Juan Rulfo
14. Pedro Páramo: Oí que ladraban los perros
La noche. Mucho más allá de la medianoche. Y las voces:
14. Pedro Páramo: Oí que ladraban los perros
Oí que ladraban los perros, como si yo los hubiera despertado. Vi un hombre cruzar la calle:
-¡Ey, tú! -llamé.
-¡Ey, tú! -me respondió mi propia voz.
Y como si estuvieran a la vuelta de la esquina, alcancé a oír a unas mujeres que platicaban:
-Mira quién viene por allí. ¿No es Filoteo Aréchiga?
-Es él. Pon la cara de disimulo.
-Mejor vámonos. Si se va detrás de nosotras es que de verdad quiere a una de las dos. ¿A quién crees tú que sigue?
-Seguramente a ti.
A mí se me figura que a ti.
-Deja ya de correr. Se ha quedado parado en aquella esquina. -Entonces a ninguna de las dos, ¿ya ves?
-Pero qué tal si hubiera resultado que a ti o a mí. ¿Qué tal?
-No te hagas ilusiones.
-Después de todo estuvo hasta mejor. Dicen por ahí los díceres que es él el que se encarga de conchavarle muchachas a don Pedro. De la que nos escapamos.
-¿Ah, sí? Con ese viejo no quiero tener nada que ver.
-Mejor vámonos.
-Dices bien. Vámonos de aquí.
-¡Ey, tú! -llamé.
-¡Ey, tú! -me respondió mi propia voz.
Y como si estuvieran a la vuelta de la esquina, alcancé a oír a unas mujeres que platicaban:
-Mira quién viene por allí. ¿No es Filoteo Aréchiga?
-Es él. Pon la cara de disimulo.
-Mejor vámonos. Si se va detrás de nosotras es que de verdad quiere a una de las dos. ¿A quién crees tú que sigue?
-Seguramente a ti.
A mí se me figura que a ti.
-Deja ya de correr. Se ha quedado parado en aquella esquina. -Entonces a ninguna de las dos, ¿ya ves?
-Pero qué tal si hubiera resultado que a ti o a mí. ¿Qué tal?
-No te hagas ilusiones.
-Después de todo estuvo hasta mejor. Dicen por ahí los díceres que es él el que se encarga de conchavarle muchachas a don Pedro. De la que nos escapamos.
-¿Ah, sí? Con ese viejo no quiero tener nada que ver.
-Mejor vámonos.
-Dices bien. Vámonos de aquí.
La noche. Mucho más allá de la medianoche. Y las voces:
-... Te digo que si el maíz de este año se da bien, tendré con qué pagarte. Ahora que si se me echa a perder, pues te aguantas.
-No te exijo. Ya sabes que he sido consecuente contigo. Pero la tierra no es tuya. Te has puesto a trabajar en terreno ajeno. ¿De dónde vas a conseguir para pagarme?
-No te exijo. Ya sabes que he sido consecuente contigo. Pero la tierra no es tuya. Te has puesto a trabajar en terreno ajeno. ¿De dónde vas a conseguir para pagarme?
-¿Y quién dice que la tierra no es mía?
-Se afirma que se la has vendido a Pedro Páramo.
-Yo ni me le he acercado a ese señor. La tierra sigue siendo mía.
-Eso dices tú. Pero por ahí dicen que todo es de él.
-Que me lo vengan a decir a mí.
-Mira, Galileo, yo a ti, aquí en confianza, te aprecio. Por algo eres el marido de mi hermana. Y de que la tratas bien, ni quien lo dude. Pero a mí no me vas a negar que vendiste las tierras.
-Te digo que a nadie se las he vendido.
-Pues son de Pedro Páramo. Seguramente él así lo ha dispuesto. ¿No te ha venido a ver don Fulgor?
-No.
-Seguramente mañana lo verás venir. Y si no mañana, cualquier otro día.
-Pues me mata o se muere; pero no se saldrá con la suya.
-Requiescat in paz, amén, cuñado. Por si las dudas.
-Me volverás a ver, ya lo verás. Por mí no tengas cuidado. Por algo mi madre me curtió bien el pellejo para que se me pusiera correoso.
-Entonces hasta mañana. Dile a Felícitas que esta noche no voy a cenar. No me gustaría contar después: «Yo estuve con él la víspera».
-Te guardaremos algo por si te animas a última hora.
Se oyó el trastazo de los pasos que se iban entre un ruido de espuelas.
