Manoel Bomfim
O Brasil nação volume 1
PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS
capítulo 3
capítulo 3
o novo malogro
Mesmo sinceros, os moderados nada compreenderam do momento nacional em que intervieram, nem tiveram consciência dos seus deveres. Prontamente venceu a revolução; entraram para ela os mais ambiciosos dos oposicionistas, que já se achavam na função de dirigentes, e trataram de fruir imediatamente a vitória sem esquecer de confundir a nação com as suas pessoas. Consideraram que tudo se resolvera com a retirada do insignificante imperador, que nem soubera lutar, e reduziram o movimento a uma simples crise de ministério a ser substituído. Ora, as condições eram muito mais graves, e de significação infinitamente mais extensa: havia a premência de motivos que vinham de longe, com força para determinar uma verdadeira revolução. Era já uma avançada que se não podia suspender, ou desviar dos resultados lógicos, sem anular energias essenciais no soerguimento da nação. No entanto, começaram, esses oportunistas, na hora mesma em que alcançaram o poder, com o gesto de suspender o movimento de avançada; então, daí por diante, toda a sua política se fez no esforço de conter a revolução que apenas irrompia. Sentaram-se no governo e, ao Brasil, que fremente pedia a verdadeira realização nacional, eles fecharam todo o horizonte com os reclamos de calma, dando, em vez de um programa de ação, panegíricos da ordem.
§ 22 – A insânia da sensatez
Mesmo sinceros, os moderados nada compreenderam do momento nacional em que intervieram, nem tiveram consciência dos seus deveres. Prontamente venceu a revolução; entraram para ela os mais ambiciosos dos oposicionistas, que já se achavam na função de dirigentes, e trataram de fruir imediatamente a vitória sem esquecer de confundir a nação com as suas pessoas. Consideraram que tudo se resolvera com a retirada do insignificante imperador, que nem soubera lutar, e reduziram o movimento a uma simples crise de ministério a ser substituído. Ora, as condições eram muito mais graves, e de significação infinitamente mais extensa: havia a premência de motivos que vinham de longe, com força para determinar uma verdadeira revolução. Era já uma avançada que se não podia suspender, ou desviar dos resultados lógicos, sem anular energias essenciais no soerguimento da nação. No entanto, começaram, esses oportunistas, na hora mesma em que alcançaram o poder, com o gesto de suspender o movimento de avançada; então, daí por diante, toda a sua política se fez no esforço de conter a revolução que apenas irrompia. Sentaram-se no governo e, ao Brasil, que fremente pedia a verdadeira realização nacional, eles fecharam todo o horizonte com os reclamos de calma, dando, em vez de um programa de ação, panegíricos da ordem.
Quando, a uma nação que pede reformas radicais, a vitória política se anuncia em promessas de ordem, isto equivale a renegar a essência mesma do movimento, e desistir de toda transformação, em troca da posse do poder. Ora, o movimento vitorioso a 7 de abril fazia-se em nome de uma soberania nacional e democrática, que o Brasil pedia desde 1821, e jamais obtivera. Organização nacional decidida a subsistir, esta pátria era explicitamente uma complexidade de interesses solidários; se o momento político foi tal que esses interesses se concentraram, todos, em combater ostensivamente o regime governamental e a respectiva política, é que havia no Império, instituído em 1822-23-24, vícios essenciais em formal oposição com a vida mesma da nação; a crise não podia ficar em terço, ou em décimo, de solução...
Esse foi o quarto grande desastre, o maior deles, esforço do Brasil para ser brasileiramente livre: imigração do Estado português, derrota de 1817, independência com o Bragança, revolução de 7 de abril empolgada pelos moderados. A vitória realizadora, numa revolução, depende de serem compreendidas as energias brutais que se desprendem da agitação aparentemente cega, pôr-se a par delas, controlá-las e ajustá-las. Chama-se a isto conduzir a revolução; mas, para tanto, é mister não na temer; deixar que ela se manifeste e se expanda. É o mesmo processo do bom educador, para com a criança cuja índole quer conhecer, para bem aproveitar os seus pendores naturais. Lembremo-nos de que a condição do momento era tal, nesse abril de 1831, que, nota Armitage: “Os insultos dos portugueses a Evaristo da Veiga deram-lhe popularidade acima do que era de esperar...”. É o mesmo historiador que aponta como defeito supremo do imperante deposto – o nunca ter sido brasileiro. Com tudo isso, demonstra-se que havia motivos profundos e desenvolvidos para essa formal oposição – brasileiro-português. O partido português definia-se como conservador e reacionário; o brasileiro, liberal-democrata. O Império era combatido explicitamente por ser expressão do portuguesismo, em vista do partido que ostensivamente o defendia. Aí está a significação concreta dos motivos que opunham – brasileiro e português.
