Manoel Bomfim
O Brasil nação volume 1
PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS
capítulo 2
capítulo 2
a reação da nacionalidade
O Brasil, traído em 1822, reagiu num irresistível surto de nacionalidade, e, vibrante nas aspirações de democracia, sustentou uma luta de quase dez anos, contra as pretensões do bragantismo aqui implantado. Lutou potentemente; triunfou, e esse triunfo veio a ter, finalmente, na caligem torpe do segundo império: Como se explica tão sinistra monstruosidade de desenvolvimento político?
Não será exagerada a expressão sinistra, pois que o liquidar da revolução de 1831 teve efeitos tão decisivos na sorte geral da nação, que até nos parecem definitivos. Que é, em suma, esse lodaçal republicano em que se some o Brasil, senão a continuação, agravada, daquela política de apostasias e transigências, que afogou a luz de 7 de abril no maioridadismo de julho de 1840? Abjurando ideais, mentindo aos programas, por entre mentiras e embustes, ela passou a ser a política dos exclusivos motivos e interesses pessoais. Vergonhosos, infames, os processos republicanos são, apenas, a acentuação do bragantismo, já sem D. João VI, ou Pedro II. É um bragantismo nu, despojado de quaisquer escrúpulos, sem veios de pudor, nem recatos de probidade pessoal, porque a República afrouxou o ultimo freio de escrúpulos, aliás, já bambo no Império: a honestidade de dinheiros públicos. Chegamos, então, à miséria atual. Note-se, no entanto: essa honestidade de antanho não vinha da política bragantina. Muito pelo contrário, e assim o demonstraremos. A essência de bragantismo, transportado para o Brasil, é aquela corrupção e venalidade comentadas por Armitage, indo até a concussão e a moeda falsa: “É tradição constante, que em uma fábrica de moeda falsa, descoberta em Paraopeba, bem petrechada, era principal interessado um muito próximo parente de D. João V” (distrito diamantino). Barbacena, Gameiro e Lecor deram, desde logo, a amostra dos processos, na administração já brasileira. Em oposição a isso, a política genuinamente nacional, foi, desde o começo, intransigentemente proba e honesta em assunto de dinheiro. Pode-se, mesmo, dizer que assim se caracterizou a reação do Brasil contra a herança governamental. José Bonifácio, contraste com a escola de Luiz da Cunha e o Conde dos Arcos, foi o prenunciador dessa reação, em que se modelou a conduta dos políticos brasileiros, intrinsecamente severos e honestos, de Feijó, Lino Coutinho... até Floriano, até Prudente de Moraes... até Buarque de Macedo, Cassiano do Nascimento... Foi a fibra que mais resistiu, em meio a corrupção da política imperial. Ligar essa honestidade dos políticos brasileiros à ação de Pedro II, é a maior injúria que se pode fazer a nossa história, sendo, também, a mais deslavada. mentira, porque, na realidade, foi a política do segundo Império que preparou e cultivou a corrupção, cujo último termo é isso de que nos envergonhamos hoje. A República chegou ao estado de abjeção ainda com pessoal educado e preparado na vigência do Império. Se, então, houvesse fé, convicções, verdade, princípios de coerência, probidade política, sinceridade e virtudes de atividade pública, é evidente que, nas mesmas gerações, não teríamos a miséria de quinze anos depois. O Império chegara à situação de que o imperador era a mola de tudo, era o único honesto, timbrando em mostrar que, honesto, era o cinto de castidade dos seus políticos. E a vida pública veio à condição de que, faltando o cinto, os homens não se conteriam mais, em nada. É uma marcha natural: transigir, dissimular, abjurar, mentir, desprezar princípios e ideais; condescender, humilhar-se, trair; sacrificar a pátria a motivos pessoais... fartar-se e furtar. A grande viagem de decadência se fez sob a cúpula do Império.
