terça-feira, 28 de janeiro de 2014

O barbeiro-sangradô e os fidalgo parasita

Ensaio 31B
baitasar
A escravidão dos preto na Vila podia tê alguma diferença da escravatura nas fazenda das plantação, nas charqueada, mais não mudava qui os preto tinha dono. Não podia tê vontade própria, precisava obedecê té no jeito de criá os fio. Nem a decifração das letra escrita os preto podia sabê. Os dono da escravidão não deixava os preto sabê lê. A obrigação dos preto era com os trabalho nas plantação, nas charqueada. Tinha vez que era preciso tê briga com a castelhanada, então os dono da escravidão fazia a arregimentação militá dos escravo: prometia o qui não cumpria. A libertação. As preta tinha as tarefa diferente, mais não escapava de sê propriedade do siô branco.
Os dono da escravidão qui tinha fio fazia gosto de usá os serviço da muié preta no descabaço de guri. Os primeiro favô do piá pra encabeçá muié era na escrava da escolha do siô patrão
—        Até podia ser com algum outro animal, como foi no nosso tempo de guri solto com as bezerras do campo, lembra conde?
—        Coronel, não vamos dificultar com lembranças de tão longe. Usar o que lhe pertence, no seu gosto, é um dos direitos sagrados da propriedade, não aceite lições de quem quer que seja.
Quando o guri tava perto do tempo de conhecê muié, o siô dono de tudo escolhia a preta qui mais lhe apetecia. Tinha qui tá intocada. Primeiro o siô perguntava
—        A neguinha já conheceu homem? — se respondia qui já tinha sido enfiada, apanhava por não tê esperado as ordem do siô patrão, mais depois voltava pra sua lida; caso tivesse coragem de mentí — Não conheço homê — coisa fácil de descobrí. Apanhava e não voltava. O siô dono de tudo vendia a enganosa fingida. Era o tempo da lição da chibata e do exemplo
—        Preciso manter o controle das rédeas sempre esticadas.
Depois de procurá e se certificá de sê o primeiro, fazia a escolha melhó pra lhe serví os modo. Dava as instrução à menina, pessoalmente, três a quatro na semana. Quando achava qui a escrava tava no seu gosto, soltava o guri. As preta escrava com serventia na cama nunca sabia se ia parí o fio ou o neto do siô dono de tudo.
Pra compensá tanta tarefa, os dono de tudo consentia na aparição dos preto nas missa domingueira, antes da domingueira dos branco. Tudo pra não misturá o deus dos preto com o deus dos branco. Não durô muito o jeito de fazê duas missa, nem se sabe com certeza certa quem causô de mudá as duas missa em uma só. Uns achô qui foi o siô padre causo de quê não queria trabalhá duas missa domingueira; otros jurava qui foi arrumação direta do Siô Grande Siô, cansado dessa besteira de missa branca, missa preta. O desconforto dos branco nas domingueira era qui as palavra da reprimenda do siô padre pros ouvido dos branco entrava nos ouvido dos preto, ficava parecendo qui os pecado dos branco era igual os pecado dos preto.
Os branco não ficô conformado, é claro, té qui o siô padre achô otra solução mais pacífica: divinizô o departamento dos branco, na frente; e o departamento dos preto, atrás. Trocando em miúdo, os branco sentava mais perto do palanque do oratório, os preto sentava mais perto da porta da saída, mais não saía primeiro. Depois do sinal qui o sô padre repetia no fim da missa, o Siô Pai, Siô Fio e do Espírito Santo, amém, ele aconselhava
—        Ide em paz! E que o Sinhô os acompanhe! — os preto qui tava sentado levantava, mais continuava em pé parado, esperando os branco saí pela porta da frente. Quando não tinha mais branco na igreja, os preto podia saí pelas porta do lado. O parasitismo branco não ia se deixá desmoroná pelas missa e as palavra do siô padre, nem acabá o jeito de dominá por quem tinha feito as leis pra tê o direito de mandá.
O parasitismo religioso nunca pareceu parasita, pelo menos, pra aquele qui acredita qui o céu dos branco é diferente do céu dos preto, qui os preto precisava sofrê a escravidão e mostrá pra deus qui também merecia o céu dos branco. O siô padre tava lá, na tribuna do sermão, rezando pelo sonho do céu; a esperança de uma otra vida, otra chance. Impedindo pelo medo do inferno: a rebelião, a teimosia, o motim, a desobediência, a resistência, a rebeldia. E perdoando o navio negreiro, a chibata, o enforcamento, o defloro das pretas, o capitão-do-mato.
O céu coberto de preto qui tinha existido nas terra da África acabô com a chegada dos branco. Depois qui o primeiro escravizadô desembarcô nas terra do céu preto, e perguntô
—        Por que trabalhar se os negros podem fazer o trabalho das terras, das cidades... pela comida, roupa e estadia? — o trabalho dos preto escravizado passô a valê tanto quanto as prata e os ouro das mina. Ninguém achava estranho, só os preto escravizado.
Eram contados por cabeça, como as cabeça do gado. Virô vício comprá e tê escravo. Os dono da escravidão mandava os fio estudá longe, pra aprendê o jeito certo de escrevê e lê. Os piá ia de navio diferente dos navio negreiro. Os preto qui vinha de contrabando nos navio negreiro pagava com sangue, suô e saudade, os estudo dos fio dos dono da escravidão. Os preto era mantido miserável e inculto pra não tê otra vida. Não tê sonho.
Branco sensato ou insensato acreditava qui a natureza fazia dos preto escravo; não era os navio negreiro, as corrente, as chibata, a fome, a saudade, as doença, os padre, as lei, os capitão-do-mato, os enforcamento, as canga, as pulícia, as prisão. Os fidalgo lusitano treinarô os qui quiserô aprendê, como utilizá e se empanturrá do trabalho escravo pra tê sua vida apática, desleixada e preguiçosa. Queriam qui fosse luxuosa pra sempre
—        Entendeu por que ocê tá sentado no banco do cobradô, no lugá de tá sentado no banco da escola? O fioneto entendeu?
—        Avó, eu não posso lhe colocá atenção!
Bobagem, é só escutá com o coração a razão das coisa sê como são. Os fidalgo lusitano abrirô a estrada das água pro tráfico dos preto e renunciarô aos hábito do trabalho. E assim, nasceu essa fidalguia ignorante, egoísta, devassa, preguiçosa e beata. Perdida dos hábito do trabalho, mais com o espírito sossegado pela pompa de algum frade gordo e conversado. O moleque qui aceita tudo, perdoa tudo por dinheiro
—        Tá escutando, mi fioneto? Ocê precisa sabê quem é e donde veio, presta atenção qui vô repetí bem degavarzinho: somos os que se foram, estamos nos que virão.
—        Tô escutando, Avó. Feeeecha! Um passinho mais à frente, por favor! Não queremos deixar os tio e as tia esperando pelo próximo... Avó, por favor, não é hora!
—        Nunca vai sê hora se esperá pela melhó hora. Se ocê não sabe por que tá sentado aqui e não tá sentado no banco da escola, não vai saí daqui. E se saí não vai sabê porque saiu, e se não sabe vai aceitá as tagarelice branca qui não se esforçô e não lutô como os branco. Tudo tontice.