No Império se fundiam, para os brasileiros, os dois tradicionais inimigos da sua liberdade, e o português era execrado, não tanto pela sua nacionalidade, como por ser o ostensivo sustentáculo do regime imperial. Por isso mesmo, desde os primeiros dias da oposição a Pedro I, houve uma intensa e forte propaganda pela república; houve, mesmo, conspiradores, e dos mais eficientes, que, explicitamente, tramavam a eliminação da monarquia – como condição de liberdade para a nação brasileira.
Desta sorte, se houvera, nos moderados, qualquer mediana capacidade política, assistida de sinceridade, eles teriam compreendido que a solução da crise estava no sentido das aspirações em que se exaltavam os nacionalistas, e, nunca, em procurar contê-los, dominá-los e anulá-los... Infelizmente, na falta de verdadeiros dons, os oportunistas de 1831 exploraram a sensatez: aproveitaram as posições em que se achavam empoleirados; enfronharam-se cada vez mais em moderação, e dela fizeram o balão em que se mantiveram elevados contra os verdadeiros democratas. É bem de ver que uma reforma legitimamente liberal, em que se remisse o Brasil maculado pelo bragantismo; isto era incompatível com a crosta de sensatez de que os moderados fizeram o seu mérito. Havia, entre eles, democratas de essência, um Ferreira França, que propôs, como deputado, a federação e o estado leigo; havia quem estivesse pronto a apresentar projeto declarando Pedro I incapaz de governar... Mas a crosta da sensatez nula em compostura vazia teve como efeito imediato deixar subsistir o influxo dos José Clemente e Vilela Barbosa, que, completados pelos Araújo Lima, Calmon e Hermeto, conseguiram suplantar todos os avanços do Brasil – para a liberdade e a democracia. Sendo de agitação revolucionária, aqueles dias foram, no entanto, o triunfo do bronquismo estéril, em que a solenidade dos modos e a sensatez das falas encobriam a covardia das atitudes e a nulidade das ideias.
Armitage enfileira Evaristo com os revolucionários conspiradores, mas o Sr. Pereira da Silva afirma que, mesmo quando a revolução já gritava no Campo de Sant’Ana, “Evaristo, Carneiro Leão e Paim propuseram que se resistisse à revolução, porque da sua vitória resultariam a queda do imperador, a ruína das instituições... Alguns declararam-se resolutamente pelo movimento em marcha iniciado, ansiosos de expelir D. Pedro do solo brasileiro, como português que era, e não tardaram em retirar-se da reunião, dirigindo-se para o Campo de Sant’Ana... Os que se conservaram, assentaram em colocar-se a sua frente, para encaminhá-lo no sentido de salvar as instituições (o Império dos marqueses)... No Campo, uns queriam marchar contra os paços de São Cristóvão, e arrancar a coroa ao imperador, e falavam num império federativo; outros, mais adiantados, apregoavam, já, a necessidade de uma república”. Estas linhas, que resumem o noticiário da época, demonstram que o movimento não foi obra dos parlamentares, em conciliábulo, apenas, quando a revolução popular já estrugia na praça pública; que, mesmo dentre os parlamentares, havia quem fosse pela revolução completa – até a república; que o creme dos moderados – Evaristos, Hermetos e Pains, só vieram para revolução no intuito explícito de salvar o Império, aproveitando-a quanto possível como vantagens pessoais... Armitage, bem informado, confirma esse resumo. Estava indeciso o clube dos conspiradores – Valongo, chácara de França Leite – se, “no caso de cair D. Pedro, deveria instaurar-se a república, se a monarquia constitucional.101 Venceu este último alvitre, e que consistiu em, deposto o imperante, substituído por uma regência, substituir-se o ministério de 5 de abril pelo que havia sido demitido; isto é, transformaram uma convulsão triunfante numa acomodação de sisudos, acovardados em face do futuro, Trinta anos depois, O Constitucional ainda abafa a revolução em sensatez: “Em 31, o Império, prestes a descambar, foi salvo por um milagre, à beira do abismo...”