A resolução da crise de 1831 degradada na revolução palaciana de 1840, e as subsequentes infâmias contra os restos de verdadeira democracia, mostram-nos como, finalmente, o espírito do Estado português se implantou no Brasil, e venceu o espírito de brasileirismo, em que se fizeram as revoluções de – 1817, 24, 31 37, 42, 48, 89. É fácil compreender o fracasso de então, contanto que se considerem alguns princípios elementares em sociologia, e de que resulta esta verdade: o bragantismo, único regime de governo conhecido no Brasil até 1831, empestara tanto as camadas superiores e as gentes governantes que, mesmo através de uma revolução, os que chegavam até o governo, infeccionavam-se, desnaturavam-se, e já não eram mais expressões legítimas das puras necessidades nacionais, nem vozes próprias às suas aspirações. Empeçonhada, a zona dos governantes comunica aos mesmos revolucionários os defeitos que lhe são próprios, e eles deixam, então, de corresponder aos motivos políticos com que venceram, para transformarem-se em monstruosos instrumentos da tradição dirigente em que mergulham. Tal aconteceu com a queda do primeiro Império: no liquidar da situação revolucionária, em vez de ser a nação uma individualidade social a afirmar qualidades que lhe fossem próprias, e reivindicar novos destinos, era um cerco de coxos desconjuntados, para suínos, só empenhados em conservar o sujo do local de que se apossaram. Temerosa de si mesma, a revolução, consagrada na política dos dominantes, era a negação da véspera revolucionária, torpe atentado conservador – contra tudo que se prometera à nação; nega-se a solidariedade das tradições nacionais e das aspirações democráticas, foge-se ao que deve ser, e quebra-se definitivamente o surto da regeneração, porque, definidos – exaltados e moderados, o que se segue se reduz a um conflito de acampamento, e que é, ao mesmo tempo, desbarato de energias, contestação de parceiros, empenhados, agora, em suplantarem-se mutuamente. E a nacionalidade teve de lutar contra si mesma. Ora, a nacionalidade é a própria alma de um povo capaz de ser soberano; exprime a tradição em que e se orienta, para manter a realidade da sua existência moral. Não é, por conseguinte, coisa abstrata, e que possa ficar esquecida, quando uma sociedade política defende a integridade dos seus interesses.
A nacionalidade, mesmo por entre revoluções, é a legítima continuidade de um povo; nela está a ordem positiva, que é a ordem ativa, racionalidade na sucessão das crises, identidade dos fins, sucessão dos motivos. Tradição – consciência da nacionalidade – é, para a coletividade, como a consciência lúcida para o indivíduo. Quando a pessoa não chega a reconhecer-se como identidade em desenvolvimento, isso é, como uma pessoa, como uma individualidade moral, isto significa desequilíbrio, quebra da unidade mental. No mundo antigo, onde não havia equilíbrio de nações, também não havia nacionalidades em função: a humanidade eram grupos, conduzidos pelo grande império do momento. Se a vida moderna elevou os conceitos de liberdade e de justiça, é porque colocou os indivíduos em face uns dos outros, em condições de poderem reivindicar a igualdade política, e fez um relativo equilíbrio nos grupos nacionais, de sorte que eles reclamam os mesmos direitos de soberania. Na consciência individual, pode haver contraste de tendências; pode haver, mesmo, conflito de motivos; mas a fórmula de síntese se conserva, e cada ação vem a ser, no momento, a expressão de uma resultante, que é o próprio caráter. Tal acontece na atividade de uma nação moderna: cada agitação é uma realidade de desenvolvimento, em ponderação de motivos, que são as correntes sociais; e a política de cada momento é a expressão resultante das verdadeiras solicitações nacionais. Se, por insistentes desvirtuamentos, não se permite que as tendências íntimas da nacionalidade venham a ter expressão, as suas energias essenciais não se expandem, e o povo está condenado a não manter o caráter em que se definiu nacionalmente: terá de desaparecer noutras tradições políticas. Uma nação evolui, como evolui cada pessoa – mantendo a essência de si mesma. Transformam-se os processos e recursos; sucedem-se os motivos para satisfação de uma virtualidade; e a evolução se faz como o ajuste entre o gênio nacional e a experiência adquirida. Quaisquer que sejam as diferenças, o francês de hoje é aquele mesmo com quem Luiz XI impôs a França aos aristocratas que a abafavam; como o inglês é o mesmo com quem os Tudors construíram a nação que pôde resistir à derrota na Guerra dos cem anos, sem perder o seu lugar no mundo ocidental. A prova definitiva da realidade de uma nação é ter a sua evolução própria, em relação com as suas tradições.