—        Avó, tô aqui porque não quis continuar lá.
—        Não foi bem assim, a sua véia lembra qui quando ocê começô na escola ocê só queria sabê da escola, depois o qui aconteceu ocê deve sabê melhó do qui essa velha.
—        A avó tá muito esperta.
—        Precisei morrê pra sabê da vida, queria qui ocê não precise aprendê do jeito dessa velha.
Olha pra rua, escutá o soluçá dos escravo.
Na rua dos vendedô, carregadô e barbeiro, os preto trabalhava por conta nos ganho, mais tinha a obrigação de entregá aos dono branco as moeda combinada. A entregação do didndin não podia passá do fim do dia. Os qui contava com a sorte juntava um pouco daqui, outro dali, pra fazê um pecúlio; pra modo de pagá pro siô do seu trabalho a indenização do seu valô, e ganhá a alforria. Ali, naquelas margem desabitada de branco, luz e calçamento, tinha muié preta metida no comércio da rua. Eram mais pouca qui os preto, mais era delas a variação do quefazê. A cantoria ficava por conta das muié.
Depois qui saiu da visitação na sacristia, o aconselhadô do governadô, qui não gostava de andá, mais andava pelo pedido do patrão, saiu em meio as gente da rua, escutando, falando, vendo, e se paro. Coisa qui também não fazia, ficá parado na rua, inda mais naquelas margem. Parô a caminhada pra vê um barbeiro-sangradô trabalhando. O escravo atendia otro preto qui tava sentado numa pedra da rua
—        Como a Avó sabe que o barbeiro-sangrador era escravo?
—        O mi fioneto parece qui só tem na cabeça o jeito de pensá o dinheiro qui recebe e o troco qui dá. E lá, naquele tempo de acorrentá e batê nos preto, inté fazê a carne avivá, os preto tinha otro jeito de vivê, ou melhó, otro jeito de esperá inté morrê?
—        E os negros alforriados?
A Avó resolveu ficar pendurada no agarrador do teto, balançando, indo e voltando
—        O mi fioneto tá com as ideia atrapalhada, acredita qui os preto teve vida mansa depois de desacorrentado...
—        Pois fique a Avó sabendo que essas ideias aprendi na escola.
A Avó ficou no seu silêncio pensativo, não parecia triste, mas não tava certa do que dizer. Parou de balançar e sentou no chão do ônibus, misturada com os pés e as pernas dos passageiros. Não tenho certeza, mas acho que ela tava cantando quando me olhou; tinha encontrado as palavras que queria me dizer
—        Nunca disse qui as coisa dita na escola são tudo verdade. As história são contada pelos qui tem a força, o mando e a consideração da maioria, mais nem sempre a maioria tá certa, tem vez qui a maioria é enganada pelas vontade da minoria, pela astúcia e talento da mentira qui a minoria sabe contá. É bem assim, as história são contada pelo vencedô, inté os branco perdedô reclama do jeito qui as história tá contada.
—        A Avó fala dum jeito sobre as histórias contadas que até dá vontade de ser professor da história.
—        Não é sem tempo, mais a história dos preto, té agora, foi contada pelos branco, pois tá na hora dessa história sê contada e cantada pelos preto... ocê tem qui contá.
—        Não sei contar histórias como a Avó.
—        Bobagem mi fioneto, quem disse qui contá as coisa qui aconteceu precisa esperteza e talento?
A Avó tava sentada no assoalho batendo tambor. E mesmo as pessoas que não queriam estavam dançando. Primeiro, como se com a batucada fosse obrigação remexer o corpo, manobrar a cintura. A negrada girando pela liberdade, as coxas, os braços, a cabeça, o suor espumante, o sorriso branco e fértil, os lábios grossos, os seios, o ventre, o nariz achatado, a carapinha, tudo cantava com a batucada; depois, dançavam como se fosse alegria, até que passou a ser uma necessidade com os pés, as mãos, a congada da coroação do nosso Rei
—        Precisa o quê?
—        Sabê escutá as palavra qui tá escrita e descobrí aquelas qui não tá escrita; precisa querê ouví as história qui é contada de pai pra fio, mãe pra fia, desde os tempo qui os preto vivia na terra-mãe. E depois, não tê medo de saí por aí contando as história.
Olha pra rua, já tá conseguindo escutá?
O aconselhadô parô pra vê o tal barbeiro-sangradô. O preto além de cortá cabelo e raspá barba sabia tirá o sangue doente dos preto. Gostava de fazê uso das sanguessuga. O escravo adoentado sentava na calçada e se entregava nas habilidade do barbeiro com as bicha parasita.
Mais adiante tinha o tambô e as cantoria ao ar livre. A rua da Floresta era a rua dos batuque com os pé no chão, sem o assoalho das tábua. Os preto só precisava tê cuidado com as pulícia. Já vem daquele tempo, qui nas pulícia tinha os preto qui era preto e avisava das batida nas festa dos batuque; mais também, tinha os preto virado pulícia qui queria esquecê a cô qui tinha e não avisava das batida. Fingia qui sabia vivê com os branco, mais faltava sê dono de preto escravo. Isso não conseguia.
Seguido chegava as denúncia contra os batuque dos tambô, quase sempre nos domingo. As pulícia saía da toca pra cumprí as lei imperial: serená os divertimento dos preto forro. Causava estranheza a batucada e as dança dos preto. Os branco nunca entendeu qui aquele bailado não era briga nem desordem, mais o jeito dos preto encontrá o olhá dos antigo. O passado acontecido e os enredo qui tá acontecendo no tempo de cada um. Ouví os aconselhamento dos passado qui tá em volta era o jeito de lutá pela sobrevivência e resistí.
Depois de caminhá pensativo té chegá na beirada das água, parô. Sabia qui as queixa do siô padre precisava sê estudada com cuidado. Não tinha solução de simplicidade, mais havia de sê tomada alguma providência. O rigô das lei pros preto e miserável é fácil, eles já sabe qui vai sê a primeira tarefa dos qui governa em nome do imperadô; depois, quase no mesmo tempo, é preciso arrasá com os antigovernista. Prendê e soltá, prendê e soltá, é um jeito de quebrá as resistência dos mais fraco; tem otros qui fica mais fácil comprá. E tem os caso qui só fazendo desaparecê na forca.
Os problema mais preocupante são os amigo indecente e descuidado. As fidalguia não podia recebê os rigô das lei mais acostumada tavam de tê as bondade das lei. Na Vila parecia qui a fidalguia toda era aparentada. Todo mundo tinha interesse de cuidá de uma, duas ou mais família: os fio, os pai, os irmão, as amante. O aconselhadô não podia chegá com as notícia nova e assustá o governadô
—        Os nossos amigos estão roubando as doações que fazem à obra Santa. Eles dão o donativo durante o dia, fazem o fingimento do bom amigo. E à noite voltam para levar parte do que foi dado.
—        O padre garante o que viu?
—        Ele garante que quem viu usava os olhos dele.
O governadô não parecia mais preocupado qui antes de sabê das acusação
—        Não podemos deixar esse justiçamento com as leis do divino? Afinal, não é coisa de muita gravidade.