Os historiadores de profissão, a serviço do Império, foram unânimes em acentuar que senhores do poder, os moderados deram todo o seu melhor esforço em impedir que a revolução fosse ter ao seu desfecho lógico. O partido moderado, diz um Macedo, “não abusou da vitória: com os maiores esforços conseguiu debelar facções e manter o sistema monárquico... A nobre abnegação do primeiro imperador; a gloriosa e nobre dedicação do partido liberal, puderam salvar a monarquia...” À parte glórias e nobrezas, ainda há muito que deduzir desse ativo: o partido liberal dos Hermeto e Evaristo desfrutou a vitória; mas a energia para a conquista dela, essa, foi bem mais dilatada, e profunda, e eficaz, do que o que eles poderiam dar: a batalha foi ganha pela nação. Um Sr. Moreira Azevedo é mais elucidativo, ainda:
Em verdade, raramente se encontrará mais profunda injúria ao bom senso que esse programa – da gente que se valorizava pela sensatez... Avançaram e alcançaram o poder na vaga de uma revolução, e, uma vez empoleirados, fortificaram-se – a exigir que os intuitos da revolução se realizassem legalmente... E, por isso, o mesmo Moreira Azevedo não mede elogios aos homens da moderação, ordem, legalidade... Na conjuntura, a política dos moderados se aquilata pelo proceder para com o velho democrata e patriota Cipriano Barata. Logo na primeira proclamação da regência provisória, pela pena emoliente de Evaristo, lá vem o jato flácido e resfriante: “... devemos temer de nós mesmos, do nosso entusiasmo, do amor pela liberdade...” E haja: “... moderação depois da vitória... Sejamos amigos da ordem... a lei começa a reinar... esperem tudo das autoridades que a exercem...” As mais falas que se sucedem são apenas outras tantas glosas dos motivos – moderação, legalidade, ordem, paciência, autoridade... Esse empenho em moderar as aspirações e legalizar a revolução teve, necessariamente, o efeito de provocar censuras... logo seguidas de manifestações impacientes: eram revolucionários vitoriosos, depois de uma longa campanha, que traziam um programa novo – de liberdade, democracia e justiça, e a quem se respondia com sensatez e longas objurgatórias contra essas mesmas aspirações, Os historiadores insuspeitos pelo porfiado bragantismo, canonizando o moderatismo, não acham outros elogios: “... um governo regencial provisório de três varões respeitáveis e uma proclamação dirigida ao povo no sentido de serenar os ânimos, e reprimir as paixões e arrebatamentos exaltados, que deveriam necessariamente derivar-se do evento extraordinário...” Esta é a primeira constatação, da primeira página, do livro do Sr. Pereira da Silva – De 1831 a 1840. Sente-se bem que o intuito do historiante é sublimar o que lhe parece mérito. Por isso acentua a qualidade – varões respeitáveis, pois que pela sua curta visão não passa o reparo de que varões respeitáveis não realizam obra revolucionária. Depois disto, como esperar que o historiador da Fundação compreenda o erro de reprimirem-se “movimentos que necessariamente derivam-se...” E seguem-se duas linhas, que formam o melhor comentário do caso: “Os ministros trataram de publicar, urgentemente, as providências apropriadas para repor a sociedade no seu estado normal, como se um grande choque moral e material não lhe houvesse abalado os alicerces...” Por desgraça do Brasil, os moderados repuseram as coisas, tanto que, antes de dez anos, tudo estava pior do que nos dias de Pedro I. Nem podia ser de outra forma: um ano depois da vitória de 7 de abril, o moderado Bernardo de Vasconcelos perorava: “Convém, sobretudo, dar garantias perfeitas à ordem pública e extinguir o espírito revolucionário...” As garantias foram dadas, o espírito revolucionário se extinguiu, e o mesmo Bernardo de Vasconcelos pôde orgulhar-se de haver feito o regresso... Aos indiferentes, a situação se simbolizará na clássica imagem – patos chocaram ovos de águia, e abafaram os recém-nascidos apenas os reconheceram... facciosos, anárquicos, desordeiros... sob as asas dos patos.102
As páginas transcritas, com toda a sua pesada autoridade, patenteiam que, a 7 de abril, os moderados teriam impedido a revolução, se o pudessem, e só entraram nela para frená-la, aproveitar as posições, e reduzir as reformas necessárias ao mínimo, ou a nada. A parte viva da nação, vibrante e intransigente, reclamou vivamente, em repetidas manifestações, bem populares nos históricos farroupilhas, manifestações que foram outras tantas tentativas de realizar a revolução vencedora. A isto, grasnaram os patos, tachando o momento de motim, facção, desordem, anarquia... ao mesmo tempo que tratavam de passar a caudal da revolução para as botijas do parlamentarismo, ainda incerto e já serôdio. Em face à caudal que se derramava, Vasconcelos, já trôpego nas suas