quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Histórias de avoinha: onibàtà, sapateiro: é bão tê obrigação de respeito com os espritu


Ensaio 66B – 2ª edição 1ª reimpressão


onibàtà, sapateiro: é bão tê obrigação de respeito com os espritu


baitasar



na manhã seguinte, bem cedinho, munto antes dos galo se batê em pavonice e cantá o começo da lida na roça, munto primêro qui o calô abrí os braço e as claridade do dia desabotoá as vista pra oiá essa apertada esquina do mundão, o preto josino já tava alavancado. Durumiu munto pôco. O escravo josino foi deitá com o recosto do lombo ardendo e deitá assim num dá gosto. Deitá com lonjura da muié milagres num tinha riamba qui colocava cura na saudade

o hôme josino saiu na procura do pai véio mandiguêro. Num queria assuntá os lanho com ajuda dos branco. Passô longe da botica farmacêutica do boticarista juca curadô. Cruzô com o camará farol, Ainda na lida, Camará Farol?

A lida da iluminação num termina antes das claridade assumí as obrigação própria. E o Josino vai pra onde tão antes do dia vingá?

Vô indo prus lado do Preto Véio Mandiguêro.

Faz bem, faz bem tê as obrigação de respeito com os espritu cumprida. E na Villa num tem ninguém mais conhecedô e respeitado pelos espritu das fôia qui o Preto Mandiguêro.

Ayún.

Àse.

os hôme voltô os passo pru destino dos caminho já traçado. Cada um pru seu lado. Os lanho feito no josino pela chibata nas mão do capitão era pôca cousa, quase uma gentileza, se fosse compará ou inventariá os castigo usado pra dobrá as vontade dos preto da senzala. As condenação de correção pra fazê valê as decisão de capricho dos dono da casa grande

das machucadura qui carregava marcada uma qui otra doia mais, as dô num é igual, mais nenhum lanho desalentava mais qui o lanho das saudade da sua milagres. A lonjura da preta dos seus encanto de hôme lhe dava mais banzo qui os fiô qui num ia tê, Tem dia qui a tristeza fica maió. É quando sô derrotado dinovo dinovo e dinovo. Preto Véio, só queria uma veiz num perdê, ficá de namorice com minha preta. Podê acordá com a doçura dos perfume e os dengue acalorando da muié bemquerê. E sê o hôme qui segura as ventania com as mão pra acomodá o sossego no arredó da muié bemquerê, sê quem assopra nas suas fôia a frescura. Sentí o encorajamento do seu oiá qui movimenta umas tremura de arrepio aqui e ali, e mais lá e cá, inté qui vem fresca e dócil a calmaria. Quero sê o brasêro qui encoraja e cochicha. E faz cócega. E móia as terra da muié. Quero sê muntos hôme de amô pra Milagres. Fazê a língua entrá atrevida e saí sem os cuidado do juízo, moiada de afogada. Nenhum juízo.

o mandiguêro pai véio alevantô do seu banquinho. Os pé no chão nu e cru. Tava fumando seu cachimbo de barro. Escutando. Defumando na volta do mundo do josino os chêro do mato, do alecrim, alho mais arruda e sal

Corre gira Pai Ogum
Fiô qué se defumá
A vontade tem fundamento
É preciso prepará
com incenso, benjoim
alecrim e alfazema
defuma fiô da fé
com as erva da jurema

o preto véio engolia e soprava fumaça nos lanho do josino. Parecia chupá o fumo inté embebedá a cabeça e o corpo como se bebida de cachaça fosse. Conversava dos espritu com josino. Tava no transe do caminho qui num era aqui e num era lá. Tava no meio como uma ponte ligando os incenso, a carne viva e as imaginação da morte qui vive. Comia a cachaça. O preto josino tava encantado pela vida ausente. Os protetô qui tinha chegado deslizava pela fumaça. As baforada continuava. As mão do pai véio tava guiada contra os feitiço dos lanho de branco. E sem reza, sem cantoria, sem dança, o transe do silêncio, como se os espritu tivesse tomado numa tristeza inconformada, o pai véio curava os lanho. Usava a força curativa nas compressa feita do sumo do açoita-cavalo. Escutando. Benzendo. Rezando. Humilde