—        É um jeito de não fazer o que tem que ser feito, mas o problema é o sinhô Padre e o sermão da domingueira. Do mesmo jeito que o povo escuta, o Imperador pode escutar. O sinhô Padre tem muitos olhos e ouvidos no Império. É muito arriscado fechar os olhos.
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Ensaio 30B - O parasitismo das bisbilhotice

Ensaio 32B - Avó, João Torto e a professora

El Amor



Eduardo Galeano



En la selva amazónica, la primera mujer y el primer hombre se miraron con curiosidad. Era raro lo que tenían entre las piernas.

- Te han cortado?- preguntó el hombre.

- No-dijo ella-. Siempre he sido asi.

El la examinó de cerca. Se rascó la cabeza. Allí había una llaga abierta.

Dijo:

- No comas yuca, ni plátanos, ni ninguna fruta que se raje al madurar. Yo te curaré. Echate en la hamaca y descansá.

Ella obedeció. Con paciencia tragó los menjunjes de hierbas y se dejó aplicar las pomadas y los ungüentos. Tenía que apretar los dientes para no reirse, cuando el le decía:
- No te preocupes.

El juego le gustaba, aunque ya empezaba a cansarse de vivir en ayunas y tendida en la hamaca. La memoria de las frutas le hacía agua la boca.

Una tarde, el hombre llegó corriendo a través de la floresta. Daba saltos de euforia y gritaba:

- Lo encontré! Lo encontré!

Acababa de ver al mono curando a la mona en la copa de un árbol.

- Es asi -dijo el hombre, aproximándose a la mujer.

Cuando terminó el largo abrazo, un aroma espeso, de flores y frutas, invadió el aire. De los cuerpos, que yacían juntos, se desdprendían vapores y fulgores jamás vistos, y era tanta su hermosura que se morían de vergüenza los soles y los dioses.







quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

A esperança das manhãs, tardes e noites perfeitas

Teatro Pedagógico 07
baitasar
Não basta o diploma para vivermos manhãs, tardes e noites perfeitas com esperança na vida, no mesmo lugar, duzentos dias
—        Com licença, peço desculpas pelo atraso. — é o Paulo que se anuncia vencido pelas horas, interrompendo a reunião que não começou — Estava fazendo uma releitura de um texto com os alunos da progressão do 3º ciclo, uma pequena novela de Balzac: Jesus Cristo em Flandres, o tempo foi passando na sua medida, desculpem o meu atraso e essa interrupção indevida.
O Paulo tem um carisma muito grande entre todos que de alguma maneira, por qualquer razão, escutam suas palavras. Um velhinho de cabelos brancos e longos, barba comprida e branca, com um andar calmo e curtinho, não parece com pressa de chegar, lhe interessa o caminho percorrido. A voz tranquila e clara não deixa dúvidas sobre suas intenções, os olhinhos parecem buscar desafios em tudo que possa ser visto e apreendido. Tem a intenção consciente de unir a ação com o pensamento
—        Parabéns, professor! Já é uma tragédia fazer qualquer leitura com esses alunos, imaginem o feito de uma releitura de Balzac... O máximo da bruxaria, pura magia. Enfim, temos o nosso bruxo, Balzac! — observo Ofélia de longe, fui sentar na última fileira da fórmica; o mais além que pude. Busco com o olhar o professor do corredor. Não está. Como o necessito. Deus havia sido a minha mais importante carência, mas a ele necessito mais que a Deus.
Retorno desse espasmo confessional no tempo de ouvir a Lia
—        ... sempre acreditei na possibilidade da construção de uma escola diferente, voltada para as práticas da conscientização, inclusão, autonomia, participação, auto-organização, libertação com alegria, cidadania...
—        Chega! Chega! Já conhecemos o discurso. Eu quero saber se tu estás satisfeita com o teu salário?
—        Não. Eu não disse que estava satisfeita, nem sabia que hoje era reunião do sindicato. Pensei que fosse pedagógica. Mas se a reunião é do sindicato não tem problema, vamos discutir os salários.
Bem... eis é uma reunião que promete. O combate da ironia que brinca com o deboche e não se deixam desviar, não existe ingenuidade. As manobras medem forças, granjeiam aliados, agrupam-se. Não existe lirismo nem sangramentos, as consequências estão depositadas no fazer ou deixar de fazer, tudo se concretiza na sala de aula: um ensino arrogante ou desejos de aprender junto. Todas as lutas são boas, a mim preocupam as lutas de ódio.
O Paulo retoma a palavra, eu paro minhas digressões. Quero ouvi-lo
—        Colegas... parece-me importante chamar atenção para quantas e quantas vezes sucumbimos frente a falas destrutivas e desesperançadas, que nos fragmentam, implodimos em pequeninos pedaços voadores transformados em poeira. As nossas tentativas íntimas. Nas tantas vezes em que isso acontece, não sabemos se é uma intenção deliberada ou não sabemos pensar e sentir diferente. Aguardamos o enfrentamento final quando o bem, que somos nós, vencerá o mal, que também somos. Eis o imobilismo na crença que haverá somente um embate, todos os desgastes e afrontamentos anteriores se dão sem razão. Ao assumir uma posição crítica e não lírica deixamos de assumir os defeitos e dificuldades dos outros para estabelecer parcerias razoáveis de comprometimento com a esperança. A práxis libertadora do outro em mim que retorna ao outro que está fora de mim.
É isso! Não existem fadas ou benfeitores. Precisamos caminhar com as próprias pernas no mundo injusto dos erros e acertos, mas nos basta por enquanto o movimento. Diálogos íntimos, enfrentamentos pessoais podem fixar regras de ação, deixando o coração livre para voar maiores e melhores sentimentos da esperança. É só não ficar vencida pela insônia do medo ou gemendo escondida a dor das próprias escolhas. Esses jovens tecnológicos que me perdoem, mas é tão bom levantar da cômoda cadeira, retirar o disco do toca-discos, virar o vinil e tocar o lado B, movimento e reflexão, quanta sonoridade no vinil. Nem tudo que é novo supera o antigo. Resolvo mudar o lado do vinil
—        Paulo, não se opta pelo novo apenas como consequência da novidade. Decide-se pelo novo através da reflexão que temos do velho e do desejo de fazer nascer diferente do antigo. — pronto me meti de pata a ganso
—        Isso mesmo, Anitinha, aquilo que é novo – a notícia ou a colheita – não nos embaraça tanto quanto o novo que chega pelas ideias de fazer diferente. Não se diz querer o novo das ideias, ou pelo menos não se deveria dizer, por astúcia ou ingenuidade, pois tanto uma como a outra farão da novidade mentiras diárias. Cresceremos com as ideias do novo fazer e do novo pensar, na discussão permanente entre mim e o eu, entre o eu e o nós, entre o nós e o todo, entre o todo e o que repito que é meu, pois sempre retorno ao início que sou eu. Minha dor não é nova, mas meu sorriso está diferente. Estou refletido em mim mesmo, clareando e esclarecendo minhas perguntas: Sou astuto, ingênuo ou progressista, por ora, já me basta responder que estou atento, sofrendo com o esforço, mas em movimento.
Sou energizada ao ouvi-lo, quanto aos demais não sei, o silêncio dá algumas pistas. Mas precisamos superar esses papéis mágicos ou autoritários com novos olhares sobre o nosso quê fazer na escola. Sacudir a poeira do tempo e descobrir aos poucos um novo eu que já existia, permanecia escondido na poeira da imperturbabilidade ingênua ou solércia medrosa
—        Professor Paulo, por favor, precisamos continuar nossa reunião.
O Paulo faz um pequeno gesto com uma das mãos, pede desculpas. Depois, senta calmamente na fórmica verde e menos dura e menos fria da sua cadeira pedagógica. E o que é a pedagogia? Uma ciência pensada para dar conta de muitas ciências dentro da escola. Aí começa o emaranhado, o lio. Como podemos dar conta de todo saber científico para ensiná-lo na escola? Criamos os programas, os conteúdos, os métodos, as estratégias... eis o começo da traição aos miseráveis. Ou não os queremos transformar em bonecos de pau?
Calma, sei que através dos tempos, de acordo com os diferentes exércitos históricos, tivemos construções importantes no campo da pedagogia no sentido de transformar as práticas coercitivas, disciplinadoras, autoritárias. Lembro Gramsci com sua pedagogia crítica, Frenet com a escola nova, Makarenko com a pedagogia socialista, Paulo Freire com a pedagogia libertadora. Teria outros e outras a recitar, mas me interessa perguntar, Quem foram os traídos, nós os conhecemos? Todos eles pensaram uma nova escola a partir da utopia da sociedade baseada em princípios solidários; a pedagogia estaria a serviço dessa sociedade. O que deu errado?
Olhamos para algumas partes do mundo, a Europa com seus imensos contingentes de desempregados e miseráveis, acreditem, é verdade! A África, a Ásia, a América Latina, e veremos a fome, as favelas, os guetos, as desigualdades extremas. O que não deu certo? Precisamos da pedagogia da esperança?
Mas para construir conceitos de justiça e ética, numa sociedade dominada pelo consumismo e individualismo, só ela não basta.  E não bastam as leituras da realidade, dos saberes existentes de determinadas comunidades, se não pudermos ou não quisermos compreender como quem interpreta a própria realidade. Não há outra saída, creio que não seja estar junto do povo. Falar. Dialogar. Aceitar. Meter a colher. Mudar nosso modo de vê-los. Deixar que nos ensinem e nos toquem. Queremos deixar de fabricar excluídos, ou não?
Fazer para mudar nossa vida, não para teorizar e apresentar relatos em seminários. Pensando assim, a pedagogia não é uma traição, é uma ferramenta de mudança desde que assim o façamos, ou melhor, desde que assim a entendamos, mas tudo isso exige disciplina e método... dialético, com toda certeza
—        Professor Aguinaldo, me permita uma pequena observação...
—        O que foi Marko? — durante meus lapsos filosóficos íntimos a vida contínua nada espera, parece que eu estava em um não lugar
—        O Paulo, na sua conversa com a professora Ofélia, me pareceu estar descrevendo a esperança...
—        Meu caro Marko, sua sutileza e perspicácia me fazem rever as palavras sobre a esperança no homem e na mulher, independentemente da maneira como se manifesta e se diz pertencente, querendo a humanidade que nos habita, permanentemente mobilizada pra recriar as condições humanas de ser mais. Esperar o que se deseja é o natural, a necessidade que transcende a biologia e vem se assentar em nossa condição humana.
—        E no desejo que existe na palavra e na reflexão que impregna nossa ação.

—        Exatamente, Marko. E é está palavra carregada como nossos desejos que aviva a práxis voltada para o humano que se quer sendo mais humana, recriadora das possibilidades e oportunidades que nos aproximam. Sonhar esperança é pensar a vida com um chá refrescante de hortelã na xícara em nossas mãos, quentinho e aconchegante, tomado delicada e decisivamente, sem esperar que amorne ou esfrie. A esperança do chá está em sua delicadeza e na sua maneira diferente de observar e influir na vida, na saúde da existência, na ausência de agressão. Não existe esperança nos fármacos tirânicos e imediatistas, ou pelo menos é uma esperança diferente, é a esperança que adia a morte. Não é a esperança na vida.

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TP 06 - As regras do mais forteTP 08 - Ensinação é ineficaz

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Fatos que mudaram a história do Rock (07)

THE MONKEES: a primeira boy band


15 de setembro de 1965, Los Angeles

Trechos do livro 50 fatos que mudaram a história do rock...



"Depois de assistir a Os reis do iê-iê-iê, os cineastas Bob Rafelson e Bert Schneider chegaram a uma conclusão: os Estados Unidos precisavam ter seus próprios Beatles. Como? Montando uma banda de rock'n'roll que pudessem controlar desde o início. Certifique-se de que os integrantes, a exemplo dos Beatles, tenham personalidades distintas e depois crie uma série de tevê sobre eles. Voilà! Grana alta garantida para todos."