pernas de tabético, bradava o monstruoso – É preciso extinguir o espírito revolucionário... Fora possível fazê-lo, sem extinguir, também, na política brasileira, toda a capacidade de orientar-se por princípios, e de mover-se para ideais?... Como falar de legalidade e ordem naquele momento?... Os próprios historiadores votados ao moderatismo no-lo demonstram: “... havia ansiedade por essas reformas – abolição da vitaliciedade do Senado e do conselho de Estado; o regime federativo, a difusão do ensino... até a separação da Igreja do Estado... até a extinção da monarquia...” Tudo isto tinha sido objeto de projetos. Havia “amor febricitante da liberdade”, continua esse historiador: “Apesar da energia do ministro da justiça... para prevenir e refrear sedições e tumultos, havia exasperação demasiada nos espíritos, impaciência rancorosa nas classes mais ínfimas do povo...”. Como não ser assim, se uma das medidas de ordem foi a prisão dos jornalistas radicais, de que resultou fecharem-se os jornais republicanos? É da mesma página:103
Isto é, as reformas reclamadas ficaram sujeitas à aquiescência do senado dos marqueses, que, sem reservas, as condenou, e anulou, assim, todo o esforço da revolução. Destarte, justificam-se plenamente os movimentos dos radicais, de 1831-32, empenhados em dar realidade ao 7 de Abril.
Os moderados não deram satisfação aos reclamos da nação; a derrota e o esmagamento dos exaltados reverteu em vitória para o senado dos marqueses, e, sendo o sacrifício da democracia brasileira, foi, ao mesmo tempo, o definitivo aviltamento da atividade parlamentar, convertida em suja politicagem. A coisa vai, de pronto, a um tal estado de degradação, que um pobre de ideais, como o mesmo homem da Fundação, não pode contemplar a política vencedora e dominante nos dias subsequentes, sem lembrar, saudoso de luz, os dias salubres – de 1827, 28, 29, 30, 31, 32. “... em que havia luta de ideais, incitação de amor pela liberdade... em oposição ao – desmantelo dos partidos em 1834... pouco mais de três anos haviam decorrido, e já, todavia, não se viam as mesmas paixões, os mesmos entusiasmos... Lutara-se, na primeira fase, com o ardor juvenil e pujante que incitam as ideias...”104 Foi bem o triunfo dos patos. Era tudo isto, de fato, o que havia; e, à nação, assim exaltada e anelante, apegaram-se as lesmas da moderação, iludindo-a com as promessas de reformas que não podiam, ou não queriam fazer. Iludiam-se a si mesmo, os mais honestos, julgando-se capazes de, numa crise revolucionária, mas em contrário à revolução, com as peias dos processos parlamentares, realizar aquilo mesmo que levara a nação a apelar para a revolução. Anárquicos, facciosos... os radicais de 1831-32: mas, que pretendiam eles? É ainda o Sr. Pereira da Silva quem o assinala: “Pretenderam, os mais saturados de radicalismo, que o povo promovesse por si as reformas das instituições, caso as desejasse alcançar, porque dificilmente, e só incompletas, as decretariam as câmaras, formadas, a do senado de espírito retrógrados, e a dos deputados de membros ainda eleitos sob o regime antecedente... A obra da revolução não se podia cifrar no fato da simples mudança de imperador. Não podia o povo continuar sujeito à constituição outorgada, como presente de senhor a escravo; carecia de proclamar outras, que fossem obra de novos mandatários, eleitos
especialmente fossem fazê-las”. Para exaltados revolucionários não poderia haver linguagem mais justa, nem mais ponderada. Mas os moderados, que já eram, todos – deputados, e estavam no poder, não quiseram abrir mão da posição em que se encontravam, nem correr os riscos de uma eleição, em que se elegeriam muitos dos exaltados, até então propagandistas livres. E opuseram-se aos intuitos dos adversários com todo o peso do respectivo moderatismo: “Sustentavam, os mais prudentes, que tudo se conseguiria, legalmente, das câmaras que funcionavam, independentemente de novas eleições sem ser preciso sair fora da lei...”105 Ora, a Nação sabia, sabiam-no os moderados – que uma dessas câmaras, o senado, nunca daria as reformas pedidas, uma das quais era a extinção da sua vitaliciedade... E foi com esse critério que, através dos Araújo Lima, Hermeto, Rodrigues Torres e Calmons, se resolveu uma crise decisiva na organização do Brasil soberano. O povo que aclamara o imperador, e, numa revolução, depusera a esse soberano, obrigando-o a abdicar, não podia, no mesmo movimento – depor as câmaras declarando-as dissolvidas, a eleger outras, que, na inspiração do momento, viesse realizar concretamente a obra da revolução!... Seria sair fora da lei... como se ele o povo, não houvesse começado – por sair da lei... É tanta a incongruência que a estupidez, só, não basta para justificá-la: devemos contar com a má-fé, também.
