a história dos preto massacrados já não me incomodava tanto. as coisas boas e ruins ficaram perdidas pela estrada das memórias. o esquecimento no tempo e a vontade das lembranças novas são mais fortes, mas fiz promessa de jamais usar calça longa, folgada nas pernas e apertada nas canelas, como as correntes apertando os cabritos preto. só uso calça de brim.
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Ensaio 03cp – 2ª edição 1ª reimpressão
baitasar
os donos do dinheiro que tentavam o tiuzin nunca apareceram. parece que eles não têm cara, é gente secreta. quanto mais os sem nada procuram por eles menos acham essa gente secreta. ficam escondidos dentro de algum terno cinza, gravata preta, longo de baile, colar de diamantes. é gente brilhante, escuto dos menos atentos. nem tanto, nem tanto, penso comigo mesmo, no meu modo de vê eles são acinzentados. jamais se postam da janela com cortina e tudo. cérebros controlados que se acreditam desanuviados e possuem o desesperado desejo de nunca morrerem. orgulhosos. dementes que nunca andam de trem. um deserto de futilidades. compram muito capitão-do-mato e espalham pelo ar horas a fio de sermão. apesar de tudo, juram que o seu melhor amigo está sentado à sua frente
Esses o fiusobrinho não acha. Eles não se mostra. Usa máscara. Mandam o capitão-do-mato no seu lugá. Todo mundo qué conhecê o dono do capitão-do-mato, mas só pode desconfiá que tem cara. É fantasma que gosta de assustá.
Eu sei tia, esses são os políticos corruptos. A professora da geografia dizia que são uns safados, sempre vota em branco!
a tiazin arregalou os olhos para mim
Ocê é burro, Fumaça? Não é tudo assim, e essa máscara de político é apenas uma qui eles usa. Olhá melhó na volta. Esses político coloca a bunda na janela, pra isso eles é pago. Mais tem muito mais mascarado... amigo disfarçado de bão comprando o passado e o dia de hoje. Ela não acusa os estafeta da mentira, bandido mais perigoso qui bandido armado. Mata muito mais gente, mata até quem credita neles. Tira tudo, não deixa nada.
Quem é esse tal estafeta da mentira?
Ora, Fumaça. Os homê e as muié do jornalístico. Quem ocê acha qui paga eles? É gente safada qui tira toda sua vontade e coloca a deles no lugá dos seus pensamento, mais deixa os óio e o aparelhamento da escutação pra modo de ocê continuá sentado na frente deles.
Ninguém vai tirá o qui é meu!
o tiuzin parecia derreter a montanha da vontade da avó. a tiazin se voltou pra ele, ela ainda não estava alterada
João, chamou o tiuzin pelo nome sem fazer lembrança do mesmo sangue que corria dentro deles, ninguém da família qué lhe tirá o qui é seu, mais aqui nada é só seu. Não deixa a gula fazê esquecê a vontade da mãinha. Ela deixô a metade do Canela Preta pro moleque, ali. Alguma razão havia ditê.
o dedo da tia Vanda apontava pra mim. isso era uma novidade que eu não sabia se fazia gosto. dono da metade do casarão Canela Preta, pensei, Vou pedir para desistir dessa vontade da davó!
Eu?
O rabanete preto?
a família estava reunida para discutir o vende não vende do tiuzin João, mas a novidade era eu. dono da metade de tudo. todos ficamos espantados, uma pergunta ficou entre o silêncio e os olhares, Por que davó tinha feito isso?
eu não queria assim, nem pedi assim. dito de outro jeito, não pedi nada, foi quando a voz davó me chegou, Mifioneto, logo, logo, ocê vai descobrí quitê coisa, coisinha à toa, é mais difícil qui não tê. Depois qui ocê tem não qué perdê o qui tem. Se não tem não faz falta, mais se tem...
a tia sabia da confusão que me metia, mas tinha sido decisão davó. ninguém sabia da razão daquela vontade. ninguém sabia explicar, a tiazin não parecia saber os motivos davó nem se importava
Moleque, no mundo dos espírito não existe novidade, tudo que acontece já aconteceu antes.
em outras palavras, ela quis dizer que os espíritos não tinham que dar explicação. a família continuava reunida em silêncio. não tinha como não saber o que pensavam. nem precisava adivinhar. era simples e ao mesmo tempo nada fácil
Metade?