Hey Hey We're the Monkees - The Monkees Theme




The Monkees The Singles Collection Full Album (Disc 1)



The Monkees The Singles Collection Full Album (Disc 2)



The Monkees - "The Monkees Greatest Hits" [Full Album]


01. 00:00 "(Theme From) The Monkees"
02. 02:20 "Last Train to Clarksville"
03. 05:06 "She"
04. 07:44 "Daydream Believer"
05. 10:51 "Listen to the Band"
06. 13:34 "A Little Bit Me, a Little Bit You"
07. 16:27 "I'm a Believer"
08. 19:14 "I Wanna Be Free"
09. 21:42 "Pleasant Valley Sunday"
10. 24:58 "(I'm Not Your) Steppin' Stone"
11. 27:23 "Shades of Gray"



The Monkees "Words" Versão Seriado




She Hangs Out




"Multidões histéricas de jovens fãs dos Monkees surgiram; nas duas primeiras semanas, foram arrecadadas mais de quinhentas mil libras em ingressos"



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Outras histórias:

Os BEATLES conhecem ELVIS PRESLEY
Phil Spector

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

XIII – Mitologia dos Orixás: Nanã [93] [94]

Nanã
Reginaldo Prandi
Nanã fornece a lama para a modelagem do homem
Dizem que quando Olorum encarregou Oxalá de fazer o mundo e modelar o ser humano, o orixá tentou vários caminhos. Tentou fazer o homem de ar, como ele. Não deu certo, pois o homem logo se desvaneceu. Tentou fazer de pau, mas a criatura ficou dura. De pedra ainda a tentativa foi pior. Fez de fogo e o homem se consumiu. Tentou azeite, água e até vinho-de-palma, e nada.
Foi então que Nanã Burucu veio em socorro.
Apontou para o fundo do lago com seu ibiri, seu cetro e arma, e de lá retirou uma porção de lama. Nanã deu a porção de lama a Oxalá, o barro do fundo da lagoa onde morava ela, a lama sob as águas, que é Nanã.
Oxalá criou o homem, o modelou no barro.
Com o sopro de Olorum ele caminhou.
Com a ajuda dos orixás povoou a Terra. Mas tem um dia que o homem morre e seu corpo tem que retornar à terra, voltar à natureza de Nanã burucu. Nnã deua matéria no começo mas quer de volta no final tudo que é seu.
[93]

Nanã esconde o filho feio e exibe o filho belo
Conta-se que Nanã teve dois filhos.
Oxumarê era o filho belo e Omulu, o filho feio.
Nanã tinha pena do filho feio e cobriu Omulu com palhas, para que ninguém o visse e para que ninguém zombasse dele.
Mas Oxumarê era belo, tinha a beleza do homem e tinha a beleza da mulher. Tinha a beleza de todas as cores.
Nana o levantou bem alto no céu para que todos admirassem sua beleza.
Pregou o filho no céu com todas as suas cores e o deixou lá para encantar a Terra para sempre. E lá ficou Oxumarê, à vista de todos.
Pode ser admirado em seu esplendor de cores, sempre que a chuva traz o arco-íris.
[94]
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Leia também:

XII – Mitologia dos Orixás: Oquê [91] [92]
XIV – Mitologia dos Orixás: Obaluaê – Omulu – Xapanã - Sapatá [97] [98]

Reginaldo Prandi, paulista de Potirendaba e professor titular de sociologia da Universidade de São Paulo, é autor de três dezenas de livros. Pela editora Hucitec publicou Os candomblés de São Paulo, pela Edusp, Um sopro do Espírito, e pela Cosac Naify, Os príncipes do destino. Dele, a Companhia das Letras publicou também Segredos guardados: orixás na alma brasileiraMorte nos búziosIfá, o AdivinhoXangô, o TrovãoOxumarê, o Arco-ÍrisContos e lendas afro-brasileiros: a criação do mundoMinha querida assombraçãoJogo de escolhas e Feliz Aniversário.


Prandi, Reginaldo. Mitologia dos Orixás / Reginaldo Prandi; ilustrações de Pedro Rafael. - São Paulo: Companhia das Letras, 2001.



quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

O parasitismo das bisbilhotice


Ensaio 30B
baitasar
Ali, na sacristia. Lugá de descanso e intimidade do siô padre, ponto das troca dos uniforme da missa e folga; recinto de guardá o pão e o vinho qui vira, na hora certa, o corpo e o sangue do Siô; se podia colocá as vista privilegiada de quem olha os filho bastardo. Os filho de ninguém. Lugá pro poderio da visão interesseira nos serviços dos preto. O trabalho das formiga preta – graudona ou pequetitinha – subindo e descendo: as cortadeira, as carregadora, as vigia impaciente do formigueiro e o olhá curioso dos passante na rua: uns por bisbilhotice; otros, por entusiasmo; não tinha pescoço resistente com as vontade de espiá os trabalho qui nunca acabava. A obra Santa qui virô motivo de curiosidade e persistência escondia o aproveitamento interesseiro de otros tanto.
Os costume da época perdoa tudo. Quase tudo.
Um começo qui começô pra não tê fim. Os preto tudo tinha tarefa, os branco tinha o quefazê de cuidá os preto fazendo: o parasitismo das bisbilhotice. Caso ocê, mi fioneto, nessa sua falta de tempo pra estudá, inda não teve vontade de botá as vista no qui contece nas volta da vida, toma cuidado com os imaginativo da fofoca.
O siô padre conhecia o valô das bisbilhotice qui agoura, cisma, daquilo qui não sabe, mais qui precisá contá com a marotice da cobiça. Sabia qui tinha qui tá um passo na frente dos conspiradô. O melhó jeito era vigiá e conservá as coisa como sempre foi. Ficá com a cautela de não corrê risco: abrí um olho, fechá o otro; mais não fez o qui devia de vez em quando: abrí o fechado e fechá o aberto, pra não cansá o qui vigia, nem acostumá o qui dorme na malandragem. Assim seja, só abria as vista nos preto, fechava as vista nos branco; abria té quando os preto dormia. Fez como sempre foi, cuidava de vigiá os mais fraco. Não podia sê ingênuo e achá qui todo mundo é igual.
Com uma das mão na beirada da porta e a otra agarrada no crucifixo pendurado do pescoço té o peito, ele deixô qui as vista soltasse a língua, ia confiá no ouvidô do patrão governadô, mais inda precisava dá umas volta na palavraria
—        Veja esses escravos purgando as culpas por não aceitarem o único Deus que existe.
O otro aproximô do siô padre, olhô por cima do ombro do ministro de Deus, lá fora um formigueiro de pretos. O zambo continuava agarrado no seu graal, desviô as vista no siô padre antes de dizê o qui não tinha vindo dizê
—        Pois, para mim, é a maior desgraça da Vila. Não tem solução: se são puros na cor e no sangue, merecem as correntes que lhes seguram os modos primitivos. Afinal, não têm para onde ir e vir. Não têm onde caírem mortos, e aliás, se caem, é preciso fazer o enterramento logo, rastro de negro estragado é intragável. De mais a mais, não têm ninguém que venha lhes reclamar os restos. E quando não são puros na cor e no sangue, são mestiços. A mestiçagem é preguiçosa de berço. A má índole é do nascimento, gostam de pedir. Não tem esmola suficiente para a fome da mestiçagem, um saco sem fundo. Ora, ora, que arrume algum serviço nem que seja como carregador das imundícies da merda. Desculpe o meu atrevimento da língua, mas quando se precisa de um carregador de água não se encontra nenhum. Que se acomodem ou jamais serão cristãos e civilizados como os brancos. Macacos!
Ouviram um grito e uma batida abafada. Correram té a porta
—        O que sucedeu? — grito o siô padre
O encarregado lhe respondeu com a voz amedrontada
—        Um negro caiu do madeiramento do teto.
O bafo frio da morte e o calô quente e úmido daquela manhã se misturô na cara do homem de Deus, rescitô bem baixinho, In nomine patris, et filii, et spiritus sancti, amen, e o espírito do vinho invadiu a sacristia té esquentá a cara do zambo do governadô. Os dois parecia medí a montoeira do vinho tomado. Já tinha passado do razoável pra uma visitação de cortesia. Nenhum dos dois ia admití de dizê qui tinha tomado mais vinho qui o recomendado. A língua continuava destravando, parecia não querê pará de soltá os mistério qui cadum guarda escondido do seu jeito
—        Não seja tão duro, sinhô Ouvidor, para tudo isso concorre esse calor dos diabos, que Deus me perdoe, que temos por aqui. Não esqueça que esses negros não têm a Verdade de Deus..
—      São medíocres! Possuem os sentimentos do negro e a imaginação do escravo. Não conseguem se libertar da selvageria.
O siô padre pareceu tê ficado com mais sede depois qui viu o negro sê carregado. Saiu da porta da sacristia e sentô no seu lugá de despacho. Pegô o graal, encheu té na parte de cima, já tava perdido das boas maneiras de serví e tomá, fornicava com a gula
—        Sinto falta de um acompanhamento. — se ia continuá o uso do vinho era preciso fazê uso de algum pão. Pegou o pão do corpo e ofereceu — Pegue...
O zambo qui não precisava pedí esmola olhô pra mão oferecida segurando o cálice do pão
—        O amigo acha... — parecia tê cisma com aquele ofertório
—        Pegue, peço reposição.
O homem do governadô esticô o braço e pegô umas quatro fatia do pão. Voltô no assunto de antes
—        O que se pode esperar da mestiçagem desses negros boçais e degenerados?
O siô padre não pareceu tê feito um brinde às palavras do zambo. Alterô a voz, não queria deixá aparecê qui sua língua tava enrolando como a cobra antes do ataque
—      Muito longe de casa.
—      Desequilibrados... precisam ser castrados, inutilizados para a reprodução. — a visita engoliu o pão, pareceu qui precisô empurrá com a língua o pão grudado no céu da sua boca. Otro gole do vinho pra fazê descê o qui desgrudô. E mais um bochecho pra modo de tê firmeza qui não ficô nenhum farelinho do corpo na boca. Só então, fez modo de continuá respondê a tagarelice do siô padre — Tem vez que acho que não é pra tanto, a nascença dos negrinhos recoloca os braços perdidos com as fugas, os castigos e os desaparecimentos. Já são nascidos na lida da escravidão, chegam com as ideias daqui, não choram de saudade. Isso é vantajoso. Não se perde tempo com a educação, já nascem comportados. — estendeu o braço, desta vez o siô padre não lhe deu importância, tava indo ou vindo de bem longe, o zambo encolheu os ombro e continuô a prosa
—        E o sinhô devia saber que o homem que não tem mulher na sua cama, perde a força de homem. Não é uma tarefa fácil para o sinhô Padre, mais difícil seria para controlar os negros.
O otro continuava sentado com o olhá cravado em algum lugá qui não era na sacristia. Tinha a aparência de lembrá o qui queria esquecê, té qui a boca abriu e ressuscitô a decoreba do Papa
—        O sacerdote faz uma doação do seu espírito e da sua carne ao Sinhô, precisa aprender a defender-se dos impulsos de afeto que fazem brotar emoções de entusiasmo descontrolado, inadequados à razão. Precisa se resguardar das simpatias perigosas.
O zambo não pareceu se importá com aquele adoratório todo, estendeu a mão para o cálice do corpo escorado na mesa, tirô mais fatias do pão. Com a boca cheia de pão e vinho, a língua enrolada e tonta, não pode controlá a bisbilhotice
—        O sinhô Padre é virgem?
O perguntado tomô otro gole, depois baixô a cabeça té desaparecê das vista do perguntadô. Quando voltô com a cabeça erguida tinha na mão otra garrafa de vinho
—        A matéria  da castidade está merecendo um brinde de prudência, não me merece importância, mas já que o sinhô voltou no assunto.
—        Feliz aventura essa do sinhô Padre que não pode ajuntar ao sacerdócio o matrimônio. Tem a desculpa perfeita e pode se deixar agarrar pelos perigos da mulherada... vez que outra.
O siô padre estendeu o braço com o vinho na direção do curioso e, tão solene quanto lhe permitia as perna, se aproximô com o seu graal
—        O Ouvidor do sinhô Governador não veio até essa sacristia para saber se tenho ou não castidade.
—        Meu amigo, essa Vila nasceu dos fidalgos e desbravadores lusitanos que nos trouxeram hábitos de sociabilidade, urbanidade, luxo...
—        E as leis do Papa.
—        É. As leis do Papa. — nesse ponto do abocanhamento das palavra, o visitadô já tava caminhando sem tanta agitação. Parô na porta, parecia arrependido de não dizê o qui devia sê dito — Pena que a ralé da mestiçagem ociosa e inútil, que poderia aprender com tão ilustres exemplos laboriosos, esteja condenada a degradação da corrupção e miséria. — o zambo não perdoava o seu mestiçamento injusto — Esses sararás nunca terão pureza de sangue e de caráter, para sempre um crioléu menos escuro, mas degenerado e tarado!
—        Saúde!
Virô as costa pra porta e ergueu o graal
—        Deveria haver uma comida, uma fruta, ou uma bebida, que sufoque esse abastarmento, pelo menos, para lhes aumentar o valor.
O siô padre lhe fez convite pra sentá. Tinha assunto mais delicado e havia de sê dito com voz qui as parede não pudesse escutá
—        Chegue mais perto. — esperô té qui a orelha do escutadô  ficasse mais perto — Pra terminar o assunto anterior e começar um novo, devo lembrar o sinhô que esses negros vêm parar aqui porque se diz que nem os escuros de lá os querem por perto. — dito isso, o siô padre voltô pra encruzilhada da confiança. Precisava confiá na intenção de quem lhe escutava
—        Sinhô Ouvidor-Geral, não dá para ter respeito e reverência em quem se deveria confiar.
O otro se ajeitô melhó, não largô o graal, mais não lhe levô nenhum gole, desconfiô qui o assunto principal tava por sê dito. Pediu qui o siô padre parasse de ladeá os motivo da sua preocupação — O sinhô Padre poderia ser mais claro? — não sabia o qui ia escutá nem o qui ia falá depois de escutá. O siô padre avisô qui mesmo as parede da sacristia podia ouví o qui não devia. Os dois chegaram mais perto os graal e as vista
—        Os mais ilustres associados da Irmandade estão desfalcando as doações da obra Santa?
—        Como assim?
—        Estão escamoteando tudo que é doado. — chegô a hora do vinho fazê o controle da realidade, diferençá os delírio dos heroísmo fingido
—        E quem lhe disse?
—        O encarregado já vinha com os cuidados de anotar o que chegava, o que era usado e as sobras. Nos seus cálculos, quanto menos se usa, menos sobra.
—        E o sinhô confia no encarregado? Ele não é um negro?
 —       O homem é meus olhos, ouvidos e o que fala por mim nas matéria da obra.
A conversa ia assim, tomando o rumo qui mais parecia com disse me disse, enredo de falatório. É difícil acusá gente de bem. O degustadô avaliô o ar da sacristia e respirô fundo. Coçou a carapinha ralinha, depois bateu forte na própria perna e ofereceu uma das estradas da encruzilhada
—        O sinhô padre tem os nomes dos pilhantes?
—        Da maioria. — foi a resposta qui escutô
—        São tantos assim?
—        É menos demorado dizer os nomes de quem não assalta as próprias doações. Mas se sua Excelência aceitar um conselho...
—        Fale, padre.