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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."
Cecília Costa Junqueira
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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).
O Brasil nação - v1: § 21 – Revolução deve ser revolução... - Manoel Bomfim
101 Op. cit., pág. 216.
Os historiadores de profissão, a serviço do Império, foram unânimes em acentuar que senhores do poder, os moderados deram todo o seu melhor esforço em impedir que a revolução fosse ter ao seu desfecho lógico. O partido moderado, diz um Macedo, “não abusou da vitória: com os maiores esforços conseguiu debelar facções e manter o sistema monárquico... A nobre abnegação do primeiro imperador; a gloriosa e nobre dedicação do partido liberal, puderam salvar a monarquia...” À parte glórias e nobrezas, ainda há muito que deduzir desse ativo: o partido liberal dos Hermeto e Evaristo desfrutou a vitória; mas a energia para a conquista dela, essa, foi bem mais dilatada, e profunda, e eficaz, do que o que eles poderiam dar: a batalha foi ganha pela nação. Um Sr. Moreira Azevedo é mais elucidativo, ainda:
... uma revolução tão importante... produziu grande abalo; agitaram-se os espíritos, excitaram-se as paixões e revolucionaram-se os ânimos. Acharam-se, em pouco tempo, divididos os vencedores de 7 de abril, formando dois partidos, o exaltado e o moderado. Assumira este o poder, sustentado pela grande maioria da Câmara dos deputados... Desejava o partido moderado que as reformas fossem operadas lentamente, pelos meios legais...
Em verdade, raramente se encontrará mais profunda injúria ao bom senso que esse programa – da gente que se valorizava pela sensatez... Avançaram e alcançaram o poder na vaga de uma revolução, e, uma vez empoleirados, fortificaram-se – a exigir que os intuitos da revolução se realizassem legalmente... E, por isso, o mesmo Moreira Azevedo não mede elogios aos homens da moderação, ordem, legalidade... Na conjuntura, a política dos moderados se aquilata pelo proceder para com o velho democrata e patriota Cipriano Barata. Logo na primeira proclamação da regência provisória, pela pena emoliente de Evaristo, lá vem o jato flácido e resfriante: “... devemos temer de nós mesmos, do nosso entusiasmo, do amor pela liberdade...” E haja: “... moderação depois da vitória... Sejamos amigos da ordem... a lei começa a reinar... esperem tudo das autoridades que a exercem...” As mais falas que se sucedem são apenas outras tantas glosas dos motivos – moderação, legalidade, ordem, paciência, autoridade... Esse empenho em moderar as aspirações e legalizar a revolução teve, necessariamente, o efeito de provocar censuras... logo seguidas de manifestações impacientes: eram revolucionários vitoriosos, depois de uma longa campanha, que traziam um programa novo – de liberdade, democracia e justiça, e a quem se respondia com sensatez e longas objurgatórias contra essas mesmas aspirações, Os historiadores insuspeitos pelo porfiado bragantismo, canonizando o moderatismo, não acham outros elogios: “... um governo regencial provisório de três varões respeitáveis e uma proclamação dirigida ao povo no sentido de serenar os ânimos, e reprimir as paixões e arrebatamentos exaltados, que deveriam necessariamente derivar-se do evento extraordinário...” Esta é a primeira constatação, da primeira página, do livro do Sr. Pereira da Silva – De 1831 a 1840. Sente-se bem que o intuito do historiante é sublimar o que lhe parece mérito. Por isso acentua a qualidade – varões respeitáveis, pois que pela sua curta visão não passa o reparo de que varões respeitáveis não realizam obra revolucionária. Depois disto, como esperar que o historiador da Fundação compreenda o erro de reprimirem-se “movimentos que necessariamente derivam-se...” E seguem-se