o josino fungô o desencanto do seu alívio dos lanho da carne qui o pai véio consertava, mais os lanho daquela vida num parecia tê remendo. O mais véio resmungava na língua dos antigo qui viaja no tempo das memória, um andamento de existência antes deste mundão de escravo, Escuta com os óio e vê com o coração. Munta vida vai chegá e partí inté acabá a serventia das corrente nas canela preta. Os branco é munto preguiçoso das lida qui dá calo nas mão, bôia nos pé e suô de sangue. Eles num gosta de gemê, prefere fazê sofrê, tudo no nome do próprio conforto e bem-está. E mais tempo vai ficá a escravidão nos coração dos preto e nas mão dos branco. Vai durá mais qui a vontade de acabá, mesmo depois de acabada essa serventia amaldiçoada e malvada. Os branco vai continuá agarrado com as corrente atarraxada nas canela preta. Num vai se desfazê das bem-feitoria qui juntô nesse tempo de escravidão, tem mais gula qui bão coração. Eles foi ensinado e ensina o qui aprendeu: gostá de tê os preto na sua serventia com incumbência de tudo qui é atendimento, inté os mais feio. É gente qui fala coisa ruim dos preto, mais tá sempre qui pode enrolado nos pano de cama com as preta. E as branca... vai chegá o dia qui elas vai preferí tá de assunto de cama com os preto. Isso incomoda.

É verdade, Pai Véio. Sinto nas carne essas tristeza e cobiça.

Mifio, tem precisão de juntá as luta qui passô mais as luta qui ocê tá fazendo com as luta qui vai ví. Mais num é só assim, é preciso juntá os preto qui se foi mais os preto qui tá aqui com os preto qui vai ví. E lutá as luta da vida com amô na vida. O amô une tudo qui é vida, faz grudá as pessoa. É a vida qui faz a vida se rí dela mesma. O amô é o mestre das coisa da natureza qui tá nas benzedura. Ajôeia, mifio.

o josino dobrô as perna, fincô os jôeio no terrêro da mãe terra, tava desembarcado dos navio negrêro. Fez silêncio e esperô mais reza. Inté qui o mais véio começô suas cantoria de resmungação com pedido e oferecimento. Esperava as bença da sorte se combiná. Chamô os sonho do dia fasto e nefasto, queria tê a decifração dos espritu pra tanto nefasto, pelo menos, um palpite pra desalgá a vida

Pai Véio, acho qui algum desafeto me carregô a mão com mandinga...

Deixa, mifio. Esse pai vai procurá as aplicação pra desfazê o feito.

num sabe se foi, num sabe se num foi, mais lhe pareceu qui a mãe terra abriu o chão e ele enraizô as carne. Depois môiô as raiz com o mesmo sangue qui vazava dos lanho mais o suô qui gotejava da testa e escorria no peito e nas coxa. Ajuntô as ponta da vida com as água dos óio. E da mãe terra saiu brotando mais vida: os preto da vida intêra

Pai João d’Angola com sua ternura, sentado no tronco ele benze esse preto qui tem o nome de Josino. A estrela de Oxalá seu ponto vai iluminá. Ele é o Pai João d’Angola, nosso protetô.

as reza aliviô a alma. As erva e o unguento descarregô as ardidura dos lanho nas costa. O josino tava agarrado nas terra do chão. E assim ficô inté as terra soltá as raiz qui brotô do preto, inté tá alimentado pra continuá. Agradeceu o preto véio e saiu. Tinha precisão de chegá no tempo de começá os serviço do dia na obra santa. Na volta das benzedura, parô pra dizê uma qui otra palavraria com o preto prego. Sapatêro da mão cheia qui atendia na loja do siô joaquim

esse tal siô joaquim foi um portuga da gema munto esperto e bão com a própria bondade. Gostava de se mostrá pra freguesia da loja, Esse negro aqui, apontava o dedo pru preto sapatêro, é o Nêgo Prego. Ele agradece todos os dias os meus sentimentos de humanidade e patriotismo. Eu lhe comprei a alforria dos quefazeres campeiros. As estâncias não são bons lugares para os negros. Hoje, ele é um alforriado folgado que ganha seu sustento de casa e comida. Vive aqui na loja. Nunca lhe encostei um dedo. E jamais precisou. De mais a mais, negro não pode ter ganho. Imagina um negro dono de loja, vai querer parecer gente!