—        Esse é assunto de pouca conversa com qualquer um dos associados...


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terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Fatos que mudaram a história do Rock (06)

Os BEATLES conhecem ELVIS PRESLEY


27 de agosto de 1965, Hollywood


Trechos do livro 50 fatos que mudaram a história do rock...


"Havia apenas uma pessoa que os Beatles queriam realmente conhecer nos Estados Unidos: Elvis Presley. Não davam a mínima para os outros - Frank Sinatras, Dean Martins da vida. Eles sabiam que só a enorme popularidade que tinham atraía artistas desse patamar até eles. Não tinha nada a ver com a música; estavam a quilômetros de distância nesse quesito. Já Elvis era diferente."


"John Lennon mais tarde comentou: 'Aquele era o cara que todos nós idolatramos durante anos, desde quando estávamos começando em Liverpool. Ele era uma lenda viva, e nunca é fácil conhecer uma lenda viva'."




Beatles meet Elvis 1965 - Dramatização do encontro




"Os Beatles se apresentaram para cinquenta mil fãs aos gritos no Shea Stadium, em Nova York, no dia 15 de agosto de 1965 - um dos maiores shows de todos os tempos. Mais tarde, Lennon contou ter enlouquecido no palco naquela noite."

Abaixo partes do show no Shea Stadium, em Nova York, no dia 15 de agosto de 1965, escolha uma, duas músicas ou... sei lá! A partir daqui você está sozinho com mais 50 mil garotas gritonas!



Twist & Shout 1 ano antes
The Beatles - Twist & Shout - Performed Live On The Ed Sullivan Show 2/23/64







"Twist And Shout" (Live 1964)






Help!





I Feel Fine





Can't Buy me Love





Ticket To Ride





I'm Down





Hard Days Night




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Fatos que mudaram a história do Rock (07)
THE MONKEES: a primeira boy band


domingo, 12 de janeiro de 2014

O canto do cega-rega

Contos e lendas de amor – Guatemala
O canto do cega-rega



Este é um conto antigo, tão antigo quanto o canto do cega-rega! E olhe que desde que o mundo é mundo que ouvimos o canto do cega-rega. É uma história de amor. Uma história de amor tão triste, que é por isso que o cega-rega canta primeiro baixinho, depois mais forte, até arrebentar.
Ah, esse cega-rega, tão apaixonado! Por isso podemos ouvi-lo nas noites de luar, com sua cantilena chocha, sempre a mesma lenga-lenga, cantando no mato junto com as rãs.
Mas vamos ver agora como foi que o cega-rega se apaixonou! Este animalzinho é um inseto boêmio e, desde que Deus o criou, dedicou-se a sair todas as noites a cantar para a Lua, quietinho num galho de ipê. Levantava as antenas para o céu e começava a cantar uma canção com aroma de estrelas e de boa-noite.
Os grilos viviam dizendo:
—        Como canta bem esse danado! Se não tomarmos cuidado, ele vai roubar as nossas namoradas.
—        Será que ele está apaixonado? — perguntava uma rolinha vermelha à amiga, a rolinha cor de laranja.
—        Vai saber! Mas que ele é um ótimo cantor, isso eu sei que ele é!
—        É que ele quer arranjar uma namorada! — gritou a Lua de lá de cima, sorrindo.
—        Sim, Lua, mas por mais que eu cante não aparece nenhuma garota bonita que queira casar-se comigo — respondeu o cega-rega, lá do seu galho de ipê.
—        O que é isso! Você está cheio de admiradoras! — respondeu-lhe a Lua, piscando para ele. — O que acontece é que elas não são como você.
—        Não são como eu? Claro que são! Todas elas são insetos de seis patas! E eu tenho seis... — disse o cega-rega, contando as suas patas para ver se não se enganara.
—        As patas não valem. O que vale é o coração. O coração da sua namorada deverá cantar no ritmo do seu — retrucou a Lua. — Bem, e agora deixe-me empoleirar lá no alto que já é quase meia-noite.
E dizendo isso, a Lua, de um só salto, pulou para as alturas do céu.
O cega-rega ficou pensando, pensando: ”Então minha namorada terá que ter um coração cantador como o meu? Cada coisa que passa pela cabeça da Lua!”.
Ficou a noite toda fazendo uma lista de insetinhas que conhecia: “A vespa? Não, essa não, porque em lugar de cantar, zumbe. A viúva-negra? Não pode ser. Essa aranha nem sequer canta. A carrapatinha? Menos ainda! Essa grudaria em mim e nem me deixaria cantar...”.