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El mexicano Juan Rulfo (1918-1986) figura, a pesar de la brevedad de su obra, entre los grandes renovadores de la narrativa hispanoamericana del siglo XX. De formación autodidacta, trabajó como guionista para el cine y la televisión. Con sólo dos obras de ficción publicadas -el libro de relatos El llano en llamas y la novela Pedro Páramo-, ha ejercido una decisiva influencia en la literatura en castellano del último medio siglo. En 1983 recibió el premio Príncipe de Asturias de las Letras.
14. Pedro Páramo: Ouvi que os cães latiam
Ouvi que os cães latiam, como se eu os houvesse despertado. Vi um homem atravessando a rua:
— Ei, você! — chamei.
— Ei, você! — me respondeu minha própria voz.
E como se estivessem na virada da esquina, ouvi umas mulheres que conversavam:
— Olha só quem vem lá. Não é o Filoteo Aréchiga?
— É ele. Vamos fingir que não vimos.
— É melhor a gente ir embora. Se ele vier mesmo atrás de nós é que de verdade quer uma das duas. Quem você acha que ele vai seguir?
— Você, com certeza.
— Pois eu acho que vai seguir mesmo é você.
— Pois pode parar de correr. Ele ficou parado naquela esquina.
— Pois então não é nenhuma das duas, está vendo?
— Mas que tal se fosse você ou eu? Que tal?
— Não se iluda.
— Afinal de contas, até que foi melhor. Dizem por aí que é ele quem se encarrega de conseguir mocinhas para dom Pedro. Veja só do que escapamos.
— É mesmo? Pois com esse velho não quero ter nada a ver.
— É melhor a gente ir.
— Você disse bem. Vamos embora daqui.
Noite. Muito além da meia-noite. E as vozes:
— ... Pois eu digo que se o milho deste ano der bem, a gente vai ter como pagar você. Agora, se o milho se perder, você vai ter de aguentar mais.
— Não exijo. Você sabe muito bem que fui razoável com você. Mas a terra não é sua. Você se pôs a trabalhar em terreno alheio. Vai tirar de onde para poder me pagar?
— E quem foi que disse que a terra não é minha?
— O que se afirma por aí é que você vendeu para Pedro Páramo.
— Eu nem cheguei perto desse senhor. A terra continua sendo minha.
— Isso é o que você diz. Mas por aí o que se diz é que tudo é dele.
— Pois que venham dizer a mim.
— Olha bem, Galileo, eu, aqui em confiança, aprecio você. Não é à toa que você é o marido da minha irmã. E que você a trata bem, não há quem duvide. Mas não venha me negar que vendeu as terras.
— Estou dizendo que não vendi.
— Só que elas são de Pedro Páramo. Na certa ele decidiu assim. Dom Fulgor não veio ver você?
— Não.
— Na certa você vai ver ele chegando amanhã. Se não amanhã, qualquer outro dia.
— Pois me mata ou morre; mas não vai sair do jeito que chegou.
— Requiescat in pace, amém, cunhado. Por via das dúvidas.
— Pode deixar, que você vai voltar a me ver. Não se preocupe por mim. Não foi à toa que minha mãe curtiu bem meu couro, para que aguentasse.
— Até amanhã então. Diga a Felícitas que esta noite não venho jantar. Eu não gostaria de poder contar depois: “Eu estive com ele na véspera.”
— Vamos guardar alguma coisa, se você na última hora mudar de ideia.
Ouviram-se os pesados passos que iam embora entre um ruído de esporas.
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Rulfo, Juan Pedro Páramo / tradução e prefácio de Eric Nepomuceno. — Rio de Janeiro: BestBolso, 2008. Tradução de: Pedro Páramo ISBN 978-85-7799-116-7 1. Romance mexicano. I. Nepomuceno, Eric. II. Título
Pedro Páramo – Romance mais aclamado da literatura mexicana, Pedro Páramo é o primeiro de dois livros lançados em toda a vida de Juan Rulfo. O enredo, simples, trata da promessa feita por um filho à mãe moribunda, que lhe pede que saia em busca do pai, Pedro Páramo, um malvado lendário e assassino. Juan Preciado, o filho, não encontra pessoas, mas defuntos repletos de memórias, que lhe falam da crueldade implacável do pai. Vergonha é o que Juan sente. Alegoricamente, é o México ferido que grita suas chagas e suas revoluções, por meio de uma aldeia seca e vazia onde apenas os mortos sobrevivem para narrar os horrores da história. O realismo fantástico como hoje se conhece não teria existido sem Pedro Páramo; é dessa fonte que beberam o colombiano Gabriel Garcia Márquez e o peruano Mario Vargas Llosa, que também narram odisseias latino-americanas.