duas linhas, que formam o melhor comentário do caso: “Os ministros trataram de publicar, urgentemente, as providências apropriadas para repor a sociedade no seu estado normal, como se um grande choque moral e material não lhe houvesse abalado os alicerces...” Por desgraça do Brasil, os moderados repuseram as coisas, tanto que, antes de dez anos, tudo estava pior do que nos dias de Pedro I. Nem podia ser de outra forma: um ano depois da vitória de 7 de abril, o moderado Bernardo de Vasconcelos perorava: “Convém, sobretudo, dar garantias perfeitas à ordem pública e extinguir o espírito revolucionário...” As garantias foram dadas, o espírito revolucionário se extinguiu, e o mesmo Bernardo de Vasconcelos pôde orgulhar-se de haver feito o regresso... Aos indiferentes, a situação se simbolizará na clássica imagem – patos chocaram ovos de águia, e abafaram os recém-nascidos apenas os reconheceram... facciosos, anárquicos, desordeiros... sob as asas dos patos.102
102 Natural, necessário, popular... aqueles movimentos pós 7 de abril se caracterizavam pela espontaneidade: “Não há direção no movimento, ele sai dos quartéis acendido pela paixão de uma coisa que ferve em muitos corações, mas não é orientado e prevenido...” O general que atacou os farroupilhas foi o mesmo “Manoel de Morais, o mesmo que servira a D. Pedro para fechar a Constituinte de 1823”. (Gonzaga Duque, Revoluções Brasileiras, pág. 150).
As páginas transcritas, com toda a sua pesada autoridade, patenteiam que, a 7 de abril, os moderados teriam impedido a revolução, se o pudessem, e só entraram nela para frená-la, aproveitar as posições, e reduzir as reformas necessárias ao mínimo, ou a nada. A parte viva da nação, vibrante e intransigente, reclamou vivamente, em repetidas manifestações, bem populares nos históricos farroupilhas, manifestações que foram outras tantas tentativas de realizar a revolução vencedora. A isto, grasnaram os patos, tachando o momento de motim, facção, desordem, anarquia... ao mesmo tempo que tratavam de passar a caudal da revolução para as botijas do parlamentarismo, ainda incerto e já serôdio. Em face à caudal que se derramava, Vasconcelos, já trôpego nas suas pernas de tabético, bradava o monstruoso – É preciso extinguir o espírito revolucionário... Fora possível fazê-lo, sem extinguir, também, na política brasileira, toda a capacidade de orientar-se por princípios, e de mover-se para ideais?... Como falar de legalidade e ordem naquele momento?... Os próprios historiadores votados ao moderatismo no-lo demonstram: “... havia ansiedade por essas reformas – abolição da vitaliciedade do Senado e do conselho de Estado; o regime federativo, a difusão do ensino... até a separação da Igreja do Estado... até a extinção da monarquia...” Tudo isto tinha sido objeto de projetos. Havia “amor febricitante da liberdade”, continua esse historiador: “Apesar da energia do ministro da justiça... para prevenir e refrear sedições e tumultos, havia exasperação demasiada nos espíritos, impaciência rancorosa nas classes mais ínfimas do povo...”. Como não ser assim, se uma das medidas de ordem foi a prisão dos jornalistas radicais, de que resultou fecharem-se os jornais republicanos? É da mesma página:103
103 “Sendo preso (em 1832) um jornalista republicano, o redator da Matraca, os demais órgãos republicanos fecham as oficinas com temor das perseguições”. (Gonzaga Duque, op. cit., pág. 156).
Exasperou-se o partido exaltado... e entendeu que cumpria repetir a revolução de 7 de abril, que mais feito seu fora do que do moderado, que o monopolizara em proveito seu. Não se acalmara o partido exaltado com a adoção de reformas constitucionais pela Câmara dos deputados; considerava traída a causa da liberdade logo que ficara a sua promulgação sujeita definitivamente à legislatura vindoura...