Isso mesmo, João... a metade.
os dois olhares agora se enfrentavam
Isso qué dizê o quê?
Isso qué dizê, João, aqui deu pra vê que ele parô pra respirar os próprios pensamentos e dar um tempo de desafogo para o tiuzin, qui o moleque fica com a metade do dinheiro qui ocês ganhá depois de vendê o casarão da mãinha.
qual a qualidade em mim tinha feito davó querer assim? não sei. qual defeito em mim tinha feito davó me colocar nesse mato sem cachorro? preferia que gritassem comigo. o silêncio dos tiuzin e dos primos me deixava mudo. aquilo não era uma brincadeira. não tinha como me sair do plano montado davó. foi quando o tiuzin Manoel chegou
E o qui ocê qué fazê, Manoel?
o tiuzin chegou atrasado para o encontro da família. ele sempre chega com atraso, mas bem vestido, barbeado, perfumado, um preto bem cuidado. esclarecido dos direitos de cada um, cumpridor dos próprios deveres. pediu que lhe explicassem as ideias para solucionar o problema
Por mim, vendia. Pela mãinha... fica tudo como tá. Então, não sô de vendê.
a tiazin olhou na minha direção, me pareceu que tinha um misterioso sorriso combinado com um olhar secreto de lápide. sentia um crescente círculo de pouca vontade
o tiuzin Manoel continuava seu discursivo
Quero aproveitá esse encontro da família e anunciá quitô de mudança marcada. Vou morá com Maria do Prato.
mais uma das mulheres do tiuzin que ninguém conhece, nem vamos conhecer, mas é bom guardar na memória o nome: Maria do Prato; pareceu que a voz do tiuzin desfaleceu, foi quase nada na hora de dizer o nome da estranha. vá que o inusitado aconteça e o tiuzin que não tem conserto encontra o que tem procurado, alguma capaz de lhe servir de salvação e sustento
Quem é essa?
a tiazin Ana levantou do seu torpor, tinha na voz espichada o cacoete do sono
Uma jovem senhora de posses que conheci no baile, esse tiuzin não prega prego sem estopa, nem malha ferro frio. fala a verdade vestida com uma ou outra mentira. aposto que essa moça do Prato é uma velha senhora com dinheiro que o tiuzin quer comer com seus encantamentos de riqueza até descobrir que não pode mastigar dinheiro. a tiazin Vanda tava com aquele olhar de repreensão
Minha irmã... essas velhinhas só querem fugir da solidão.
Nem sempre, Manoel. Cuidado com as bondade demasiada, ela não levantou a voz nem espichou o sermão, tem vez qui diversão de malandro vira prisão.
depois do dito a tia Vanda deu de ombros, voltou as costas para o tiuzin Manoel. aquele não era assunto que precisava de solução imediata. olhou à outra tia que parecia tinha acordada da função alimentícia do mais novo, E ocê, Ana?
essa outra tiazin chegou ao Canela Preta com o mais novinho dos filhos bebendo no peito. já tinha passado davó na quantidade de ter filhos. gostava de fazer os filhos, apreciar eles crescendo e lhe bebendo
Por eu... pode vendê. É um jeito pra arrumá melhor o barraco do Mitão.
a tiazin Vanda agachou na frente da outra tia. era o seu modo de ficar com as vistas nas vistas uma da outra
Ocê vendi pra arrumá o barraco do Mitão. Tá bão, e depois?
a tiazin Ana não entendia da política, dos homens e do depois da tia Vanda
Depois... o quê?
E se o Mitão arrumá outra, ocê vai morá aonde?
o nenê fez muxoxo de choro. ela tratou de aquietar dando outra teta. isso deve ser extenuante, cômico e patético, ficar com aquele carrapato grudado no peito, resmungando e reclamando
Voltamô pro Canela Preta, o Mitão levantou, aquela conversa parecia um grande perigo. passou a mão no penúltimo dos filhos, ou no antepenúltimo, isso não importa, e saiu daquele círculo de união familiar. ele pareceu tê sobrado ali
Ana, ocê disse que é pra vendê o casarão... não vai tê aonde voltá!
Arrumo outro...
a tiazin Vanda desaprisionou do peito outro suspiro. o seu corpo cansado enrijeceu. ela olhou a sua volta. as vantagens de ter alguma coisa envolve a todos, junto vêm as desvantagens e nos rodeiam, pouco ou nada se resolve, E você, Jorge?