§ 20 – O novo malogro
O Brasil, traído em 1822, reagiu num irresistível surto de nacionalidade, e, vibrante nas aspirações de democracia, sustentou uma luta de quase dez anos, contra as pretensões do bragantismo aqui implantado. Lutou potentemente; triunfou, e esse triunfo veio a ter, finalmente, na caligem torpe do segundo império: Como se explica tão sinistra monstruosidade de desenvolvimento político?
Não será exagerada a expressão sinistra, pois que o liquidar da revolução de 1831 teve efeitos tão decisivos na sorte geral da nação, que até nos parecem definitivos. Que é, em suma, esse lodaçal republicano em que se some o Brasil, senão a continuação, agravada, daquela política de apostasias e transigências, que afogou a luz de 7 de abril no maioridadismo de julho de 1840? Abjurando ideais, mentindo aos programas, por entre mentiras e embustes, ela passou a ser a política dos exclusivos motivos e interesses pessoais. Vergonhosos, infames, os processos republicanos são, apenas, a acentuação do bragantismo, já sem D. João VI, ou Pedro II. É um bragantismo nu, despojado de quaisquer escrúpulos, sem veios de pudor, nem recatos de probidade pessoal, porque a República afrouxou o ultimo freio de escrúpulos, aliás, já bambo no Império: a honestidade de dinheiros públicos. Chegamos, então, à miséria atual. Note-se, no entanto: essa honestidade de antanho não vinha da política bragantina. Muito pelo contrário, e assim o demonstraremos. A essência de bragantismo, transportado para o Brasil, é aquela corrupção e venalidade comentadas por Armitage, indo até a concussão e a moeda falsa: “É tradição constante, que em uma fábrica de moeda falsa, descoberta em Paraopeba, bem petrechada, era principal interessado um muito próximo parente de D. João V” (distrito diamantino). Barbacena, Gameiro e Lecor deram, desde logo, a amostra dos processos, na administração já brasileira. Em oposição a isso, a política genuinamente nacional, foi, desde o começo, intransigentemente proba e honesta em assunto de dinheiro. Pode-se, mesmo, dizer que assim se caracterizou a reação do Brasil contra a herança governamental. José Bonifácio, contraste com a escola de Luiz da Cunha e o Conde dos Arcos, foi o prenunciador dessa reação, em que se modelou a conduta dos políticos brasileiros, intrinsecamente severos e honestos, de Feijó, Lino Coutinho... até Floriano, até Prudente de Moraes... até Buarque de Macedo, Cassiano do Nascimento... Foi a fibra que mais resistiu, em meio a corrupção da política imperial. Ligar essa honestidade dos políticos brasileiros à ação de Pedro II, é a maior injúria que se pode fazer a nossa história, sendo, também, a mais deslavada. mentira, porque, na realidade, foi a política do segundo Império que preparou e cultivou a corrupção, cujo último termo é isso de que nos envergonhamos hoje. A República chegou ao estado de abjeção ainda com pessoal educado e preparado na vigência do Império. Se, então, houvesse fé, convicções, verdade, princípios de coerência, probidade política, sinceridade e virtudes de atividade pública, é evidente que, nas mesmas gerações, não teríamos a miséria de quinze anos depois. O Império chegara à situação de que o imperador era a mola de tudo, era o único honesto, timbrando em mostrar que, honesto, era o cinto de castidade dos seus políticos. E a vida pública veio à condição de que, faltando o cinto, os homens não se conteriam mais, em nada. É uma marcha natural: transigir, dissimular, abjurar, mentir, desprezar princípios e ideais; condescender, humilhar-se, trair; sacrificar a pátria a motivos pessoais... fartar-se e furtar. A grande viagem de decadência se fez sob a cúpula do Império.