O Sol saiu com suas bochechas de gringo e encontrou o cega-rega dormindo como uma pedra, ao lado da lista de possíveis namoradas.
—        Psiu! Não façam barulho! — recomendou aos pássaros, franzindo sua bocona vermelha. — A Lua me contou que o cega-rega não pregou o olho a noite inteira, e se nós o acordamos agora, ele não vai cantar com vontade quando escurecer.
Todo o bosque guardou silêncio para velar o sono do cega-rega. Todos respeitaram. Todos, exceto uma insetinha atrevida que chegou do outro lado do rio.
—        Cega-rega, cega-rega, cega-rega! — cantava ela com voz cheia.
—        Cale a boca, forasteira, que o nosso cantor está dormindo depois de passar a noite em claro, e assim você vai acordá-lo! — gritam todos os bichos, muito zangados pelo alvoroço que a estranha vinha fazendo.
—        Cega-rega, cega-rega, cega-rega! — insistiu a insetinha, batendo as asas rapidamente, até pousar no galho de ipê onde dormia o cega-rega casadouro. Este, com o escândalo, acordou num instante.
—        Cega-rega? — perguntou à insetinha forasteira, espreguiçando-se. — O que é cega-rega?
—        Cega-rega é você e sou eu! — respondeu-lhe a pequena estranha, enquanto exalava um perfume desconhecido para o jovem cega-rega, que o fez tremer da cabeça aos pés. — Você não canta como eu: “cega-rega, cega-rega, cega-rega”? — perguntou-lhe a desconhecida.



—        Não. Eu cantava canções para a Lua, mas de agora em diante vou cantar como você, porque o seu canto é uma festa! — respondeu o jovem entusiasmado.
Então a insetinha lhe fez a seguinte proposta:
—        Vamos voar até o capim que cresce à beira do rio?
O cega-rega mais do que depressa levantou voo atrás dela, e os dois pousaram num talinho de capim-de-burro.
—        Mais que coisa! Então você não sabia que é um cega-rega como eu? — perguntou-lhe a jovem, muito brejeira.
—        É, não sabia, não! Mas agora eu sinto que o meu coração bate no compasso da sua canção! Por que não cantamos?
Então deram-se as patinhas e, olhando-se nos olhos, entoaram a duas vozes a canção que todos nós conhecemos: “cega-rega, cega-rega, cega-rega!”.
Como vocês podem imaginar os dois não tinham olhos nem ouvidos para mais ninguém. Abraçados, cantaram o dia todo e até se esqueceram de almoçar. Ao entardecer, o cega-rega disse à sua amada:
—        Nós estamos apaixonados! Que tal a gente se casar hoje à noite? Assim você vem viver deste lado do rio junto comigo e a gente pode cantar todos os dias.
—        Sim, cega-rega! Claro que eu quero me casar com você hoje mesmo! Vou voando até o outro lado do rio contar aos meus amigos que vamos nos casar. Mas eu volto antes que a Lua esteja alta — respondeu a insetinha, emocionada. E selaram o compromisso com um roçar de antenas.



Enquanto isso, os insetos do bosque estavam loucos da vida.
—        Essa chata do outro lado do rio veio ensinar ao nosso cantor essa musiquinha boba que diz: “cega-rega, cega-rega, cega-rega”. Eu não gosto nem um pouco. O que a gente poderia fazer? — observou uma minhoca, pondo a cabeça de fora por um buraquinho.
—        Eu acho que devemos impedir esse casamento! — disse uma mariposa.
—        Eu concordo! Mas como? — perguntou um mosquito.
—        Isso é fácil! — respondeu uma aranha bem pernóstica. — Eu posso tecer uma teia pegajosa no galho do sapotizeiro que pende para a outra margem do rio. Como essa passagem é obrigatória para voar para este lado do rio, a cega-rega terá que passar por ali e ficará presa em minha teia antes que possa dar um pio. Assim, o nosso cantor não vai saber por que ela não voltou para casar-se com ele, pois só a deixaremos livre muito tempo depois. O que vocês acham da minha ideia?
—        É ótima, estamos de acordo! — responderam em coro todos os insetos do bosque.
—        Muito bem — disse a aranha —, então mãos à obra. E dirigiu-se ao sapotizeiro a passos largos.
Enquanto isso, o noivinho cega-rega cantava muito contente, voejando em volta do ipê: cega-rega, cega-rega, cega-rega!”.




—        Já está ele cantando essa besteira! — queixou-se em voz baixa um pernilongo. — Mas deixa estar que não vai ser por muito tempo! A aranha já aprontou a teia no galho do sapotizeiro.
E era verdade mesmo. A noivinha cega-rega, ignorando a armadilha que lhe haviam preparado os insetos do bosque, voava com rapidez em direção ao rio. Mas antes que pudesse começar a cantar, chocou-se de frente com a teia de aranha. Não pôde mais se mexer! Os fios pegajosos envolveram-na completamente. Mais parecia uma crisálida do que uma cega-rega pequenina presa numa terrível teia de aranha!
As horas passavam lentamente para o noivo, que cantava: “cega-rega, cega-rega, por que você não vem?”. E só recebia o coaxar das rãs do rio como resposta. Sua angústia foi crescendo, quando notou que a Lua já estava muito alta e sua noiva ainda não chegara. Então se pôs a gritar desesperado:
—        Cega-rega, cega-rega, cega-rega, venha por favor!
—        Ai, Esperancinha! — exclamou uma lagarta a uma esperança muito verde. — Será que não estamos cometendo um erro? Em lugar de cantar as belas canções de antes, ele está gritando tanto, que parece que vai arrebentar.
—        Imagine! Você vai ver como depois de todo esse alvoroço ele volta a cantar como a gente gosta — respondeu a esperança despreocupada.
Mas o cega-rega apaixonado não aguentava mais de tanta tristeza e começou a encher o peito para gritar com força: “cega-rega, cega-rega, cega-rega!”, pensando que ela talvez o escutasse do outro lado do rio.
—        CEEGA-REEEGAAAA! PLOC!
—Ploc! O que foi esse ploc? — perguntou uma saúva a um bicho-carpinteiro.
—        Não sei — disse o segundo. — Vamos lá ver.
Quando chegaram ao galho do ipê onde o cega-rega vivia, viram com espanto que ele arrebentara, explodira como uma bexiga colorida.
Desde então, conta a lenda, os cega-regas cantam por amor até arrebentarem. Todos os insetos do bosque sabem disso e já não tratam de forçá-los a cantar canções para a Lua. Agora escutam com respeito o velho canto: “cega-rega, cega-rega, cega-rega...!”

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Contos e Lendas de Amor

Co-edição Latino-americana. Editora Ática. 1986. São Paulo



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