Se o preço for muito bom... voto pra vendê.
votação empatada. um assunto controverso que não se acaba com todos me interrogando
E o Batata?
o tiuzin Jorge queria declaratório da situação do tiuzin Batata. O único dos filhos, além da mãinha, que não tinha feito comparecimento
Ele começô emprego de cobradô.
Ocê ta desinformativo, Manoel. Parece que o moleque ficô peixe do patrão e virô motora de caminhão, a tia Vanda juntou as mãos e agradeceu alguma graça
Já dou graças à Deus que o moleque saiu daquelas correria no caminhão do lixo, largou o sindicato, que outros tratem de organizar a associação. Alguém sabe a linha que ele tá puxando?
Não sei a linha que ele ta puxando, mas o tiuzin começa às 4 e 15 da manhã e toca até às 11. Tem um intervalo até o meio da tarde, depois pega até às 10 da noite.
— E quem não é peixe do patrão?
a tiazin Ana levantou da cadeira, o bico da têta enfiado no gurizin. Deu uma volta na mesa da cozinha, parecida com uma ilha cercada de gente por todos os lados. balançava o piá pra lá e cá
Ana, isso não sei, mas aposto qui se não é peixe não sai de cobradô.
E faz o quê das 11 até voltá de tarde?
ela falava de jeito nervoso que não aquietava o gurizin da têta
Não sei, Ana, mas se fosse eu... dormia na garage, dentro do ônibus, ela voltou os olhos para o tiuzin Manoel. a tia empurrou a têta com mais força. parecia que custava muito mais esforço entender porque não se queria botar a mão no dinheiro vivo do comprador desconhecido
Então, a decisão é não vendê... quero sabê quem paga o quê pra arrumá o casarão, todo dia tem coisinha pra fazê...
Dividimô tudo entre nóis...
Quê? Eu nem moro mais aqui!
o tiuzin Jorge parecia começar a não controlar os nervos, Não aceito. O moleque é dono da metade, a metade das arrumação é dele, a metade que sobra dividimô.
Jorge, o moleque não tem donde tirá.
É só largá essa frescura dos livro e arrumá trabalho. O problema é o tamanho...
Jorge! A mãe deixô dito que o moleque estuda até terminá os estudo da escola. Não é assunto da discussão. E ocê, Ana, se não mora aqui é por querê seu, se quisé voltá... o lugar tá desocupado.
um frio me passou na barriga. a tia Ana e o Mitão mais a coleção dos muriquinhos da tia, tudo junto no caldeirão do casarão. isso não era bom para ninguém, nem para o casarão nem para o espírito davó, Mas a metade do Canela Preta é do moleque, ele não vai entrá na divisão?
— Manoel, ele vai tirá pagamento donde? A mãinha tem querê do guri nos estudo, até onde dé. O moleque não tem mais querê que a mãinha, ela queria e ele vai continuá na escola. Isso já foi resolvido, lá no tempo da mãinha viva. Tem alguma parte que eu não entendi?
a tiazin Vanda foi feita com o jeito davó, pronta para o amor e a guerra. com ela a conversa já começava pela metade, tinha o querê dela e o outro jeito que não lhe mudava o querê. os tiuzin Jorge e Manoel tinham aquietado com o rabo entre as pernas, as vistas entre as orelhas. a tiazin Ana achou melhor ficar com o Mitão do feitio que já tava. o tiuzin João saiu no meio das conversas, não disse mais nada do que já havia dito. já sabia que o tiuzin Batata não deixava vender o casarão
depois da reunião desfeita nenhum dos tiuzin voltou no assunto
eu ficava sozinho no casarão, na maior parte dos dias. descia na senzala sempre que precisava cumprir o compromisso de lembrança com a professora da matemática. bem mais nova que as lembranças da geografia. Minha desilusão passou logo que achei outro atrativo, conforme explicou o tiuzin Manoel
Amor é vento que vai um, vem cento.
a história dos preto massacrados já não me incomodava tanto. as coisas boas e ruins ficaram perdidas pela estrada das memórias. o esquecimento no tempo e a vontade das lembranças novas são mais fortes, mas fiz promessa de jamais usar calça longa, folgada nas pernas e apertada nas canelas, como as correntes apertando os cabritos preto. só uso calça de brim.
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