Por que eu sou professor?
Em janeiro de 1977 recebi a minha primeira turma de alunos e alunas, 8 e 9 anos, Colônia de Férias da SEC, em Torres, praia do litoral gaúcho. Naqueles dias, não me fiz – se fiz, não lembro – nenhuma pergunta além de querer saber se gostaria de ser professor de educação física.
Bem, quarenta anos depois estou aqui, e me pergunto: Por que eu sou professor? Achei que para encontrar a resposta precisaria de muitas conversas comigo mesmo, aprofundar teorias, realentar outras, reatualizar-me, ressuscitar... mas foi fácil, assustadoramente fácil. Por que eu sou professor? Porque escolhi a esperança. A profissão que escolhi não salva, não cura, não prende, não reza, tem coceiras psicoanalíticas – acredita na proximidade consanguínea com a psicologia –, é a carreira da esperança.
Hoje, eu sei que lá atrás, no tempo, acreditava na esperança para todos e todas; por isso escolhi ser professor na Escola Pública. Acolhi todos e todas, mas o coração sempre esteve junto aos vileiros e vileiras. Ninguém foge do que é sem descozer as próprias carnes. Decidi continuar um vileiro, um professor vileiro: conservei minhas carnes.
Saí da faculdade em julho de 1980 com muitas receitas, chás, panelas vazias – que usei para encher com a Pedagogia do Oprimido, jamais as usei para bater, nunca estiveram vazias de amorosidade – e a determinação de ser outro professor, diferente do professor cardápio e sobremesa, que fui ensinado.
Uma caminhada difícl e que só se constrói na vontade de mudar a si mesmo, antes de querer qualquer mudança no outro. Não se faz esse movimento de arredar e deslocar ideias e práticas sozinho. Precisei da dialética, o confronto das minhas convicções com alguns dos mais intransigentes professores e professoras da rede municipal de educação de porto alegre que lutam na defesa da educação de qualidade, criativa e emancipadora da consciência na Educação Popular.
Precisei aprender a ler o mundo com suas intolerâncias, indiferenças e hipocrisias – e maldades – que tenta de muitas maneiras afastar o mundo das amorosidades batendo panelas, vestindo luto e repetindo mantras egoístas e covardes.
Precisei aprender a ler os livros que nos mudam porque não têm dó nem fingem uma auto-ajuda corporativa e elitista. Precisei largar as martas, os davids, os jabores, esses não entendem os vileiros e as vileiras, e, se entendem, não escrevem para esta parte do mundo que não quer chorar em volta do próprio umbigo - e não podem chorar em volta do próprio umbigo.
Precisei aprender a ler Paulo Freire e a Pedagogia do Oprimido para minha libertação, Gramsci e a teoria da hegemonia cultural para entender o novo sócio do Estado, os meios de comunicação e os seus golpes.
Precisei ser apresentado para conhecer e aprender Antônio Lobo Antunes, Saramago, Pepetela, Agualusa, Machado de Assis, Mayakovski, Galeano, Dostoiévski, Garcia Marquez, Garcia Lorca, Neruda, Bukowski, Lídia Jorge, Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Cortázar, Juan Rulfo, Makarenko, Victor Jara, Patativa, Rubén Dario, Paco de Lucia, Mercedes, Gabriela Mistral, Sor Juana Inés de la Cruz, Julia de Brugos a todos e todas “seguirei para sempre, calado e fugitivo, por entre ruas escuras molhadas de nostalgia”.
Precisei aprender parar de chorar. Não foi fácil reconhecer como minhas a realidade dos meus alunos e alunas expostos à indiferença, à burocracia, à violência, à morte estúpida e prematura do sonho.
Não, esses alunos e alunas não precisam da meritocracia – muito útil para quem fica escondido atrás dos conteúdos programáticos, avaliações classificatórias, trabalhos compensatórios e a famosa entrega ditatorial do boletim: Aprovado! Reprovado! Aprovada! Reprovada! – precisam de uma outra escola que não esta, uma escola com esperança.
Mas calma, não comecemos a vender a esperança como um produto televisivo, como qualquer marqueteiro do lucro e do custo benefício. Quero ser, luto para ser um dos professores da esperança em uma humanidade solidária, amorosa, construída com todos e todas incluídas num mundo menos elitista, preconceituoso, autoritário e desigual, por la vida de todos e todas... siempre.
Esse não é um texto de despedida nem carta testamento, muito pelo contrário, é um texto de reencontros com todos e todas com quem partilhei esse caminho de quarenta anos. Pretende ser um grito contra a escola burra, sem imaginação, conformada, militar – os militares têm seu lugar que não é na escola nem em golpes. A Educação Popular não é o jeito da escola decorada: sempre foi assim, somos como nossos pais. A Educação Popular está na sala de aula, mas também, na rua: na pintura de rua, na filosofia das ruas, nas praças, nos parques. O mundo não pode se esconder da vila. A escola que quer ensinar o mundo precisa aprender a vila.
Continuo na luta!