A resolução da crise de 1831 degradada na revolução palaciana de 1840, e as subsequentes infâmias contra os restos de verdadeira democracia, mostram-nos como, finalmente, o espírito do Estado português se implantou no Brasil, e venceu o espírito de brasileirismo, em que se fizeram as revoluções de – 1817, 24, 31 37, 42, 48, 89. É fácil compreender o fracasso de então, contanto que se considerem alguns princípios elementares em sociologia, e de que resulta esta verdade: o bragantismo, único regime de governo conhecido no Brasil até 1831, empestara tanto as camadas superiores e as gentes governantes que, mesmo através de uma revolução, os que chegavam até o governo, infeccionavam-se, desnaturavam-se, e já não eram mais expressões legítimas das puras necessidades nacionais, nem vozes próprias às suas aspirações. Empeçonhada, a zona dos governantes comunica aos mesmos revolucionários os defeitos que lhe são próprios, e eles deixam, então, de corresponder aos motivos políticos com que venceram, para transformarem-se em monstruosos instrumentos da tradição dirigente em que mergulham. Tal aconteceu com a queda do primeiro Império: no liquidar da situação revolucionária, em vez de ser a nação uma individualidade social a afirmar qualidades que lhe fossem próprias, e reivindicar novos destinos, era um cerco de coxos desconjuntados, para suínos, só empenhados em conservar o sujo do local de que se apossaram. Temerosa de si mesma, a revolução, consagrada na política dos dominantes, era a negação da véspera revolucionária, torpe atentado conservador – contra tudo que se prometera à nação; nega-se a solidariedade das tradições nacionais e das aspirações democráticas, foge-se ao que deve ser, e quebra-se definitivamente o surto da regeneração, porque, definidos – exaltados e moderados, o que se segue se reduz a um conflito de acampamento, e que é, ao mesmo tempo, desbarato de energias, contestação de parceiros, empenhados, agora, em suplantarem-se mutuamente. E a nacionalidade teve de lutar contra si mesma. Ora, a nacionalidade é a própria alma de um povo capaz de ser soberano; exprime a tradição em que e se orienta, para manter a realidade da sua existência moral. Não é, por conseguinte, coisa abstrata, e que possa ficar esquecida, quando uma sociedade política defende a integridade dos seus interesses.
A nacionalidade, mesmo por entre revoluções, é a legítima continuidade de um povo; nela está a ordem positiva, que é a ordem ativa, racionalidade na sucessão das crises, identidade dos fins, sucessão dos motivos. Tradição – consciência da nacionalidade – é, para a coletividade, como a consciência lúcida para o indivíduo. Quando a pessoa não chega a reconhecer-se como identidade em desenvolvimento, isso é, como uma pessoa, como uma individualidade moral, isto significa desequilíbrio, quebra da unidade mental. No mundo antigo, onde não havia equilíbrio de nações, também não havia nacionalidades em função: a humanidade eram grupos, conduzidos pelo grande império do momento. Se a vida moderna elevou os conceitos de liberdade e de justiça, é porque colocou os indivíduos em face uns dos outros, em condições de poderem reivindicar a igualdade política, e fez um relativo equilíbrio nos grupos nacionais, de sorte que eles reclamam os mesmos direitos de soberania. Na consciência individual, pode haver contraste de tendências; pode haver, mesmo, conflito de motivos; mas a fórmula de síntese se conserva, e cada ação vem a ser, no momento, a expressão de uma resultante, que é o próprio caráter. Tal acontece na atividade de uma nação moderna: cada agitação é uma realidade de desenvolvimento, em ponderação de motivos, que são as correntes sociais; e a política de cada momento é a expressão resultante das verdadeiras solicitações nacionais. Se, por insistentes desvirtuamentos, não se permite que as tendências íntimas da nacionalidade venham a ter expressão, as suas energias essenciais não se expandem, e o povo está condenado a não manter o caráter em que se definiu nacionalmente: terá de desaparecer noutras tradições políticas. Uma nação evolui, como evolui cada pessoa – mantendo a essência de si mesma. Transformam-se os processos e recursos; sucedem-se os motivos para satisfação de uma virtualidade; e a evolução se faz como o ajuste entre o gênio nacional e a experiência adquirida. Quaisquer que sejam as diferenças, o francês de hoje é aquele mesmo com quem Luiz XI impôs a França aos aristocratas que a abafavam; como o inglês é o mesmo com quem os Tudors construíram a nação que pôde resistir à derrota na Guerra dos cem anos, sem perder o seu lugar no mundo ocidental. A prova definitiva da realidade de uma nação é ter a sua evolução própria, em relação com as suas tradições.
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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."
Cecília Costa Junqueira
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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).
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O Brasil nação - v1: § 21 – Revolução deve ser revolução... - Manoel Bomfim
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