Isto é, as reformas reclamadas ficaram sujeitas à aquiescência do senado dos marqueses, que, sem reservas, as condenou, e anulou, assim, todo o esforço da revolução. Destarte, justificam-se plenamente os movimentos dos radicais, de 1831-32, empenhados em dar realidade ao 7 de Abril.
Os moderados não deram satisfação aos reclamos da nação; a derrota e o esmagamento dos exaltados reverteu em vitória para o senado dos marqueses, e, sendo o sacrifício da democracia brasileira, foi, ao mesmo tempo, o definitivo aviltamento da atividade parlamentar, convertida em suja politicagem. A coisa vai, de pronto, a um tal estado de degradação, que um pobre de ideais, como o mesmo homem da Fundação, não pode contemplar a política vencedora e dominante nos dias subsequentes, sem lembrar, saudoso de luz, os dias salubres – de 1827, 28, 29, 30, 31, 32. “... em que havia luta de ideais, incitação de amor pela liberdade... em oposição ao – desmantelo dos partidos em 1834... pouco mais de três anos haviam decorrido, e já, todavia, não se viam as mesmas paixões, os mesmos entusiasmos... Lutara-se, na primeira fase, com o ardor juvenil e pujante que incitam as ideias...”104 Foi bem o triunfo dos patos. Era tudo isto, de fato, o que havia; e, à nação, assim exaltada e anelante, apegaram-se as lesmas da moderação, iludindo-a com as promessas de reformas que não podiam, ou não queriam fazer. Iludiam-se a si mesmo, os mais honestos, julgando-se capazes de, numa crise revolucionária, mas em contrário à revolução, com as peias dos processos parlamentares, realizar aquilo mesmo que levara a nação a apelar para a revolução. Anárquicos, facciosos... os radicais de 1831-32: mas, que pretendiam eles? É ainda o Sr. Pereira da Silva quem o assinala: “Pretenderam, os mais saturados de radicalismo, que o povo promovesse por si as reformas das instituições, caso as desejasse alcançar, porque dificilmente, e só incompletas, as decretariam as câmaras, formadas, a do senado de espírito retrógrados, e a dos deputados de membros ainda eleitos sob o regime antecedente... A obra da revolução não se podia cifrar no fato da simples mudança de imperador. Não podia o povo continuar sujeito à constituição outorgada, como presente de senhor a escravo; carecia de proclamar outras, que fossem obra de novos mandatários, eleitos
104 (De 1831 a 1840, págs. 33, 35, 37, 149 e 153).
especialmente fossem fazê-las”. Para exaltados revolucionários não poderia haver linguagem mais justa, nem mais ponderada. Mas os moderados, que já eram, todos – deputados, e estavam no poder, não quiseram abrir mão da posição em que se encontravam, nem correr os riscos de uma eleição, em que se elegeriam muitos dos exaltados, até então propagandistas livres. E opuseram-se aos intuitos dos adversários com todo o peso do respectivo moderatismo: “Sustentavam, os mais prudentes, que tudo se conseguiria, legalmente, das câmaras que funcionavam, independentemente de novas eleições sem ser preciso sair fora da lei...”105 Ora, a Nação sabia, sabiam-no os moderados – que uma dessas câmaras, o senado, nunca daria as reformas pedidas, uma das quais era a extinção da sua vitaliciedade... E foi com esse critério que, através dos Araújo Lima, Hermeto, Rodrigues Torres e Calmons, se resolveu uma crise decisiva na organização do Brasil soberano. O povo que aclamara o imperador, e, numa revolução, depusera a esse soberano, obrigando-o a abdicar, não podia, no mesmo movimento – depor as câmaras declarando-as dissolvidas, a eleger outras, que, na inspiração do momento, viesse realizar concretamente a obra da revolução!... Seria sair fora da lei... como se ele o povo, não houvesse começado – por sair da lei... É tanta a incongruência que a estupidez, só, não basta para justificá-la: devemos contar com a má-fé, também.
105 Pereira da Silva, De 1831 a 1840 . cap. I.
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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."
Cecília Costa Junqueira
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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).
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Leia também:
O Brasil nação - v1: § 21 – Revolução deve ser revolução... - Manoel Bomfim
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