Mauro Marques
Em janeiro de 1977 recebi a minha primeira turma de alunos e alunas, 8 e 9 anos, Colônia de Férias da SEC, em Torres, praia do litoral gaúcho. Naqueles dias, não me fiz – se fiz, não lembro – nenhuma pergunta além de querer saber se gostaria de ser professor de educação física.
Bem, quarenta anos depois estou aqui, e me pergunto: Por que eu sou professor? Achei que para encontrar a resposta precisaria de muitas conversas comigo mesmo, aprofundar teorias, realentar outras, reatualizar-me, ressuscitar... mas foi fácil, assustadoramente fácil. Por que eu sou professor? Porque escolhi a esperança. A profissão que escolhi não salva, não cura, não prende, não reza, tem coceiras psicoanalíticas – acredita na proximidade consanguínea com a psicologia –, é a carreira da esperança.
Hoje, eu sei que lá atrás, no tempo, acreditava na esperança para todos e todas; por isso escolhi ser professor na Escola Pública. Acolhi todos e todas, mas o coração sempre esteve junto aos vileiros e vileiras. Ninguém foge do que é sem descozer as próprias carnes. Decidi continuar um vileiro, um professor vileiro: conservei minhas carnes.
Saí da faculdade em julho de 1980 com muitas receitas, chás, panelas vazias – que usei para encher com a Pedagogia do Oprimido, jamais as usei para bater, nunca estiveram vazias de amorosidade – e a determinação de ser outro professor, diferente do professor cardápio e sobremesa, que fui ensinado.
Uma caminhada difícl e que só se constrói na vontade de mudar a si mesmo, antes de querer qualquer mudança no outro. Não se faz esse movimento de arredar e deslocar ideias e práticas sozinho. Precisei da dialética, o confronto das minhas convicções com alguns dos mais intransigentes professores e professoras da rede municipal de educação de porto alegre que lutam na defesa da educação de qualidade, criativa e emancipadora da consciência na Educação Popular.
Precisei aprender a ler o mundo com suas intolerâncias, indiferenças e hipocrisias – e maldades – que tenta de muitas maneiras afastar o mundo das amorosidades batendo panelas, vestindo luto e repetindo mantras egoístas e covardes.
Precisei aprender a ler os livros que nos mudam porque não têm dó nem fingem uma auto-ajuda corporativa e elitista. Precisei largar as martas, os davids, os jabores, esses não entendem os vileiros e as vileiras, e, se entendem, não escrevem para esta parte do mundo que não quer chorar em volta do próprio umbigo - e não podem chorar em volta do próprio umbigo.
Precisei aprender a ler Paulo Freire e a Pedagogia do Oprimido para minha libertação, Gramsci e a teoria da hegemonia cultural para entender o novo sócio do Estado, os meios de comunicação e os seus golpes.
Precisei ser apresentado para conhecer e aprender Antônio Lobo Antunes, Saramago, Pepetela, Agualusa, Machado de Assis, Mayakovski, Galeano, Dostoiévski, Garcia Marquez, Garcia Lorca, Neruda, Bukowski, Lídia Jorge, Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Cortázar, Juan Rulfo, Makarenko, Victor Jara, Patativa, Rubén Dario, Paco de Lucia, Mercedes, Gabriela Mistral, Sor Juana Inés de la Cruz, Julia de Brugos a todos e todas “seguirei para sempre, calado e fugitivo, por entre ruas escuras molhadas de nostalgia”.
Precisei aprender parar de chorar. Não foi fácil reconhecer como minhas a realidade dos meus alunos e alunas expostos à indiferença, à burocracia, à violência, à morte estúpida e prematura do sonho.
Não, esses alunos e alunas não precisam da meritocracia – muito útil para quem fica escondido atrás dos conteúdos programáticos, avaliações classificatórias, trabalhos compensatórios e a famosa entrega ditatorial do boletim: Aprovado! Reprovado! Aprovada! Reprovada! – precisam de uma outra escola que não esta, uma escola com esperança.
Mas calma, não comecemos a vender a esperança como um produto televisivo, como qualquer marqueteiro do lucro e do custo benefício. Quero ser, luto para ser um dos professores da esperança em uma humanidade solidária, amorosa, construída com todos e todas incluídas num mundo menos elitista, preconceituoso, autoritário e desigual, por la vida de todos e todas... siempre.
Esse não é um texto de despedida nem carta testamento, muito pelo contrário, é um texto de reencontros com todos e todas com quem partilhei esse caminho de quarenta anos. Pretende ser um grito contra a escola burra, sem imaginação, conformada, militar – os militares têm seu lugar que não é na escola nem em golpes. A Educação Popular não é o jeito da escola decorada: sempre foi assim, somos como nossos pais. A Educação Popular está na sala de aula, mas também, na rua: na pintura de rua, na filosofia das ruas, nas praças, nos parques. O mundo não pode se esconder da vila. A escola que quer ensinar o mundo precisa aprender a vila.
Continuo na luta!
Mauro Marques
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