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Leia também:
13. Pedro Páramo: Tocó nuevamente con el mango del chicote - Juan Rulfo
15. Pedro Páramo: … Mañana - Juan Rulfo
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14. Pedro Páramo: Ouvi que os cães latiam
— Ei, você! — chamei.
— Ei, você! — me respondeu minha própria voz.
E como se estivessem na virada da esquina, ouvi umas mulheres que conversavam:
— Olha só quem vem lá. Não é o Filoteo Aréchiga?
— É ele. Vamos fingir que não vimos.
— É melhor a gente ir embora. Se ele vier mesmo atrás de nós é que de verdade quer uma das duas. Quem você acha que ele vai seguir?
— Você, com certeza.
— Pois eu acho que vai seguir mesmo é você.
— Pois pode parar de correr. Ele ficou parado naquela esquina.
— Pois então não é nenhuma das duas, está vendo?
— Mas que tal se fosse você ou eu? Que tal?
— Não se iluda.
— Afinal de contas, até que foi melhor. Dizem por aí que é ele quem se encarrega de conseguir mocinhas para dom Pedro. Veja só do que escapamos.
— É mesmo? Pois com esse velho não quero ter nada a ver.
— É melhor a gente ir.
— Você disse bem. Vamos embora daqui.
Noite. Muito além da meia-noite. E as vozes:
— ... Pois eu digo que se o milho deste ano der bem, a gente vai ter como pagar você. Agora, se o milho se perder, você vai ter de aguentar mais.
— Não exijo. Você sabe muito bem que fui razoável com você. Mas a terra não é sua. Você se pôs a trabalhar em terreno alheio. Vai tirar de onde para poder me pagar?
— E quem foi que disse que a terra não é minha?
— O que se afirma por aí é que você vendeu para Pedro Páramo.
— Eu nem cheguei perto desse senhor. A terra continua sendo minha.
— Isso é o que você diz. Mas por aí o que se diz é que tudo é dele.
— Pois que venham dizer a mim.
— Olha bem, Galileo, eu, aqui em confiança, aprecio você. Não é à toa que você é o marido da minha irmã. E que você a trata bem, não há quem duvide. Mas não venha me negar que vendeu as terras.
— Estou dizendo que não vendi.
— Só que elas são de Pedro Páramo. Na certa ele decidiu assim. Dom Fulgor não veio ver você?
— Não.
— Na certa você vai ver ele chegando amanhã. Se não amanhã, qualquer outro dia.
— Pois me mata ou morre; mas não vai sair do jeito que chegou.
— Requiescat in pace, amém, cunhado. Por via das dúvidas.
— Pode deixar, que você vai voltar a me ver. Não se preocupe por mim. Não foi à toa que minha mãe curtiu bem meu couro, para que aguentasse.
— Até amanhã então. Diga a Felícitas que esta noite não venho jantar. Eu não gostaria de poder contar depois: “Eu estive com ele na véspera.”
— Vamos guardar alguma coisa, se você na última hora mudar de ideia.
Ouviram-se os pesados passos que iam embora entre um ruído de esporas.
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Rulfo, Juan Pedro Páramo / tradução e prefácio de Eric Nepomuceno. — Rio de Janeiro: BestBolso, 2008. Tradução de: Pedro Páramo ISBN 978-85-7799-116-7 1. Romance mexicano. I. Nepomuceno, Eric. II. Título
Pedro Páramo – Romance mais aclamado da literatura mexicana, Pedro Páramo é o primeiro de dois livros lançados em toda a vida de Juan Rulfo. O enredo, simples, trata da promessa feita por um filho à mãe moribunda, que lhe pede que saia em busca do pai, Pedro Páramo, um malvado lendário e assassino. Juan Preciado, o filho, não encontra pessoas, mas defuntos repletos de memórias, que lhe falam da crueldade implacável do pai. Vergonha é o que Juan sente. Alegoricamente, é o México ferido que grita suas chagas e suas revoluções, por meio de uma aldeia seca e vazia onde apenas os mortos sobrevivem para narrar os horrores da história. O realismo fantástico como hoje se conhece não teria existido sem Pedro Páramo; é dessa fonte que beberam o colombiano Gabriel Garcia Márquez e o peruano Mario Vargas Llosa, que também narram odisseias latino-americanas.
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