a mesma ladainha, uma ou duas veiz, nos dia qui o portuga aparecia na loja. Ele parecia tê sido encantado com ovo choco e fumo de corda bem ruim, nem o siô bão jesus ia podê livrá o preto prego daquele encosto ruim

na parede, atrás do balcão, o lojista dava destaque prum quadro pensurado. Num era desenho nem pintura, mais uma carta do agradecimento do preto prego pela alforria recebida do seu novo siô. Explicava qui num tinha sido escrita do próprio punho do prego purqui, Vosmecês sabem que os negros não sabem escrever nem ler. São muito preguiçosos e não atinam com essas coisas mais complexas, mas com um martelo, alguns pregos e pedaços de couro, esse seu estado de quase selvageria ganha um bom uso. Assim, eles ganham importância. Esse aqui, apontô pru preto prego qui consertava botas fidalga e num saiu do qui tava fazendo, sentado tava, sentado ficô, é um ótimo sapateiro. E eu fiz um bom investimento, voltô as vista pra carta-gratidão, todos podem ver a marca do Nêgo Prego, a mesma que ele usa no couro.

a carta tava lá, numa letra bonita, pra quem chegava na sapataria. Um desenho de letra branca. Depois do começo das apresentação, se a freguesia num corria, ele sempre teve gosto de lê a carta escrita do próprio punho da maria letícia, Eu fui escravo, começava a leitura sempre com a voz mais solene qui sabia fazê, e muito regozijo senti quando o sinhô Joaquim de Alhures me permitiu ser livre. A liberdade me foi concedida por sua generosidade. Quando o alvedrio não é readquirido por esforço próprio, mas sim restituída ao escravo pela generosidade do sinhô branco, como foi no meu caso, então, além do regozijo, experimento o mais profundo sentimento de gratidão. É por isso que reconhecendo seu coração altamente generoso, verdadeiramente magnânimo, faço todos acreditarem que se ontem era cativo, na humilde condição de escravo, serei, de hoje em diante, sempre seu cativo unicamente pelo nobre sentimento da gratidão e pela mais respeitosa e profunda amizade. Vai abaixo, minha marca.

nem o siô joaquim creditava na própria generosidade, confiava mais nos ganho qui chegava das mão do prego. Ele inté ensinava o fiô sê benevolente com os preto quando pudesse, mais fosse sempre firme, Meu filho, mantenha os freios sempre curtos, que o animal pode querer atropelar!

o portuga evitava tê essa conversa com a própria muié, uma mulata qui ele desembestô qui devia batizá. E batizô maria letícia. Depois embirrô qui devia casá. E casô. A mulata lhe deu o fiô qui ele batizô joaquim manuel. Fiô de joaquim precisava sê joaquim mais alguma coisa. A mulata escapô da escravidão e aceitô o mundo do casamento. Ganhô importância e consideração na casa e na loja. Fora disso, num ganhava convite de visita. A muié num reclamava. A esposa num queria sabê de nada qui pudesse entristecê o oiá de atrevimento do esposo ou as reza na igreja santa. Concordava com tudo. Achava mais custoso arrumá o sorriso desfeito do marido. Queria aliviá o peso das pegada no chão. Num queria sabê de mais história de aflição na sua volta. Num mesmo. Num saia da casa sozinha mais qui os passo inté o casarão das reza e do perdão. Num precisava sê mais do qui já era: a muié do portuga sapatêro. Tinha um mundo só dela. Gostava assim

o josino gostava de aparecê na loja da sapataria pra ficá de prosa com o preto prego, mais só ficava inté bem antes do siô joaquim levantá dos pano dormido. Chegava cedo. Aparecia adiantado, antes das terra ganhá as quentura e as pegada do dia

É bão o amigo tê obrigação de respeito com os espritu.

Eles manda, eles governa a mãe Terra.

O amigo chegô da Humaitá, quando?

os trabáio na villa podia parecê mais ameno qui nas estância, mais na cidade tumbém num tinha munta alegria do bem vivê. Podia inté sê convidado pra confraria dos preto livre, escravo, criolo ou mulato, mais num se dava o trabáio de respondê. Num era coisa ruim tá na irmandade, eles se dedicava à educação religiosa e caridade social, tumbém ajudava nos tempo de doença ou enterro cristão dos preto. A irmandade tava comprometida com a libertação dos escravo e fazê aparecê na villa os canto e as dança qui tanto assustava os branco, mais num queria mais qui tá com sua milagres





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